Barão von Schwerin: O tarado indomável
Desta vez parece que eu tinha conseguido. Na minha cabeça não era motivo para tamanho alarde e, muito menos, para aquela fúria desmedida que se apossou do meu pai quando, após cinco estudando em Paris, ele acreditava que eu voltaria com um diploma de administração nas mãos, e não um de filosofia, cuja serventia era nula para os planos que havia traçado para mim na empresa de importação e exportação de comércio marítimo que tinha fundado. Possesso, ele berrava a plenos pulmões comigo na biblioteca, onde também ficava seu escritório em casa, fazendo sua voz tronante ecoar por todos os ambientes, deixando os empregados assustados e temerosos, enquanto minha mãe e meus irmãos mais velhos trataram de arrumar algum compromisso que os tirasse das vistas dele.
- Essa foi a última vez, Jan! Minha paciência com você acabou. Filosofia, ora vejam só aonde chegamos! Como se atreveu a tanto, Jan? Desperdiçar seu tempo e meu dinheiro frequentando uma faculdade de anarquistas, vagabundos que se dizem intelectuais enquanto devaneiam entre bares e bordeis com as mentes boiando em álcool ou drogas. É a isso que você chama estudar? Tome o exemplo dos teus irmãos, foram para a universidade e são meus braços direitos na companhia, são homens de negócio, responsáveis e produtivos. Sabe para que serve este papel que você trouxe para casa? Para limpar o cu! – gritou ele, enquanto eu o encarava desafiador, pois seus gritos e toda aquela gesticulação nunca me intimidaram. Renderam algumas boas surras quando criança, é certo, mas ele não se atreveria a tanto agora. Ou atreveria? Por precaução, fiquei fora do alcance de suas mãos.
- Eu não me vejo lidando com números, trancafiado numa sala o dia todo enquanto a vida acontece lá fora. Você já tem o Karl e o Jürgen para te ajudar na empresa, o que eu ia fazer lá com esses dois que nunca fizeram outra coisa que não mangar de mim? – revidei, enfrentando sua teimosia.
- E vai fazer o quê? Filosofar? Quando foi que isso gerou algum lucro? Eu devia ter trazido você na rédea curta, mas não, fui tolerante e, ainda por cima, deixei sua mãe me influenciar enquanto passava a mão na sua cabeça, apesar de todas que você já aprontou. Isso acaba aqui, Jan. Ah, se acaba! Esta semana mesmo você vai para a casa de campo em Kramerhof, e só volta de lá, se, e quando minha raiva passar.
- O que vou fazer sozinho naquele fim de mundo? Sem mencionar que a casa está abandonada há anos, desde que o vovô morreu.
- O que você vai fazer lá? Ora, filosofar! Não é isso que você sabe fazer? Eu não quero ouvir mais nenhuma desculpa, minha decisão está tomada, semana que vem você embarca para a costa do Báltico, e está acabado. Estava mesmo planejando reformar a casa e, você estando lá, o empreiteiro não vai fazer corpo mole. – sentenciou ele, como se fosse um juiz batendo o martelo. Pelo menos por hora, era bom eu aceitar seus termos e sair de suas vistas por algum tempo.
Como tantos outros casais no final do século XIX, meus pais se casaram por conveniência. Aristocratas se casavam com burgueses bem-sucedidos num ganha-ganha para ambos os lados. Não foi o caso dos meus pais. Minha mãe era a terceira geração de uma família burguesa abastada da Saxônia, enquanto meu pai acabara de entrar para essa elite burguesa quando viu a empresa de comércio marítimo que fundou deslanchar com o progresso que tomava conta de alguns países da Europa em meados dos anos 1890. O capital da empresa triplicou após o casamento, com o aporte de recursos que minha mãe injetou no empreendimento. Reinos se uniam e suas economias cresciam, as demandas de uma nova classe de cidadãos exigiam mercadorias de todas as partes do mundo. Um primeiro e sucateado vapor logo se mostrou insuficiente para acompanhar o crescimento das importações e exportações, meu pai adquiriu o segundo, o terceiro, o quarto já saiu do estaleiro especialmente projetado para percursos mais longos e, uma década depois, a frota tinha mais de trinta navios, havia escritórios em 18 países, e toneladas eram transportadas através dos cinco mares. Sediada em Hamburgo, logo se tornou uma das maiores empresas de navios transatlânticos do mundo. Era nesse universo que meu pai tencionava enfiar os três filhos, garantindo assim um clã empresarial que só tendia a crescer.
Os primeiros anos de casamento foram envoltos no descobrimento de uma nova vida, vieram dois filhos homens com uma diferença de dois anos entre eles, antes de cair na rotina e no desgaste. Meu pai tinha uma só vida, a empresa. Minha mãe vivia num mundo à parte que não conhecia as mazelas do mundo. Com uma prima solteirona como companhia, circulava em constantes viagens pela Europa, América e onde lhe levassem os desejos. O casamento desgastado foi alvo de uma tentativa de salvamento, o que fez com que, uma década depois do nascimento do último filho, viesse um terceiro, eu.
O limiar de paciência de ambos já havia sido gasto na criação dos dois primeiros, fazendo com que não restasse mais nada para mim. Meu pai deixou ao encargo da minha mãe a responsabilidade da minha criação, enquanto ela delegara a função às babás e demais criados da casa. Para meus irmãos, eu não passava de um bode expiatório, um objeto de pilhéria, um saco-de-pancada. Nada naquela vida parecia se encaixar com a minha personalidade, tornei-me um rebelde afrontador e inconformado. Cursar a universidade em Paris me pareceu a solução de todos os meus problemas, estaria livre para seguir minha vida longe do controle rígido da família. Fui para estudar administração, seguindo mais do que um desejo do meu pai, quase uma ordem. Após o primeiro ano, me sentia um peixe fora d’água entre aqueles estudantes cujo futuro já estava traçado nos negócios de suas famílias. Ali não se pensava, não se questionava, apenas se mergulhava em fórmulas e números, estratégias e lucros. Devia haver algo mais a se fazer, onde a mente pudesse ser criativa, onde os problemas sociais que nos cercavam não eram apenas coadjuvantes, eram o que movia a sociedade como um todo. Uma palestra do, na época, popular teórico francês do sindicalismo revolucionário, Georges Sorel, me levou a mudar de curso sem dar ciência aos meus pais dessa mudança. Agora sim, eu estava onde queria. A rebeldia, o radicalismo e o extremismo que ele pregava, iam exatamente de encontro com o que eu sentia em relação ao autoritarismo paterno, o que me fez embarcar de corpo e alma em suas teorias. Mais uma vez, contrariava meu pai, sabendo que teria contas a ajustar quando regressasse.
Se, por um lado, meus mestres na universidade abriram minha mente, por outro me cegaram. Nos anos que antecederam a virada do século, a França estava envolta num clima de paz externa após ter cumprido com rapidez e eficácia as punições impostas pela derrota na Guerra Franco-Prussiana. Vivia-se a Belle Époque, efervescência cultural que influenciava mundialmente os costumes franceses, a moda e a arte. A eclosão do Caso Dreyfuss revelaria uma sociedade burguesa profundamente conservadora, católica e bastante apegada às suas forças armadas como guardiãs da pátria. A Terceira República Francesa, erigida sobre tais valores, se converteu em um regime que dava ao país certa estabilidade, apesar do crescimento do movimento anarquista, pano de fundo do assassinato do presidente Sadi Carnot, em 1894. Atraído por esses ideais anarquistas, como tantos outros estudantes, saí às ruas gritando palavras de ordem sem ter refletido o bastante sobre elas. Numa noite chuvosa e fria de inverno o tumulto que tomava conta das ruas de Paris foi dispersado por uma polícia não disposta a poupar os anarquistas. Gustave, um jovem parrudo e destemido, que conheci semanas antes, enfrentava os policiais com uma garra que eu jamais havia visto, lançando pedras e paus contra os soldados armados, e ateando fogo a estabelecimentos comerciais numa depredação incontrolada, até nos vermos cercados por um contingente de soldados impossível de ser peitado. Corremos, encharcados pela chuva, nos embrenhamos pelas ruas secundárias e vielas até chegarmos ao meu apartamento. Sem fôlego e com os bofes de fora, nos encaramos e caímos na risada.
- Essa foi por pouco! – exclamou ele, arfando, enquanto se livrava das roupas molhadas.
- Achei que fossem nos pegar! – devolvi, com a voz tremula e mais assustado do que uma presa encurralada.
- Ficou com medo?
- Como nunca havia sentido antes! – respondi.
- Eu nunca deixaria que algo de ruim te acontecesse! – além da sinceridade em seu tom de voz, havia nela quase um juramento.
Eu que já o admirava, senti naquelas palavras uma segurança que ninguém havia me proporcionado antes. Não sei elas me impressionaram por si só, ou se aquele corpo musculoso quase nu diante das minhas vistas tinha sua parcela de culpa ou também, aquele par de olhos que focava a nudez do meu corpo esguio. Ele se aproximou lentamente, tocou meu rosto com sua mão potente, sorriu e juntou seus lábios aos meus. Um frenesi percorreu minha espinha e, minutos depois, eu gemia debaixo do corpo pesado dele tendo minha virgindade deflorada pelo cacetão impulsivo dele. Gustave cuidou com tanto zelo das minhas preguinhas mutiladas e ensanguentadas, limpando com uma toalha molhada as gotículas que afloravam na minha rosquinha anal, que eu me perdi de amores por ele. A cegueira durou dois anos. Enquanto ele participava dos conluios estudantis, eu bancava sua alimentação, seu teto, suas reuniões com os amigos em troca de uma cama na qual ele ia me transformando num gay convicto. Às vésperas de regressar à Prússia, deixei-o com um bilhete sem muitas explicações, pois meus olhos subitamente se abriram, e eu vi um Gustave que jamais lutaria por sua subsistência, que as questões políticas se sobreporiam a conseguir ser alguém na vida, que sempre precisaria de alguém custeando suas ideias revolucionárias. Minha decepção nem foi tanto com ele, mas com o que haviam me incutido na faculdade, princípios que pouco valiam numa sociedade em desenvolvimento. De repente, os gritos de liberté, egalité, fraternité passaram a não me significar muita coisa, enquanto fazia seus propaladores serem criaturas que pouco acrescentavam ao bem-social.
Inconformado com a minha partida sem explicações, ele me escreveu uma carta que chegou antes de mim ao destino, pois antes de voltar para casa, eu fui passar umas semanas com um colega da faculdade em Neuchâtel, onde sua família se dedicava a vinicultura. Meu irmão Jürgen abriu a correspondência poucos dias antes da minha chegada, em mais uma de suas costumeiras sacanagens. O que ele e, nem a família suspeitavam, estava ali descrito com todas as letras num linguajar quase obsceno, erótico, mencionando a saudade que minhas carícias e meu cuzinho estavam provocando num Gustave desolado. O caçula que havia partido para se formar em administração, voltava um pederasta. Não admira que meu pai ao me ter ao seu alcance, despejou toda sua ira contra mim, o filho filósofo e viado.
Ao longe, incrustada num terreno de 90 hectares, o casarão branco de dois andares e um sótão abrigou três gerações da família Kedingshagen antes de meu avô falecer, e a construção ficar sob os cuidados de empregados, sendo raramente usada durante os verões na costa do Mar Báltico. Em minhas lembranças, só haviam restado imagens de um único verão que passei por lá. Eu era pequeno demais para me lembrar de muita coisa daquelas férias, embora as recordações fossem boas, porque eu não saberia dizer.
Fui recebido pelo casal de empregados de meia idade, Franz e Matilda, responsáveis pela manutenção do casarão e dos demais criados da propriedade. Eles tinham sido avisados por uma visita prévia do meu irmão mais velho, Karl, juntamente com a informação de que a casa passaria por uma reforma, tendo-lhes sido apresentado à ocasião, o empreiteiro encarregado de conduzi-la.
Fazia um belo dia de verão na tarde em que cheguei, enormes nuvens brancas percorriam ligeiras o céu azul e límpido. A casa parecia um verdadeiro canteiro de obras. Haviam restado poucos aposentos intactos, destinados e me servir de moradia. Nada entre aquela bagunça me trouxe alguma recordação, as que podiam, já haviam sido removidas ou se encontravam numa parte da casa amontoadas e cobertas com enormes tecidos brancos. Afora mais alguns cabelos brancos nas cabeças, o Franz e a Matilda ainda guardavam a expressão bonachona e carinhosa com a qual haviam me tratado quando criança. Eles estavam visivelmente felizes com a minha chegada, pois ela significava uma ressureição daquela casa abandonada a tanto tempo.
Dormi como um anjo no amplo e confortável quarto que ainda estava intacto, talvez pelo cansaço da viagem, talvez embalado pelo vento que soprava do mar e amenizava o calor do dia. Cozinha, uma sala de refeições anexa que dava para o quintal e a horta, o gabinete do meu avô, uma das salas que agora se transformara temporariamente na de visitas, e um terraço emoldurado por esquadrias de vidro foram os ambientes que restaram intactos e seriam reformados após a conclusão dos demais, permitindo assim que eu tivesse onde me alojar. Após o desjejum, fui dar uma caminhada sem destino certo, para fazer um reconhecimento. Demorei-me mais do que o planejado, deslumbrado com a beleza e a quietude do lugar, e encontrei uma Matilda impaciente, com o almoço a esfriar. Ela já começava a entender o porquê de eu ter sido deportado para ali, o garotinho travesso daquele único verão que em que esteve em Kramerhof parece que havia se transformado num jovem sem muitas regras.
A notícia de que um Kedingshagen havia voltado a ocupar o casarão logo se espalhou pela pequena comunidade, chegando até as vizinhanças. Por isso, não estranhei quando recebi no terceiro dia após a minha chegada, a visita do pastor protestante da igreja de Santa Maria em Stralsund, a pouco mais de 6,5 quilômetros de distância. Vasculhando o gabinete do meu avô na noite anterior, havia encontrado algumas relíquias, entre elas alguns cadernos de álgebra do meu pai dos tempos de estudante, repletos de anotações elogiosas do professor ao lado dos exercícios e, uma espécie de livro-caixa que meu avô mantinha, onde constavam polpudas contribuições mensais para a igreja, entre outras entradas e gastos com as vastas terras que compunham a propriedade na época e, que haviam sido vendidas em grande parte após a sua morte, por se tratar de terras cultiváveis. A visita sob o pretexto de me dar as boas-vindas logo deixou claro seu objetivo, me convencer a gratificar a igreja com aquelas generosas contribuições que meu avô fazia.
Ele era um homem grande, acima do peso, o ralo cabelo circundava o topo glabo da cabeça redonda, voz imponente e grossa, e um sorriso bajulador. Não perdeu muito tempo com preâmbulos, foi logo ao ponto, assim que achou que tinha me conquistado. Veio acompanhado do filho, um jovem que devia parear a idade comigo, introvertido e de uma timidez fingida, pois algo em seu olhar brilhava contestando a imagem que queria deixar transparecer. Senti uma empatia mutua, embora a conversa do pai tivesse ofuscado as poucas frases que pronunciou. Algo me dizia que ele era gay, talvez isso tivesse influenciado a pronta empatia. Não que eu estivesse procurando por um parceiro, mas saber que não era o único gay no pedaço podia representar uma boa amizade e ter com quem conversar mais abertamente sobre assuntos íntimos e proibidos para com os demais. Ao que parece, ele pensava de modo semelhante, percebendo que teria alguém com quem compartilhar os segredos de sua vida.
Para decepção do pastor, deixei claro que aquelas contribuições regulares e vultuosas haviam terminado com a morte do meu avô. Quando muito, eu participaria muito esporadicamente de algum culto e, eventualmente, faria alguma doação modesta. Apesar disso, ele fez questão de me convidar para o culto dominical antes de partir.
Como o Franz e a Matilda frequentavam regularmente os cultos, resolvi acompanhá-los, seria uma chance de conhecer alguns moradores da região e, quem sabe, começar a criar um círculo de amizades, o que aplacaria um pouco da minha solidão. À saída da igreja, fui formalmente apresentado à família do pastor, esposa, o filho Heinz e a filha Bertha, além de outras famílias que o pastor insistiu que me apertassem a mão numa demonstração de boas-vindas. Conversei um pouco com o Heinz, para descobrir se minhas suspeitas se confirmavam. Combinamos de ele passar em casa num dia daquela semana, para fazermos um passeio pela praia e ele me apresentar alguns pontos pitorescos daquele litoral deslumbrante.
Ele apareceu na quarta-feira quando eu já começava a apresentar os primeiros sintomas de tédio por estar naquele lugar desolado sem a companhia de alguém da minha idade. Após o almoço empreendemos uma caminhada até as margens da floresta na aldeia de Parow. Ele me confirmou a homossexualidade, falou de um caso que vinha mantendo com o filho do administrador das terras do Barão von Schwerin; mas no qual não via muito futuro, uma vez que este relutava em assumir o romance temendo ser visto também como gay. Rimos muito com a desfaçatez com a qual ele me contou alguns de seus encontros sexuais com o filho do administrador, de como ele era ousado e safado no sexo, de como o tinha desvirginado com um cacete cavalar que o deixou sem poder se sentar por quase uma semana. Ele era divertido ao fazer os relatos cheios de passagens ricamente floreadas, como só um gay conseguia fazer, desmanchando aquela impressão de timidez de sua visita junto ao pai. Íamos nos dar bem, como logo ficou evidente, embora eu fosse menos efusivo nos meus relatos quanto ao passado homossexual, até porque não tinha a mesma bagagem e experiência que ele, em cujo passado houve mais alguns caras além do filho do administrador. Eu também era menos falante, e nem sua insistência conseguiu extrair muitos detalhes da minha relação com o Gustave, algo que eu queria esquecer, por ter me sentido usado feito um trouxa por sua acomodação.
Nem o vento nórdico que soprava do Báltico estava dando conta de amenizar o calor daquela tarde, tornando nossos passos lentos. Havíamos chegado a uma pontezinha estreita de madeira que passava sobre um córrego raso, quando, bem no meio da ponte, fomos ultrapassados por uma raposa em fuga, sendo perseguida por dois cavaleiros que enfiaram seus cavalos a galope no espaço exíguo da ponte, fazendo com que as patas dos cavalos sobre o madeirame desse a impressão de que ela estava desmontando. O Heinz correu aos gritos até a margem oposta, enquanto eu, assustado pela insensatez dos cavaleiros, pulei sobre o vigamento da balaustrada da ponte, tentando escapar de um atropelamento que podia ser fatal, caso fosse derrubado por um dos cavalos naquele galope desatado. Na urgência, perdi o equilíbrio quando minha bunda, ao invés de se assentar sobre a viga, passou direto e me fez cair na água, me estropiando todo nas pedras do leito do córrego.
- Maluco desgraçado! Está tentando nos matar, seu cretino? A ponte é para pedestres e não uma pista de hipódromo, seu babaca assassino! – berrei de dentro da água, quando os dois terminaram de atravessar a ponte, e rodopiavam com os cavalos excitados pelo galope.
- Desculpe, ai! – gritou o que tinha quase me atropelado.
- Desculpe o cacete, seu irresponsável! Podia ter me matado, seu imbecil! – continuei a berrar, furioso e com as escoriações causadas pela queda sobre as pedras começando a sangrar.
A distração os fez perder a raposa de vista, que tratou de salvar sua vida adentrando na floresta. O outro cavaleiro se mostrou mais conformado com a perda do pobre animalzinho, mas o que gritava comigo, explodiu de raiva.
- Por que não correu como seu amiguinho, bestalhão? Olha o que fez, perdemos o bicho! – eu não conseguia acreditar que aquele sujeito arrogante e imbecil ainda me achava culpado por ter perdido a caça.
- Que tipo de idiota você pensa que é? Acha que o mundo gira a sua volta? Que é o rei desse lugar, seu cretino? Pois eu lhe garanto que essa ousadia vai lhe custar caro. Vou te processar por tentativa de homicídio! – garanti, com toda energia e cólera que tinha no peito. O riso debochado na cara dele quando apeou e veio ao meu encontro dentro da água, foi a última coisa que suportei. A primeira pedra que coube na minha mão foi lançada violentamente contra aquele sujeito arrogante.
- Endoidou? Podia ter me acertado a cabeça com essa pedra, foi por um triz! – vociferou ele, enquanto caminhava resoluto na minha direção, como se quisesse terminar o serviço que o cavalo não conseguiu.
- Foi exatamente essa a intenção! Mas dessa você não escapa! – devolvi, lançando uma segunda em direção aquela cara desaforada, que o acertou no queixo, mesmo ele tentando bloqueá-la com uma mão defensiva.
- Essa você me paga, seu doido de pedra! – esbravejou ele, quando agarrou meus braços procurando evitar que eu encontrasse outra pedra no leito do córrego para lançar contra ele.
Ficamos nos engalfinhando dentro da água por alguns minutos, trocando insultos e palavrões, até ele conseguir me dominar com uma força muito superior à minha. Eu não podia estar mais enfurecido, sendo arrastado para a margem por aquele troglodita cheio de músculos feito um saco de batatas. Eu estava encharcado, a roupa colada ao corpo. Ele estava molhado até a cintura, pois ao tentar me deter, escorregou e caiu de joelhos na água.
- Eu sei como lidar com potros xucros! – disse ele, zombando da minha incapacidade de acertar um soco naquela cara deslavada.
Só então o Heinz e o outro cavaleiro, que havia apeado do cavalo, vieram se juntar a nós. Não consegui decifrar a expressão que vi na cara do Heinz, um misto de deferência e incredulidade. O outro cavaleiro logo me pediu desculpas, se mostrou preocupado com as minhas escoriações e perguntou se eu estava bem.
- Como pode achar que estou bem, depois de ter sido quase morto por vocês dois? – questionei exaltado.
- Esse aqui é daqueles que precisa ser conduzido a rédea curta no brete, Manfred! É uma ferinha que dá coices! – caçoou o que tinha se engalfinhado comigo.
- Está me chamando de cavalo, seu cretino? – indaguei possesso.
- Um potro selvagem, eu diria! – exclamou, com um risinho debochado.
- Vá se foder, imbecil!
Os olhos do Heinz em encaravam arregalados, como se ele não estivesse acreditando de eu estar insultando aquele panaca desaforado e, simultaneamente, procuravam no outro cavaleiro, uma maneira de ajudá-lo a parar com a minha revolta.
- Esse é o Barão von Schwerin, Jan! – sentenciou com deferência ao pronunciar o título e o nome do sujeito.
- Pode ser o bispo, o papa, o rei que eu estou pouco me lixando para esse imbecil arrogante! – devolvi, sem medir as palavras, ou assimilar de quem se tratava. Para mim, era apenas um cretino irresponsável que quase me matou. Por uns instantes achei que o Heinz fosse cair de joelhos implorando perdão em meu nome, tão abalado ele estava com a maneira que eu tratava aquele sujeito.
- Posso te levar para casa, já que perdi a raposa? – perguntou meu homicida.
- É sério isso? Você é um tremendo cara de pau! O que eu quero é que você suma das minhas vistas! E, para sempre, se me faz esse favorzão! – retruquei.
- É bom cuidar dessas escoriações, antes que infeccionem, seu ingrato! – devolveu ele, beijando uma que sangrava no meu cotovelo, enquanto me encarava com um risinho sarcástico.
- Cretino! – gritei, perdendo de vez o último resquício de paciência que me sobrara. Ele montou no cavalo e disparou colina acima, acompanhado do amigo.
Tão logo fiquei a sós com o Heinz, ele disparou.
- Ele não é lindo? Não é à toa que a minha amiga Katherine diz que fica toda molhada quando está na presença dele, o que parece acontecer com a maioria das garotas da região. Até eu tremo só de pensar nesse homem entrando em mim. – sentenciou o deslumbrado. – Dizem que a voracidade sexual dele não conhece limites. Muitas filhas recatadas da região já sentiram o poder avassalador de sua pica em suas entranhas, embora jurem ainda serem virgens. E, muitos pais, conhecedores da fama do Barão, mantem as filhas imaculadas longe das vistas dele. Se você me jurar que isso fica só entre nós, eu confesso que ele já me assediou num dia em que fui me encontrar como Manfred nos estábulos da mansão Schwerin. Só não rolou, porque, na última hora, ele deu mais valor à amizade com o filho do administrador, que vem desde a infância deles, do que ao meu cuzinho. O que devo confessar, foi uma pena. – emendou, quase suspirando.
- Devem ser um bando de parvas! Nunca vi um sujeito mais arrogante e sem graça do que esse barãozinho metido a besta! – devolvi. – E quanto a você, está me saindo um belo safado! Você não é filho de pastor, devia se penitenciar por ser tão depravado. Trairia mesmo seu namorado, por uma foda com esse tarado? Se, sim, acho que é outro tolo. – acrescentei.
- Como pode falar um absurdo desses? O Barão descende dos Hohenzollern. Na verdade, é o pai dele o Barão von Schwerin, mas desde que foi viver com restante da família na Suíça para tratar uma enfermidade pulmonar, é o Eike, como primogênito que já é considerado o Barão. O que, evidentemente, ele vai ser algum dia. – esclareceu ele.
- Ainda por cima é um impostor! – exclamei, aliviando mais um pouco da raiva que sentia pelo sujeito.
- Santo Deus, como você consegue ser tão vingativo? Foi só um acidente, estamos vivos e, à exceção dessas escoriações que não levarão mais que alguns dias para sarar, estamos bem. – argumentou
- Estamos vivos por pura sorte! – devolvi zangado. Ele riu.
- Nem vou perguntar o que achou dele, já sei a resposta! Mas, você precisa admitir que ele é um tipão, que homem lindo, e aquele corpão sexy todo cheio de músculos. Ufa! Me dá calor só de pensar.
- Onde foi que você viu tudo isso? Eu só consegui ver um sujeito desprezível. – afirmei categórico. – Quem era o outro cavaleiro? Me pareceu mais gentil que o sacripanta. – indaguei
-É o Manfred, o filho do administrador dos Schwerin, o que eu disse que estou tendo um caso. – respondeu ele, corando ligeiramente ao mencionar o nome do rapagão massudo que o enrabava.
- Entre os dois, fez a escolha certa! Pelo que pude ver de relance, ele, assim que apeou do cavalo, foi na sua direção conferir se você estava ileso e bem, o que é uma prova do que sente por você. – afirmei
- Nisso você tem razão, o Manfred parece gostar de mim, mas não sai de cima do muro, não se decide. Até para algumas garotas eu já vi ele se engraçando todo, traidor desgraçado. – ele fechou a cara quando falou enciumado do namorado.
- Se conselho serve para alguma coisa, ouça o meu. Não force a barra, não o encurrale, somos todos jovens demais para nos fecharmos numa relação. Dê tempo ao tempo, prove o quanto o ama, se for esse o caso, e deixe que ele venha quando estiver pronto. – sugeri.
- O pior é que ele só está pronto quando precisa aliviar aquele cacetão, aí ele sabe onde me encontrar e como me cantar. Depois, some por uma semana, me deixando sem notícias e todo esfolado. – foi a minha vez de rir.
Tive que me explicar pormenorizadamente ao Franz e a Matilda quanto aos ferimentos adquiridos no que era para ser um simples passeio pelas redondezas. Quando mencionei o nome do Barão, quase o idolatraram, o que me revoltou.
- Como podem afirmar que aquele crápula é um rapaz educado e gentil? Eu conheci um verdadeiro boçal, não vi nada de excepcional naquele sujeitinho petulante. – eles não revidaram, tinham sua opinião e não iam se deixar influenciar pela minha.
Aceitei participar do culto dominical porque o Heinz havia me prometido que faríamos uma travessia de barco até Rügen e exploraríamos a ilha de bicicleta na companhia do namorado e mais alguns amigos da paróquia, regressando ao cair da tarde.
- Bom ver que já se restabeleceu! – exclamou o Manfred quando nos reunimos para a partida em frente à igreja.
- Graças ao seu amigo fiquei duas semanas sentindo dores pelo corpo esperando as feridas sararem. – devolvi
- O Eike ficou preocupado com você!
- Isso eu duvido! Aquele sujeitinho só se preocupa com o próprio umbigo e com seus prazeres. – revidei de pronto.
- De quem estão falando? – perguntou o pastor que acabara de se juntar a nós aconselhando juízo durante o passeio.
- Daquele nobrezinho patife metido a besta, o tal de Barão von Schwerin. – respondi de imediato.
- Não devia se referir a ele nesses termos, Jan, todos gostam dele e da família por aqui. – respondeu o pastor.
- Pois eu acho que estou sendo muito condescendente com os termos que estou usando. Os adjetivos com os quais eu o classificaria são quase impublicáveis diante de um pastor, por isso me controlei. – afirmei. Ele olhava com o semblante contraído sobre o meu ombro, quando me virei, lá estava ele, o cretino, sorrindo feito uma hiena traiçoeira.
- Tivemos um pequeno desentendimento, pastor Mathias, e acho que ele ainda está magoado comigo. – explicou o Eike
- Chama de pequeno desentendimento quase ter matado ao Heinz e a mim? Você só pode estar brincando, seu abusado!
- É, meu filho me contou o lamentável acidente que aconteceu entre vocês. – disse o pastor, amenizando a discussão que já começava a se formar.
- Vejo que não carrega mais nenhum sinal do meu quase homicídio! – tripudiou o infeliz, com um risinho irônico.
Afastei-me para não me envolver noutra briga com ele, e para não lhe dar o gostinho de se divertir às minhas custas. Felizmente, ele recusou o convite de última hora que um dos amigos do Heinz lhe fez para nos acompanhar. Ele sacou que eu desistira se ele fosse. Toda a costa do Báltico parecia pequena para acomodar a nós dois, tamanha a aversão que se instalou entre nós.
Uma tempestade de verão se formou e desceu inclemente sobre a ilha no final da tarde. Fortes rajadas e vento e as águas agitadas do canal nos impediram de voltar ao continente. Passamos a noite num hotel. Eu dividia o quarto com o Heinz, ouvia seu relato de como conhecera o Manfred e como transaram da primeira vez, de como tinha sido maravilhoso perder a virgindade nos braços dele, mesmo isso tendo lhe custado o sacrifício posterior que custou. Tinha valido à pena, asseverou apaixonado.
- E, o que ainda faz aqui comigo? Por que não aproveitou a oportunidade e foi se deitar com seu namorado? – questionei incrédulo.
- Sabe como é, ele não tem muitos recursos, precisou aceitar a boa vontade dos amigos e dividir o quarto com eles. – respondeu desolado.
- Pois se é esse o problema, está resolvido! Vá chamá-lo, vou pedir outro quarto só para vocês dois e, Voilá, bien basier jusqu’a l’aube! (Então, bora transar até o amanhecer!) – disse rindo, fazendo com que ele corresse para o quarto ao lado chamar o namorado.
Demorei a pegar no sono, talvez a agitação do dia ou os filés de Sander lucioperca com molho de alcaparras do jantar também estivessem colaborando para a minha insônia. Durante esse tempo, fiquei imaginando os dois no quarto ao lado fazendo amor. O Manfred além de ter um corpo bem atlético, parecia ser um bom amante na cama. A tara que sentia pelo Heinz mal disfarçava. Repentinamente, lembrei-me do Gustave. Ele foi um bom amante, sabia manobrar aquele cacete com uma habilidade ímpar, que me levava às nuvens. Eu o achava o máximo, sentia um tesão incontrolável quando ele circulava pelo apartamento quase nu, embora não tivesse nenhum parâmetro de comparação. Não era um homem para se casar, ou para ter uma relação vitalícia, pois era incapaz de assumir responsabilidades e, talvez até, fidelidade a uma única pessoa. Mas era bom de cama, criativo, fogoso e bom fodedor. Por uns instantes, desejei que ele estivesse deitado ali ao meu lado, esperando pelas minhas carícias de pau duro e sussurrando as sacanagens que costumava ronronar colado ao meu ouvido, antes de me enrabar. Eu me sentia só naquele lugar, terrivelmente só.
O fim do verão levou os turistas, deixou as casas de veraneio vazias, acabou com as ruas e a orla apinhadas de gente. Os primeiros sinais do outono já se faziam sentir, dias chuvosos e mais longos, tardes que cediam suas horas de luminosidade mais cedo para o anoitecer e manhãs mais frias envoltas numa bruma que demorava a se dissipar. Eu já havia me transferido para os aposentos reformados, mas ela continuava naqueles que eu havia ocupado antes. A casa era uma mistura de cheiros, tintas, assoalhos envernizados, reboco e cal impregnavam-na da mesma vitalidade que fazia progredir a reforma. Eu não dispendia mais do que uma ou duas horas do dia para discutir algum item com o empreiteiro. Meu pai havia se encarregado de contratar um que sabia o que estava fazendo e tinha sido muito bem instruído quanto ao que se esperava dele. Chamava-se Gerhard Mannheim. Eu já havia reparado nele algumas vezes durante o verão, especialmente quando nas tardes abafadas e quentes ele, e os demais operários, tiravam as camisas e trabalhavam com os torsos vigorosos e suados completamente nus. Ele em particular, tinha um tronco e braços muito musculosos, o que o deixava deliciosamente sexy. Em algumas ocasiões, enquanto eu os observava distraidamente trabalhando, com o olhar fixo naquele corpão viril, enquanto meus pensamentos divagavam sabe-se lá onde, ele me flagrava devaneando e me lançava um sorriso libidinoso que eu demorava a perceber. Um dia, durante uma conversa despretensiosa enquanto faziam uma pequena pausa para o café que a Matilda lhes servia no meio da tarde, eu perguntei a idade dele.
- Quarenta! – respondeu com um certo desapontamento, como se fosse algo que o desabonasse, mas que eu entendi como sendo algo que o descartava de um pretenso leque de opções minhas.
- Hã! – retorqui sem pensar e corando no exato momento em que percebi o motivo de seu desapontamento. Minha resposta lacônica foi como se o estivesse desclassificando como candidato a um relacionamento.
Da mesma forma como eu o observava, diga-se de passagem, sem nenhuma intenção em mente, ele também o fazia toda vez que surgia uma oportunidade. Os olhares dele não eram tão desprovidos de propósito quanto os meus, eram cobiçosos e lascivos e focavam preferencialmente minha bunda polpuda e empinada. Já devia ter havido comentários entre os operários a respeito não só dela, mas da sensualidade do meu corpo bem torneado, algo de que eu tinha ciência desde o final da adolescência por me trazer observações elogiosas tanto das garotas quanto dos rapazes. Nas minhas conversas com o Gerhard a respeito de algum item da reforma, já tinha ouvido os cochichos dos auxiliares, quase todos jovens solteiros com as veias cheias de testosterona, nos quais as palavras ‘Ständer’ (ereção) e ‘Geilheit’ (tesão) puderam ser bem distinguidas, não me deixando dúvidas quanto ao conteúdo libidinoso delas. O engraçado foi eu não ter olhos para aqueles que tinham a minha idade, mas para aquele quarentão viril e másculo. Talvez fosse pela liderança que exercia sobre os demais, como um macho alfa, algo que inexplicavelmente me excitava, deixava meu cuzinho assanhado e impudicamente receptivo. Velho demais para você se envolver, pensei com meus botões logo após saber a idade dele e, atente bem para diferença social mesmo que seja apenas para algumas trepadas, vai parecer que você está se valendo dela para ter ascensão sobre ele. Fossem quais fossem os motivos, era prudente manter distância daquele macho, a despeito do tesão que sentia por mim. Não sei porque estava sendo tão rigoroso comigo mesmo. O exílio forçado estava me fazendo repensar muita coisa. Havia momentos em que chegava a sentir raiva dos conceitos e ideias com as quais meus professores na universidade haviam deturpado minha mente, como pude ser tão ingênuo, tão cego. De que valia estar com a cabeça cheia de teorias sociais e políticas para mudar a sociedade e acusar os governos de suas falhas, se eu me sentia um ser improdutivo, um inútil que, aos vinte e dois anos, ainda vivia da bonança financeira de pais burgueses ricos?
Eram essas as questões que me atormentavam durante as longas e solitárias caminhadas que empreendia pela praia, sob nuvens ameaçadoras, nas tardes daquele outono. Em muitas dessas caminhadas me deparava com uma gaivota ciscando a areia e fugindo numa corrida quando a espuma das ondas chegava até ela; parecia ser sempre a mesma e me dava a impressão que ela conseguia adivinhar minha solidão, pois não se afastava temerosa quando me aproximava dela. Era como se ambos estivéssemos à procura de algo quem nem mesmo nós sabíamos o que seria. Começava a dar razão ao meu pai, devia ter me formado administrador, hoje teria minhas horas ocupadas gerindo pessoas, dando-lhes empregos, gerando renda para o país, movimentando a economia de modo que, daí sim, contribuísse para a melhoria da sociedade. Isso sim eram ideias revolucionárias, e não aquela baboseira anarquista com a qual doutrinaram minha mente pueril. Eu não estaria ali naquele fim de mundo se tivesse seguido o conselho do meu pai, não estaria nessa solidão, pois na agitação da cidade certamente já teria encontrado alguém com quem pudesse dividir meus sonhos e minha cama.
- Por que está tão macambuzio? Faz meia hora que não diz nada, que caminha olhando para o chão. Está doente? – perguntou o Heinz, durante um passeio entre os campos onde se estava gemeando trigo sob uma garoa fina.
- Estou pensando em voltar para Hamburgo, pedir desculpas aos meus pais e ingressar numa faculdade de administração. Fiz tudo errado, e estou pagando por isso. – respondi
- Acha que isso vai resolver seus problemas?
- Tenho certeza!
- Você não pode ter certeza! Está confuso, é só isso. Com o tempo vai encontrar algo que te anime. Um cara gostoso, por exemplo. – ele riu depois da última frase.
- É a última coisa na qual penso. Isso só tornaria tudo mais complicado do que já está. Mas, mudemos de assunto, falemos de você. Nunca quis sair desse lugar?
- Uma vez! Fugi de casa aos dezessete anos. Isso sim foi um grande, enorme erro. – afirmou
- Que doideira! Por que fez isso?
- Você sabe o que é ter um pai pastor protestante e se descobrir gay? Pois esse foi o motivo. Meu pai é um teólogo conservador e machista, ter um filho gay é como ter que carregar a cruz que Cristo carregou. Ele quis que eu seguisse a carreira dele, imagina uma coisa dessas. Meu objetivo nunca foi cursar uma faculdade, gosto de trabalhar com marcenaria, me relaxa enquanto produzo os móveis. – disse ele.
- E você é bom nisso! Acho lindo o que produz. Sua família sabe de você e do Manfred?
- Sabe, eu contei! Eles não aprovam, e como o Manfred não se decide, eu fico nesse chove não molha.
- Vocês se amam?
- Acho que sim! Eu ao menos o amo. Ele, às vezes, não tenho certeza. – revelou entristecido.
Em meio a essa conversa, vimos que alguém montado num cavalo vinha galopando em nossa direção, as patas do cavalo provocavam pequenas explosões ao baterem na água fazendo com que ela espirrasse até sua barriga. Ao lado, sempre correndo no mesmo ritmo, acompanhava-o um braco alemão ruão de cabeça marrom escuro e corpo branco salpicado de manchas no mesmo tom de marrom, dando vazão a sua energia. À medida que se aproximavam, reconheci o cavaleiro.
- É o Barão! – exclamou o Heinz, no exato instante que eu o reconheci.
- Tenho a impressão que esse sujeito nos persegue! – afirmei, o que fez o Heinz rir.
- Você definitivamente não gosta dele, não é?
- Eu o odeio, para dizer a verdade! – respondi convicto
- Está me perseguindo? – indagou o cavaleiro quando nos alcançou, enquanto o cão todo molhado saltava de contentamento entre as minhas pernas querendo atenção.
- Posso fazer a mesma pergunta! – respondi, com a cara amarrada. – Será que a cada caminhada vou ter que me preocupar em não ser atropelado por você nesse cavalo?
- Ainda zangado comigo? – questionou rindo
- Você não vale que eu tenha qualquer tipo de sentimento! Tenho mais com que me ocupar. – devolvi, afagando o cão que agora saltava tentando lamber meu rosto.
- Não é o que parece! Aposto que ainda não me esqueceu. – retrucou ele sorrindo com sarcasmo.
- Olá Heinz! Se soubesse que o encontraria, teria trazido o Manfred comigo. Seria bom você lhe fazer uma visita, ele anda intratável, e isso só tem uma explicação, carência do namorado. – sentenciou, deixando o Heinz encabulado e ligeiramente corado.
- Vou aparecer por lá uma hora dessas. – retorquiu meu parceiro de caminhada, com uma voz que mal se conseguia ouvir devido a timidez e, a ter sua intimidade sexual expressa com tamanha familiaridade.
- Traga o potro xucro aí com você! Esta semana duas éguas pariram, os potrinhos são lindos e mansos, talvez ele se inspire neles para mudar de atitude. – eu não podia acreditar na audácia desse sujeito.
- Como se atreve, seu barãozinho decadente? O único xucro por aqui é você que nunca aprendeu a respeitar os outros. – devolvi bufando de raiva, o que só o fez rir, continuando o galope ao longo da praia. – Quem esse boçal pensa que é? – perguntei ao Heinz, que disfarçava o risinho debochado para que eu não visse.
- Ou muito me engano, você deixou o Eike bastante mexido naquele dia quando se debateram dentro do riacho. – ele media as palavras, para não virar mais um alvo da minha ira.
- Pois eu quero que esse sujeito se foda! – devolvi, cuspindo pelas ventas a raiva que sentia pelo sujeito, feito uma locomotiva.
- Talvez seja de alguém como ele que você está precisando para acabar com o marasmo que diz estar sentindo. Já reparou como ele é um tesão de homem explodindo de energia em cima daquele cavalo?
- Se ainda estivéssemos no verão e num dia ensolarado, eu diria que seus miolos tinham sido afetados por ele, mas como estamos num dia nublado, acho que está precisando é mesmo de um psiquiatra. Eu e esse sujeito, sabe quando? Nunca! – respondi furioso. Ele apenas continuou rindo.
- Vamos até lá amanhã, ver os tais potros? Os Schwerin estão trabalhando há décadas na melhoria genética dos cavalos Konik no haras que há na propriedade deles, e pelos quais o Manfred está assumindo a responsabilidade de criá-los e manejá-los. Ainda existem algumas manadas semi-assilvestradas deles correndo por essas planícies costeiras em liberdade. Vem comigo, tenho certeza que vai gostar. – invitou
- E correr o risco de ter que me encontrar com esse cretino? Nem pensar! – declinei obstinado. – Vá você encontrar sua paixão, pois ele sim, merece que você vá ter com ele, só pela maneira como te olha dá para ver que é perdidamente apaixonado por você. Não desperdice um cara como o Manfred!
“Já reparou como ele é um tesão de homem”, as palavras do Heinz haviam se enraizado na minha mente e, tal como um pianista batendo nas teclas durante a execução de uma música, elas martelaram na minha cabeça pelo restante do dia e noite adentro, roubando-me preciosas horas de sono. A cena, minha e do sacripanta, nos debatendo dentro córrego naquele dia em que quase fui atropelado por seu cavalo, voltava a pairar nos meus pensamentos, tão vívida que parecia ter acabado de acontecer, inclusive com as emoções que despertou em mim. O Heinz até podia ter um pouco de razão, o sujeito até que era bonitão. Eu precisava acreditar que era um selvagem, não sei bem porquê. Talvez para justificar toda aquela raiva que tomou conta de mim com o acidente. Aquela barba cerrada de dois ou três dias sempre por fazer, o olhar penetrante que, por si só, tinha algo de belicoso, aqueles braços musculosos que se defenderam e me atacaram ao mesmo tempo com uma força descomunal, o tronco vigoroso de ombros largos que absorveu meus socos com a mesma indiferença que uma rocha e, o corpão com mais de um metro e noventa e cem quilos que me imobilizou dentro da água corrente do riacho é que lhe davam esse aspecto bruto e intimidador. E, como me sentir intimidado era o estopim para me rebelar, estava ali o motivo pelo qual fiquei tão furioso com o sujeito. De onde o Heinz tirou essa ideia de que era um homem como aquele que eu precisava para me tirar do marasmo em que vivia? Não, definitivamente, não era um sujeito como aquele de quem eu precisava, um mandão, um machista insensível, um domador de incautos, um tarado assumido. Eu odiava caras como ele, o-di-a-va. Ainda mais agora, que estava a me tirar o sono e implantar aquela inquietude nos meus dias.
Três dias depois, o Heinz e o Manfred vieram me buscar para que eu conhecesse os potrinhos recém-nascidos no haras dos Schwerin, me garantindo que eu não toparia com o Eike uma vez que ele tinha ido para Stralsund acompanhar o embarque no porto, de um lote de cavalos vendido a um comprador de Gotemburgo, passando o dia fora. Seria uma boa oportunidade para eu conhecer a propriedade vizinha, a mansão aristocrática que abrigou gerações dos Schwerin, o haras cuja fama extrapolava os limites da província e, é claro, os novos potrinhos. Quem fez as honras de anfitrião foi o Manfred, nos conduzindo às diversas construções rurais da propriedade. Recusei-me a entrar na mansão, apesar de um criado da casa ter insistido para eu conhecer a rica mobília, os quadros seculares e os ambientes com paredes parcialmente forradas com boiseries de carvalho. Por fora, ela carecia de manutenção, confirmando minha afirmação da decadência daqueles aristocratas. Já o haras tinha uma elegância equestre e masculina. Logo na entrada dos corredores onde estavam instaladas as baias, havia uma espécie de escritório e sala de troféus, onde prateleiras que ocupavam todas as paredes, exibiam diversos prêmios conquistados com a criação dos cavalos Konik, além de fotografias de diversas épocas. Nas mais recentes, figurava o Eike ainda menino, posando montado garbosamente com trajes de equitação; mais adolescente e com o corpo já bem estruturado ao lado do pai numa exposição, pareados de dois cavalos de sua criação; e uma relativamente recente, ele homem atraente e viril, erguendo uma enorme taça de prata que estava ao lado da fotografia numa das prateleiras. Detive-me por alguns minutos em silêncio diante dessa última, o Heinz tinha razão, ele era um tesão de macho, um macho perturbador.
- Encantado pelo Eike? – perguntou zombeteiro o Manfred atrás de mim, quando me flagrou admirando a fotografia mais detidamente.
- Engraçadinho! Deixa de ser besta! – exclamei exaltado
- Ele ia gostar de saber que finalmente conseguiu atrair sua atenção. – continuou, quando o Heinz se juntou a ele, abraçando-o com carinho pela cintura.
- Você não se atreva! Se contar que eu estive aqui, nunca mais me dirija a palavra! Estou falando sério! Diga ao seu namorado para não abrir essa boca, Heinz, ou nossa amizade termina aqui. – ameacei, começando a me arrepender de ter aceitado esse convite.
- Não é motivo para tanto! Fique tranquilo que não vou contar nada. Contudo, se eu fosse você, reveria o conceito que faz do Eike, ele é um cara muito legal e, sem querer fazer fofoca, você o deixou muito impressionado, como nunca o vi antes. – retrucou
- Pois é, mas você não é eu! – exclamei obstinado. Ele e o Heinz se entreolharam e riram.
- Dois cabeças-duras disputando para ver quem é o mais marrento! Você tinha razão! – afirmou o Heinz, dando um beijo na boca do namorado glutão que continha à muito custo o tesão que estava sentindo, agarrando aquele corpo que na verdade queria estar penetrando.
Todo o tempo que excursionamos pela propriedade fomos acompanhados pelo braco alemão, Dosco, que saltava ao meu redor e lambia minhas mãos exigindo afagos, como se eu fosse seu dono. Havia tempo que eu não tinha um cachorro, amava-os ao extremo, e me perguntei se não era disso que eu precisava para ocupar meus dias, ao invés de um homem, mesmo que este me preenchesse com sua libertinagem nas noites cada vez mais frias daquele outono.
- Há uma visita esperando por você no jardim. – avisou-me o Franz, enquanto eu conversava com o Gerhard numa rara manhã em que sol resolveu voltar a dar o ar da graça, e criava longas sombras das árvores e dos operários que trabalhavam do lado de fora.
- Quem é Franz? – perguntei, pois não queria interromper o que o empreiteiro e eu estávamos decidindo. Ele relutou antes de pronunciar o nome, sabendo que eu ia ficar bravo quando soubesse de quem se tratava.
- O Barão von Schwerin! – anunciou, numa voz baixa e cautelosa.
- O que esse pulha quer aqui? Diga que não temos nada a conversar. Dispense-o, e nem precisa ser muito gentil quando o fizer. – disparei em resposta. O Gerhard chegou a se impressionar com a minha postura grosseira, sabendo que eu era exatamente o oposto daquilo.
- Obrigado, Franz! Não se acanhe por não precisar seguir as ordens do seu patrão, eu já ouvi a resposta dele. – sentenciou o Eike que havia se postado a dois passos atrás de mim.
- Estou ocupado! Não tenho tempo para você agora! – exclamei um pouco tenso, por ter sido flagrado cometendo aquela incivilidade. Ele me ignorou e continuou parado ali como se não tivesse me ouvido e, até começou a conversar com o Gerhard sobre a reforma. Eu parecia uma caldeira saturada de pressão, prestes a explodir. Porém, me controlei para evitar um vexame maior.
Ao retomar a conversa com o Gerhard, já nem me lembrava o que estávamos revisando, deixei-o expor sua opinião e simplesmente concordei sem pensar a respeito. Eu queria acabar com aquilo e pôr aquele sujeito para correr.
- Vim retribuir a visita que fez ao meu haras, soube que ficou encantado com os potros! – disse ele com uma voz calma e um pouco irônica. Ah, Manfred! Você me paga, seu traidorzinho safado. E você também, Heinz! Juro que vão!
- Eu... eu... é... eu estive lá. – corei ao admitir meu deslize, como se fosse um menino que acabara de cometer uma travessura. Que droga, agora ele tinha como tripudiar de mim.
- Foi por isso que vim te convidar para darmos uma cavalgada pela praia até o iate clube de Barhöft. Tenho um amigo que tem um barco lá e, como está um dia lindo, podemos velejar até Rügen, o que me diz? – qual é a desse cara, pensei comigo. Será que ele se esqueceu que somos inimigos? E, principalmente, qual é a dele vindo com essas mangas da camisa dobradas para exibir esses bíceps cheios de testosterona. Caralho, que macho tesudo que só serve para me aporrinhar!
- Não sei cavalgar! Tenho medo de montar cavalos! – não sei por que confessei esse meu pavor para ele, pois só ia parecer que eu era um fracote.
- Então está na hora de aprender! Sou um bom professor! – afirmou rindo.
- O que você realmente quer, Eike? Você não veio aqui para me convidar para uma cavalgada ou para me ensinar a cavalgar. – devolvi, sem paciência.
- Tivemos um começo tumultuado; mas, como vizinhos, achei que podíamos ser minimamente cordiais um com o outro. Não costumo cultivar inimizades! – retorquiu sincero. Porra, por que está fazendo isso comigo? É melhor continuarmos brigando, assim você não me parece tão sedutor.
- E aí, vamos? Deixa de ser covarde! – eu covarde, seu puto? Vou te mostrar quem é covarde! – pronto, ele conseguiu o que queria, me provocar, e eu entrei na onda dele, por isso sorria feito uma hiena traiçoeira.
- Não sou nenhum covarde, para seu governo! Só não sei montar, e nem sei se estou interessado em aprender. – respondi
- Vai se apaixonar quando aprender, eu garanto! – É aí que mora o perigo, é mais fácil eu me apaixonar por você, nessa carência toda que estou vivendo, do que por cavalgar.
Não sei onde estava com a cabeça quando me deixei influenciar por aquele rosto esperançoso e hirsuto que atentava minhas ideias. E pior, quando me recusei a montar sozinho no cavalo que ele havia trazido para mim, por receio de me esborrachar após o primeiro galope e, me deixei convencer a cavalgar na mesma sela que ele.
- Vamos judiar do cavalo, não acho uma boa ideia! – exclamei, como último argumento para sustentar minha recusa.
- Não somos uma carga que intimide esses cavalos, eles são muito fortes e resistentes, não vamos judiar deles. – asseverou ele.
A título de me ensinar, ele não me colocou na garupa, mas na frente dele. Nada podia ser mais constrangedor, eu praticamente sentado no colo daquele macho imenso e viril, com seus braços envoltos em mim me mostrando como se controlam as rédeas, quando eu mesmo já estava perdendo o controle com aquele calor que irradiava do corpo dele colado ao meu. Com meus pés apoiados nos estribos, fui suspendendo minhas ancas no ritmo das passadas do cavalo, soltando o corpo e dando ginga ao trotar cada vez mais rápido do animal. Uma brisa leve e salgada soprava na praia deserta. No horizonte, o contorno de dois navios se destacava sobre o azul escuro do mar iluminado por uma faixa dourada que se encurtava à medida que o sol ascendia.
- Me entregue as rédeas e abra os braços! – ordenou ele.
- O que foi, o que estou fazendo de errado? Vamos cair? – perguntei perturbado.
- Relaxa! Você não fez nada de errado, só quero conduzir para que você possa se soltar e sentir como é maravilhoso pegar essa brisa de frente e sentir a liberdade entrando em você.
Ele estava certo. A sensação era maravilhosa, eu saltava sobre a sela e o colo dele na cadência do galope, os braços abertos deixavam a brisa roçar meu corpo dando a impressão que eu podia voar naquela imensidão. O cavalo corria, as patas na água traziam respingos até os joelhos, me senti invadido por uma euforia crescente. Percorremos mais ou menos um quilômetro nesse galope.
- Pare, pare! Vamos voltar a um trote mais lento, essa sua bundona gostosa caindo sobre o meu colo está acabando comigo. – sentenciou ele, quando eu sentia que estávamos no melhor da cavalgada, quando meus medos haviam se dissipado como que por magia, quando me corpo experimentava um frenesi sem igual. – o peso das tuas nádegas caindo sobre meus ovos logo vai acabar fazendo uma omelete deles. – disse ele, levando a mão os genitais quando me ergui vexado ao constatar a colossal ereção que havia provocado nele.
- Essa ideia de jerico foi sua! Eu não disse que não queria cavalgar? – questionei ao apear.
- Não esquenta, vamos encontrar um jeito melhor de nos alojarmos sobre a sela. Isso não é o fim do mundo e, muito menos, do nosso passeio. Você estava curtindo, que eu sei. – pela primeira vez não fiquei com raiva pelo que ele disse.
Ele também apeou e cobrimos um trecho a pé, caminhando até aquele cacetão dentro da calça dele amolecer. Depois, encontramos um jeito de dividir a sela sem torturar seus genitais, enquanto ele se aproveitava do recente suplício para me enlaçar com mais força em seus braços. Tive que conviver com o tesão que isso me causava, uma ereção robusta resvalando na bunda e a brisa marítima batendo no meu peito, era a mais sublime sensação que já havia sentido. Ela mesclava liberdade e esperança, tudo que eu precisava naqueles dias. Cobrimos o trajeto de pouco mais de dez quilômetros em cerca de uma hora, com algumas pausas para aliviar o animal. Fizemos um almoço frugal no iate clube antes de zarparmos no veleiro do amigo dele. Sem camisa, o torso nu e vigoroso exposto ao sol fazia os pelos que o revestiam reluzirem num dourado intenso. O calor também me obrigou a tirar a camisa, e foi com bons e cobiçosos olhos que ele observava disfarçadamente meu tronco liso e o par de mamilos acastanhados e proeminentes que se destacavam da pele alva e lisa. O Eike não se conteve, sem o perceber, lambeu os lábios de modo lascivo, como se lhe apetecessem aquelas saliências acastanhadas. Pela primeira vez eu lancei um sorriso franco na direção dele, o que parece o deixou feliz. Dava para perceber a inquietude que o possuía, quase dava para sentir o tesão dele prestes a explodir, no entanto, algo parecia perturbá-lo quando levava constante e aflitivamente a mão até o saco procurando ajeitá-lo, juntamente com a pica, dentro da calça que o cerceava. Achei que a qualquer momento ele viesse me abordar para abrandar todo aquele tesão me enrabando no convés do veleiro, mas isso não aconteceu, embora o desejo estivesse estampado em seu rosto.
Com a habilidade de um marujo, o Eike desfraldou a vela mestra ao longo da esteira até que ela ficasse bem armada, fez o mesmo com a vela buja fixando-as às carretilhas e prendendo todo o conjunto. Funcionários do iate clube desamarraram as amarradas e deram um ligeiro impulso fazendo com que o veleiro começasse a deslizar suavemente para longe do atracadouro. O Eike posicionou o velame e assumiu o timão, girando-o para a esquerda para que o barco virasse a bombordo ganhando o mar aberto. Era lindo vê-lo contra o sol que banhava seu corpo atlético, seus músculos se contraíam mostrando todo seu esplendor ao menor movimento que ele fazia, e eu começava a desejar aquele homem sentindo meu cuzinho se contorcer em espasmos de ansiedade. Também ali, quando o veleiro já havia ganho velocidade, ele quis que eu assumisse o leme, repetindo praticamente a mesma posição que assumira ao me mostrar como se manobravam as rédeas do cavalo. Seus braços me envolviam, o tronco nu e peludo roçava minhas costas aumentando os espasmos do meu cuzinho e, ele esfregava sutilmente a ereção encaixando sua virilha nas minhas nádegas.
- Está gostando? – sussurrou ele junto ao meu ouvido, tão próximo que senti seu hálito morno o roçando. Eu sabia que a pergunta não se referia ao passeio de barco, nem ao dia maravilhoso que estava me proporcionando, mas tão somente à encoxada com a qual estava me comprimindo contra o timão.
- Muito! – respondi satisfeito. – De tudo! – emendei, para que ele soubesse que a encoxada estava inclusa.
A tarde transcorria iluminada, ao contornarmos o banco de areia que formava a ilha Bock na maré baixa. O Eike havia me deixado no leme e ditava as instruções quando necessário, deixando-me conduzir o veleiro que deixava um rastro de espuma se espalhando atrás da popa. Fazia tempo que não me lembrava de ter um dia tão cheio e divertido e, quando olhava na direção dele recostado sob umas lonas no convés me dava uma vontade e abraçá-lo e cobrir aquele sorriso de beijos. Apesar de estar sempre sorrindo quando o encarava, ele parecia incomodado, como se estivesse sentindo dor e quisesse me esconder o fato. Seria dor ou uma comichão na rola, pois a mão dele estava o tempo todo sobre ela ou até, dentro da calça manipulando-a como para obter alívio. Pensei na sua fama de tarado que corria por toda Kramerhof e arredores e não o culpei, ele era um dos homens mais desejáveis que eu já tinha conhecido.
Ao nos aproximarmos do píer do iate clube, ele voltou a assumir o leme para fazer uma atracagem segura. Ao desembarcar notei que algo estava mesmo o incomodando, ele soltou o ar entre os dentes e contraiu a expressão do rosto ao mesmo tempo em que segurava os genitais.
- Está tudo bem? – perguntei, pois já não tinha mais dúvidas quanto a algo o estar incomodando.
- Está! Foi um passeio maravilhoso, não foi? – perguntou para disfarçar.
- Sim, incrível e maravilhoso! Obrigado, Eike! – minha voz soou doce e amistosa e o fez sorrir.
- Era tudo o que eu queria! – devolveu ele.
Na cavalgada de volta para Kramerhof eu fui na garupa e, enquanto enlaçava sua cintura e sentia o calor de seu corpo, não conseguia ver seu rosto contraído pela dor, mas de quando em quando, ele soltava uma espécie de lamúrio, me deixando cada vez mais intrigado. O homem que apeou do cavalo junto a entrada do haras não era o mesmo que havia vindo me buscar naquela manhã.
- Tudo bem, Eike? – perguntou o Manfred ao vir pegar o cavalo para conduzi-lo à baia.
- Sim, acho que sim! – respondeu o Eike com uma voz sofrida.
- Não é o que parece! Aconteceu alguma coisa ... entre vocês dois? – insistiu o Manfred
- Caralho, eu já disse que está tudo bem! – o velho Eike estava de volta, bocudo e agressivo. Qual deles será o verdadeiro, perguntei-me ao me despedir para rumar em direção a minha casa, quando a garoa fina que deu lugar ao sol ia se transformando numa chuva leve.
- Você não pode ir para casa debaixo dessa chuva! Vamos entrar! – disse o Eike, me puxando pelo braço em direção à mansão. Eu me senti um pouco inseguro com aquele velho Eike se assumindo. Eu não queria recomeçar nossas desavenças, não depois daquele dia maravilhoso que tivemos. Mas, obedeci. Não sem antes me dirigir ao Manfred.
- Depois preciso ter uma conversa séria com você e com seu namorado, sua dupla de aleivosos! – eu ia cobrar o fato de terem me traído e contado ao Eike que fui ao haras não querendo me encontrar com ele. Muito embora, depois daquelas horas em companhia do Barão, boa parte da minha raiva já havia se diluído.
Ambos estavam com as roupas um pouco molhadas, pois a garoa havia nos alcançado a cerca de um quilômetro de casa. O mesmo funcionário que quis-me mostrar o interior da mansão durante a minha visita ao haras, nos trouxe toalhas secas e uma bandeja de chá.
- A lareira da sala de música está acesa, senhor! – avisou ele, caminhando a nossa frente em direção a sala com a bandeja nas mãos.
- Obrigado, Julius! Avise a Hertha que o Jan janta comigo hoje. – devolveu o Eike, sem me consultar a respeito da janta. Não me importei, pois queria prolongar aquele dia ao máximo.
Depois de tomarmos o chá, no qual ele havia acrescentado um pouco de uísque, sentamo-nos sobre um tapete no chão diante do fogo crepitante da lareira, onde o Dosco já havia se espreguiçado e nos encarava com um olhar feliz, o que a cauda agitada, ao fitá-lo, comprovava. De quando em quando, ele soltava um ronco longo e deixava a cabeça cair de lado enquanto o corpo todo relaxava.
- Ele parece ter gostado de você! – exclamou o Eike. – Deve ser pela influência do dono. – emendou antes que eu respondesse.
- É reciproco! Amo animais, cães especialmente! – respondi.
- E homens, também os ama? – por uns segundos perdi o rebolado, aquela firmeza que queria demonstrar.
- Alguns? – não era bem o tipo de papo que eu queria ter com ele.
- Muitos? – será que esse interrogatório não vai parar? Talvez aceitar o convite para o jantar não tivesse sido uma ideia tão boa assim.
- Não o suficiente para encher os dedos de uma mão.
- Pensei que fossem menos! – qual é a desse cara? Será que vai mesmo querer comprar briga, depois de tudo?
- De qualquer forma, são bem menos que os teus e as tuas! – eu não ia me deixar intimidar. Ele riu.
- Isso te incomoda?
- Nem um pouco! Me é totalmente indiferente! – ele voltou a rir, sabia que eu estava mentindo. Voltou a mexer na pica, aliás, não parava de pegar nela, e aquilo começava a me irritar. Tudo bem que era um macho cheio de energia e tinha fama de tarado, mas aquilo já era um acinte. – Você vai me desculpar, mas o jantar fica para outro dia, quem sabe, quando estiver menos focado nesse troço no meio das tuas pernas! – despejei irado, me preparando para deixá-lo.
- Não, espere! Não estou focado na minha pica, juro! – exclamou, me retendo ao fechar sua mão potente no meu braço.
- Isso é irritante, para não dizer uma total falta de educação! – afirmei.
- Foi a cavalgada! Meus bagos estão me matando. Acho que sua bunda caindo sobre o meu colo transformou meus ovos em omelete. Cacete, como isso está doendo! – confessou finalmente.
- Foi ideia sua montarmos na mesma sela! O que está acontecendo, onde está sentindo dor?
- Nas bolas, só nas bolas! Eu queria sentir como é essa bunda carnuda, e achei que ela se encaixaria como uma luva na minha virilha, o que você mesmo pode comprovar foi perfeito. – o sacripanta não omitia sua tara.
- Você é um tremendo cara-de-pau! Confessa na cara dura que essa desculpa de me ensinar a cavalgar só tinha um objetivo, ficar me encoxando. Bem feito, teve seu castigo! – retruquei.
- Para que eu haveria de mentir, foi isso mesmo. E, eu sei que você gostou, e é isso que importa para mim.
- Então pare de se contorcer e bufar e me deixe ver o que é que aconteceu aí. – fiquei penalizado com a dor dele.
- Está querendo ver a minha pica? Arrumou um belo pretexto! - indagou libidinoso com o risinho mais malandro que já vi.
- Deixa de ser safado! Não faço a menor questão, se quer saber! – mas eu queria, e como queria, meus pensamentos já haviam se concentrado na rola daquele macho durante meus sonhos, e agora eu tinha a chance de vislumbrá-la em todo seu potencial.
Ele tirou a calça. Poderia tê-la baixado simplesmente um pouco; mas, sem dúvida, queria me exibir o dote feito um pavão. Comecei a rir assim que meus olhos se depararam com aquele sacão imenso, inchado e vermelho que os pentelhos não camuflavam por inteiro; estava parecido com o de um touro, pelo menos três ou quatro vezes o tamanho que deveria ter.
- Do que está rindo? Dói para caralho! – queixou-se, fazendo um muxoxo sedutor.
- Você é maluco, sabia? Olha só o tamanho desse troço! Está tão inchado que mais parece um balão. – afirmei caçoando, sem conseguir segurar a risada. – Acho melhor chamar um médico, a coisa está bem feia e pode lhe trazer consequências futuras. Emendei preocupado.
- E você tripudiando do meu sofrimento! – exclamou contrariado. – Consequências? Que consequências? Acha que posso não funcionar mais direito? Não quero saber de médico, agora não, todos vão gozar da minha cara, como você está fazendo.
- Está muito engraçado, que culpa eu tenho! Melhor colocar uma toalha embebida em água fria ou gelada para conter a inflamação .... antes que esse troço estoure, já que não quer que um médico te examine! – sugeri rindo.
- Estourar? ... Você acha que pode estourar? – a expressão de pavor na cara dele diante dessa possibilidade era hilária. – Então trate de me ajudar em vez de ficar aí rindo.
Fui até a cozinha e pedi ao Julius que me providenciasse umas toalhas e uma bacia com água gelada. Ele me encarou de modo inquisitivo, e antes que pudesse encher a cabeça de caraminholas, disse que era para fazer compressas no joelho do Eike que ele havia batido contra o mastro do veleiro durante o passeio. Ele e a Hertha me encararam um pouco hesitantes, antes de ele me entregar o que havia pedido.
- O que você disse para o Julius? – perguntou o Eike quando voltei para junto dele.
- Que suas bolas estão em petição de miséria por ter se masturbado o dia todo! – respondi zombeteiro.
- Você não se atreveria! Ficou maluco?
- Anda, chorão, afasta as pernas para eu conseguir enrolar a toalha em volta desse troço. – ele me encarou com desconfiança, já levou as mãos adiante se preparando para afastar as minhas, caso eu fizesse aquela dor aumentar. Eu continuava rindo, nunca tinha me visto numa situação tão engraçada e peculiar.
- Sabe, quando eu era criança e me machucava, minha mãe me dava um beijo no lugar machucado e me garantia que ia sarar logo. – a safadeza estava em cada uma daquelas palavras que ele pronunciou com os olhos brilhando quando eu envolvi aquele sacão na toalha úmida.
- Ainda bem que eu não sou sua mãe, não é pilantra?
- Mas um beijinho ia ajudar na minha recuperação! – o sorriso dele era tentador, bem como aquele caralhão gigantesco que eu acabava de soltar sobre a toalha embolada entre as pernas robustas e peludas dele. Inclinei-me na direção dele e o beijei, tocando carinhosamente meus lábios nos dele.
Sem perder tempo, ele me abraçou e me puxou para junto de si, ao mesmo tempo que girava o corpo e me prendia debaixo do dele, comprimindo sua boca com força contra a minha e me penetrando com uma língua ávida e devassa, tornando aquele beijo quase uma cópula. Eu o recebi sequioso em meus braços retribuindo o beijo na mesma intensidade. Por alguns instantes aquilo me pareceu uma rendição, e acho que ele também o interpretou assim, pois sua mão lasciva entrou na minha calça e começou a amassar meus glúteos carnudos. Ele começou a mover freneticamente a pelve como se fosse copular comigo, o desejo, o instinto primal o instigavam.
- Ai, ai, ai! Porra, que puta dor! – gemeu, quando seus testículos inchados se comprimiram contra a minha coxa.
- Doido tarado e safado! O que pensa que está fazendo? Pode ir aquietando esse facho que você não está em condições de fazer nada com esse troço todo detonado. – afirmei cético.
- Agora que tenho você, que planejei esse dia só nosso, que queria que tudo fosse perfeito, incluindo a noite maravilhosa que queria passar com você na cama, tinha que acontecer isso. – disse inconformado.
- Foi um dia perfeito! Foi o melhor dia que eu já tive desde que cheguei a Kramerhof. Você foi perfeito, linda e magnificamente perfeito. – asseverei.
- É, mas o mais importante ficou faltando. Você ser meu por inteiro. – lamentou decepcionado
- Estou aqui, não estou, todinho só para você?
- Vai dormir comigo, mesmo eu nesse estado deplorável?
- Vou, vou ficar, se é isso que você quer. – ele voltou a sorrir, tímido e contrariado, mas o sorriso era terno mesmo assim, e eu, voltei a embrulhar os colhões dele na toalha imersa em água gelada, fazendo-o soltar um último ‘Ai’ conformado.
O dia amanheceu com aquele ar ilusório, um sol fraco despontando no horizonte como se o tempo tivesse se firmado, prometendo um raro dia ensolarado de outono, mas que em poucas horas voltaria e nublar cobrindo-se de nuvens acinzentadas e chuvosas. Eu havia me despido quando fomos para a cama, apesar do Eike estar impossibilitado de se valer dessa nudez. Acordei com braço pesado dele enlaçando minha cintura, o tronco colado nas minhas costas e a rola rígida roçando meu rego. Fazia tanto tempo que não acordava com um macho priápico me abraçando que fiquei prolongando a abertura dos olhos, aproveitando cada minuto daquele deleite. Ele já havia despertado antes de mim, ficou aproveitando a chance de me ter ali ao seu lado, cuidadoso e amoroso como jamais pensou que eu pudesse ser, dado o nosso começo tumultuado. A pele do meu pescoço e do meu ombro guardava um perfume fresco, quase selvagem, e ele o aspirava profundamente, deixando-se inebriar e seduzir, o que tinha consumado a ereção com a qual acordava todas as manhãs. Ficou me observando dormir em silêncio, também ele queria prolongar minha companhia em sua cama. Havia tentado mais uma vez, sutilmente, meter o cacetão, cuja cabeçorra já havia encontrado a entrada do meu cuzinho, querendo perpetrar o que o tesão lhe exigia. Mas, o sacão continuava inflamado e enorme, doendo ao menor movimento.
- Ficou me espiando dormir? – perguntei quando percebi seu olhar cobiçoso pousado em mim.
- Não quis te acordar, você dorme tão lindamente! Nem se parece com aquela fera que conheci me agredindo nas águas do córrego. – sentenciou, beijando carinhosamente meu ombro.
- Está se sentindo melhor?
- Infelizmente ainda não! Até tentei colocar minha pica em você, mas não deu muito certo. – o descaramento dele havia perdido o pouco que o separava de um tarado devasso.
- Não acredito que você me fala uma coisa dessas com essa indecência toda! Bastaram algumas horas juntos num passeio para você ficar assim todo assanhado e confiante. – devolvi. – Mas as compressas frias estão diminuindo o inchaço. Você vai precisar continuar colocando por mais uns dois ou três dias eu acho, se o inchaço continuar cedendo nesse ritmo.
- Não é indecência, é sinceridade! O que eu posso fazer se você me dá um tesão danado? Eu sei que posso te dar muito prazer, satisfazer todos esses seus desejos escondidos por trás dessa braveza de fachada. – eu não duvidava que pudesse. Primeiro, porque era um homem muito atraente e viril; segundo, porque era dotado de um falo gigantesco, como eu nunca tinha visto e, com certeza, sabia usá-lo habilmente tanto para se satisfazer, quanto para satisfazer suas parceiras ou parceiros. Eu estava louco para entrar nessa categoria, embora não fosse adepto de rivais nesse campo, o que me mantinha reticente em liberar meu cuzinho com a facilidade que ele imaginava. – Dois ou três dias? Fala sério! Tudo isso! Você vai ficar comigo, trocando as compressas? Quando desinchar eu queria que você estivesse ao meu lado, para podermos fazer o que forçosamente estou adiando. – quando disse que não podia ficar, que tinha outros assuntos a resolver com a reforma, ele se decepcionou.
Cheguei em casa no meio da manhã. O Franz e a Matilda me encararam como se eu tivesse cometido um crime por ter passado a noite fora, mas só estavam preocupados com a minha segurança, como pais zelosos cujo papel haviam assumido desde que cheguei a Kramerhof. Outro em cujo olhar pude notar certa desconfiança, foi o Gerhard quando fui ter com ele logo ao chegar em casa. Aquele homem estava de olho em mim por motivos bem diversos dos do Franz e da Matilda, em seu íntimo, nutria uma esperança de conhecer a fundo os segredos que aquela minha bunda torneada e empinada guardava. E, constatar que eu havia passado a noite fora, indicava que mais alguém tinha a mesma pretensão, ou até já estivesse usufruindo dela. Por isso, a conversa com ele foi um tanto quanto ríspida, ao discordar de uma sugestão que fiz em relação à substituição de umas janelas do ex-gabinete do meu avô, bem danificadas pelo tempo, por umas maiores e mais atuais. Ele não estava zangado pelas janelas, mas por ter quase certeza que eu estivera dando o cu para outro macho.
O Heinz veio almoçar comigo. Não escondia o alvoroço em que se encontrava por saber que eu tinha passado o dia e noite com o Eike. Veio bisbilhotar, querendo saber se eu e o Eike transamos.
- Eu nem devia mais olhar na sua cara! Você e o Manfred me traíram, foram contar para o Eike que eu estive no haras, quando cansei de afirmar que não queria que ele soubesse. – despejei iracundo.
- Eu não abri a minha boca e, posso garantir, nem o Manfred. Apesar de estarmos torcendo por vocês dois, não íamos te trair. – garantiu ofendido.
- Então como ele soube e veio aqui me jogar isso na cara, antes de me levar para o passeio?
- Sei lá! Não se esqueça que havia outros funcionários do haras que te viram naquele dia, qualquer um podia ter aberto o bico, inclusive o Julius, que quis te mostrar a mansão por dentro. – ele tinha razão, podia ter sido qualquer outro empregado, o que me fez abrandar o tom de voz. – Mas, vamos ao que importa. Como foi o passeio, e a noite que passaram juntos?
- Confesso que fiquei impressionado com o comportamento civilizado do Eike, me surpreendeu. Velejar foi uma delícia! – era o que eu estava disposto a revelar. Os colhões traumatizados e escandalosamente inchados continuavam a ser um segredo meu e do Eike.
- Sim, isso qualquer um pode imaginar. Mas, e o resto, vocês se entenderam? O Manfred acha que vocês acabaram se engalfinhando outra vez durante o passeio, mas ficou em dúvida, depois de você passar a noite na mansão. – insistiu
- É impressão minha ou vocês dois estão nos vigiando e controlando? Eu não gosto que fiquem me controlando e falando da minha vida privada por aí, entendeu? – retruquei zangado.
- Nem uma coisa nem outra! Ele e eu estamos apenas torcendo para que vocês se acertem. O Eike precisa de um cara exatamente como você, que lhe coloque rédeas de vez em quando, e não se deixe impressionar por seus títulos aristocráticos e sua rebeldia sem limites. Enquanto você, que há de concordar comigo, está precisando de um cara como ele, para pôr fim aos seus dias de tédio e abstinência sexual. – afirmou
- Abstinência sexual? De onde tirou uma besteira dessas? Eu vivo muito bem sem um homem para me aporrinhar os dias, para seu governo!
- Mas fica aí todo melancólico e entediado, querendo sair de Kramerhof. Sem um cara como o Eike, você pode se mudar para o outro lado do mundo, que vai continuar sentindo esse mesmo vazio. É ele quem vai te preencher, coloca isso na tua cabeça! – ele fez com que sua última frase soasse dúbia de propósito, esse ‘preencher’ soou para lá de libidinoso.
- Você não toma jeito, não é Heinz? – ele riu, nossa amizade já permitia que se divertisse às minhas custas.
Fazia quatro dias que deixei o Eike se recuperando. Tive vontade de ver como estava se saindo com aquele sacão inchado, mas não queria que ele pensasse que eu tinha caído na rede dele só por conta daquela situação. E, também, porque inevitavelmente, ele ia querer me mostrar o genital avantajado, o que ainda estava me tirando o sono desde o dia em pousei o olhar naquele troço descomunal. Ele apareceu no domingo pela manhã, a Matilda ainda estava tirando a mesa do café quando ele entrou pela porta da cozinha, onde ela, o Franz e eu acertávamos alguns detalhes sobre o cotidiano da casa. Pela maneira como os dois o recepcionaram, percebi que gostavam dele, apesar da sua fama de rebeldia que todos ali conheciam muito bem.
- Aceita um café e um pedaço de torta de maçã, Barão? – perguntou a Matilda, antecipando-se a mim, e esperando certamente o elogio que ele faria à sua torta que era realmente algo divino.
- Aceito! Como vai Franz? Muita agitação com a reforma? E você, Matilda, está cuidando bem desse moço? – devolveu ele com simplicidade e sinceridade, deixando os dois cheios de si.
- Você não estava doente? – perguntei quando ficamos a sós e ele devorava a torta feito um leão.
- Nunca estive doente! Tive só um contratempo você sabe bem onde, porque tua bundinha gostosa ficou cavalgando bem em cima das minhas preciosidades. Mas, para sua sorte, estou novinho em folha, com tudo funcionando perfeitamente. – alegou ele, o que me fez rir da safadeza dele.
- Quer dizer que vai mesmo imputar a culpa em mim, por ter sido tão irresponsável? – questionei
- E, quem mais eu podia responsabilizar pelo meu infortúnio? Como culpado, você deve me ressarcir do prejuízo! – além da cara libertina, seu olhar era pura cobiça.
- Pode ir tirando seu cavalinho da chuva! Não fui eu quem teve a ideia maluca de montarmos os dois na mesma sela. E não se esqueça que fui eu quem começou a tratar suas bolas inchadas. – quando mencionei isso, não contive o riso, a imagem daqueles testículos gigantescos voltou com tudo à minha mente.
- Ainda se divertindo às minhas custas? Só isso já vale uma punição.
- Quem teve a ideia de me sacanear durante a cavalgada que pretensamente era para me ensinar a montar? Que culpa tenho eu que seus planos não deram certo? – questionei caçoando.
- Bem! Não vou discutir com você. Eu vim aqui para te mostrar que tudo está funcionando bem, e que agora posso te oferecer aquilo que você tanto queria quando estávamos velejando.
- Ah, é? E o que você acha que eu tanto queria de você? – indaguei, com o tesão fazendo meu cuzinho piscar alucinadamente.
- Isso aqui! – respondeu ele, levantando da cadeira e pegando vigorosamente no cacetão já excitado.
Como ainda estava de pijama e com o robe, levei-o até o andar de cima para o meu quarto. Na escada ele já foi me agarrando, chupando e beijando minha nuca, o que só me fazia querer sentir aquele membro colossal, que resvalou naquele dia na minha mão quando lhe apliquei as compressas geladas nos testículos. A avidez dele era tanta que não se conteve enquanto eu me despia, parte das roupas foi ele quem arrancou. A maneira como ele olhou para a minha nudez foi a coisa mais emblemática pela qual já tinha passado. Havia desejo, cobiça, admiração, encanto naquele par de olhos surpreendidos com os contornos do meu corpo.
- Uau, Jan! Se vestido você já é um tesão, nu é um espetáculo! – exclamou ele, com a ereção indisfarçável se projetando dentro da calça. Eu corei, me senti intimidado e não sei explicar tudo que senti naquele momento; só que estava gostando, e muito, daquele elogio.
Suas mãos foram me tocando aos poucos, como se ele estivesse esculpindo meu corpo como a precisão de um escultor. Minha pele se incendiava onde suas mãos pesadas me tocavam. Ele abriu um sorriso ao notar minha pele se arrepiando, meus mamilos se projetando enrijecidos, meu corpo estremecer com seu toque. Meu tesão me fez beijá-lo, provar o sabor de sua boca, enlaçar minha língua na dele, enquanto ele me apertava contra si, deslizando a mão gananciosa pelas minhas costas e nádegas. Desabotoei lentamente sua camisa, os pelos do tronco foram mostrando toda sua virilidade à medida que eu ia abrindo a camisa, curioso e excitado, embevecido com a masculinidade dele. Ele sabia que estava conseguindo me agradar e me excitar. Ele abriu a braguilha enquanto eu lhe tirava a camisa e espalmava as mãos sobre seu tronco vigoroso. Mas, deixou-a aberta sem arriar a calça. Ele queria me observar fazendo isso dizia a expressão lasciva em seu rosto. Enfiei uma das mãos na abertura e deslizei os dedos ligeiramente abertos sobre o pelos pubianos dele, até encontrar o caralhão latejando. Envolvi-o na palma da mão e o afaguei com cuidado, puxando-o para fora enquanto minha mão se lambuzava no pré-gozo dele. Assim que o tirei da calça, o cacetão deu uns pinotes e ficou acintosamente à meia-bomba, pulsando enérgico a cada fluxo de sangue que o erigia. Minha mão continuou a explorar aquela virilha pentelhuda, tateando com ainda mais cuidado até envolver todo o sacão, pois temia que ele sentisse dor.
- Tem certeza de que está bem? – perguntei preocupado
- Veja por si próprio! Tudo na mais perfeita ordem, só esperando pelos teus afagos. – respondeu de pronto, ao terminar de descer a calça.
A vermelhidão e o edema haviam desaparecido, mas aquilo ainda continuava sendo os maiores colhões que eu já havia visto, eram taurinos, sensualmente atraentes, potencialmente másculos. Ajoelhei-me diante dele e beijei a cabeçorra babada, sorvendo o pré-gozo e aspirando o aroma viril e selvagem que vinha dela. Ele soltou o ar num sibilo longo e profundo ao sentir meus lábios envolvendo sua pica.
- Eram esses os beijos que estava esperando? – perguntei, ao encarar seu olhar estupefato.
- Sim! Só não esperava que fossem tão graciosos e deliciosamente sutis.
À medida que eu manipulava a jeba, ela enrijecia e se avolumava tão ferrenhamente, que eu mal conseguia movê-la. Lambi e beijei toda extensão dela, detendo-me de quando em quando para pousar um beijo úmido ou dar uma mordiscada suave na pele cheia de grossas veias saltadas. A cada um desses estímulos ele se contorcia, soltava um gemido rouco e pronunciava meu nome agarrando minha cabeleira, na qual seus dedos afundavam. Coloquei cada um dos testículos em separado na boca, chupando-o e massageando-o com a língua. Eles estavam ingurgitados, consistentes, me fazendo saber que estavam abarrotados no néctar daquele macho.
- Diga que vai ser meu, Jan! – pediu ele, já não se contendo mais.
Eu me levantei, peguei-o pela mão e o levei até a cama, onde me deitei de bruços, separando ligeiramente as pernas. Ele olhava para a minha bunda como um lobo olha para sua presa. Tocou minhas coxas e me fez virar um pouco de lado, abri mais as pernas e lhe ofereci meu rego estreito. Ele espalmou as mãos sobre os glúteos e os apartou até conseguir ver o botão rosado e plissado que se camuflava no fundo dele. Beijos, lambidas e mordidinhas nas nádegas foram se sucedendo numa tortura que se transformou em puro êxtase, me obrigando a gemer de tanto tesão.
- Você me quer, Jan?
- Quero! É tudo que eu quero! – sussurrei em meio ao frenesi.
Ele movia a língua úmida sobre a minha rosquinha com uma habilidade profissional. Eu gemia o nome dele, empinava o rabo, me oferecia receptivo quase implorando para ser penetrado. Aos poucos, ele foi se deitando sobre mim, os corpos se encaixando como se tivessem sido esculpidos um para o outro. O acoplamento perfeito fazendo nossas peles arderem no desejo. Guiado por sua mão, o caralhão, babando excessivamente, foi pincelado sobre a entrada do meu cuzinho. Um ‘ai’ escapava dos meus lábios cada vez que a pica deslizava sobre as pregas anais, até que um impulso bruto a meteu entre os meus esfíncteres e me fez soltar um grito pungente. A cabeçorra me rasgou, indo se alojar entre os músculos anais que, imediata e instintivamente, se fecharam ao redor do mastro grosso e colossal que se alojou entre eles. Fazia muito tempo que uma rola não entrava no meu cu. Ele se ressentia dessa longa abstinência e do tamanho incomum da verga do Eike. Pensei que não ia aguentar, fiquei apreensivo e agitado. A defloração estava sendo mais cruenta e dolorida que a primeira empreendida pelo Gustave alguns anos atrás. Mas eu queria aquele macho mais do que tudo na vida, respirei fundo, relaxei os esfíncteres, empinei a bunda e o fiz saber que estava pronto para acolhê-lo e ser de todo dele. O Eike estava ciente não só do seu dote cavalar, como da exiguidade daquela fendinha em que sua rola estava imersa e, lentamente, a forçou para as profundezas macias do meu casulo anal. Meus gemidos, a tremedeira que convulsionava todo meu corpo e aquele acolhimento irrestrito o deixaram maluco. Ele não era nenhum novato naquilo, havia perdido a conta de quantos coitos perpetrou, mas de uma coisa ele estava certo quando terminou de enfiar toda a rola no meu cuzinho, aquele era um coito especial, um coito do qual ele se lembraria até o último de seus dias, porque o amor que sentia pelo corpo que se contorcia debaixo do dele, não encontrava paralelo. Nas primeiras bombadas eu senti meu ventre se contraindo, o gozo veio sem aviso, envolvido num deleite sem igual. Esporrei-me todo pronunciando o nome dele num balbuciar sublime. Gemidos e ganidos se sucediam à medida que ele bombava meu cu com mais força, ele arfava, grunhia feito um touro no meu cangote, chupava e mordia meu pescoço como se quisesse me devorar. Meu ânus parecia estar pegando fogo, ardia feito brasa, enquanto aquele caralhão me esfolava a mucosa anal com sua intrepidez desmesurada. As estocadas abruptas quase extraiam gritos de mim de tão potentes e doloridas. O ritmo delas começou a ficar truncado, dava para sentir todo o corpo do Eike se retesando, ele me apertando cada vez com mais força, amassando entre seus dedos os meus mamilos, os chupões deixando marcas na minha pele, até o rugido selvagem ir enchendo o ar libertino do quarto com seu som rouco emergindo do fundo do peito dele. Quando eclodiu junto ao meu ouvido, os jatos de porra começaram a encharcar meu cuzinho, que eu rebolava contidamente, enquanto meus esfíncteres mastigavam a pica que os esporrava em abundância. Com o peito suado colado às minhas costas, o Eike esperava a respiração voltar ao normal e a rola amolecer no meu cuzinho. A primeira, foi se compassando lentamente; a segunda não tinha a menor intenção de arrefecer, e ele se deixava aninhar na minha pele fresca e perfumada. Ao examinar meu cuzinho lanhado após sacar o caralhão dele, como se quisesse conferir os estragos que havia me causado, o Eike sorriu disfarçadamente ao constatar as gotículas de sangue aflorando entre as preguinhas dilaceradas. Havia um prazer inconfessável nessa constatação, como se as marcas deixadas por suas picas numa buceta ou num cuzinho atestassem a masculinidade dos homens. O mesmo tinha acontecido com o Gustave quando me desvirginou e, aquele olhar do Eike tinha a mesma intensidade e certeza, a defloração tinha sido muito bem-sucedida.
- Feliz e satisfeito agora? – perguntei, pois conseguia ler seus pensamentos naquele instante.
- Como nunca! Você é um tesão de tão gostoso, Jan! Uma caixinha de surpresas! Uma deliciosa caixinha de surpresas! – ronronou ele, quando envolvi seu rosto em minhas mãos e o cobri de beijos.
A partir daí nosso envolvimento foi crescendo, as antigas rusgas deram lugar a trocas intermináveis de carícias nos mais inusitados lugares; nos crepúsculos multicoloridos ao longo da praia, nas caminhadas interrompidas numa relva mais alta do caminho onde nossos corpos afundavam e escondiam a libertinagem com que se conjugavam, nas noites passadas entre os lençóis que testemunhavam nossa paixão e, em meio a uma tarefa ou outra, interrompida para que meu cuzinho saudoso e carente acolhesse o cacetão voraz e nostálgico dele.
Eu fiquei contente quando o Gerhard anunciou que aquela seria a última semana da reforma, pois estava cansado e irritado com aquele interminável circular de operários, dos cômodos atulhados onde não se conseguia encontrar o que se procurava e, a sujeira que se espalhava por toda a parte. Mesmo assim, foi uma semana intensa, ele havia trazido mais quatro operários para reforçar a conclusão da obra e a casa mais parecia um campo de batalha. No final da tarde da sexta-feira eles se foram, restou apenas o Gerhard que ficou de terminar a instalação de algumas luminárias que ele faria sem a ajuda dos empregados. Já havia anoitecido quando a chuva voltou, mais forte e na forma de uma tempestade tropical, embora estivéssemos entre os paralelosNão havia como o Gerhard ir embora, as horas passavam e eu pedi que a Matilda lhe providenciasse um dos quartos, pois começava a se fazer tarde.
O dia seguinte amanheceu nublado e frio não conseguindo dispersar as poças d’água que se espalhavam pelas estradas. Mesmo assim, a carruagem que veio buscar o Franz e a Matilda para levá-los até Stralsund onde pegariam o trem para Prenzlau onde morava a filha deles e que, desde a minha chegada à mansão, não tinham mais visitado. Eu os havia dispensado por uma quinzena, pois tinham se dedicado sobremaneira para dar conta de todas as tarefas durante a reforma.
Eu tinha acordado cedo para me despedir deles e preparava o café poupando a Matilda da tarefa que ainda insistiu em fazer antes de partir, mas que precisei impor com certa energia. O Eike tinha caído da cama, pelo visto, pois apeou do cavalo menos de meia hora depois de o Franz e a Matilda partirem. Ele estava agitado, como de costume, muito por não termos tido tempo nos últimos dois dias de transar, por ambos estarem assoberbados. Mal entrou na cozinha e me beijou com sofreguidão, já começou a me encoxar com aquela ereção impudica quase saltando fora da calça.
- Senti sua falta! – ronrou ele, na minha nuca, enquanto seus braços me envolviam num aperto enérgico.
- Minha ou do meu cuzinho?
- Dos dois! – devolvi um sorriso maroto, pois também estava carente daquele safado que se provou ser um amante excepcional tanto na cama quanto fora dela.
Ele já estava com a mão nas minhas nádegas, tateando e baixando minha calça para me enrabar quando o Gerhard entrou na cozinha vestido apenas numa ceroula onde havia uma gigantesca ereção em curso.
- O que significa isso? O que esse sujeito está fazendo aqui a essa hora e nesse estado? Você deu o cu para esse camarada, Jan? – a rispidez na voz do Eike nem se comparava com aquela com a qual agarrava meu braço.
-Claro que não! Eu posso explicar.... – ele não me deixou continuar, aos berros ele continuou.
- O que você pode explicar? Que esse sujeito te fodeu a noite toda com aquela pica ainda em riste? Me diz, Jan, seu viado do caralho! Com quantos você está trepando na minha ausência? – ele me sacudia todo, as palavras saiam de sua boca que espumava de tanta raiva.
- Não seja ridículo! Você está fazendo uma cena por nada! Me ouça antes .... – não terminei a frase, pois uma bofetada quase deslocou meu maxilar e me obrigou a soltar um gemido de dor, enquanto eu perdia o equilíbrio e me agarrava à mesa para não cair.
- Não se atreva a tocar mais nele, seu pulha desgraçado! – berrou o Gerhard, partido aos socos para cima do Eike.
Os dois se engalfinharam feito duas feras, as coisas ao redor saiam voando, se estilhaçando, enquanto socos, chutes e todo tipo de golpe era desferido de ambos os lados. Eu implorava para que parassem, mas ninguém me ouvia. O Eike estava em ligeira vantagem, mesmo assim, eu suplicava para que o Gerhard não o machucasse, o que o fez me encarar com um ar inquisitivo, onde se podia ler claramente – porra, sou eu quem está apanhando – sem que parasse de se defender. Precisei apelar para os outros empregados que começavam a aparecer para o trabalho. Foi um custo separá-los. Quando tudo parecia estar resolvido, e eu tentei conter um sangramento no lábio do Eike, ele me bateu mais duas vezes. Seus tapas me deixaram zonzo, quando um punho cerrado estava pronto para atingir meu rosto, soltei um grito agoniado, o que o fez parar antes de estraçalhar minha cara e, quando dei por mim, ele saia a passos firmes porta afora. Chamei-o inutilmente, implorei que voltasse para me ouvir, mas ele montou no cavalo e saiu a galope, me deixando com aquele medo e aquela dor crescendo no meu peito.
- Que ideia infeliz foi essa de descer nessas condições? – questionei o Gerhard, que se recompunha da briga.
- Não imaginei que fosse encontrar esse animal aqui a essa hora! – respondeu ele, massageando o queixo, pois tinha a impressão que seus dentes não ocluíam.
- E o que foi que você imaginou, então? Que eu pudesse estar interessado? Se ainda não tivessem partido, você encontraria o Franz ou, pior, a Matilda aqui na cozinha, acha que algum deles estaria interessado em ver essa excitação gigantesca entre as tuas pernas? – continuei questionando. – Faça-me um favor, Gerhard, vá se vestir, tome o café que deixei para você na mesa e, ao sair feche a porta! – determinei, deixando-o.
- Esse sujeito é um conhecido tarado! Pela fama que tem, não vale nada! Não sei por que se mostrou tão indignado, quando ele próprio deve ter feito isso inúmeras vezes. Depois, eu não podia ficar simplesmente assistindo ele te esmurrando por nada. – afirmou ele.
- Entenda uma coisa, eu amo esse homem como nunca amei alguém antes. Não tenho olhos para outros, ou para as investidas deles, ou para seus sexos priápicos, por mais tentadores que possam ser. O único homem que me importa é ele, e o nosso amor. – sentenciei determinado.
- Pergunte-se se ele sente o mesmo por você. Pois, caso sentisse, não teria batido em você! – retrucou, convencido de que sua tentativa de me seduzir não tinha sido em vão.
A notícia circulou mais rápido do que eu podia supor. Ainda no meio da manhã, o Heinz veio ter comigo, perplexo e indignado.
- Estou sabendo que você e o empreiteiro dormiram juntos na ausência do Franz e da Matilda. Você acha que o Eike é homem de aceitar uma coisa dessas? Ele está uma fera com você! – afirmou meu amigo.
- Então você está muito mal informado! Eu nunca dormi ou fiz qualquer coisa com o Gerhard, que fique bem claro! O que aconteceu aqui esta manhã foi um grande mal-entendido, e o Eike não me deu a chance de explicar o porquê de o empreiteiro ter dormido aqui em casa. Ele simplesmente explodiu e me agrediu, esquecendo-se do amor que ele sabe eu sinto por ele. – esclareci. Nesse interim, o Manfred também veio ter comigo, e eu sabia que também era para me exigir explicações quanto ao que supostamente fiz ao amigo dele.
- O Eike me disse que o sujeito veio ter com você na cozinha, praticamente nu e de pau duro. Que homem não fica puto ao flagrar outro macho de intimidade com seu namorado? O Eike não é homem que deixe passar uma coisa dessas. Você está encrencado com ele, Jan! Bem encrencado! – afirmou o Manfred, posicionando-se a favor do namorado e do amigo.
- Foi uma imprudência o que o Gerhard fez e, não sei bem por que ele fez uma coisa dessas, pois jamais dei abertura para ele agir dessa maneira. Quanto ao Eike, ele não me ouviu, apenas tirou suas conclusões errôneas e me espancou, mesmo sabendo o quanto eu o amo. Ele sabe da intensidade e da veracidade desse amor, que teve inúmeras oportunidades de sentir em meus braços em todas as noites que passamos juntos. Mas, parece que isso não conta para ele. – devolvi.
- Imprudência? Esse cara fez isso de caso pensado. Você não é ingênuo o bastante para não saber o fascínio que exerce sobre certos homens, o quanto eles cobiçam seu corpo e sua bunda, querendo, nada mais nada menos, que enfiar os cacetes nessas carnes tentadoras. Ele veio atrás de você com o cacete duro e seminu para te enrabar, e deu o azar de dar de cara com o Eike, foi isso que aconteceu, e não uma mera imprudência como você diz. – sentenciou o Manfred, tomando as dores do amigo. – Eu teria agido da mesma forma se pegasse o Heinz numa situação semelhante. Aliás, eu nem sei se não o estrangularia com as minhas próprias mãos se soubesse que ele estava dando bola para outro macho. – garantiu, deixando o Heinz assustado.
- Enfiem uma coisa na cabeça, eu ... não ... dei ... bola ... para ... esse ... sujeito! Será que é tão difícil entender isso? – revidei exasperado.
- Acreditamos em você! – asseverou finalmente o Heinz, cuja sensibilidade mais aguçada que a do Manfred o fez perceber que meu amor pelo Eike era maior do que qualquer interesse por outro homem.
- E onde ele está agora, Manfred? Interceda por mim junto a ele, meta na cabeça daquele turrão que eu não fiz nada de errado, por favor. – implorei.
- Ele deve estar descarregando a raiva por aí. Assim que chegou ao haras e, enquanto me contava o que tinha acontecido aqui, ele apeou do cavalo em que estava, começou a selar furiosamente um garanhão ainda não totalmente domado, montou nele e saiu feito um raio em direção à charneca de Prohn. – esclareceu o Manfred. – Vou tentar conversar com ele quando voltar. Mas, você sabe como ele é, certamente vai me dizer que não quer falar sobre o assunto e vai me mandar não me intrometer na vida dele. – ele bem conhecia o patrão e amigo de infância que tinha.
Eu não fui procurar pelo Eike. Achei que ele tinha sido injusto comigo, ignorando o amor que tínhamos um pelo outro. Ele que refletisse sobre a atitude que teve para comigo, sobre as bofetadas despóticas que desferiu em mim. Cinco dias se passaram sem que tivesse notícias dele. Nesse tempo, o Heinz veio ter comigo todos os dias tentando me consolar, enquanto o Manfred o acompanhou em duas ocasiões para me dizer que o Eike continuava irredutível e furioso comigo, apesar de ele ter tentado argumentar com ele.
Essa desavença com o Eike foi a gota d’água para eu me questionar sobre a minha vida em Kramerhof. Ultimamente, com a reforma da mansão, comecei a articular umas ideias para preencher meus dias tediosos naquele lugar. Eles pareciam ter findado quando meu relacionamento com o Eike engrenou e começamos a ter uma vida sexual mais intensa e constante. De alguma forma, me senti traído por ele em meus sentimentos, aos quais ele parecia só dar valor quando tinha aquela pica cavalar atolada no meu cuzinho generoso. A decisão até podia parecer impulsiva, no entanto, no último dia daquela semana, tomei o trem em Stralsund para Hamburgo. Fui para casa, ver meus pais e meus irmãos, mesmo sabendo que eles estavam confortáveis com a distância que nos separava e, que não dava chance da sociedade em que viviam, descobrir que o caçula era gay, e quanto mais longe estivesse, melhor. Porém, eu tinha assuntos a tratar com meu pai, embora ele já não me considerasse mais seu filho, fazendo questão não só de afirmar isso com todas as letras, como ignorar minha existência.
- Você sempre me acusou de não ter interesse pelos negócios da família, por ter feito filosofia ao invés do que você havia planejado, de eu ser um inútil. Pois bem, Kramerhof e Rügen tem um enorme potencial hoteleiro de verão. Eu quero transformar parte da mansão num hotel requintado que atraia uma sociedade endinheirada para a região que é belíssima e pode abrigar entretenimentos exclusivos. Andei me informando sobre uma propriedade na avenida da orla em Rügen que daria um excelente hotel de categoria, bem de frente para o mar, bastando investir numa construção requintada à qual se agregaria uma equipe especializada em atender as exigências de ricos e famosos. É para isso que estou aqui, não para pedir seu aval, mas para que me antecipe a herança do vovô para essa finalidade; que, aliás, já é minha e que nunca reivindiquei, ao contrário dos meus irmãos. – meu pai me encarou com ceticismo, mas ficou impressionado com a minha disposição.
- Isso foi ideia sua ou daquele acristocratazinho falido que está enrabando seu cu? – foi sua primeira pergunta, carregada de desprezo.
- Deu para se interessar com quem eu vou para a cama? Isso não deveria ser uma preocupação para um empresário da sua envergadura! – devolvi, sereno e petulante.
- É quando isso me afeta, quando afeta à minha família, seu invertido arrogante e sem caráter! Até agora você não fez outra coisa que não deixar os machos se valerem do seu rabo, feito uma cadela de rua. Se a herança do seu avô for destinada a sustentar outro dos teus machos parasitas, esqueça! Eu não lhe darei um centavo dessa herança para que a dilapide em suas orgias. – retrucou enfurecido.
- Não é você quem tem que me dar essa herança, ela já me pertence. Você se apropriou dela para me controlar. Se for preciso, vou à justiça para reavê-la! – respondi obstinado.
- Está me ameaçando, seu invertido canastrão?
- Entenda como quiser! Quero o que é meu de direito, quer você goste ou não. E então, preciso recorrer à justiça? – ele bufava feito uma locomotiva velha, sem me dar uma resposta.
Dei sorte da minha mãe não estar em uma de suas viagens que a mantinha longe de casa e do marido por meses a fio. Foi a maneira que encontrou para prolongar aquele casamento sem se aborrecer. Ela intercedeu a meu favor, aconselhando meu pai a ceder a herança deixada pelo meu avô, sem ter que abdicar da parte que herdaria dele próprio, o que para ele já estava fora de questão. Ao contrário da relação com o meu pai, a minha relação com a minha era fria, mas amistosa. Ela estava consciente de que nunca foi uma mãe muito presente na minha vida, e procurava compensar esse desapego nas raras ocasiões em que estávamos juntos. Também foi a pedido dela que prolonguei minha estadia em Hamburgo, quando aproveitamos para um breve convívio mãe-filho. Embora também não aceitasse minha condição homossexual, pois isso era motivo de questionamentos entre os membros da sociedade em que vivia, ela procurava entender o porquê de eu ter me tornado um invertido, culpando-se em seu íntimo, por não ter sido uma mãe presente e achando que isso foi o motivo de eu me tornar o que sou.
Fazia duas semanas que eu estava em Hamburgo. Em Kramerhof já se dava como certa que a minha partida tinha sido definitiva, que o lugar só fazia me sentir solitário, que optara por deixar o lugar uma vez que nada mais me prendia a ele. Tinha me desacostumado da vida numa cidade cosmopolita e agitada, mas estava gostando desse movimento todo. Ele me fazia esquecer por algumas horas da injustiça do Eike, ao mesmo tempo em cada rua apinhada de gente das mais variadas origens se divertindo, fazendo compras, conversando animadamente nas mesas das calçadas dos restaurantes me faziam desejar estar com ele ali ao meu lado, aproveitando as comodidades e prazeres cosmopolitas. A família toda estava reunida ao redor da mesa do jantar no sábado à noite, algo bastante inusitado para os Kedingshagen, quando o mordomo veio anunciar que eu tinha uma visita me aguardando no vestíbulo. Todos focaram seus olhares em mim, estranhando eu ter uma visita depois de tantos anos afastado de Hamburgo.
- A pessoa se identificou, Theodore? – indaguei curioso, tentando me recordar de um antigo colega de escola ou algo assim.
- Sim, senhor! Ele se identificou como Barão von Schwerin, senhor! – meu coração começou a palpitar. Meu pai soltou furiosamente os talheres sobre a mesa. Minha mãe trocava olhares aflitivos com meus irmãos, nos quais começaram a se esboçar traços de sorrisos sarcásticos.
- Coloque-o para fora, Theodore! Mesmo que seja a pontapés! – berrou meu pai, desferindo um soco na mesa.
- Não, Theodore! Espere, eu vou recebê-lo! – exclamei, me levantando da mesa.
- Eu não vou permitir que você traga seus machos para dentro dessa casa, seu pederasta desavergonhado! Essa casa é um templo sagrado, é onde vive a sua família que deve ser respeitada e preservada da sua devassidão. Vá a um prostíbulo se quiser receber teu macho, mas aqui dentro não! – os gritos furiosos dele se espalhavam pelo silêncio quase monástico da mansão, e podiam, quiçá, ser ouvidos até da rua.
- Procure se controlar, ou vai enfartar! – exclamei com ironia, o que o deixou ainda mais possesso, por estar sendo desafiado novamente.
Era certo que o Eike havia escutado a discussão, mas me dirigiu um sorriso tímido quando ficamos frente a frente. Ele estava lindo, usava um terno que o deixava parecendo um nobre, o que realmente ele era, mas de uma maneira como eu ainda não tinha visto.
- Oi! – cumprimentou cauteloso
- Oi! – respondi emocionado.
- Desculpe aparecer sem avisar, mas achei que você não me receberia se eu te avisasse. – disse ele
- Por que eu faria isso, se você é o homem que eu amo? – indaguei, louco de vontade de me atirar em seus braços. Ele intensificou o sorriso ao ganhar confiança com as minhas palavras.
- Porque fui um tolo, porque desconfiei do seu amor, porque bati em você. Talvez eu passasse uma hora aqui enumerando todos os meus erros, é por isso que tive medo de te perder, quando me disseram que você havia abandonado Kramerhof e voltado para cá. – sentenciou. – Me perdoe, Jan! Eu não te mereço, bem sei, mas não consigo imaginar minha vida sem você. Perdão, amor! – penitenciou-se arrependido
- Eu nunca te traí, Eike! Não tenho olhos para nenhum homem que não seja você, o grande e único amor da minha vida! – asseverei.
- Agora eu sei, me perdoe por ter duvidado desse amor e da sua integridade. Eu te amo tanto que fiquei cego de raiva quando vi aquele sujeito seminu se engraçando com você. Você é meu, Jan! – ele adiantou os passos na minha direção, ainda hesitando se deveria ou não me tomar em seus braços.
- Eu sou seu, Eike! Só seu! – foi do que ele precisou para me agarrar e me trazer para junto dele, colando lasciva e desesperadamente sua boca na minha. Não sei quanto tempo passamos ali nos beijando, resgatando aquele amor que ficou em suspenso por aquelas duas semanas, deixando ambos com um vazio imenso no peito.
- Ponha-se daqui para fora com seu macho, invertido dos infernos! – berrou meu pai, ao nos ver aos beijos. Pensei que ele fosse me espancar, tamanho era o ódio que cintilava em seu olhar.
- Pai, este é o homem que eu amo! Eike, este é meu pai, um intolerante como dificilmente existirá outro. – não sei porque estava sentindo um prazer mórbido de jogar isso na cara do meu pai. Talvez fosse por todos aqueles anos que passei ouvindo ele me depreciar.
Minha mãe e meus irmãos se juntaram a nós, a curiosidade de saber quem era o macho que me enrabava era maior do que o desconforto que sentiam ao estar na presença de um casal homossexual. Foi minha mãe quem, de certa forma, quebrou o gelo, estendendo a mão para cumprimentar o Eike, no que foi seguida pelo Karl e pelo Jürgen que, desajeitados, o cumprimentaram laconicamente como se temessem tocar na mão do macho que estava fodendo seu irmão. Meu pai nos deu as costas e refugiou-se em seu gabinete para não ser obrigado a presenciar aquela indecência uranista, como denominou a cena que acabara de presenciar.
- Estávamos sentados à mesa do jantar, quer nos fazer companhia, Eike? – convidou minha mãe. A sofisticação de sua educação se sobrepunha a qualquer coisa.
- Lamento ter chegado em hora tão inoportuna, mas eu estava ansioso para me encontrar com seu filho! Se não for um incomodo, eu aceito! – respondeu o Eike gentil e aristocraticamente, como lhe haviam incutido na personalidade através das gerações de antepassados.
Ao final do jantar, minha mãe havia se encantado pelo Eike, meus irmãos relaxaram tendo a convicção de que não pegariam aquela doença por estarem diante de um homem que fodia outros homens, e uma conversa cordial e até amistosa se desenrolou entre nós. Não que algum deles concordasse com a nossa união, mas era um mal que precisava ser encarado como uma fatalidade e não como uma tragédia. Minha mãe até convidou o Eike a se hospedar conosco enquanto permanecesse em Hamburgo, mas ele declinou, sabendo que isso só geraria conflitos familiares.
- Não pretendo me demorar! Só vim mesmo para pedir o perdão de seu filho, por não ter confiado no amor que ele sente por mim e, para levá-lo de volta comigo para a minha casa, que é onde eu o quero de hoje em diante! – respondeu o Eike à minha mãe.
- Isso até soa como um pedido de casamento! – debochou meu irmão Jürgen.
- E é, meu caro! E é! Talvez você não entenda o amor entre dois homens, mas eu lhe garanto que ele existe, e é exatamente o que sinto pelo seu irmão, desde o primeiro dia que o vi. – a declaração deixou a todos desconcertados, dita assim tão sincera e sem meias palavras.
Dormi com o Eike no hotel naquela noite, fizemos as pazes entre beijos, trocas de carícias e sexo arrojado. Eu senti tanta falta do meu macho que não perdi tempo assim que chegamos ao quarto do hotel. Nos desnudamos às pressas, com a urgência a avassalar nossos corpos. Peguei na rola intrépida do Eike e a coloquei na boca, chupando-a e lambendo a excitação úmida que ela vertia, aumentando ainda mais o tesão que ele não conseguia mais controlar. Instantes depois, eu a senti me empalando enérgica e afoitamente, arregaçando minha fenda anal e dilacerando minhas preguinhas, entre gemidos e ganidos que saiam de nossas bocas quando elas não estavam coladas uma na outra.
No dia seguinte, meu pai me chamou na sede da empresa. Na suntuosa sala de reuniões havia dois advogados, meu pai, meus dois irmãos e minha mãe rodeando a mesa de mogno de pés entalhados. Por si só, a disposição já era intimidadora. Fui o último a chegar, não porque estivesse atrasado, mas porque os demais haviam sido convocados propositalmente mais cedo.
- É a herança do seu avô que você está pleiteando, pois bem, vai ter o que deseja! – começou meu pai, que ocupava a ponta da enorme mesa como se fosse um imperador. – Assine esses documentos e tudo passará para o seu nome.
- Eu nunca vi o testamento do vovô, como vou saber se tudo o que me foi deixado consta desses documentos? – a pergunta o irritou de tal maneira que por pouco não me jogou um peso de papeis que estava próximo a ele na cara.
- Como se atreve, seu fedelho? Por acaso acha que estou te enganando? – eu não respondi, apenas lhe lancei um olhar inquisitivo que falava por si só. Eu conhecia meu pai, suas artimanhas, seu jeito de negociar. Não foi por acaso que se tornou o empresário multimilionário que comandava suas empresas daquele edifício luxuoso da Buchardstrasse às margens de um dos canais do Rio Elba.
- E o que significam esses outros documentos? – eram tantos que, numa rápida passagem de olhos, apenas constatei tratarem-se de uma abdicação de direitos. – Não vou assinar nada sem ter lido todos esses papeis! – afirmei, começando a desconfiar que estava sendo vítima de uma armadilha. – Também vou consultar um advogado para me ajudar na interpretação deles. – acrescentei.
- Não me faça perder a paciência, Jan! Ou você assina esses papeis, ou pode dizer adeus a herança do seu avô, a escolha é sua! – ameaçou
- Pois que perca! Estou me lixando para a sua paciência que, aliás, você nunca teve para comigo! Não sou nenhum idiota que se deixa manipular. O que está em testamento você não pode contestar e, quanto a esses outros papéis, eu seria um ingênuo se os assinasse quando você os preparou especialmente para me tirar o que me é de direito. – afirmei, encarando-o com aquela petulância que eu sabia fazer o sangue dele ferver.
- Assine, meu filho! Ninguém aqui quer te prejudicar, estamos apenas querendo garantir que ninguém de fora venha a se aproveitar do que seu pai construiu com muito esforço. Disse minha mãe, deixando claro o motivo daquela papelada toda.
- Então é isso, vocês querem se proteger de alguém com quem eu esteja envolvido! – exclamei, soltando na sequência uma risada espalhafatosa.
- Você nunca soube escolher suas amizades e seus casos devassos, seu invertido depravado! Eu jamais vou permitir que algum dos teus machos viva às custas do que eu construí. – berrou meu pai, perdendo a compostura.
Reli os documentos minuciosa e demoradamente, sob os olhares impacientes de quem me cercava. Segundo o testamento, a mansão de Kramerhof me fora deixada pelo meu avô, bem como uma boa soma em dinheiro, um terço de sua fortuna, já que a dividiu igualmente entre os netos. Os demais papeis me faziam abrir mão de qualquer direito sobre o conglomerado de empresas do meu pai, em favor dos meus irmãos e da minha mãe. A título de compensação, eu teria direito a uma espécie de indenização que mal chegava a 10% da fortuna do meu pai, mas que mesmo assim, perfazia um bom dinheiro. Aceitei os termos e assinei a papelada, só para me ver livre do cabresto imposto pela minha família. Saí de lá com a sensação de ter sido ludibriado, e fui, como vim a descobrir anos mais tarde, tanto na herança deixada pelo meu avô, quanto no patrimônio declarado pelo meu pai. No entanto, o que recebi, não me impediu de dar sequência aos meus planos e viver uma vida confortável com o Eike.
No trem de volta para Kramerhof daquela noite, expus ao Eike a minha ideia de transformar a mansão num requintado hotel e, de adquirir a propriedade na orla de Rügen para construir outro hotel, uma vez que via o potencial turístico da região. Ele me apoiou em tudo, envolveu-se de corpo e alma nos negócios, transformou o haras e suas terras em outra atração para os turistas.
Uma década depois, o turismo na região havia se expandido de tal forma que nossos negócios viviam lotados e muito rendosos. Tínhamos transformado a mansão dos Schwerin em nossa residência depois de uma boa reforma, e adquirimos outros pontos comerciais em Stralsund e Rügen. Eu vivia a vida dos meus sonhos, tinha o amor do mais fogoso, lindo e carinhoso homem que alguém podia desejar. Tinha planos, objetivos e um trabalho que me ocupava as horas e me trazia uma sensação de realização. Tinha o casal de amigos mais dedicado e fiel que alguém podia querer, o Manfred e o Heinz, ambos envolvidos nos negócios, o Manfred como gerente do haras e da propriedade do Eike, e o Heinz como diretor da agência de turismo que controlava os hotéis, um braço direito meu em quem eu tinha não só um amigo, mas um confidente.
Minha mãe faleceu três anos após o fim da Primeira Grande Guerra, longe de casa, na Provença às margens do Mediterrâneo, para onde havia se mudado quando desistiu de manter as aparências daquele casamento fracassado. Apesar da opressão que senti em meu peito ao lado da sepultura, nenhuma lágrima aflorou dos meus olhos. Por algumas semanas carreguei uma culpa que não tinha.
Era uma tarde de primavera, daquelas cheias de aromas das flores do campo, do sol dourado que mantinha os pássaros voando pelo céu até mais tarde, como se estivessem louvando aquele calor benfazejo, quando ele retornou sozinho galopando como se estivesse participando de um derby pela estrada que conduzia à casa, levantando pequenas nuvens de poeira onde as patas do cavalo batiam. Subitamente, sem nenhuma explicação, senti um aperto no peito. Eu o observei chegando dos degraus da entrada principal e desci ao encontro dele. Seu semblante transmitia terror, um terror que foi se intensificando quando ele, arfando de tão agitado, mal conseguia falar.
- Onde está o Eike? Por que ele não voltou com você, Manfred? O que aconteceu, pelo amor de Deus? – a mesma agitação que estava nele me invadiu.
- Não tem como te dar essa notícia de outra maneira, Jan, me desculpe! O Eike sofreu uma queda quando atravessávamos a pontezinha. A pata do cavalo engatou numa tábua solta quebrando-a e fazendo-o cair, o Eike foi arremessado sobre a sela e bateu com a cabeça numa das vigas de sustentação, ficando inconsciente. Ele está sendo levado nesse momento para o hospital em Stralsud. Eu só vim te avisar e te buscar para vir comigo até lá. – eu vi tudo rodopiando ao meu redor, por alguns segundos pensei que não conseguisse ficar em pé.
- Como assim? Onde? Isso não é verdade, Manfred, diga que não é! – as palavras que saiam da minha boca não faziam sentido.
- Você vai precisar ser forte, Jan, muito forte! – exclamou ele, vendo que eu estava em transe.
- Me diga a verdade, Manfred, o Eike está vivo, não está?
- Quando o levaram para o hospital sim.
Encontrei o Eike estirado sobre a cama, com aquele seu corpanzil ocupando todo o espaço, mas ao beijar sua testa, ele me pareceu um garotinho que é posto na cama para dormir. Seu rosto tinha feições inexpressivas, o que me deu a certeza de que algo muito grave estava acontecendo com ele. À medida que os dois médicos que vieram ter comigo descreviam o quadro clínico dele, eu precisei me apoiar na beira de leito e os braços do Heinz precisaram me amparar. Na queda, o Eike fraturou vértebras da coluna cervical e o prognóstico, na melhor das hipóteses, seria uma quadriplegia permanente. Eles só poderiam me dar mais informações quando, e, se ele saísse do coma, o que, no momento, era impossível dizer.
- Você já imaginou esse homem paralítico? – perguntei simultaneamente ao Manfred e ao Heinz. – Esse homem cheio de disposição que não consegue ficar um minuto parado nalgum lugar, esse homem que parece ter nascido com um vulcão dentro de si que não para de agitá-lo? Como vai ser isso agora? – nunca me senti tão perdido. O único homem que amei de verdade estava ali sem poder sequer mexer um dedo mindinho.
- Nós estaremos sempre ao seu lado, Jan. Vamos rezar para que tudo acabe bem. – tentou reconfortar-me o Heinz.
- Você ouviu o que eles disseram, na melhor das hipóteses tetraplégico, isso não é acabar bem.
Durante cinco dias não arredei pé do lado dele. Mesmo inconsciente, eu suplicava para que não me abandonasse, que ficasse ao meu lado até nossa velhice, reforçava nele o quanto o amava, que ele era o único homem que eu amei em toda a minha vida, que eu morreria se ele me deixasse. Mas, seu rosto continuava imóvel e inexpressivo.
- Você precisa sair um pouco desse quarto, Jan, está definhando junto com o Eike. O que vai ser quando ele acordar e precisar de você? – dizia o Manfred, no que o Heinz lhe fazia coro.
- Eu estarei aqui ao lado dele, esperando para apertá-lo em meus braços. – respondia eu, no limiar das minhas forças.
Da janela do quarto do hospital ligeiramente elevado em relação à cidade e ao porto via-se uma paisagem estupenda. O sol estava se pondo mais uma vez espalhando seu brilho pelo céu que ia de um amarelado intenso a tons alaranjados e terrosos numa linha bem definida no horizonte que se distinguia dos tons azulados do mar. Tudo estava parado, nem a menor brisa se movia, como se todo o universo estivesse em suspenso. Ele abriu os olhos, levantei-me da cadeira num salto, o Manfred e o Heinz se aproximaram, antes de o Manfred sair à procura de um médico.
- Amo você! – balbuciaram seus lábios, enquanto aqueles olhos nos quais eu quase sempre conseguia ler o que se passava em sua mente, me encaravam com doçura e paixão.
- Eu também amo você, meu amor! Muito, muito! – devolvi, sentindo as lágrimas descendo pelo rosto, enquanto apertava a mão dele entre as minhas.
- Você sempre teve mãos tão leves e carinhosas como se fossem as de um anjo, nem consigo senti-las de tão leves. – sussurrou ele, desviando ligeiramente o olhar para a mão que eu segurava, sem que estivesse sentindo o toque das minhas.
- Eu sei amor, eu sei! Eu vou te acariciar sempre. – murmurei com aquele nó sufocando a minha garganta.
Ele sorriu e fechou os olhos, o tronco largo que sempre se inflava a cada inspiração tornando-o ainda mais vigoroso parou de se mexer. O médico se posicionou ao meu lado, tocou sua jugular, auscultou três pontos em seu peito e anunciou a morte. Eu desabei sobre ele soluçando com aquela dor profunda que abria uma cratera dentro de mim. Minha vida acabava ali, naquele crepúsculo de primavera, junto com todos os sonhos que ainda pretendíamos sonhar juntos.
Mergulhei de corpo e alma no trabalho, mas ele já não tinha o mesmo sabor de antes, não me trazia mais aquela sensação de realização de outrora. Tudo era um grande e imenso vazio, e eu o carregava para onde quer que fosse. Voltei a vagar solitário pelas praias desertas nos finais de tarde, quando a dor parecia ser mais intensa e pungente. Evitava as caminhadas no verão quando o lugar fervilhava de turistas, optando nessa época pelas caminhadas, acompanhado pelo Heinz, entre os campos cultivados da propriedade Schwerin que o Eike transferiu para mim quando a herdou da família que nunca mais retornou a Kramehof, permanecendo na Suíça.
Há dois anos meu pai veio morar comigo. Depois de um acidente vascular isquêmico que o deixou parcialmente paralisado do lado esquerdo do corpo e afetou sua cognição, meus irmãos o afastaram do controle das empresas, apossando-se delas, enquanto tentavam colocá-lo num asilo. O ultrapoderoso Sr. Kedingshagen não passava de uma marionete que mal conseguia levar um garfo à boca quando veio morar em Kramerhof, acolhido pelo filho invertido desprezado e por seu marido compreensivo. No dia em que o Eike faleceu, podia-se distinguir um riso disforme de escárnio em sua boca, e eu precisei me afastar dele para não cometer um parricídio. Mesmo doente e dependente, ele nunca me aceitou, nunca aceitou minhas escolhas, nunca aceitou que o destino lhe armasse a cilada de lhe dar um filho como eu.
Naquele ano a primavera deu as caras mais cedo, prenunciando uma estação de veraneio agitada, com temperaturas mais elevadas que o normal para a época. O sol despontava cedo e esquentava as manhãs dissipando o nevoeiro denso. Era mais um daqueles dias em que eu acordava sentindo o enorme vazio deixado pelo Eike. Até respirar se tornava mais difícil, como se o ar já não quisesse mais entrar em meus pulmões. Eu tomava o café da manhã em companhia do Manfred e do Heinz, quando o enfermeiro desceu com o meu pai. Ele não cumprimentou ninguém, não éramos dignos disso. Na véspera, informei-o que meus irmãos haviam perdido grande parte das empresas, num negócio malsucedido no qual se enfiaram, tentando dar o passo maior que as pernas. Nenhum dos dois era um grande administrador, tinham vivido à sombra do meu pai, e preferiam a vida luxuosa ao empenho nos negócios. Em dado momento, como fazia quando acordava com os cornos virados, ele me dirigiu a palavra.
- Não sei que mal fiz para merecer um filho invertido como você! Preferiria que nunca tivesse nascido para encher de vergonha o nome da família. Nunca quis ser seu pai, você só me trouxe aborrecimentos. – disse ele, com a dificuldade que a paralisia lhe impunha, mas com toda obstinação que ainda preservava. O Manfred e o Heinz se entreolharam estarrecidos pela maneira desprezível de sua afirmação.
- Nem eu quis ter um pai como você! Então, estamos quites! – respondi sem emoção, pois nada do que vinha dele me fazia mais diferença.
- Leve-me para o jardim, Werner! Não suporto a presença desses degenerados, isso só me faz mal. – pediu ele, ao enfermeiro.
- Por favor, Werner, atenda-o, pois eu também não suporto mais olhar para a cara desse homem que estaria jogado, esquecido e apodrecendo num asilo se não fosse pelo filho invertido e abominável que o destino lhe deu. – eu não estava nos meus melhores dias; quando aquela saudade do Eike doía como uma ferida recém aberta, minha paciência desaparecia.
O enfermeiro o deixou sob o sol ameno da manhã, entre os canteiros floridos de rododendros, narcisos e jacintos onde costumava ficar até a hora do almoço. Sem disposição para fazer a minha ronda diária até o hotel mansão que estava lotado para a estação, fiquei acertando alguns assuntos com o Heinz na biblioteca de casa quando um empregado veio comunicar que o velho Hedingshagen pendia estranhamente de lado no banco do jardim. Ele estava morto quando o Heinz e eu chegamos até ele. Encarei o fato como mais um problema a ser resolvido naquele dia, mandar que o levassem a sepultura, onde não me fiz presente, para indignação e espanto do pastor que conduziu a cerimonia para meia dúzia de empregados que estavam ao redor.
O vento frio dos finais de tarde da primavera ainda não tinha conseguido se afastar, eu caminhava só pela areia firme e molhada da praia. A dor me que afligia não era pela morte daquela manhã, mas por aquela de um ano atrás. Foi aquela morte que transformou tudo ao meu redor, que me tirou a essência da vida, que fez do meu coração uma pedra que teimava em continuar ativa a despeito da minha vontade.
Era um mistério eu a encontrar todas as vezes que vinha caminhar na praia. Eu sabia que era a mesma, apesar de haver inúmeras voando ou ciscando na areia. Ela era uma gaivota que tinha algo de especial que eu não conseguia identificar, mas que me fazia ter a certeza de que era ela, sempre ela, a mesma. Ao contrário das demais, ela não fugia quando eu me aproximava, muitas vezes, era ela quem vinha ao meu encontro. Tinha um modo peculiar de mover a cabeça, de me encarar. Naquele dia eu consegui decifrar aquele olhar carregado de esperança, cheio de carinho, transbordando amor, era como o Eike olhava para mim quando seu falo enorme e sempre sedento pulsava vivo e rijo nas minhas entranhas. O vento que soprava não conseguia secar as lágrimas que rolavam pelo meu rosto. Isso me fez compreender que minha solidão só teria fim no dia em que eu voltasse a me juntar a ele, nalgum lugar onde não houvesse dor.