YURI
O tempo foi passando e peguei o jeito no meu trabalho. Eu não me cansava mais, porque o Zedu estava ao meu lado, principalmente, na questão da casa. Ele contratou uma equipe para fazer as principais mudanças da nova residência, como por exemplo, a conta de energia elétrica, a conta de água, a conta de gás e internet. A vida de adulto não é fácil.
A tia Olívia pediu para nos levar a um restaurante novo de Manaus. Tivemos que usar roupas chiques para a ocasião. O lugar era elegante e cheio de plantas. O cardápio misturava as delícias da Amazônia com um toque oriental. Sério, adorei o sushi de tambaqui.
— Vocês estão gostando, meninos? — quis saber a tia Olívia, que estava linda com um vestido vermelho.
— Sim. — respondemos juntos.
— O tempo passou tão rápido. Vocês dois cresceram e se tornaram dois homens maravilhosos. Até adotaram um bebê. — ela brincou ao falar do Oasis. — Enfim, eu não sou mulher de meias palavras. — ela disse me entregando um papel com o logotipo de uma loja de eletroeletrônico.
— O que é isso, tia? — perguntei.
— O Carlos e eu, decidimos mobiliar a casa nova de vocês. Tem todos os itens que vocês vão precisar. Sabemos que comprar uma casa é complicado...
— Olívia, não podemos aceitar. — Zedu afirmou. — São coisas caras e...
— Já está no nome de vocês. Esse documento é intransferível. Zedu e Yuri, eu sou muito realizada ao ver vocês juntos. Eu acompanhei cada passo dessa relação. Vocês são meus filhos do coração. Vocês me ajudaram a ser uma boa mãe para o Júnior. Só aceitem. — ela pediu, tirando os óculos e enxugando às lágrimas.
— Obrigado, tia. — agradeci pegando na mão de Zedu e apertando.
— Obrigado, Olívia. Eu só tenho a agradecer. — confessou Zedu, levantando e abraçando a tia Olívia. — Eu te amo muito. Você não tem noção. Eu devo tudo a você. Tudo. Obrigado por trazer o Yuri para Manaus. Obrigado por bancar os meus estudos em São Paulo. Obrigado por ajudar minha família em todos os momentos. Eu nunca vou poder agradecer. — beijando o rosto da titia.
— Verdade, tia. A senhora é a culpada de tudo. — estiquei a mão e toquei na mão dela.
Nem acredito. Os meus tios são demais. Eles conseguem ser maravilhosos conosco. Finalmente, o dia da mudança se aproximava. Escolhemos todos os móveis e contratamos uma equipe de limpeza para dar os últimos reparos na nossa casa. Graças a Deus, que contamos com a ajuda de todos, afinal, mudar é um trabalho do capiroto.
— Yuri, eu pedi uma folga na sexta-feira. O caminhão da loja chega com os móveis amanhã. — explicou Zedu, deitado ao meu lado, após um longo dia de trabalho.
— Já avisei ao meu chefe. Ele vai me dar folga. Fora que a Giovanna preparou a prova do bolo no sábado. — avisei, colocando o celular de lado e encostando a cabeça no peito dele.
— Sério?
— Você que inventou o casamento para este ano. Inclusive, os convites estão prontos. Vamos enviar depois da mudança. — contei para o alívio do meu noivo.
*****
ZEDU
Eu quero gritar! Apesar de contarmos com bastante ajuda, a mudança está um caos. Os caminhões chegaram e os carregadores deixaram todos os móveis. A mamãe e o Fred vieram ajudar na disposição de tudo. A família do Zedu e os amigos da Giovanna. Como forma de compensação, a gente fez um churrasco com direito a muita bebida.
Para facilitar a vida de todo mundo, a gente nos dividiu em equipes. Giovanna, Olívia, Carlos, Richard e Ned ficaram na sala. A minha mãe, Fred, Luciana, Ramona e Brutus na cozinha. Já o Yuri, Kleber, Santino e eu, no segundo piso e demos prioridade para o nosso quarto. Nem preciso dizer que a sexta-feira foi longa. Muito longa.
Acordei no dia seguinte sem saber onde estava. Os meus pés estavam doloridos e a costa em frangalhos. O Yuri estava desmaiado ao meu lado. Quando está cansado, o meu namorado costuma a babar. Nós escolhemos mobiliar os principais pontos da casa. Aos poucos, continuaríamos os trabalhos.
A mamãe ainda não havia decidido vir morar conosco, mas queria deixar um quarto reservado para ela. Logo, outras mobílias chegariam para compor o quarto dela. Esse lugar vai ser um recomeço para todos nós. Quem sabe, a Isabella não vem morar conosco também.
Logo pela manhã, o Oasis começou a latir. O outro pai dele estava desmaiado, então, coube a mim a missão de ser babá de cachorro. Antes, desci para fazer um café. O meu cérebro não consegue funcionar sem cafeína. Deixo a cafeteira fazendo o seu trabalho e entro na área de serviço/casa temporária do Oasis.
— Tá animado para passear? — perguntei, deixando o cachorro agitado. — Calma. — coloquei a coleira e fomos para área externa da casa.
Eu vesti apenas uma camiseta e uma samba canção verde. Porém, o clima estava frio e nuvens cobriram o céu de Manaus. O Oasis parecia adorar desbravar o condomínio. Com as necessidades do cachorro em dia, eu voltei para a cama e pude dormir algumas horas mais.
— Ei, Zedu. — acordei e o Yuri estava se arrumando. — Temos a prova do bolo e doces. Eu vou lá na titia pegar a referência do bolo. Esteja arrumado em 20 minutos.
— Não quero. — me cobri com o edredom.
— Você não tem querer. Você já pagou a moça do bolo. Ela precisa das referências. E precisamos provar os doces. — ele continuou. — Em 20 minutos, quero você no carro. Já volto. — saindo do quarto.
— Que mandão. — murmurei, levantando e indo para o banheiro.
****
YURI
Não vou mentir, estou feliz pelos preparativos do casamento. Não sou um noivo neurótico, mas é legal acompanhar o processo da festa. Achei uma referência linda de um bolo nas cores da bandeira ursina.
Claro que haverão mudanças, mas quero que a confeiteira pegue a referência das cores. Tenho certeza que o trabalho dela vai ficar lindo. Pelo menos, se ficar parecido com as fotos de suas redes sociais. A Giovanna nos acompanhou e dirigiu o carro. Meu Deus, como a minha irmã é péssima no volante.
— Eu acho que vou dirigir. — o Zedu pediu no banco de trás.
— Que nada, menino. Tá sussa. Estamos quase chegando no endereço dela. — avisou Giovanna para a nossa felicidade.
O Zedu quase beijou o chão quando chegamos na casa da confeiteira. Ela era uma mulher trans, que ficou famosa nas redes sociais quando passou a divulgar seus bolos. A Leila nos atendeu bem e adorou a referência do bolo ursino.
— Geralmente, faço bolos nas cores da bandeira trans. Essa vai ser a primeira vez que vou trabalhar com uma bandeira ursina. — comentou a confeiteira toda animada. — Estão preparados para provar os doces?
— Sim! — respondemos juntos.
O pacote que fechamos contemplava o bolo, doces e salgados. Para a degustação, a Leila preparou bem-casados, brownies, pães de mel, doce de coco caramelizado e caixetas de chocolate. Os salgados seriam os sabores tradicionais: coxinha, risole, queijinho e boliviano.
Que delicioso. No fim das contas, optamos por bem-casados, doce de coco caramelizado, caixetas de chocolate e pão de mel. No retorno para casa, decidimos passar em uma loja que faz coleiras personalizadas para cachorros. Colocamos o nome, telefone para contato e tipo sanguíneo. Agora, ficaria mais tranquilo se algum incidente acontecesse com o meu doguinho.
No domingo, acordamos cedo. O Kleber, namorado do meu amigo Santino, convidou o Zedu para uma pelada beneficente. O namorado da Giovanna e meu irmão, também participariam do evento esportivo. Eu adorava a dinâmica entre o Santino, Kleber e Sérgio. Eles vivem se alfinetando.
— Meninos, enquanto os boys jogam eu trouxe uma diversão extra. — disse Giovanna colocando uma bolsa recheada de latas de cerveja.
— Graças aos céus. — falei, sentando ao lado de Santino em uma das cadeiras do clube. — Santino, como estão as artes para a HQ?
— Estão ótimas. Contratei uns estudantes de design para me ajudar. Vocês serão os primeiros a lerem, afinal, não quero nenhum erro. — explicou Santino, que passava protetor solar no rosto.
— Yuri, tá a coisa mais linda do mundo. Ainda acho que a minha personagem tinha que ter mais destaque. Uma vez que sou linda, delicada e sensível. — comentou Giovanna, abrindo uma garrafa com o dente.
— É isso que o sucesso significa? — perguntei para os dois, que estranharam o questionamento.— Digo, no início do ano, eu estava feliz pelo Zedu, mas não tinha me adaptado à vida no Sul. Agora, estou de volta a Manaus e consegui um bom emprego, além de comprar uma casa e adotar um cachorro.
— Sem falar no casamento. — destacou Santino, guardando o pote de protetor solar na mochila.
— Sim. Parece que Manaus é o destino da minha vida. — parei o meu discurso, porque a Giovanna me passou uma lata de cerveja. — Aqui fiz os meus melhores amigos, conheci o amor da minha vida e vou casar.
— Vamos fazer um brinde. — Santino levantou a latinha. — Ao casamento do ano.
— Ao casamento do ano! — gritamos juntos e brindamos.
Voltamos a atenção para os jogos. Cara, o Zedu continua em forma e não deu moleza para o time adversário. De uma maneira estranha, o Kleber, Sérgio e Richard, conseguiram atuar como um time de verdade e levaram a partida. Acho que esse é o ápice da minha vida.
Eu, realmente, estava feliz. Só que na minha vida, a felicidade vem com um preço grande. Eu não estava preparado para os próximos obstáculos que a vida colocaria no meu caminho.