[...]
Antunes me conduziu até o meio do salão e me pegou como se fôssemos dançar uma valsa. Sua barriga saliente também não ajudava numa aproximação, então… Enquanto dançávamos, ele se esforçava em conversar, mas a distância e o som alto dificultavam o diálogo. Só entendi poucas palavras de elogio. Perto da gente, Mark já tinha notado e me olhava contrariado, bravo. Eu não tinha o que falar, nem o que fazer e preferi confiar no meu taco. Ele teria que me entender.
[...]
Depois de ter deliciosamente sacaneado com a Nanda, curtindo bastante com a cara dela, lá se foram ela e Denise para o banheiro. Marcos, saindo de seu estado quase catatônico, começou a conversar comigo. Nada de relevante, apenas para se distrair da tensão de ter o Antunes quase frente a frente de si. Conversamos amenidades, assuntos bestas, até que ele chegou no assunto que queria:
- Mark, a Nanda me disse que vocês estão resolvidos para essa noite?
- Em que sentido, Marcos?
- Então… Ela deu a entender que vai passar a noite comigo e você com a Denise. É isso mesmo?
- Se ela disse, então está falado!
- Tá, mas assim… Eu vou poder fazer tudo com ela?
- Tudo que ela quiser, senão é estupro, doutor. - Frisei bem a última parte.
- Não. Sim. Claro! - Engoliu seco: - E a Denise? Já está na sua?
- Ela já estava na minha muito antes de hoje. Eu é que nunca deixei rolar. Um homem não faz nada pelas costas de sua mulher, Marcos. É uma regra básica de um bom relacionamento.
Ele sentiu o baque. Também deveras: já devia ser a quarta ou quinta pancada só naquele final de semana. Ficou em silêncio por um momento e tentou bancar o esperto para cima de mim:
- Explica uma coisa para mim: o que foi aquele beijo lá no corredor? - Perguntou.
- Beijo?
- É. Na pousada, na frente da Denise! Porque ela não estranhou aquilo?
Ele estava certo. Nanda no fogo do momento e embalada pelo álcool esqueceu que a Denise não deveria saber de nosso envolvimento e, numa situação normal, aquilo teria virado um prato cheio para lavagem de roupa suja. Eu tinha que ser rápido e apresentar uma justificativa e a única coisa que consegui pensar foi na bebedeira que tivemos durante todo o dia:
- Álcool! - Respondi.
- Álcool?
- Claro! Você não viu o tanto que bebemos no dia todo? Ela só tomaram bebidas forte, batidinhas, caipirinhas. A Nanda deve ter bobeado e a Denise nem prestou atenção no que aconteceu.
- Qual é, Mark? Elas nem pareciam tão bêbadas assim. - Insistiu.
- É a minha opinião. Se não é suficiente você deverá perguntar para a própria Nanda depois.
Nesse momento, vimos as meninas se aproximando e a banda voltou a tocar. Elas se sentaram, mas Denise se levantou quase que em seguida para conversar com uma colega, me chamando em seguida. Nanda nos olhava e eu lhe dei um sinal para ficar esperta com o Marcos, me levantando em seguida. Dei de cara, então, com Vanusa, a negra dos olhos cor de mel:
- Mark, não sei se te apresentei…
- Vanusa… - A interrompi, quase babando.
- Isso, Vanusa… Mark! - Denise, me chamou a realidade porque eu já devia estar dando na cara o interesse por aquele deusa de ébano.
- Oi!?
- A Vanusa gosta de dançar, mas não achou um parceiro de qualidade hoje. Daí ela nos viu e veio me perguntar se você não dançaria uma música com ela. - Disse e me encarou: - Dançaria?
Sorri automaticamente àquela proposta. Nem sei se foi um sorriso agradável, feliz, malicioso, mas abri um sorrisão:
- Se você não se incomodar, faço mais esse sacrifício. - Falei em seu ouvido.
- Sacrifício, né!? Sei… - Denise sorriu, mas já advertiu a colega em seguida: - Vanusa, leva mas me traz de volta rapidinho, ok!?
Antes que pudesse levantar a mão, Vanusa me pegou sem pestanejar. Fomos para o meio do salão e uma música romântica qualquer estava tocando. A mulata me chamou tanto a atenção que nem ouvi direito o que tocava, só me entreguei ao ritmo para não fazer feio. Instintivamente, como um macho que sou, a puxei forte para junto de mim e ela sorriu satisfeita com a pegada. Que mulher! Seus seios fartos quase saltaram pelo decote de seu vestido ao roçar no meu peito. Resisti, mas não tive como não me excitar e o pau subiu feito foguete de quermesse, cutucando seu ventre. Ela me olhou fundo nos olhos ao senti-lo e deu aquele sorriso malicioso que faz moleque gozar e homens alucinarem:
- Desculpa, mas é impossível! - Tentei justificar.
- Tudo bem. Fico satisfeita que esteja feliz comigo, sinal de que estou bem vestida. - Ela respondeu.
- Você nem precisaria… - Falei no automático e ela riu.
- Que pena a Denise ter te pegado antes de mim…
- Pois é… Uma pena mesmo. - Soltei no automático novamente.
Aliás, eu só estava funcionando no automático com aquela mulher. Tenho uma queda natural por esse tom de pele e digo, sem vergonha alguma, que teria me casado facilmente com uma negra ou mulata se a Nanda não tivesse me colocado de quatro desde o primeiro momento que nos conhecemos. Sei lá. Sempre as achei naturalmente sensuais. É algo meu, não sei explicar. Nanda sempre soube disso e, em nossos primeiros anos de vida em comum, se esforçava no bronzeamento, mas nunca conseguiu chegar perto, nem poderia. Acabou se resignando e entendendo que, por maior que fosse a minha “queda”, ela já havia me fisgado por vários outros motivos.
Dançamos coladinhos, conversando, curtindo e música terminou rápido. Ela fez menção de me levar para a Denise, mas eu queria mais:
- Danço tão mal assim? - Perguntei.
- Não. Claro que não. Mas a Denise…
- A Denise não vai se incomodar se dançarmos só mais uma. - A encarei: - Ou duas…
Ela sorriu e voltou para meus braços. Nova música romântica e eu aproveitava muito aquele contato. Se eu não estivesse com a Denise, aquela seria realmente uma forte candidata. De repente, do nada, a banda parou e a mixagem de um “funkão” começou a tocar. Ela se soltou de mim e começou a requebrar. Depois se virou de costas e começou a esfregar aquela bunda em mim. “Meu Deus, me segura!”, pedi, aliás implorei por uma ajuda divina. O funk parou e a banda voltou com a romântica. “Foi só uma falha técnica pessoal, mas tem casalzinho que curtiu!”, disse o vocalista. Não sei se falava da gente, mas ela voltou para meus braços, rindo da minha cara. Olhei em direção à mesa e Denise também ria de mim. Nanda não estava, mas o Marcos sim e olhava insistentemente para o meio do salão. Olhei seguindo sua linha de sua visão e vi a Nanda, dançando com o Antunes.
Meu coração começou a palpitar e meu pau desceu o “barranco”, rolando morro abaixo. Vanusa me encarou, assustada e quis saber se ela havia extrapolado muito e, claro, eu neguei, dizendo que adoraria que ela extrapolasse daquela forma comigo em um local mais privado. Ela abriu um sorrisão. Continuamos dançando e eu a conduzi para uma posição mais próxima da Nanda. Nanda me viu a encarando e, pela sua expressão, entendeu que eu estava ardendo de raiva. A música terminou e agora quem não quis continuar fui eu. Agradeci Vanusa que me olhou desconcertada, mas acho que pensou que eu queria voltar para a Denise antes que perdesse o controle por ela de vez. Melhor assim. Voltei para a mesa, observando Nanda que agora conversava com Antunes. O Marcos se achou no direito de me cobrar uma posição:
- Mark, você tem que fazer alguma coisa!
- Vá à merda, Marcos! - Ele se assustou com meu tom e as palavras vieram ainda mais pesadas: - Você é um bosta, um merda de um homem fraco que não consegue manter uma mulher do seu lado, quanto mais a Nanda que é uma fera. Aprende a ser um homem ou se enterra num buraco de vez.
Ele sentiu o golpe e se calou. Para desespero do Marcos e meu também, nós vimos Nanda saindo de mãos dadas com o Antunes. Minha vontade era de ir lá e acabar com tudo, mas isso certamente geraria uma briga entre a gente e briga entre a gente costumava ser uma batalha das boas. Não estava a fim de guerra, pelo menos por enquanto, mas também não a deixaria a sós ou à mercê daquele crápula. O merda do Marcos, naturalmente não se levantou para buscar sua “mulher”. Denise estava ao lado de nossa mesa conversando com uma colega qualquer da faculdade, mas não tive dúvidas, me levantei e a peguei pela mão:
- Preciso de você agora! - Disse em seu ouvido e me voltei para sua amiga: - Me desculpe, mas posso roubá-la um pouquinho?
- Nossa! Tá bom. - Respondeu para mim, dando um sorriso malicioso para sua colega: - Depois a gente continua, amiga.
Nem demoramos tanto assim e saí com ela a tiracolo atrás da Nanda, mas não a encontrei. Um arrepio ruim percorreu minha espinha. Expliquei o porquê da urgência e ela entendeu, passando a me ajudar na busca. Apertamos a passada e nada. Já havíamos rodado as redondezas e eles haviam sumido. Decidimos voltar para o salão e exigir ajuda do Marcos, mas quase chegando notamos os dois conversando num canto, próximo ao rancho da churrasqueira. No afã de encontrá-la, havíamos passado do lado dela sem nem nos darmos conta. Peguei aquele rumo, mas Denise me conteve:
- Espera! Se você for lá agora o plano dela vai por água baixo. Não é melhor apenas vermos o que vai acontecer?
Olhei para ela e havia razão em suas palavras. Então, puxei Denise para mim e, para um observador alheio aquilo, estaríamos apenas namorando. De onde estava, eu podia vê-la e ela a mim, mas ela se mantinha concentrada na conversa com o Antunes, sem olhar para os lados. Ora demonstrava surpresa, ora espanto, beirou raiva porque a vi gesticular bastante e, no final, começou a rir de alguma coisa. Não sei ao certo o que conversavam, mas, a certa altura, Antunes se aproximou dela e beijou:
- Filha da puta! - Falei para mim mesmo.
Denise, me vendo alterado, olhou e viu aquela cena. Sem saber o que fazer, num ímpeto, mistura de seu medo que eu fizesse alguma besteira, me agarrou e beijou forte:
- Mark, não! Por favor, não… - Disse assim que me soltou.
Infelizmente, aquele beijo eu não aproveitei, mas serviu para me controlar um pouco:
- Tá, Denise. Se ela reagir e ele não a soltar, eu vou lá e quebro ele. Se ela não reagir, resolverei com ela depois. - Prometi e ela se acalmou, ainda me segurando e forte.
Nanda não o recusou. Quando se soltaram, e não foi muito em breve, ela deu dois gentis tapinhas em seu peito e lhe disse alguma coisa. Ele a pegou pela mão e começaram a voltar em direção ao salão. Ao me ver no meio do caminho, parado com a Denise e a encarando, eu sabia que ela tinha entendido a burrada que fez. Ainda assim, ao passar por nós, com olhos preocupados, me pediu uma “desculpa” quase inaudível e deu uma piscadinha que eu não entendi a finalidade, que eu neguei veementemente com a cabeça. Pedi desculpas para a Denise de uma forma que ela pudesse ouvir, e tanto ela quanto Antunes se voltaram para nós. Sem olhar para eles, me coloquei a caminho do meu quarto. Denise, perdida, olhou para eles preocupada e veio logo atrás de mim.
[...]
Eu conhecia o Mark e sabia que ele estava com muita raiva e o pior é que, desta vez, era de mim. Ainda assim o Antunes poderia ser uma peça fundamental para a punição do Marcos ser plena. Quando a música acabou, vi o Mark se despedir de sua parceira e voltar para a mesa. O Antunes insistiu em conversar comigo em um local mais reservado e eu neguei, mas ele disse que eu tinha o direito de conhecer o Marcos antes de me envolver para não sair machucada depois. A maldita curiosidade feminina me empurrou para aquilo e acabei aceitando acompanhá-lo. Ele me pegou pela mão e saímos do salão. De soslaio, olhei novamente para o Mark e vi, em seus olhos, que o ódio queimava sua alma. Eu resisti em sair, mas o Antunes apertou minha mão e me puxou. Fraca naquele momento, acabei deixando-o me levar até a área da churrasqueira, nem perto, nem longe do salão:
- Fernanda, você me lembra da minha finada esposa. Talvez, por isso eu queira te proteger do Marcos. - Começou a falar.
- Do que está falando, Antunes? Seja direto e breve, por favor.
- Eu não sei se você sabe de todos os fatos de seu passado…
- Qual parte? - Eu o interrompi: - Dele ter transado com a estagiária na cama da Denise ou de você ter sido uma amigo da onça que transou com a mulher dele depois, com a desculpinha de ampará-la?
- Nossa! Vejo que você é uma mulher de opinião.
- Sim. E a minha opinião sobre você não é nada boa…
- Eu imaginei. - Falou consternado: - Mas veja, eu não a procurei após a traição, ela me procurou. Por mais injustificável que seja, eu havia acabado de me separar e ela estava prestes. Estávamos os dois doloridos, magoados e acabamos nos entregando ao momento.
- Sei! Mas que eu saiba não foi apenas um momento…
- Sim. Não nego. Denise é uma mulher linda, inteligente, bondosa, merecia um homem melhor e eu me considero uma boa pessoa para ela. Me apaixonei por ela, mas infelizmente ela não correspondeu.
- Eu sei de tudo isso e você não acrescentou nada que mude minha opinião a seu respeito. - Frisei.
Como eu já estava fodida com meu marido agora, quis saber de toda a verdade e o pressionei:
- Porque você espalhou o boato da traição no TJ? Isso foi muita canalhice. Você queria, o quê, humilhá-lo? Acabar com a carreira dele? Você devia ter vergonha de ter feito isso, Antunes!
- Eu nunca espalhei boato algum, Fernanda! - Me rebateu, contrariado, surpreso comigo: - Quando o boato começou a circular, eu também fui prejudicado. Inclusive sofri um processo ético por causa disso.
- Mas se não foi você, quem foi? Quem ganharia alguma coisa com isso?
- Veja bem… Para me defender, contratei um investigador para descobrir quem vazou esse boato. A investigação não conseguiu ser conclusiva, mas afastou minha responsabilidade. Uma das linhas adotadas pelo investigador e, a que mais surtiu resultados, foi a de que o próprio Marcos teria feito isso.
- Mas para que ele faria isso?
- Para ter uma justificativa para o divórcio. O Marcos nunca teria coragem de chegar na Denise e propor isso. Ela é filha de um advogado poderoso na capital. Então, vazou o boato para sair de vítima nessa história.
Eu ouvia tudo aquilo e não conseguia simplesmente acreditar. Era até possível, mas também poderia ser uma mentira do Antunes, só para tentar sujar a imagem do Marcos comigo para tentar me roubar dele, como o próprio Mark havia sugerido. Independentemente disso, a partir das informações da Denise, eu tinha certeza que o Marcos havia tentado contra meu casamento e dele eu iria me vingar. O Antunes não havia me feito nada, então eu iria só ignorá-lo:
- Por isso quis conversar com você. Para que não se envolvesse ou, se insistir em fazê-lo, que seja consciente do que poderá enfrentar no futuro. - Antunes continuou.
- Fica tranquilo, Antunes. Não tenho nada sério com o Marcos. Só estou curtindo o momento. Da mesma forma que estou com ele, posso trocá-lo por qualquer outro. Basta eu querer: homem não me falta!
- Tenho certeza disso, minha querida. Inclusive, eu próprio estou à sua disposição. - Tentou ser sedutor.
Antunes até que não era um homem feio, mas estava longe do tipo que eu procuraria num evento como aquele, afinal o que não faltava ali era formandos bonitos, jovens, fogosos, com hormônios e nível alcoólico alterados. Acabei sorrindo para ele, mais pelo absurdo da proposta do que por ter me interessado. Ele não entendeu dessa forma! Me segurou pela cintura e, antes que eu pudesse dizer alguma coisa, me beijou. Ia me desvencilhar dele, mas o danado beijava bem, certamente fruto de seus anos de experiência e acabei deixando seguir. Quando nos separamos, eu disse educadamente que não ficaria com ele, mas que se ele quisesse, ainda poderíamos conversar, mas nada relacionado ao passado do Marcos. Ele se desculpou pelo excesso e concordou.
Por algum motivo que eu não entendi, talvez algum machismo enrustido em sua criação, me pegou pela mão novamente e no colocou em direção ao salão. No caminho, encontrei Mark e Denise. O olhar dele me doeu na alma: não era de raiva, mas sim de decepção. Apesar de eu não ter feito nada de tão errado assim, pedi “desculpas” baixinho e, na esperança de ele entender minhas intenções, lhe dei uma piscadinha. Ele ou não entendeu, ou não me desculpou, negando com a cabeça, o que me entristeceu porque uma briga se anunciava. Depois o ouvi pedir “desculpas” para Denise, chamando a minha atenção e a do Antunes, e, sem olhar para mais ninguém, se colocou a caminho da pousada. Ela, assustada, seguiu logo atrás:
- Parece que o casal se desentendeu. - Antunes disse.
- É. Parece que sim. O casal se desentendeu e feio dessa vez.
[...]
- Mark. Para! Conversa comigo. Você não vai fazer nenhuma burrada. Eu não vou deixar! - Denise me pedia aflita.
- Burrada!? É claro que não Denise, só vou embora. Pra mim já deu! Se esse é o caminho que ela escolheu que seja feliz, mas eu não vou segui-lo junto. Isso não. - Tentei tranquilizá-la: - Volta lá e aproveita sua festa. Desculpa por qualquer coisa.
- Voltar lá? Nunca que eu te deixaria sozinho nesse estado. Vou ficar com você!
Cheguei no meu quarto e comecei a arrumar o restante de minhas coisas na mala. Eu queria ir embora o quanto antes. Denise viu a chave do meu carro e a pegou:
- O que você está fazendo, Denise? - Perguntei em um tom meio alterado.
- Você pode até brigar comigo, mas não vou deixar você ir embora. Você já bebeu bastante e isso não vai acabar bem.
- Eu estou bem. Vou dirigindo devagar e logo estou em casa.
- Ninguém sofre acidente porque quer: sofre porque achou estar bem o suficiente para não sofrer. Pensa nas suas filhas, Mark! - Ela insistiu.
Acertou em cheio! Minhas filhas. Por elas, eu poderia e teria que me conter:
- Você está certa, mas eu não vou ficar aqui, Denise. A Fernanda vai bater na minha porta daqui a pouco e não estou a fim de aguentar mais nenhuma desculpa. Vou para um hotel qualquer e chego em casa amanhã.
- Não. - Ela começou a juntar o restante de minhas coisas e disse: - Você vem ficar no meu quarto. Ela não sabe qual é e minha prima já se alojou no quarto de um paquera.
Acabei concordando e me mudei de mala e cuia para o quarto dela. Lá chegando, tirei o terno e gravata que estava usando, e me sentei na beirada da cama:
- Denise, volta pra festa. Aqui ainda é um lugar lógico em que ela viria me procurar. Se você estiver na festa, ela ficará perdida e eu, pelo menos, terei um pouco de paz. - Pedi.
- Mas e se ela perguntar de você, o que eu falo?
- Inventa uma desculpa. Agora você tem diploma para isso, doutora.
- Mark, eu não vou!
- Se você se importa comigo, você vai! Assim, você me ajudará muito mais.
Ela veio, se sentou no meu colo, levantou minha cabeça e se surpreendeu ao me ver com olhos marejados:
- Vem comigo. A gente fica em outra mesa. Eu não deixo ela nem chegar perto de você. Se precisar eu dou uma surra nela para mostrar quem é que pode mais. - Falou.
- Denise! - Sorri imaginando a surra que ela levaria, porque a Nanda era bem mais forte que ela: - Se a Nanda te pega com raiva, tenho até medo por você.
- Posso não ser tão forte, Mark, mas sou faixa preta de Jiu-Jitsu. Então, eu me garanto.
- Faixa preta? Você!?
- É! Se quiser posso te provar agora mesmo.
Disse isso e me pegou forte pelo pescoço, mas não para machucar ou imobilizar efetivamente. Acabei me deixando levar e a abracei forte também, e ela amoleceu, agora acariciando minha cabeça:
- Eu não vou te deixar! - Insistiu.
- Vai, sim. Por favor… - Falei e ela me encarou mais uma vez, então insisti: - Vai!
Ela se levantou muito a contragosto e foi. Deixou sua chave e se foi. Enfim, apesar de eu gostar de sua companhia, eu teria um pouco de paz.
[...]
Antunes não sabia, mas o casal em crise não era ela e ele: era ele e eu! Meu marido pode ser complicado, às vezes, mas ainda assim é o melhor homem que já conheci na minha vida. Supera, de longe, até o meu pai. Chegamos na mesa e o Antunes me entregou ao Marcos que me fuzilou com o olhar. Depois ele veio e se sentou do meu lado, onde antes estava o Mark. O clima que já não estava bom, ficou péssimo. Eu agora me sentia perdida. Havia ódio velado dos dois lados e eu estava no meio, sofrendo toda a pressão que eu própria havia criado. Os dois começaram a disputar minha atenção e meus pensamentos estavam todos no Mark: onde ele estaria, o que estaria fazendo, o que estaria pensando de mim! Meu casamento estava desmoronando novamente por conta de minhas escolhas e por conta dessa vingança estúpida. Decidi que iria até seu quarto me desculpar e iríamos embora, hoje mesmo ou quando ele quisesse. Aquela vingança havia perdido o sentido:
- Senhores, preciso retocar a maquiagem. Com licença. - Pedi.
Antunes me olhou vitorioso, afinal, ele havia me tirado o batom há pouco. Marcos deu de ombros, afinal mulher tem dessas coisas. Ao invés de pegar o caminho lógico do banheiro, saí do salão em direção à pousada. No caminho, encontrei Denise e já fui perguntando do meu marido. Ela me olhou com ódio nos olhos:
- Eu nunca tinha visto um homem chorar, sua covarde! - Me condenou: - Mas, no que depender de mim, eu nunca mais deixarei uma única lágrima cair dos olhos dele. Me cortou o coração…
- Denise, para! Eu sei que errei. Só quero ir embora com o meu marido daqui.
- Não sei dele! - Disse, sem me convencer: - Depois que ele arrumou as malas, chorou, brigou comigo e saiu bravo. Não sei para onde ele foi.
- Denise, me ajuda.
- Eu tentei te ajudar, até te avisei. - Ela falou: - Mas fica tranquila. Assim que ele estiver melhor, eu vou ajudá-lo a curar as feridas que ficarem no seu coração. Vou fazê-lo ser feliz de uma forma que você nunca se dispôs a fazer. Isso eu te prometo.
Minha simpatia por ela se transformou em medo, de repente. Ela iria investir e pesado para conquistá-lo. Não sei se ela conseguiria ganhá-lo, mas eu o estava perdendo. Não acreditei nela e subi correndo as escadas até o seu quarto. Estava revirado e vazio. Todas as coisas dele haviam sumido. O desespero tomou conta de mim, mas não consegui chorar. Paralisei, acho que entrei em choque, sei lá. Só que não havia ninguém ali para cuidar de mim e eu tive que ser forte. Eu o conhecia: ele não iria embora, não depois de beber. Podia até estar me odiando, mas ele amava as filhas e não se colocaria em risco porque tinha que cuidar delas. Comecei a andar de um lado para o outro no quarto dele, tentando raciocinar sobre o que fazer. “Nosso carro!”, pensei. Não sei como desci as escadas, mas eu já estava no estacionamento e nosso carro estava lá. “Ele está aqui! Ele tem que estar aqui e a Denise sabe onde”, pensei novamente. Voltei para o salão e ela estava sentada na mesa em silêncio, emburrada, brava:
- Vem comigo! - Mandei.
- Tira a mão de mim, Fernanda! Você não sabe com quem tá mexendo. - Ela retrucou.
- Vem comigo agora. - Mandei, agora segurando em seu braço.
Ela pegou no meu braço e torceu de uma forma que me obrigou a ajoelhar no chão. Até pensei que fosse quebrá-lo. Antunes e o Marcos se levantaram assustados, mas não tiveram coragem de intervir:
- Por favor, Denise. Para, por favor… - Falei e a encarei como pude, já chorando.
Ela estava irada, mas ao me ver em lágrimas, soltou meu braço. Chorei mesmo e não era da dor física. Acho que ela sentiu isso, ou se imaginou na minha angústia e, surpreendendo a todos, me abraçou. Conhecia muito pouco dela mesmo, mas ali eu entendi que podia chorar e chorei mesmo, muito. Depois de um tempo ela me disse:
- Vem comigo..
Olhei para ela sem entender, mas não contestei. Nos levantamos e Marcos quis repreendê-la:
- Vá para o inferno, Marcos! Me deixe em paz. - E se voltou para o Antunes: - Nem abra a boca, Antunes, ou o que eu deixei de fazer no braço dela, farei no seu.
Foi até bonito vê-la crescer para cima daqueles dois. Eles não esperavam que aquela bonequinha de porcelana tivesse a alma de uma dama de ferro. Saímos do salão em direção a pousada sem trocar uma única palavra. Subimos até seu quarto e ela bateu na porta. Mark abriu.
[...]
Assim que Denise saiu, deitei na sua cama e fiquei remoendo tudo aquilo. Não conseguia entender como a Nanda poderia ter se deixado rebaixar naquele nível. A vingança em si não era boa, mas vá lá, eu também estava fulo com o Marcos. Agora, ela se entregar para o Antunes só para fazer ciúmes já tinha passado dos limites, principalmente porque eu tinha certeza de que ele estava interessado nela, independente do motivo.
Acabei chorando e me repreendi por isso. “Não! Ela não merece. Nunca mais!”, firmei comigo mesmo esse trato. Liguei a televisão só pela companhia das palavras, mas em vão, porque eu não as escutava e a programação da televisão aberta continuava sem qualidade alguma.
Do outro lado, fiquei feliz pela companhia da Denise naquela noite. Ela realmente parecia ser uma boa pessoa, alguém para se ter ao lado, alguém que não se entregaria a um ódio sem medida, principalmente se corresse o risco de atingir a pessoa que se diz amar. Sim, porque foi isso que a Nanda me fez, me atingiu com uma bolada bem no meio do saco, daquelas que derrubam o machão e o fazem falar fino por uma semana inteira.
Depois de um tempo, remoendo, sofrendo, odiando, não necessariamente nessa ordem, ouço três toques na porta do quarto. Só podia ser a Denise voltando para me fazer companhia. Menos mal, a televisão não estava conseguindo isso e com ela eu teria um pouco de carinho verdadeiro. Fui até a porta e a abri, dando de cara com ela que segurava a mão de alguém que eu conhecia muito bem e já havia segurado muitas e muitas vezes em minha vida: Nanda. Fechei a cara no ato:
- Mui amiga, hein, Denise!? - Reclamei: - O que é isso? Montou uma ratoeira pra mim? Por isso me trouxe pra cá?
- Para de drama! Você não é assim, Mark. Agora entra! - Pela primeira vez, vi a Denise ser autoritária.
Não tive tempo de obedecer ou negar e ela foi entrando e puxando a Nanda pela mão que entrou me encarando triste e com a maquiagem borrada. Eu fiquei sem reação e não me movi. Minha vontade era sair dali e ainda mandar à merda aquelas duas, mas minha boa educação me impedia. Ela voltou, fechou a porta e me puxou pela mão:
- Você vão conversar! - Denise mandou e praticamente me colocou sentado ao lado da Nanda na cama.
- Já cansei de falar. Não tenho mais nada para dizer. - Respondi.
Nanda estava calada e Denise se ajoelhou na minha frente:
- Escuta bem o que vou te falar! Ela te ama e errou. Não sei se foi sério o bastante para uma separação, isso vocês vão decidir. Escute o que ela tem para te falar e decida com calma, mas de qualquer forma com respeito, cordialidade, consideração, tudo o que a mãe das suas filhas merece.
Depois do Marcos ter sido o alvo das pancadas, eu virei o alvo e esse me atingiu em cheio. Ela notou, segurou o meu rosto bem de frente para o dela e continuou:
- Bem antes, eu já tinha avisado a Nanda que se ela não te desse o devido valor e vocês chegassem a se divorciar, eu faria de tudo para te conquistar para mim. Não sei se o que eu sinto por você é o mesmo que você sente por mim, mas eu tenho certeza de que o que eu sinto é o suficiente para nos fazer muito felizes. - Me surpreendi e ela notou: - Falei mesmo! Só que eu não vou ser a vilã da vez e acabar com o seu casamento. Mas se isso acontecer, eu vou te buscar nem que seja no fundo do poço para te colocar de pé novamente e vou ficar do seu lado para o que der e vier.
Por fim, me deu um selinho caprichado e se voltou para a Nanda:
- Agora é com você, mulher. Capricha. - Se levantou e nos encarou: - Vou estar aqui fora. Se comportem.
Denise se virou e saiu do quarto. Nós dois a seguimos com os olhos até ela sair do quarto, embasbacados com aquela mulher. Aliás, nem parecia a Denise que havíamos conhecido e convivido até agora. Nanda até não chorava mais e se voltou para mim:
- Que fã você arrumou, hein!? E ela que parecia tão fraquinha, franzina, sem sal… Ela quase quebrou meu braço no salão. - Começou puxando assunto e me mostrando as marcas no braço.
- Ela é faixa preta de Jiu-Jitsu. - Falei sem querer conversar.
- E você me fala só agora? Ela podia ter me matado! - Esboçou um sorriso besta.
Eu não estava mesmo para papo e não respondi, nem encará-la fiz questão:
- Você ainda consegue me desculpar? - Prosseguiu.
Eu estava tão decepcionado com ela ter feito o que fez, se rebaixando ao ponto de beijar o Antunes só para poder usá-lo na sua vingança que eu não queria mesmo conversar. Me levantei e fui para a sacada do quarto, fechando a porta atrás de mim. Naquele momento eu queria paz, não conversa. Foi bom, porque acho que ela se tocou e não me seguiu. Foram os melhores dois a três minutos de paz que tive naquela noite. Pouco depois ouvi a porta da sacada se abrir e uma mão acariciou meu ombro. Era Denise que agora me encarava triste:
- Ela acabou de sair, Mark.
- Talvez seja melhor assim. - Respondi sem a menor certeza do que falava.
- Eu adoraria que isso fosse verdade. Juro! - Continuou: - Mas você mesmo não acredita nisso. Estou vendo nos seus olhos.
- Denise, eu amo essa mulher, mas tudo tem limite.
- Você não alcançou o seu, senão teria falado o contrário.
- Como é que é?
- Se você ainda não a quisesse, teria falado que já chegou no seu limite, mesmo amando essa mulher. Seu amor ainda vem antes.
Eu a olhei, triste, mas não conseguia concordar exatamente com suas palavras:
- Bom argumento, doutora. Num livro ficaria ótimo, mas na vida real ainda não funciona.
- Você que sabe! Eu não vou insistir porque tenho um certo interesse no deslinde dessa trama, mas eu quero que você fique bem, acima de qualquer coisa.
- Posso te perguntar uma coisa?
- Claro!
- O que você faria no meu lugar?
- Cara… - Ela suspirou fundo: - Como eu adoraria estar no lugar dela, Mark.
- Eu falei no “meu” lugar. - Frisei: - Você é o Mark. O que você faria?
- Bem, eu adoraria viver um amor como esse de vocês! Altos e baixos, aventuras e desventuras, ciúme e confiança, proteção e inconsequência… - Suspirou novamente: - Mas tira tudo isso: o que sobra?
- Um casamento tranquilo. - Respondi.
- Não. Não sobra nada! O amor de vocês é feito disso. Sem isso, nenhum de vocês seria realmente feliz. - Ela me pegou e virou de frente para ela: - Sabe como eu vejo vocês: Ela é um carro que vai de zero a cem rapidinho: “Vupt!” e ela chegou e para! Você já vai de zero a cem num movimento constante e uniforme: “Vuuuum!” e quando chega no cem continua subindo até duzentos. Ela quando vê que você passou, vai de cem a duzentos rapidinho novamente. Você continua vindo lá de trás e vai chegar nos duzentos e vai continuar até trezentos.
- Não estou entendendo direito. - Falei, meio confuso mesmo.
- Mark, ela é como pólvora: rápida, explosiva e, por isso, erra e bate a cabeça às vezes. Você já é como um carvão: constante, seguro, confiável e, por isso, consegue ver os problemas e antecipá-los.
- E como dar pode certo se ela não me escuta?
- Não sei! Mas tem dado, não tem?
- A que custo, não é?
- Não sei dos custos, mas os resultados estão aí: uma família linda e que vocês, os dois, amam de paixão! Tenho a maior inveja branca dela.
- É… - Resmunguei, me virando em direção ao parapeito da sacada novamente.
- Pensa aí. O que você decidir, eu vou apoiar. - Disse me abraçando: - E, que Deus me perdoe, torço que decida pelo divórcio.
Dito isso, saiu da sacada e fechou a porta atrás de mim. Eu queria, mas não chorei mais, porque eu iria cumprir minha promessa. Fiquei não sei quanto tempo ali sozinho e pouco depois ouvi a porta se abrir atrás de mim novamente. Com certeza, Denise queria conversar outra vez. Olhei para o lado e Nanda se encostava de frente para o parapeito, procurando algo no mesmo vazio que eu olhava:
- Não vou mais te pedir desculpas. Fica tranquilo. - Começou a relembrar: - Sabe qual foi a primeira coisa que eu pensei quando a Marta quis me apresentar para você na escola em que eu trabalhava?
- Você já me contou essa história, Nanda: você fugiu por medo, porque era tímida. - Respondi no automático.
- Eu era tímida, sim, mas nunca te disse que foi esse o motivo. - Parecia procurar as melhores lembranças: - Eu fugi por medo de não saber lidar com o que eu já sentia por você há tempos, nem sabia se era amor ainda. Eu já te conhecia de anos da casa da minha avó. Lembro que eu, menina-moça ainda, fica lá e sempre via você indo e voltando do trabalho, ou indo para a faculdade, todo arrumadinho, cabelinho penteado…
- Cabelinho!? - Acabei interrompendo.
- Você tinha na época! - Riu baixinho: - Minha avó ficava me atiçando, falando, “Olha lá, Nanda, que belezinha o mocinho, só trabalha e estuda, isso que é homem para você namorar”...
Essa parte da história dela eu realmente não tinha ouvido ainda. Acabei me deixando levar pelas palavras, tentando encaixá-las nas minhas lembranças em comum. Ela continuou:
- Lógico que eu nunca fui atrás. Ainda mais eu! Imagina… Mas sabe quando aquela ideia fica plantada e vai crescendo? Nem sei te falar quantas vezes me peguei pensando em você enquanto estava na minha cama, mas acho que você já tinha conquistado um lugarzinho aqui. - Disse apontando para o próprio peito: - Meu medo de te conhecer não vinha da timidez, vinha de me entregar ao que eu sentia e não entendia. Por isso, eu fugia de você quando você aparecia na escola. - Deu uma gostosa risada: - A Marta queria me matar…
Dessa parte eu lembrava e acabei deixando uma risada escapar também. Ela deve ter notado e continuou:
- Agora pensando bem, acho que era por isso que eu também fugia de você nos bailes lá do clube. Disso e…
- E do fato que eu já chegava meio bêbado em você. - A interrompi sem querer.
- É… - Ela voltou a rir: - Se você tivesse me abordado não tão chapado, a gente já poderia ter começado a namorar antes. A culpa foi sua!
- Tá bom.
Ficamos em silêncio e, depois de um breve tempo, ela continuou:
- Eu não sei se a gente vai continuar, se você quer continuar comigo ou se eu quero continuar com você correndo o risco de te fazer sofrer outra vez, mas eu vou guardar com muito carinho todas essas lembranças e tudo o que a gente já viveu. Só espero que você as guarde também. - Se virou para sair, abriu a porta e antes disse: - A Denise parece ser uma boa pessoa. Pense nela com carinho.
Quando ela fechou a porta, quebrei minha promessa e chorei. “Filha da puta! Apelona!!”, pensei ao me controlar e sorri. Ouvi vozes no quarto que pareciam dela e da Denise, discutindo alguma coisa. “Quer saber. Que se foda! Assim é que não podemos ficar.”, decidi. Abri a porta e vi Denise a segurando pela mão para que não saísse do quarto. Nanda estava muito triste, mas não chorava e isso me dava medo, porque as piores tragédias acontecem com pessoas que não conseguem extravasar suas emoções. Olhei para as duas que pararam e ficaram me observando:
- Já decidi que rumo quero para minha vida. - Falei em alto e bom som, me voltando para Denise: - Já acompanhou um processo de divórcio antes, Denise?
Elas se surpreenderam e o semblante da Nanda denunciou a dor que sentiu. Denise, ao invés de se alegrar, se entristeceu. Fui até a Nanda, a abracei e falei para Denise:
- Infelizmente não será desta vez que você acompanhará um. - Disse apertando ainda mais aquela teimosa no meu peito: - E, no que depender de mim, nunca será o meu.
Nanda desmontou e chorou forte no meu peito. Tentei me fazer de forte, mas chorei também. Denise também. Parecia uma orquestra desafinada. Depois de um tempo, me acalmei e fiz elas se acalmarem também:
- Duas borradas e um careca. - Falei: - Parece até nome de filme da tarde.
Elas riram dessa piadinha sem graça. Ainda assim, eu precisava por a limpo algumas coisas com a Nanda de uma vez por todas, ou realmente nosso casamento não teria futuro e, se fosse assim, como ela mesma disse “a Denise parece ser uma boa pessoa” e eu não perderia a chance:
- Senta, Nanda. - Denise se levantou para sair do quarto, mas eu a proibi: - Senta, Denise! Você vai ser minha testemunha.
Nanda me encarou e, pela sua cara, ela faria tudo o que eu pedisse, mas eu queria que fosse por vontade própria, com sinceridade, e não por medo:
- Eu posso até exagerar, mas quando eu falo para você não fazer algo, é porque eu quero te proteger. A gente já enfrentou barras fortíssimas e eu nunca gostaria de te ver enfrentá-las novamente. Você entende isso? - Perguntei.
- Entendo, “Mor”, mas não tinha perigo algum…
- Não me interrompa. Depois você pode falar à vontade. - Disse eu a interrompendo: - Eu não tenho como saber se o Antunes é um calhorda como o Marcos, ou não. Eu o conheço pouco, mas já não simpatizei nada com ele. Aliás, eu nunca simpatizei com o Marcos e no final eu estava certo. Não estava?
- Estava.
- Se eu estava certo uma vez, posso estar duas. Não quero você se envolvendo com o Antunes por forma alguma. - Frisei: - Não quero que você corra risco algum. Eu te amo e vou te proteger, nem que seja contra sua vontade. Posso fazer isso como seu marido?
- Claro que pode! Mas…
- Para! Espera… Eu não terminei ainda. - A interrompi novamente: - A Denise fez uma análise da gente que eu nunca tinha feito antes e acho que ela está certíssima: nós vivemos muito no limite do risco. Só que você sai da segurança para o risco muito rápido, sem medir as consequências, enquanto eu vou mais devagar, bem mais devagar, quase parando, mas isso me dá condição de pensar melhor. Eu quero que você me prometa que vai me ouvir quando eu disser para não fazer alguma coisa e eu prometo que vou te dar chance de me provar que estou errado, ok? Mas, na dúvida, vou te proibir sempre, porque prefiro te ver emburrada, brava comigo, mas bem e segura, do que te ver sofrer depois. Entendeu? Promete?
- Prometo.
- Então, tá. Denise está de testemunha. Agora pode falar o que quiser que eu vou te escutar, sem interromper.
Ela colocou a mão no meu rosto e disse:
- Eu te amo!
- Tá. Eu já sei disso. Pode continuar.
- Eu te amo!
- Eu sei! Não duvido disso. Pode falar: você não vai brigar, discutir, me cobrar nada, me dar um esporro?
- Só vou te cobrar que continue me amando, porque eu falei duas vezes e você não me respondeu!
- É verdade! - Respondi, rindo amarelo: - É claro que eu te amo, sua boba!
- Agora eu queria ir embora… - Nanda resmungou.
- Nem pensar! Vocês já beberam pra caramba! Não vão pegar estrada agora. - Denise protestou e com razão.
- Esquece disso, Nanda. Não tem como. A Denise está certa. - Falei: - Além disso, temos uma vingança para concluir.
- Tá de brincadeira!? A gente quase se separou. - Nanda que protestou agora.
- Exatamente! Porque, no final das contas, aquele filho da puta do Marcos conseguiu nos envolver a tal ponto que os fatos seguintes foram se acumulando e acabaram nos atingindo, direta ou indiretamente. Quero que vocês se arrumem para descermos novamente. - Fechei a cara agora, mas com a situação, não com elas: - Agora sou eu que quero tacar o terror naquele filho da mãe!
- A gente tá toda fodida, borrada e você quer que a gente volte pra festa? - Nanda insistia.
- Vocês são mulheres. Uma ajuda a outra e vão ficar prontas rapidinho. - Dei de ombros: - Tá bom! Talvez não tão rapidinho assim…
Elas se olharam surpresas com a minha decisão, mas não reclamaram mais. Denise foi procurar algo gelado no frigobar e só havia algumas latas de bebida. Depois me explicou que água gelada é boa para desinchar o rosto. Me lembrei de ter visto uma máquina de gelo perto da recepção e fui até lá buscar algum. Voltei com um baldinho de gelo que ela virou na pia e encheu com água. Lá foram as duas se revezar para desinchar o rosto enquanto eu ria delas. Depois de me xingarem um pouco e milagrosamente desinchadas o suficiente para se embelezarem, começaram a se maquiar. É impressionante o que duas mulheres podem fazer juntas quando estão bem motivadas. Fiquei orgulhoso e, estando atrás delas, lhes dei um tapa na bunda de cada, prometendo uma merecida noitada depois. Elas me xingaram, rindo, e me colocaram para fora do banheiro. Se aprontaram em não mais que trinta minutos que, para uma mulher, foi um tempo até que bom. Descemos novamente para o salão e eu entrei triunfante com uma morena num braço e uma loira no outro.