O ano de 1969 efervescia, marcando o fim de uma época. Certamente um dos anos que ficaria para a história. O homem pisou na lua pela primeira vez, um grande salto para a humanidade, como disse Neil Armstrong. Mas aqui na Terra, as coisas estavam conturbadas.
No Brasil, o regime militar ganhava forças após o golpe de 64. As pessoas viviam o que viria a ser os últimos suspiros de liberdade, e parece que o povo ansiava por isso. Era também o auge do Tropicalismo, o grande movimento cultural que marcaria a música brasileira dos anos 60. Nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e muitos outros já estavam na boca do povo naquela época, e os mesmos tentavam alertar a população através de suas canções dos perigos que rondavam a nossa sociedade. Não coincidentemente, 1969 também foi o ano em que Caetano e Gil se exilaram em Londres, após serem presos pela ditadura militar. Há um mês antes de eu embarcar na viagem que mudaria a minha vida, eles partiram para a viagem que mudaria a deles também.
Eu tinha acabado de fazer 18 anos naquela época, estava apenas no meu primeiro ano de jornalismo. Um jovem inocente estudante que vivenciava um dos períodos mais insólitos da nossa história. Eu tinha acabado de conseguir um emprego na revista Tropicaliente, uma revista dedicada a falar sobre música, que tinha o seu escritório na Avenida Bartolomeu Mitre, no coração do Leblon. O emprego era simplório para um mero estudante. Eu era um mero contínuo, cuja principal função era distribuir as cartas pelas mesas dos escritórios e pegar cafés para os 'verdadeiros jornalistas'.
Mesmo assim, estava esperançoso com a minha carreira, sempre sonhei em começar de baixo e ir crescendo aos poucos em uma mesma empresa, até me tornar o presidente de uma importante revista. Se eu soubesse que a Tropicaliente fecharia as portas 4 anos depois, talvez não trabalharia tão duro quanto trabalhava na época.
E acredito que por causa do meu trabalho árduo e comprometido de contínuo eu fui chamado para uma importante missão, ou talvez porque nenhum outro repórter aceitou antes. Um dia, em meados de julho, meu chefe me chamou em sua sala. Disse que tinha a oportunidade perfeita para alavancar a minha carreira: Eu iria escrever minha primeira matéria! E melhor que isso, eu iria fazer uma viagem, de cerca de um mês, pelo Brasil, junto da nova banda em ascensão do tropicalismo brasileiro: Os Alquimistas.
– Os Alquimistas? Nunca ouvi falar! – Disse ao editor-chefe da revista ao apresentar essa oportunidade.
– Bem, filho, para falar a verdade, eu também não. Mas a gravadora está pagando uma nota preta para fazermos essa matéria para eles. Eles são praticamente garotos propagandas da gravadora, então eu confio em você nessa missão. – Disse o Sr. Alberto.
O Sr. Alberto era um homem de uns 40 e tantos anos, já cresciam cabelos grisalhos nas laterais do seu corte quase militar e ele adorava fumar um cachimbo marrom que soltava fumaça por todo o seu escritório.
– Mas Sr. Roberto, eu nunca escrevi uma matéria. Nem sei quem eles são! – Tentei argumentar, sentido o peso da responsabilidade que me amedrontava de assumir tal missão.
– Não esquenta com isso, filho. Olha aqui. – Sr. Alberto pegou um disco de vinil de sua mesa e me entregou. – Esse aqui é o primeiro álbum deles, eles vão fazer essa turnê para divulgar o álbum pelo país. Esse é o seu dever de casa, ouve esse álbum e pronto, você já conhece Os Alquimistas. Tudo o que você tem a fazer é viajar, entrevistar os membros e anotar suas experiências, vai ser um belo aprendizado para você, garoto.
Eu tentei argumentar mais um pouco, disse que não podia faltar um mês de aula, que não podia deixar a minha mãe sozinha. Mas o Sr. Alberto era um homem de pulso firme, que insistia que algo fosse feito da maneira como ele queria. Até que não tive outra escolha a não ser aceitar.
Quando eu saí do escritório, meus sentimentos eram uma mistura de medo e euforia. Medo por ter que viajar durante um mês com pessoas que eu mal conheço, e lugares onde nunca passei. Mas euforia, pois esse poderia ser o meu primeiro trabalho de verdade. Uma matéria só minha!
Então, decidi me dedicar ao máximo. Assim que cheguei em casa naquela noite, coloquei o disco na minha vitrola e comecei a ouvir. A capa do disco era algo completamente abstrato, parecia como se alguém tivesse derramado no chão tintas azul, verde e laranja e tirado uma foto. Bem no meio, escrito em uma letra gorda e psicodélica, vinha o nome da banda: Os Alquimistas.
O álbum era composto de 9 faixas, 4 no lado A e 5 no lado B. Não havia nenhuma foto deles na contra-capa, então não sabia nem como eles se pareciam. Mas algo aconteceu naquela noite que foi mágico. Assim que a agulha começou a passar por aquele disco, meus ouvidos se banharam do som mais maravilhoso que eu já havia ouvido em minha vida. Era único, estupendo e irreverente. Era como se Carlos Santana tivesse um filho com Elis Regina. Os solos de guitarra acompanhavam ritmos como samba e bossa nova. Pandeiros, bongos, harpas, cítaras e cavaquinhos eram misturados àquele rock n' roll sujo e chapante.
Mas no meio disso tudo, dessa cacofonia ritmada, no caos ordenado que era a melodia d'Os Alquimistas, brotava uma voz angelical. Suave e calma, a vocalista declamava os seus versos em um timbre melódico e altas variações. Eu não sabia seu rosto, seu nome nem sua idade, mas eu estava apaixonada por aquela voz.
Foi amor à primeira vista, passei todo o final de semana ouvindo e reouvindo o disco, fazendo anotações sobre as letras, que eram das mais variadas. Uma canção chamada 'A Era dos Extraterrenos' fazia um paralelo da corrida espacial com o governo militar. Outra canção, 'Soneto de uma nota só', trazia um samba a la Cartola, com um solo de guitarra digno de Jimi Hendrix.
Quando chegou a segunda-feira, já estava mais do que pronto para conhecer os meus novos ídolos. Sr. Alberto me deu um papel com o endereço da tal gravadora Banguela Records, que ficava na Carioca, no Rio de Janeiro. Por volta das 9 da manhã estava eu lá, com toda a minha mochila abarrotada de roupas e tudo o que eu precisava para escrever minha matéria: papel, caneta e um gravador para as entrevistas. Mas eles me deram um belo chá de cadeira. O lugar estava desértico e a gravadora fechada. Aguardei na calçada por mais de uma hora, até que parou na avenida um grande ônibus, que parecia já ter vivido bastantes histórias, apesar de ainda bem conservado. Sua porta abriu e desceu dele a figura de um homem de longos cabelos e cavanhaque castanho desgrenhados, mais magro que a mim que já era considerado um palito, usando um terno marrom que parecia dois números maior que o seu corpo. Alguns anos depois, conheceria um maluco beleza chamado Raul Seixas, que à primeira vista, achei que era o Sr. Arnaldo Bernaglio, empresário d'Os Alquimistas.
– Ei, garoto! Você mesmo! – Bradou da porta do ônibus – Você deve ser o garoto da gravadora, não é mesmo? Vem logo, já estamos atrasados!
Levantei e corri até o ônibus, que já acelerava, me fazendo dar um salto para subir na escada. A porta se fechou, e por um instante eu e o maluco beleza de terno permanecemos no mesmo degrau.
– Prazer, Arnaldo Bernaglio. – Disse ele, enquanto me cumprimentava com o seu corpo apertado junto ao meu. – venha. Suba logo, eu vou te apresentar a gangue.
O ônibus já estava tomando rumo pelas ruas do centro do rio, guiado por um jovem rapaz, que parecia apenas uns 2 anos mais velho que eu. Seu cabelo era em formato de cuia, estilo da primeira fase dos Beatles, mas desgrenhado e mal cuidado. Ele estava sem camisa, mostrando o seu peito cabeludo e sua pele pálida, usando apenas um short curto.
– Esse daí é o Félix, mas todo mundo chama ele de 'Gato' Félix. Roadie da banda e motorista nas horas vagas. – Disse Arnaldo.
'Gato' Félix me cumprimentou com um aceno de cabeça, enquanto segurava um cigarro entre os seus lábios. E logo retornou a olhar para a estrada. Subimos alguns degraus até a parte principal do ônibus. O ônibus deveria ter cerca de 20 lugares, mais um banheiro, os corredores eram enfeitados com faixas de cetim, purpurina e diversos outros penduricalhos. Quando adentramos, todos pararam para nos observar. Ou melhor, me observarem se juntarem àquela 'gangue'.
Ao todo haviam 5 homens e 4 mulheres, e Arnaldo foi me apresentando cada um deles.
– Esses daqui são Carlos e Henrique. Eu só não sei qual é qual. – Disse Arnaldo, me apresentando um par de irmão gêmeos idênticos, de cabelos pretos cortados do mesmo jeito. Ambos me cumprimentaram ao mesmo tempo, se apresentando ao mesmo tempo e apertando a minha mão ao mesmo tempo. Logo, ainda não sabia quem era o Carlos ou o Henrique.
– Essa daqui é a nossa figurinista, Betty Boop.
Apesar do nome, Betty Boop não era nada parecida com sua xará. Ela vestia uma camisa branca com uma saia quadriculada e cinto de fivela. Tinha longos cabelos ruivos encaracolados, o rosto coberto de sardas e um nariz grande, porém charmoso. Grande também eram os seus seios e coxas. Apesar de parecer alguns quilinhos acima do peso, era bonita de corpo e bastante atraente ao primeiro olhar. Por falar em olhar, notei que Betty Boop me olhava de forma diferente dos outros, como se me analisasse de cima a baixa, sem fazer nenhuma questão de disfarçar. Ela costurava algo feito de crochê, que parou para apertar a minha mão de forma delicada, e depois voltou a costurar.
– Esses daqui é o Jeremias 'Dedos Ágeis' Melo, o nosso astro na guitarra. – Disse Arnaldo.
Jeremias era alto, de longos cabelos castanhos e um bigode que o fazia parecer 10 anos mais velho que a sua idade real. Vestia uma jaqueta de couro estilo motoqueiro, o que dava a ele um ar de um homem que transitava entre o rockabilly e a psicodelia. Quando soube quem era Jeremias, fiquei bastante animado, estiquei minha mão para cumprimentá-lo e disse:
– Jeremias? Nossa, eu sou um grande fã dos seus solos, eles são fenomenais!
– Eu sei que é, todos são quando me ouvem. – Disse Jeremias, que me deu uma piscada e em vez de apertar minha mão, apenas deu um tapa nela e virou para o outro lado para olhar para a pista.
Fomos adentrando mais e mais o interior do ônibus. Arnaldo me apresentou à cabeleireira Maria Fumaça, e à maquiadora Jessy Jane. Ambas me cumprimentaram acenando a mão, mas não me deram muita atenção.
Já chegando ao fim do caminhão, uma figura se destaca de todos os outros. Um homem negro de cabelo estilo black power e costeletas estava sentado do lado esquerdo. Usava uma camisa azul e uma calça marrom puída. Arnaldo me apresentou como João dos Reis, baterista da banda.
– Por fim, essa é a nossa princesinha, rainha dos vocais, Manuela Bettinelli!
Manuela estava sentada na última fileira, olhando distraída para a janela, e só se virou quando ouviu seu nome ser chamado por Arnaldo. Quando ela se virou, nossos olhos se encontraram, e ela era tão linda quanto sua voz. Possuía longos cabelos loiros, que caíam quase até a sua cintura e cobriam sua testa com uma franja, embaixo de seu cabelo ela usava um óculos de grau estilo aviador, possuía um nariz fino e lábios tão finos quanto, em seu rosto já havia uma leve ruga de expressão pelo seu rosto alegre e angelical. Quando ela me viu, me deu um sorriso, mostrando todos os seus dentes, um lindo e perfeito sorriso que me fez lembrar de seu canto.
Ela me cumprimentou, apertando a minha mão, mas eu estava tão nervoso em conhecê-la que minha boca só expeliu um desconcertado 'oi'.
– Bem, agora que já conheceu todo mundo, pode se sentar aonde você quiser, porque nós temos uma longa viagem até nossa primeira parada: Arraial do Sana. – Disse Arnaldo, e foi voltando pelo corredor do Ônibus até se sentar na primeira fileira.
Ainda um pouco sem jeito, me sentei em uma fileira à frente de Manuela. Na frente, todo o resto da banda se divertia, conversavam eufóricos e ansiosos pela viagem. Quando finalmente saímos do Rio, as garotas gritaram de euforia na frente. Coloquei minha cabeça para olhá-las, e as notei enrolando um baseado e depois acendendo. Fiquei um pouco nervoso, mas não disse nada. O cheiro forte da erva começou a penetrar todo ônibus, então abri um pouco a janela para tomar um ar.
Pouco tempo depois, Maria Fumaça e Jessy Jane vieram até o meu lugar. Maria Fumaça se sentou ao meu lado, enquanto Jessy Jane na fileira da frente, e se prostrou por cima do encosto de cabeça.
– Aí, jornalista, vai um tapa? – Disse Jessy Jane, me oferecendo o baseado.
– Não, obrigado. – Recusei, um pouco envergonhado.
- Careta, é? Aposto que não vai ser mais assim no final da viagem. – Disse Maria Fumaça e riu. Jessy Jane, riu junto.
– Não, eu só quero ficar sóbrio enquanto escrevo minha matéria. Ela é bem importante pra mim.
– Importante é você aproveitar enquanto ainda podemos. – Disse Manuela, que se prostrou em cima do meu encosto de cabeça, se interessando pela nossa conversa. – Você sabe, a nossa liberdade tá sendo cerceada. É melhor aproveitar ao máximo o que nos resta.
– Ai ai, lá vai a Manuela e seus papos políticos. Você tem sempre que ser assim tão estraga-prazer, garota? – Disse Jessy Jane. Que esticou a mão para entregar o baseado à Manuela
– Os estraga-prazer de verdade são esses gorilas aí no poder. Você não viu? Até mandaram o Caetano e Gil embora. Os próximos podem ser a gente. – Disse Manuela, que pegou o baseado e deu um forte trago nele, antes de passar de volta à Jessy.
Jessy e Maria rolaram os olhos, como se já não aguentassem mais aquele assunto.
– Garoto, cuidado. Não fica muito perto dessa maluca não. – Disse Maria Fumaça. – O governo tá atrás de comunistas como ela. Se te verem perto dela, vão achar que você é um deles também.
– Comunista, é? – Disse enquanto virava meu rosto para olhar Manuela.
– Bom, na verdade, eu prefiro o termo maoísta.
– Então, talvez eu esteja em perigo mesmo. – Disse em tom de brincadeira e ri.
– Relaxa, bicho, o único perigo que você tem com a gente é de perder a sua virgindade. – Disse Maria Fumaça. As três garotas riram juntas. Em seguida, Jessy Jane e Maria Fumaça voltaram com o baseado para o outro grupo.
A viagem seguiu sem muitos problemas, cerca de 5 horas até chegarmos à primeira cidade. O ônibus estacionou perto de um camping, onde já era possível ver bastantes 'bicho-grilos' se juntando.
- Chegamos, pessoal, primeira parada da nossa turnê. – Disse Arnaldo e todos no ônibus gritaram em uníssono. – O show vai ser às oito. Quem quiser, pode montar suas barracas no camping, quem não quiser, pode dormir no ônibus. Eu vou lá falar com o pessoal da casa de shows, nos vemos em três horas.
As garotas e os roadies já saíram eufóricos. Pegaram na mala do ônibus seus equipamentos para acamparem, enquanto isso a banda permaneceu no ônibus. Jeremias conversava com João, enquanto Manuela lia e anotava alguma coisa em um pequeno livro. De certa forma, a banda parecia tão empolgada quanto os outros, mas também mais sérios com tudo aquilo. Era a primeira vez que fariam algo tão importante em suas carreiras. Logo, estavam também bastante apreensivos. Saí do ônibus para deixá-los a sós um tempo e para fumar um cigarro.
À noite, por volta do horário combinado, eles já se reuniram na casa de shows, montaram os equipamentos e se preparavam para o show, que seria um festival com diversas bandas. O setlist consistia em apenas 5 canções, era o tempo que eles tinham para se apresentar, apenas 45 minutos. Mesmo assim, todos estavam animados, apreensivos e nervosos com a primeira apresentação. Era um público novo, que sequer havia ouvido antes.
Porém, quando subiram ao palco, tudo mudou. Era como se já estivessem na estrada há décadas. Bastou apenas a primeira canção para o público se empolgar, o primeiro solo de Jeremias 'Dedos Ágeis', acompanhado do batucar no pandeiro de Manuela e a base da bateria de João dos Reis, e a plateia foi ao delírio.
O primeiro show foi um sucesso. Um grande pontapé inicial para a turnê. Todos saíram felizes e empolgados. Mais tarde, foram festejar no camping, um grupo de pessoas se reunia em volta da fogueira, bebendo e fumando, em um espírito completamente libertino.
Notei Jeremias isolado em um canto, encostado em uma árvore bebendo uma garrafa de cerveja. Me aproximei dele enquanto ele observava todos dançarem em volta da fogueira.
– E então, como que foi hoje? A sensação de subir no palco. – Perguntei, tentando puxar assunto.
– Que isso? Já é parte da matéria? – Perguntou Jeremias, dando uma risada de canto de boca e uma golada na cerveja.
– Eu não estou com nenhum papel aqui, nem meu gravador.
– Foi incrível, se quer saber. Fazer shows assim sempre foi o meu sonho. A gente já está há muito tempo tentando, sabia? Mais de 7 anos! Só agora conseguimos um contrato com uma gravadora. Eu nasci pra tocar guitarra e é isso que eu quero pro resto da minha vida.
– É, não te chamo de Dedos Ágeis a toa.
– Mas não é por causa da guitarra que me chamam assim.
– Então é por quê?
Jeremias deu uma risada descontrolada, como se não acreditasse que eu estivesse perguntando aquilo.
– Ai ai. Garoto, você tem muito que aprender. – Disse Jeremias e colocou a garrafa de cerveja no meu peito.
– Não, valeu, eu não bebo. – Recusei.
– Anda logo, garoto! Não enche. Bebe isso aí, vai te fazer bem. Vai se soltar.
Parei por um instante, mas acabei aceitando. Peguei a garrafa de sua mão e dei um gole. O sabor era amargo, mas refrescante. Não gostei no primeiro momento, mas depois fui me acostumando. Batemos papo furado ali por mais algum tempo, até que Jessy, Maria e Betty se aproximaram.
– Licença, a entrevista acabou! Disse Jessy.
As três me puxaram pelo braço e me arrastaram até a roda em volta da fogueira. Perto de lá havia um rádio que tocava Green Onions, de Broker T. & The M.G.'s. Aos poucos as garotas foram se enturmando comigo, todas já pareciam mais alteradas, alegres e bastante convidativas. Jessy compartilhou com as amigas alguns pedaços de cogumelos que ela levava em sua mão. Ela me ofereceu mais eu recusei.
Apesar de ainda me sentir um tanto deslocado, o clima de total liberdade e diversão que aquele camping cheio de hippies proporcionava era melhor do que qualquer dia que eu passei enclausurado dentro daquele escritório. Me sentia pela primeira vez livre e junto de pessoas que se sentiam da mesma forma que eu.
A noite foi se adentrando, tomei mais duas cervejas e já sentia um tanto ébrio. Sentia meu corpo mole e dormente, e gostava daquela situação. Quando me dei conta, Jessy e Maria Fumaça haviam sumido, eu dançava sozinho com Betty Boop, que não desgrudava seu corpo e seus olhos de mim.
– Vem cá, eu quero te mostrar uma coisa. – Disse Betty Boop e me pegou pela mão.
Ela foi me levando camping adentro. A música foi ficando mais distante, assim como a luz da fogueira. Quando já não havia nada além da luz do luar a nos iluminar, Betty se virou para mim e me beijou. Em sua boca, pude sentir o sabor da cerveja e da erva, mas seus lábios eram doces e macios, não fiz nem esforço para impedir que ela me dominasse. Coloquei minhas mãos em volta da sua cintura e a puxei contra mim, seus seios pressionaram em meu corpo. Ela, sem prolongar muito, pegou minha mão e levou ao seu peito esquerdo. Ele era grande e macio, eu peguei com vontade, até ela parar de me beijar e chegar um pouco para trás, até se encostar em uma árvore.
Eu tentei beijá-la novamente, mas ela não queria que eu a beijasse, ela queria outra coisa. Com os seus braços, empurrou os meus ombros para baixo, me fazendo ajoelhar nas folhas e terra.
– Eu quero que você me beije aí embaixo também.
Naquele momento, congelei. Nunca havia feito algo assim. Para falar a verdade, nem sabia que algo assim era feito. Para mim, até então, sexo era somente penetração, não imaginava que acontesse algo mais do que isso.
Meio sem jeito, fui deixando ela me guiar. Ela desabotoou a fivela do seu cinto e abaixou a sua saia junto de sua calcinha. Na escuridão, não conseguia ver muito, apenas uma parte de seus pêlos ruivos em volta de sua boceta. Fiquei parado por um tempo encarando aquilo, sem saber o que fazer.
– Anda logo, garoto, Não tenho a noite toda! – Disse Betty Boop, e me puxou de encontro a sua virilha.
Minha boca afundou entre suas coxas. Quase que instintivamente comecei a lamber os seus lábios como se fosse um picolé.
– Assim não! Faz pra cima e pra baixo! – Disse Betty Boop.
Eu fiz como ela pedia, comecei a passar a minha língua entre os seus lábios, para cima e para baixo. Betty começou a suspirar de leve, me pediu para continuar assim. Ela acariciava o meu cabelo enquanto eu continuava a lambê-la . O sabor de seu sexo era levemente salgado, mas gostoso. Com o tempo, comecei a curtir também aquela nova experiência. Segurei em suas coxas enquanto fazia. Betty Boop começou a gemer também, me pediu para ir mais rápido, e assim eu o fiz. Nunca pensei que faria algo assim com outra mulher, mas agora aproveitava cada segundo, mesmo que já estivesse um pouco bêbado.
Até que, em determinado momento, as pernas de Betty Boop se contraíram, seus gemidos ficaram mais intensos até cessarem. Senti minha boca se inundar por um líquido, por um segundo, achei que era mijo, porém não havia sabor nenhum. Perguntei a ela o que foi aquilo e ela respondeu.
– Eu acabei de gozar, seu bobo! Parabéns. Quer que eu faça em você também?
Não sabia direito do que ela estava se referindo, mas aceitei. Ela me disse para eu me levantar e abrir a calçada e assim eu fiz. Dessa vez ela se ajoelhou e segurou no meu pau. Primeiro, começou a masturbá-lo, por alguns segundos, quando já estava meia-bomba. Até que ela começou a chupa-lo. No segundo que senti sua boca quente e molhada e seus lábios macios escorregando pelo meu pau, pensei que não haveria sensação no mundo melhor do que essa. Era maravilhosa a forma como ela me chupava, fazendo meu pau se enrijecer instantaneamente. Ela alternava com chupadas no meu saco e eventuais punhetas, aproveitando cada centímetro do meu sexo para o seu e meu prazer.
Já estava quase sentindo a vontade de gozar, quando ouvimos um barulho. Rapidamente Betty Boop se levantou e eu fechei as calças. Nos escondemos atrás da árvore e ficamos observando quem vinha à espreita.
Era Manuela que caminhava sob a luz do luar segurando a mão de outra garota. Na hora não entendi, mas quando vi ela encostar em uma árvore e começar a beijá-la, meus olhos se arregalaram.
– É a Manuela? – Sussurrei espantado para a Betty Boop.
– Sim. Ela gosta de garotas, não sabia não? – Disse Betty Boop, com a maior naturalidade possível.
– Não. – Respondi de forma seca. De certa forma, algo dentro de mim pareceu frustrado com aquilo.
– Ei, não vai escrever sobre isso no seu artigo não, hein? Senão aqueles porcos da censura vão atrás da gente! – Avisou Betty Boop, enquanto me cutucava chamando para irmos embora.
Voltando para a fogueira. Betty perguntou se gostaria de continuar a nossa 'brincadeira'. Até gostaria, mas estava cansado, em parte por já estar tarde da noite. E em parte por estar embriagado. Além disso, ia ter que andar um bocado até o ônibus, então disse que era melhor deixar para uma outra hora. Me despedi e fui caminhando até o ônibus.
No ônibus, Arnaldo dormia reclinado em uma cadeira, com a porta do veículo aberta. Assim que entrei ele acordou, olhou para mim, mas não logo se virou e deitou. Caminhei até o final do ônibus e antes de me deitar em uma das cadeiras. Notei o livro que Manuela estava lendo no banco em que ela se sentava. Era uma cópia de bolso de O Livro Vermelho, do Mao Tse-Tung. Apenas dei uma leve folheada antes de me deitar.
Quando acordei na manhã seguinte, o ônibus já estava em movimento. Uma forte enxaqueca penetrava a minha cabeça. Ao meu lado, para minha surpresa, estava Manuela, dormindo coberta por uma manta vermelha, com o seu óculos levemente repousado sobre o seu peito. Fui tirar o óculos dela, para que não caísse, e assim que toquei, ela acordou. Manuela pegou os óculos da minha mão, tirou a remela do olho e olhou a estrada lá fora.
– Onde nós estamos? – Perguntou Manuela, ainda com uma voz sonolenta, mas angelical como sempre.
– Em algum lugar entre Arraial do Sana e Rio das Ostras.
– Hm, me acorde quando a gente chegar, então. – Disse Manuela, e se virou para o lado.
Durante a primeira semana de viagem, o clima seguiu nessa mesma energia. Subimos o litoral brasileiro fazendo shows em todos os principais pontos de aglomeração de hippies que ainda existiam no Brasil. Fizemos shows em Rio Das Ostras, Macaé, Farol de São Thomé e São João da Barra. Sempre mantendo o bom humor e com excelentes shows ao longo do caminho. A presença de palco de Manuela era algo quase metafísico. Além do vocal, ela tocava diversos instrumentos ao longo das canções, como pandeiros, flauta, harpa, cítara e muitos outros. Jeremias 'Dedos Ágeis', perfomava incríveis solos que faziam a galera delirar, e João dos Reis, fazia a ponte entre o Rock N' Roll a brasilidade
Foi então que eu realmente entendi o real significado do nome: Os Alquimistas. Esse nome era porque eles misturavam diversos gêneros, como Samba, Bossa Nova e MPB com o Psicodélico e Progressivo Rock N' Roll. Era virtuoso ouvi-los tocar. E enquanto eles estavam no palco, eles sabiam disso.
Fora do palco, as groupies e roadies faziam a festa. Cada cidade que parávamos era uma festa diferente. Novas pessoas, novas experiências. Mas a banda, de certa forma, ainda parecia bastante isolada de todos os outros. Era como se eles estivessem em uma própria vibração. Com isso, acabei ficando mais próximo das groupies, principalmente de Betty Boop, com quem tivemos outros momentos juntos a sós. Porém, nunca chegamos a transar, até então. Apenas nos chupávamos quando o tesão subia nossos corpos.
De certa forma, ainda estava nervoso demais para realmente fazer sexo, queria que fosse especial. E mais importante, queria que fosse com alguém especial. E Betty Boop não parecia ser essa pessoa.
Na estrada, a caminho de Marataízes no Espírito Santo, ouvíamos uma canção no rádio. Acho que era Hey Joe, de Jimi Hendrix. Manuela se sentava ao meu lado em quase todas as viagens. Mesmo que ela não fosse de falar muito, era como se sua presença ali já fosse o suficiente. Ela passava a maior parte do tempo lendo o livro do Mao e anotando.
– Então, você não tem medo de ser pega com esse livro na mão? Eles podem te prender, ou coisa pior. – Perguntei, tentando puxar assunto.
– Sob um governo que prende injustamente, o lugar de uma mulher justa também é na cadeia. – Respondeu Manuela, sem tirar os olhos do livro.
– Uau, Mao escreveu isso?
– Não, foi Henry Thoreau.
– E o que você está anotando?
– Apenas ideias para as minhas músicas. Gosto de escrever canções fazendo paralelos entre o que eu leio, ouço e assisto com o que vivemos no dia-a-dia.
– Sei. Por exemplo, quando você compara Juventude Transviada com o golpe de 64.
- Exatamente! – Pela primeira vez, vi no olhar de Manuela como se ela estivesse interessada no que eu tinha a dizer. – Então parece que o grande repórter estudou os hippongas que ele está escrevendo, não é mesmo?
– Bem, para falar a verdade, eu nem sabia da existência de vocês há duas semanas atrás, mas agora já sou um grande fã.
– Ah, é mesmo? Então me diga, fã número 1, qual é a sua música favorita?
– Hm, são tantas que eu nem sei dizer.
– Ah, para de brincadeira! São só 9. Bem, daqui há alguns meses serão mais 9. A gente já gravou o álbum novo, estamos esperando apenas sair o material promocional.
– Bem, eu gosto de 'A Era dos Extraterrenos'. Acho que é uma excelente música com um tema bem atual.
Por um tempo, começamos a conversar sobre as canções. E pela primeira vez, tive um contato mais próximo com Manuela. Ela ficava empolgada ao falar de suas canções, suas visões de mundo, pensamentos e tudo que a rodeava. No começo, pensei em como essa conversa daria um ótimo trecho da matéria, mas depois só pensei em conversar mais e mais com ela. Foi naquele momento que senti pela primeira vez uma ligação real com alguém daquela trupe de desajeitados. Justamente a garota por quem eu me apaixonara quando eu conhecia apenas a sua voz.
– Aí, gente, escutem só essa. – De repente, nossa conversa foi interrompida por 'Gato' Félix, que bradava para todo o ônibus segurando um jornal em sua mão – foram encontrados mortos na manhã do dia 9 de agosto a atriz Sharon Tate, esposa do diretor de O Bebê de Rosemary, Roman Polanski, e quatro de seus amigos pessoais em sua casa na cidade de Los Angeles. Os corpos foram encontrados pela governanta da casa que chamou a polícia logo em seguida. Sharon Tate estava grávida de 8 meses de seu filho com Polanski, que se encontra na Europa para a gravação de seu novo filme. Os assassinatos de Tate e seus amigos possuem um forte requinte de crueldade. Segundo a autópsia, Sharon foi esfaqueada 16 vezes, várias delas na barriga. A polícia não divulgou nenhum principal suspeito, mas afirmou que acredita que o caso tenha sido motivado por transações com drogas.
Durante alguns segundos após Félix ler a matéria, um silêncio tomou conta do ônibus. Até que os gêmeos Carlos e Henrique responderam juntos:
– Caralho, sinistro!
– É, Félix, para de ler essas histórias, até parece que quer deixar todo mundo triste. – Reclamou Jessy Jane.
– Panaca! – Exclamou Maria Fumaça, que lhe deu um tapa na testa. Após isso, a conversa no ônibus voltou a fluir.
No entanto, percebi que Manuela havia ficado um tanto abalada com a notícia. Sempre reparei que Manuela era bastante sensitiva para algumas coisas, ela poderia mudar o seu astral repentinamente, se visse algo de errado ou se visse alguma coisa bastante excitante. Era como se ela deixasse as energias do mundo ditarem o seu astral. Manuela ficou em silêncio, com a cara fechada.
Pouco tempo depois, ouvimos algo de errado com o ônibus. Zé Délio, que dirigia nesse momento, encostou ele na estrada e parou. Andei até a frente, onde Zé Délio e Arnaldo já discutiam.
– Como assim, sem gasolina? Achei que você tinha abastecido na última parada! – Dizia Arnaldo, claramente irritado com a situação.
– Eu achei que você quem tinha abastecido na última parada, bicho. É você que cuida da grana do pessoal.
De repente, como se Manuela pudesse pressentir. Todo o clima havia mudado. Na estrada, não havia nenhum sinal de posto por perto em qualquer direção. Zé Délio e Arnaldo ainda discutiam de quem era a culpa no volante. Com um agravante de que faríamos o show em Marataízes em apenas 3 horas.
Era a hora de enfrentarmos o primeiro perrengue de nossa viagem.
(Continua...)