O enterro e o velório do Fábio acabaram comigo. Eu ainda prometi a Pamela que iria para o seu teste no laboratório. A partir de quando eu assumi as responsabilidades dos outros para mim? Com a criação da Alessandra tudo bem, uma vez que a Lúcia é família. Enfim, eu acho que fiz a coisa certa. E as vozes da minha cabeça não me farão desistir.
Em uma tarde chuvosa e fria, o Henrique decidiu me levar para passear. Não fomos de moto por motivos óbvios. Estava aproveitando os meus primeiros dias de férias. A gente não cancelou a viagem, mas eu não estava muito no clima de celebração.
Fomos em um café bem famoso na Avenida Paulista. Por causa da chuva, o local não estava em sua lotação máxima. Pegamos uma mesa bem no canto e conversamos sobre as últimas coisas que aconteceram. O Henrique era sempre preocupado e atento aos meus problemas, mas eu confesso que não conhecia muito dele.
— E sobre você? Quase não conversamos sobre você. — questionei, pegando o copo e tomando um pouco de café.
— Bem, — parando um pouco e pensando. — acho que você já sabe a maioria das coisas sobre mim. Eu moro em São Paulo, estudo programação e tenho poucos, mas bons amigos. Os meus pais são pessoas boas, o meu irmão tá naquela fase que exige atenção e tenho uma gata chamada Basset. — ele pegou a carteira e tirou uma foto da gata.
— Diferente. — disse, mas achei a gata feia demais.
— Ela é feia, eu sei. Não precisa mentir, Jay. — Henrique deu uma risada sincera.
— Os pelos dela caíram? — questionei, fazendo uma careta.
— Não. Já nasceu assim. A Basset é uma gata da raça bambino. Ela é super dócil e vai adorar te conhecer. — garantiu Henrique tomando seu chá.
— Os pelos não serão um problema. — brinquei. — Desculpa, Henry. Sei que não estou sendo uma companhia fácil e...
— Ei, você não precisa se preocupar. O seu colega acabou de falecer. Você ainda está processando as coisas. — Henrique pegou na minha mão e apertou forte.
— Justamente. Desde que você apareceu a minha vida está muito melhor, mas uma voz dentro de mim diz que não é certo. Eu só não quero te fazer infeliz. Porra, eu estou parecendo um adolescente de 15 anos. — balbuciei ao ouvir minhas lamentações e o Henrique sorriu.
— Você é muito fofo, Jay.
Depois de três dias, nós seguimos para Campos do Jordão. Separei as minhas roupas mais quentes, tudo bem, a Alessandra separou as minhas melhores roupas para quatro dias em um dos lugares mais bonitos de São Paulo. São 2 horas e meia de carro. Passamos por algumas cidades, algumas bonitas e outras nem tanto.
Por incrível que pareça, eu adorei a playlist do Henrique. Ele é um jovem, mas que gosta de canções de qualidade. Roupa Nova, Engenheiros do Hawaii, Cazuza, Legião Urbana e Los Hermanos. É uma viagem em um túnel do tempo. Lembrei do Jaime novinho ouvindo essas "canções proibidas" em um walkman que a Lúcia comprou em um brechó.
***
Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso Estado que não é nação
***
A estrada foi se tornando cada vez mais bonita. O cenário começa a mudar, principalmente, a arquitetura das casas e hotéis das estradas. Elas ganham um estilo mais europeu. O termômetro do carro marca uma temperatura externa de 10 graus. Ainda bem que eu trouxe uma touca e boinas, a pior parte de ser careca é o frio na cabeça.
A entrada da cidade é linda. Uma espécie de portão no estilo europeu, que deixa qualquer cidade da Europa de queixo caído. As pessoas passam por nós vestindo seus melhores trajes de frio. Morar aqui deve ser difícil para as pessoas que não curtem temperaturas negativas.
Ficaríamos na cabana de inverno da família de Henry. No início, eu não gostei da ideia, mas ele soube me convencer. Outro ponto que ele tinha razão era que precisávamos mudar os ares, ainda mais depois do que aconteceu com o Fábio.
Estacionamos na frente de uma mansão. Então, o Henrique saiu do carro e pegou as malas no banco de trás. Eu sai mais por reflexo, mas não entendi o motivo de parar na frente de uma casa tão grande.
— Não vamos para a cabana da tua família? — questionou, colocando uma boina azul.
— Chegamos, — apontando para frente. — essa é a cabana. Eu estou varado de fome. Temos que ir ao mercado. — andando na direção da entrada e abrindo a porta.
— Ok. — respirei fundo e entrei.
C-a-c-e-t-e! Não é uma cabana de inverno. É uma mansão enorme e com uma decoração que deve valer toda a minha casa. A surpresa é tanta que deixei a minha bolsa cair no chão. O Henry passa de um lado para o outro. Segundo ele, o local estava uma zona e precisava de uma limpeza. Gente, será que ele está vendo o mesmo que eu?
A sala é espaçosa e cheia de fotos da família. O pai do Henry se chama Reginaldo Villar, um famoso empresário no ramo de tecnologia. Ele é um homem enxuto para os seus 60 anos. Porém, ele pouco falava da madrasta, eu só sabia que o nome da mulher era Julia.
— Você está bem? — Henrique questionou ao me ver imóvel.
— Sim. Eu só não estava preparado para a magnitude do local. — comentei, pegando a bolsa no chão e seguindo o meu ficante que fez uma tour rápido, que durou quase 10 minutos.
No fim, o Henrique me levou para o seu quarto. Nem preciso dizer que só o quarto dele é maior do que a minha casa. Observo a decoração e o ambiente destoa do restante da casa. Ele conseguiu expressar toda a sua personalidade através das cores e móveis.
— Precisamos ir ao mercado, bebê. Depois podemos tomar um banho. Reservei o restaurante para às 20h. — avisou Henrique, abrindo a cortina do quarto.
— Tudo bem. — concordei, deixando a mala no chão e me aproximando do Henrique. — Ei, você está bem?
— Estou nervoso. É a primeira vez que trago alguém aqui. — ele revelou fazendo uma expressão fofa, então, o beijei. — Ganhei só um beijo?
— Por enquanto. — pisquei.
Tivemos uma tarde agradável passeando pela cidade e fazendo compras no mercado local. Eu não sou muito de cozinhar, mas a Lúcia nos mandou alguns vídeos com receitas simples. Não arrisquei nada muito elaborado e fiz um sanduíche com presunto e queijo.
Alimentados e cansados. Tomamos um banho, apesar do frio que estava fazendo. O Henrique ficou lindo com um pijama do Capitão América. Faltavam algumas horas para o restaurante, por esse motivo, nós resolvemos descansar mais, quer dizer, aproveitar mais o tempo de qualidade.
Eu amo cada parte do corpo do Henry. Ele parece que foi esculpido pela própria Afrodite. Compramos um chantilly para apimentar mais a transa. Fizemos uma meleca básica, porém, tive um dos melhores orgasmos da minha vida. Esse garoto me desafia a cada dia. Será que no futuro eu vou dar conta?
Sem querer nós dormimos e quase perdemos o horário da reserva, mas conseguimos chegar a tempo. Tivemos um jantar agradável e pude conhecer mais do Henrique, que passou a contar diversas histórias sobre as suas férias em Campos do Jordão.
— E você? — ele perguntou, enchendo a própria taça com mais vinho.
— O que tem eu?
— Sei lá. Você não conta muito sobre a sua juventude. Onde você costumava passar as férias?
— Bem, — soltei, pensando em como responder sem transformar o assunto em um drama. — eu não viajei muito. Apesar do meu pai ser bem de vida, ele nunca se importou muito com a família. Mas, nas férias a Lúcia e eu sempre nos divertimos. A gente costumava assistir filmes a madrugada toda.
— Que legal. Eu fico feliz que você tinha a companhia dela. — comentou Henrique e pude sentir sinceridade nas palavras dele.
— Eu também sou. Ela é muito importante para mim. — disse, mudando de assunto para não deixar o clima estranho.
O vinho é um perigo. O Henrique fica logo bêbado. É a primeira vez que o vejo em tal situação. A fala dele é prejudicada pela bebida. Eu tenho vontade de rir, mas preciso fazer o meu papel de parceiro cuidadoso. Peço que o garçom traga a conta e embrulhe o resto da janta. Eu vou pegar e não aceito desperdício.
Só no tempo de eu ir até o caixa para pagar o cartão, o Henrique fez amizade com algumas moças que estavam de visita na cidade. Elas são do Pará e estão comemorando a despedida de solteira de uma delas. Animado, o Henrique se ofereceu para levá-las até uma boate LGBTQIA+.
Eu não tenho outra opção a não ser acompanhar o grupo. Ganhamos até um adereço na cabeça que lembra um véu. Elas falaram que o meu casamento com o Henrique seria o próximo. O bobão do meu ficante abriu um sorriso enorme quando eu concordei.
Lotada! A balada estava lotada de jovens e gays. Eu não sou muito de festas. A privação de liberdade faz isso com a gente. As meninas que adoraram o lugar e a energia do Henrique, que irradia como uma explosão nuclear. Ele está usando um casaco grosso, então, o levo até o banheiro e tiro a peça.
— Porque você está me deixando pelado? — ele questiona com uma voz arrastada e dengosa.
— Eu não quero que você morra de calor. Aqui dentro está uma temperatura agradável, você não precisa de casaco. — digo, tirando a peça e colocando no meu ombro. O Henrique me surpreende com um beijo e eu o afasto. — Alguém pode ver. — o repreendo.
— Aqui é uma boate gay. — Henrique me lembra e dá um sorriso safado. Ele me empurra até a parede e me dá um beijo gostoso. — Podemos ser quem somos dentro dessas paredes. — beijando meu pescoço e lambendo a minha orelha.
— Você, você quer dançar? — eu perguntei sentindo um tesão imenso nele.
— Só se for agora. — o Henrique me pega pela mão e vamos até a pista de dança, onde as meninas estão causando.
***
No matter how hard I try
You keep pushing me aside
And I can't break through
There's no talking to you
***
A música da Cher começa a tocar e a galera vai à loucura. Cada um dança de um jeito. Eu não sou um exímio dançarino, então eu pulo de um lado para o outro, enquanto o Henry me observa de uma maneira tão sexy e cativante. A minha única reação é beijá-lo e, dessa vez, sem medo de ser feliz. As pessoas estão se lixando se são dois homens aos beijos.
A noiva do grupo chega perto de nós e agradece pela noite divertida. Eu também preciso agradecer ao Henrique por me mostrar coisas novas e diferentes. Quem diria, que eu, Jaime Pedrosa, estaria aos meus 48 anos dançando em uma boate lotada. E a parte principal? Estaria feliz por isso.