Pedi ajuda da Alessandra para me arrumar. Afinal, eu não vou para a casa de qualquer pessoa. Primeiro, é o lugar onde mora o meu namorado. Em segundo lugar, é a residência da Julia Guerreiro, a melhor atriz já produzida neste país. No fim das contas, a minha afilhada escolhe uma roupa chique esportiva.
Coloquei todas as roupas em uma bolsa e segui para a escola. A Lúcia ficaria responsável de fazer um bolo de rolo. Levaríamos a sobremesa para o jantar e nada melhor do que uma deliciosa receita nordestina.
O dia seguiu com diversas mensagens do Henrique. Ele queria saber o que eu estava sentindo sobre conhecer os seus pais. Eu fui sincero, disse que era uma mistura de medo/pavor/desespero, uma vez que sua madrasta era a mulher mais incrível do universo.
Para variar, a aula passou da pior maneira possível. A parte mais interessante do dia foi uma fofoca sobre a aluna Rebeca Cardoso. Ela acabou sendo acusada de roubar as respostas da avaliação do 3º ano.
O ruim era controlar o burburinho dos alunos, em especial dos mais novos, no caso, os estudantes que eu comandava. Eles achavam a Rebeca uma lenda. Eu a considerava uma burra, afinal, quem é pego roubando respostas de uma prova. Amadora.
— Muito bem, senhores e senhoras, por favor, concentrem-se na atividade. Eu prometo, que ninguém pegou as respostas. — anunciei, enquanto passeava pela sala de aula. — E, por favor, não tentem fazer algo parecido. — alertei.
Recebi mais mensagens do Henrique. Ele passaria para me pegar na escola e seguiríamos para a minha casa onde a Lúcia nos aguardava. No fim da aula, aproveitei para trocar de roupa e alguns alunos comentaram sobre o meu look, de acordo com o linguajar dos jovens.
— Nossa, prof. Isso é tudo para agradar os coroas? — perguntou Diogo, o irmão de Henrique.
— Boa tarde, Diogo. E, por favor, não chame a Julia Guerreiro de coroa. Ela é uma mulher espetacular. — respondi, sem manter contato visual com o Diogo, que usava uma roupa bem estranha.
— Ela é enxuta, né? Eu tenho a mais gostosa dessa escola. — comentou o jovem, finalmente, ganhando a minha atenção.
— Respeite a Julia. — reclamei, olhando o Diogo da cabeça aos pés. — Vai para uma festa a fantasia?
— Não, vou para o balé. — ele explicou, fazendo uma posição de dança, algo que me impressionou.
— Parabéns. Você é bom, aparentemente. — o parabenizei, olhando para o celular e suspirando.
— Cara, cadê o boy? — quis saber Diogo.
— Boy? — questionei.
— Sim, o Henrique. Tenho que estar na aula em 15 minutos. Ainda bem que tenho o balé, pois não quero estar no matadouro, digo, jantar. — ele disse de maneira misteriosa.
— Ma, matadouro, é?
— Brincadeira, os meus coroas são perfeitos. Fora que o papai tem uns mil anos de diferença da mamãe. Eles passaram por isso. Eu, pelo menos, aprovo o senhor, principalmente, se me der as respostas das provas. — dando uma risada idêntica ao do Henrique quando conta uma piada sem graça.
— Boa tarde, meus amores! — gritou Henrique, que acenou de dentro do carro.
— Eu sou o amor número 1. — Diogo deixou claro, antes de seguir para o veículo e entrando na parte de trás.
Eu não digo nada, pois não quero causar uma impressão ruim com o irmão do meu namorado. O folgado senta no banco da frente, mas é expulso pelo Henrique. Opa, acho que alguém aqui é o número um. Deixamos o Diogo na aula de balé e seguimos para a minha casa. A Lúcia está ansiosa para conhecer a madrasta deles. Ainda não acredito que ela é a parente do Henrique.
No caminho, o Henrique fala sobre a importância da Julia em seu crescimento. Depois da morte da mãe, ele se sentiu solitário e a madrasta se tornou uma aliada, mesmo contra todos os que a chamavam de golpista, uma vez que ela casou com 23 anos e o pai do Henrique já estava com 50.
São coisas assim que me fazem acreditar no amor. Por tanto tempo, eu me fechei para os relacionamentos e acabei namorando um cara 20 anos mais novo que eu. Tiramos todas as dúvidas que temos sobre a Julia. Queremos causar uma boa impressão para a celebridade que amamos.
Entramos em um condomínio enorme. Eu fiquei até impressionado com a quantidade de segurança no local. Com certeza, outros famosos devem morar aqui. As casas são monumentais e mostram o poder daqueles moradores. A Lúcia aproveita o momento para registrar tudo. No banco traseiro, a minha amiga faz vídeos e milhares de fotos. O seu celular não para de fazer cliques e mais cliques.
Nem preciso dizer que a casa do Abelardo, o pai do Henrique, é gigantesca. Ela parece mais uma igreja do que uma residência. Estacionamos em uma área verde e esperamos o Henrique sair do carro primeiro. Peço da Lúcia que não cometa nenhuma gafe, porque me sinto em um teste e a qualquer instante posso ser reprovado.
Entramos pela lateral da casa. O Henrique abre um portão branco e andamos em direção a uma mesa que está sob um guarda sol enorme. A minha coluna congela quando a Júlia acena e vem nos cumprimentar. Eu tenho certeza que a Lúcia está morrendo por dentro.
— Jaime, que prazer em te receber na minha casa. — disse Júlia me dando dois beijos no rosto.
— O prazer é meu. — respondi e apontei para a Lúcia. — Essa é a minha amiga. Ela se chama Lúcia. — a apresentei.
— Prazer, senhora. — Lúcia deu um forte abraço em Júlia. — Sou muito fã do seu trabalho.
— Obrigada. Eu fico muito grata pelo carinho. — agradece Lúcia, que não perdeu a pose e mostrou o seu mais belo sorriso.
— Mãe, a Lúcia fez um bolo de rolo. Vou deixar na cozinha. — Henrique informou, nos deixando sozinho com sua madrasta.
Que amor. Meu Deus. Ouvir a voz da Júlia é andar em uma montanha-russa de emoções. Quando eu estava no hospital me recuperando da surra que levei, a Júlia era a atriz principal da novela "Desejos de um verão". Eu assisti a maioria dos capítulos com uma senhora chamada Ana, que dividia o quarto comigo. Religiosamente, às 21h, lá estava a TV ligada na Rede Mundo.
A Lúcia conta toda a nossa história para a Júlia, que escuta atenta e chocada por causa da crueldade do meu pai. Acho que ela não tem ideia do refúgio que foi para nós, principalmente, nos anos 90. Inclusive, em uma festa de Halloween, a Lúcia e eu nos fantasiamos de personagens icônicos da Júlia. Infelizmente, não fizemos registros por motivos óbvios.
Eu percebi que o Henrique nos olhava à distância. Ele tomava um drink, que eu presumia ser caipirinha. De repente, um senhor entra pela porta externa. O Henrique corre na direção dele e o ajuda com as sacolas. É o Abelardo, o pai de Henrique e Diogo. O patriarca da família parece bem para os seus 68 anos.
O Abelardo nos cumprimenta e dá um selinho em Júlia. Eles formam um casal bonito. Será que a minha relação com o Henrique vai se tornar assim? A gente é quente na cama, eu não vou mentir, porém, os meus medos não me deixam aproveitar 100%. Acho que está na hora de procurar um especialista. Eu preciso tirar a voz do meu pai da minha cabeça.
— Então, é você que encantou o meu filho? — questionou Abelardo, que estende a mão.
— Opa. — eu pego na mão dele. — Encantar é uma palavra muito forte. Ainda estamos nos conhecendo.
"Encantar é uma palavra forte"? Porra, Jaime, não me lasca. Como eu posso ser tão idiota. Graças aos céus, que todos levam a minha resposta na esportiva. Duas moças aparecem e servem a mesa para nós. A Júlia mandou fazer Ravioli ao molho de nozes, mas antes pediu para o Henrique nos questionar se havia alguém alérgico.
O prato estava belíssimo, mas eu queria fazer o fino. Eu não iria me humilhar na frente dos meus sogros, ainda mais quando havia um agravante - a minha idade. A Lúcia nem fez cerimônia e atacou a massa como se a sua vida dependesse disso. Os pais de Henrique nos olham, só que eu não consigo decifrar os olhares.
Então, a parte que eu mais esperava chegou: a sabatina. Falei sobre a minha vida, trabalho e gostos pessoais. A Júlia era a mais interessada, enquanto o Abelardo apenas ouvia e comia. Para complicar a situação, o Henrique soltou a mesa que era apaixonado por mim quando estudava comigo no ensino médio.
Aos poucos, eu fui relaxando e deixando a conversa fluir. Tenho certeza que o vinho ajudou a aliviar o nervosismo. A Lúcia tagarelava a respeito de tudo e levantou a minha moral para os meus sogros. É tão estranho ter sogros. Isso era algo impossível para mim. Achei que morreria um solteirão e sendo cuidado pela Lúcia.
Após o jantar, umas moças aparecem e retiram os pratos. Atenciosa, Júlia pede ajuda de Henrique para pegar a sobremesa. A maluca da Lúcia se voluntaria para ir com eles, ou seja, fico sozinho com o Abelardo, que acende um cigarro eletrônico.
— É para manter a saúde. Eu não sou mais um garotinho. — disse Abelardo me mostrando o cigarro.
— Isso é importante. Eu procuro me cuidar também. — digo e Abelardo concorda com a cabeça, enquanto traga o cigarro. — Abelardo. Eu gosto muito do seu filho. Sei que pode parecer estranho devido a diferença de idade, mas eu gosto muito dele.
— Eu sei. Eu confesso que não fui muito aberto quando o Henrique assumiu. Ele foi o meu primeiro filho, então, eu tinha expectativas. — Abelardo deu uma pausa e tragou o cigarro. — Graças a Júlia, eu aprendi a conviver com a sexualidade do Henrique. Hoje, eu não mudaria nada no meu filho. Em nenhum dos dois. Sobre a idade, isso é muito relativo. Aos 52 anos, eu tive o Diogo. Imagina quantas pessoas pensaram besteira? Eu não liguei, Jaime. A Júlia é o amor da minha vida, eu não mudaria nada na nossa relação.
— Entendi, obrigado.
— As coisas só vão ficar estranhas se você me chamar de sogrão. — brincou Abelardo, que me fez rir com o comentário.
— Pode ficar tranquilo. Isso não vai acontecer. — garanti, pegando a taça e tomando um gole do vinho.
— Jaime, não podemos nos limitar. Todos merecem amar e serem amados. Sabe o que eu aprendi com a minha própria vivência? — ele questionou.
— Ainda dá tempo para amar. — tragando o cigarro eletrônico.
— Ainda dá tempo para amar. — repeti, me emocionando, pois ele estava repleto de razão.