O álcool não bateu legal. Eu estou vomitando e sinto uma mão tocando na minha costa. Ir para a balada foi uma ideia muito errada. As pessoas estão alheias ao meu estado de saúde. Elas dançam, bebem e celebram. Lasque-se o coroa que está morrendo na frente deles.
Que situação deplorável. Mas como eu vim parar aqui? Como eu me tornei o centro das atenções da "Star", a balada mais cara de São Paulo? Tá, tudo começou no início da semana. Eu estava aliviado de conhecer os pais do Henrique. Nós ficamos mais unidos do que nunca, inclusive, ele passava mais tempo na minha casa do que no apartamento dele.
Usamos um lado do quarto para fazer o "espaço" do Henrique. Compramos uma mesa e ele trouxe um computador para fazer os trabalhos da faculdade. Claro que nem se comparava ao que tinha em sua casa, mas dava para o gasto. Graças a Deus que sou o tipo de pessoa que tem o sono pesado, ou seja, as atividades noturnas do meu namorado não me atrapalham.
Por coincidência, os nossos horários eram parecidos. Passávamos a tarde fora e a noite era um momento para nós. O Henrique acabou se mostrando um ótimo chef de cozinha e aprendeu várias receitas com a Lúcia.
Em uma noite de quarta-feira, o Henrique decidiu preparar uma carne guisada. O barulho da panela de pressão foi a primeira coisa que escutei quando saí do banheiro. Coloquei a toalha em volta do pescoço e andei na direção da cozinha.
— Que cheiro delicioso. — disse ao entrar na cozinha.
— O melhor para o namorado mais lindo do mundo. — Henrique me abraçou e cheirou o meu pescoço.
— Olha, não me dê ideias. — comentei sorrindo.
— Bem, eu posso dar sim. — Henrique baixou e fez sexo oral em mim.
Cheguei ao orgasmo junto a panela de pressão e o barulho nos assustou. É engraçado como o Henrique consegue me seduzir em qualquer situação. Na última noite, ele me chupou no carro durante um congestionamento na Avenida Paulista. Obrigado, protesto politico e desgoverno.
— Amorzito, — cantarolou Henrique ao se recompor. — você está tão lindo hoje.
— Tá, qual é a pegadinha? — questionei vestindo a samba canção e cruzando os braços.
— É que na sexta-feira é o aniversário da Bárbara, a minha melhor amiga da faculdade. Ela nos convidou para a Star. Acho que deveríamos ir para celebrar a vida de uma pessoa tão querida para mim. — ele argumentou.
— Você me perdeu no Star. — confessei, sem entender direito do que se tratava.
— Ah, é a melhor balada da cidade. — explicou Henrique que voltou sua atenção para a panela.
— Bebê, você pode ir. É a sua amiga, né? — sugeri, mas o Henrique fingiu um choro.
— Eu quero ir com você, amor. Os meus amigos acham que eu estou namorando um fantasma. Por favor. — ele implora com uma carinha de cachorro perdido.
— Amor, eu sou um velh...
— Ei! — Henry advertiu colocando o dedo indicador no meu lábio. — Nem termine essa frase. Não vem colocar a idade neste assunto, Jaime. — o Henrique me ralhou.
Vish. Ele me chamou pelo primeiro nome. Nas últimas semanas, o Henrique tem me policiado toda vez que a baixa autoestima bate. Também tem ajudado as consultas com a Erenice, a minha terapeuta. Estamos na quinta consulta e já devo ter chorado o equivalente a vida toda.
— Deixa, eu não vou. — Henrique desistiu de argumentar e continuou a mexer na panela.
— Ei, — eu o abracei por trás e o meu nariz encostou em seu pescoço. — eu vou. Você está certo. Só que nunca fui a uma balada gay.
— Eu não quero parecer o namorado chato e que obriga o outro a fazer algo que não quer. — afirmou Henrique, mais fazendo charme do que outra coisa.
— Henrique, você pode ser qualquer coisa menos chato. Eu amo você. Eu amo que você não desiste de mim, mesmo quando eu mesmo não acredito no meu potencial. — eu me declarei e beijei o seu pescoço.
Depois de um jantar maravilhoso estava pronto para um segundo round no quarto. Dessa vez, esperei o meu namorado chegar ao orgasmo. A noite estava fria, então, tirei o edredom do armário. O Henrique entrou dentro do seu moletom favorito e foi para frente do computador. Essa era a nossa rotina da semana. Eu dormia primeiro, depois de algumas horas, o Henrique se alinhava ao meu lado.
A semana de prova me deixava estressado demais. Estávamos na semana final de aula. O celular me lembrou da balada com o Henrique e seus colegas da faculdade. Sabe a quem recorri? Alessandra. Ninguém melhor do que a minha afilhada para tirar todas as minhas dúvidas.
— Eu vou passar vergonha, filha. — me encolhi na cadeira.
— Padrinho pode parar. Existem pessoas de todos os estilos na balada. — ela me reconfortou, mexendo os seus cachinhos e sorrindo.
— Desde quando você virou uma adulta tão maravilhosa? — questionei, sorrindo e tocando no rosto dela.
— Tive um ótimo exemplo. Na verdade, dois exemplos de como me tornar um bom adulto. — as palavras de Alessandra me deixaram feliz.
Provas. Correções. Lágrimas. Reclamações. Um ciclo que se repete todos os anos. Inclusive, a diretora pede que não conversemos com os alunos durante a semana de provas. Sabe o meu desafio? O Diogo, mais conhecido como cunhado. O jovenzinho era diferente do irmão, porque se dava mal em todas as matérias.
Realmente, a ideia de beber em open bar me deixou mais aliviado. Eu não sou muito de encher a cara, só que eu estava precisando extravasar. Durante o intervalo, o meu cunhado me procurou. Cara, ele é uma cópia do irmão, mais baixinho e irritante.
— Qual é, cunha. Eu preciso passar em matemática. Consegue as respostas para mim. — ele me pediu, tentando disfarçar, mas falhando na sua atuação.
— Diogo. Eu não sei nem o que dizer. Você sabe que isso não vai rolar, né? — questionei e o Diogo fez uma careta. — Que tal você parar de se agarrar pelos corredores da escola, ou acha que as câmeras não te flagraram com o seu namoradinho? A Júlia merece se orgulhar de você. — eu disse.
— Ok. Eu vou estudar. — Diogo se deu por vencido e voltou para a sala.
— Adolescentes. — murmurei, sentindo o celular vibrar no bolso.
***
Henry:
BB, tem uma senhora aqui na sua casa. A sua tia Lavínia.
***
— Puta merda. — soltei ao ler a mensagem. Alguns alunos passam e me olham. — Para a sala e sem comentários. — ordenei.
Inventei uma desculpa e escapei da escola. Peguei um carro de aplicativo e voei para casa. A tia Lavínia é a irmã do meu pai. Eles tiveram a mesma criação, mas nem de longe ela lembrava o velho escroto. Vejo um carro estranho na frente de casa. Eu nem imagino de quem seja.
O meu coração parece que vai sair pela boca. Eu não me assumi para os meus outros familiares, na realidade, eles desconfiavam, porém, o papai me obrigava a ficar calado. Entrei como um furacão, pronto para o desastre, porém, encontrei a tia Lavinia e o Henrique rindo na sala.
— Tá tudo bem? — perguntei, parecendo mais desesperado do que o normal.
— Jaiminho! — exclamou tia Lavinia, deixando a xícara sob a mesa e correndo para me abraçar.
— Oi, tia. — a cumprimento, mas ela não deixa, pois me dá uns 10 beijos no rosto.
— Eu conheci o seu amigo, o Henrique. Ele é um jovem tão espirituoso. Vocês deveriam ir para a igreja comigo. As moças vão adorar. — o Henrique revira os olhos com o comentário dela.
— Tia, acho que não vai rolar. — digo, respirando fundo. — O que a senhora faz aqui?
— Eu não posso mais visitar o meu sobrinho favorito?
— Eu sou o seu único sobrinho. — respondo com um sorriso sínico no rosto. — Enfim, hoje vamos sair e...
— Sério? Puxa.
— A senhora que está dirigindo o carro que está em cima da calçada?
— Eu sou péssima em baliza. — ela ri da própria situação.
— Ei, tia. — o meu coração começa a bater mais forte e a garganta fica seca. — O Henrique, — me aproximo dele e pego em seu ombro. — ele não é meu amigo. Ele é meu namorado. — as minhas mãos estão tremendo e o Henrique segura na minha mão direita.
— Bem, — ela fica reflexiva e olha com espanto para nós. — eu não vou dizer que estou chocada, porque você é um quarentão e não tem uma namorada. Ele te faz feliz?
— Sim, tia. O Henrique me faz muito feliz. — garanti, deixando o Henrique emocionado.
— Jaiminho, — tia Lavinia se aproxima e toca no meu rosto. — você merece ser feliz. Ainda dá tempo de amar e ser amado.
— Obrigado. — uma lágrima escorreu pelo meu rosto.
— Bem, gatinhos. Agora eu preciso ir. Jaime, leve o Henrique para tomar um café comigo. Precisamos colocar o assunto em dia. — ela me abraçou e, em seguida, o Henrique quase foi espremido pela titia. — Adorei você, gatinho.
A tia Lavínia é assim. Ela é um furacão. Fez sua bagunça e foi embora, assim, sem aviso prévio. Ainda estou de mãos dadas com o Henrique. Estou tremendo. Nem sei como tive forças para continuar de pé. Fico de frente para o meu namorado e descanso a cabeça em seu ombro.
— Ei, tá tudo bem. — ele garantiu me abraçando. — Tá tudo bem. Nós estamos bem.
— Eu fui corajoso, né? — questionei, chorando.
— O mais corajoso de todos. Eu te amo, Jaime. — me beijando.
Quantas mudanças dentro de mim. Eu nunca imaginei contar para algum parente sobre a minha sexualidade. Parece uma coisa besta, né? Mas para mim é algo excepcional. O Henrique tem razão, eu preciso deixar os sentimentos ruins para trás e focar no futuro.
Nos arrumamos para o aniversário da amiga do Henrique. Não demoramos muito para chegar à boate "Star". Havia uma enorme luminária na faixada do prédio. Jovens de todos os tipos aguardavam a abertura dos portões. Eu me dirigi para o lado da fila, porém, o meu namorado segurou em minha mão e me puxou na direção da porta.
— Aniversário de Bárbara Klein. — o Henrique falou para um dos seguranças, que liberou a nossa entrada.
A batida da música quase me deixou surdo. As luzes brilhavam loucamente na batida do som. A decoração da "Star" era baseada no universo e conseguia ver isso em todos os lados. No alto, dançarinos performavam uma coreografia em sincronia. De acordo com Henrique, cada ambiente mostrava um aspecto do universo.
Eu ainda estava digerindo a música. Eu conhecia a melodia, entretanto, não lembrava quem era a cantora ou a banda. Entramos na área VIP da boate e a aniversária nos recebe. A Bárbara é uma típica paulista. Uma moça linda e com um sorriso encantador. Ela nos cumprimenta com um beijo no rosto.
O Henrique nos apresenta. Aparentemente, ela me conhece dos comentários do meu namorado. A Bárbara nos faz usar uma gravatinha com a sua idade, ou seja, 19 anos. Cara, onde eu fui me meter? Nem tenho tempo para pensar e sou levado para um bar dentro da área VIP. A festa é open bar, só que eu não quero beber demais, apenas aproveitar a companhia das pessoas.
Pouco a pouco, a boate vai lotando de jovens famintos por álcool e beijos. As músicas são as piores possíveis, mas eu dou uma maneira de disfarçar, porque o Henrique estava se divertindo. É raro vê-lo dessa maneira. Na maior parte do tempo, a gente fica em casa ou bebendo com a Lúcia.
"Onde eu quico. Onde eu sento". A música explode nas caixas de sons da "Star". Os convidados da Bárbara parecem que estão possuídos por alguma divindade das profundezas. A Bárbara subiu em cima da mesa e puxou o Henrique. Ela pega uma garrafa de vodka e faz o meu namorado tomar no gargalo.
— Vem, Jaime! — ela me convida de uma maneira super animada. — É a sua vez! — exclama.
Eu me rendi. Eu sai do armário para a minha tia. Neste horário toda a minha família já sabe que eu sou gay. Abri a boca e deixei a vodca fazer o seu trabalho. Depois disso é um borrão. Eu lembro de dançar, de beijar o Henrique e vomitar para caramba.
Acordei com uma baita dor de cabeça. O Henrique dorme ao meu lado e não faço ideia de como chegamos em casa. Vou até a caixa de medicamentos e pego duas aspirinas. Na cozinha, a Lúcia prepara um café e me dá um copo de água.
— Bonito, né? — ela questiona.
— Hum? — balbuciou, antes de tomar as aspirinas.
— Eu tive que acordar às 5h, porque o Henrique me ligou para pegar vocês na balada. B-A-L-A-D-A-D-A? Você já passou dessa fase.
Enquanto a Lúcia me brigava, deixei o copo na pia e olhei através da janela. Dois pássaros brincavam em uma árvore da casa dos vizinhos. É assim que eu quero ser. Eu quero ser livre como esses pássaros. Eu só quero voar. Eu nasci para voar.
***
O próximo capítulo vai ser o último. Espero que vocês tenham curtido a jornada do Jaime e do Henrique. Se preparem para o meu próximo lançamento: "Um Venezuelano em minha vida". A estreia acontece no dia 20 de agosto, às 20h. Por favor,