[...]
Peguei meu celular e pedi um Uber, inserindo um endereço onde eu sabia que encontraria guarida. O carro chegou rápido e me despedi dele, pedindo que ele entregasse a chave do meu carro para a Nanda e que ele resolvesse o que fazer com ele:
- Por que você mesmo não entrega? - Me perguntou apontando para a sacada do terraço do restaurante, de onde ela me encarava.
Nem respondi e entrei no carro do aplicativo. Em quinze minutos, eu chegava ao meu destino. Autorizado a entrar, em não mais que cinco, chegava à porta de entrada e uma figura conhecida já me esperava com um sorriso no rosto, mas que se transformou em preocupação ao ver o estado em que eu chegava. Denise me abraçou carinhosamente e me puxou para dentro de seu apartamento, fechando a porta atrás de nós.
[...]
- Fernanda!? Cê vai deixar ele sair assim? - Rubens me perguntou, indignado.
Eu o encarei apática e sem saber o que fazer. A única coisa que eu sabia é que se fosse atrás dele, provavelmente a briga seria ainda maior, mas se eu não fosse poderia não tê-lo nunca mais para brigar. Antes que eu me decidisse, Sabrina tomou a frente e mandou:
- Vai atrás dele, Rubão!
Ele saiu em desabalada carreira atrás do Mark. Me levantei e fiquei vendo da sacada para onde o Mark se dirigia e o vi, não muito longe dali, entrando no nosso carro. O Rubens entrou em seguida pelo lado do passageiro e ficaram um tempo conversando. Depois ambos saíram e o Mark entrou num Uber, saindo em seguida. Rubens trancou o nosso carro e voltou para o restaurante:
- Ele pediu para te entregar. - Me deu as chaves: - Eu não sei mais como ajudar vocês. São dois turrões, cabeças duras do caralho. Porra, que gente complicada.
- O que é isso, Rubão!? - Sabrina o criticou: - Tão ferrando com a vida dos dois e você ainda fala assim com a mulher. Cala a boca já, seu animal!
- Alguém, né, Fernanda!? - Rubens jogou uma indireta para mim: - Ele me mostrou suas fotinhas no agarramento com aquele “Zé Mané”...
- Agarramento, que agarramento? Nós duas praticamente não nos desgrudamos na faculdade, cara! - Sabrina falou para ele.
- Deve estar falando dos selinhos que o Edinho me dava quando a gente se encontrava, Sá. - Falei.
- Mas ela nunca beijou ele, cabeção! Ele é que vivia dando em cima dela. Eu via isso. - Sabrina falou para ele e depois se virou para me criticar: - Só acho que você demorou pra dar aquela “capada” nele, Nanda.
- É. Talvez… - Respondi.
- Você enrola demais para se explicar, Fernanda! O cara até chorou no carro. Vai me desculpar, mas não sei por que você faz isso com ele? Se sou eu, te enfiava um pé no meio do rabo e partia pra gandaia.
- Rubão!! - Falou Sabrina, praticamente gritando.
Rubens me olhava desconfiado, bravo mesmo, mas, para ele, era indiferente eu ser uma puta, uma traidora ou qualquer coisa do tipo. Eu não era sua mulher. Vendo que o clima azedava cada vez mais, acho que ele se tocou e tentou amenizar:
- Eu ofereci para ele ir para o meu apê, descansar, esfriar a cabeça, mas ele não topou. - Falou: - Chamou um Uber e foi sei lá para onde.
- Ele é muito sistemático, Rubens, não aceitaria mesmo. - Respondi: - Mas acho que já sei onde ele deve estar.
Peguei meu celular e, após acessar minha lista de contatos, liguei para o número de uma velha conhecida. Quase que imediatamente fui atendida:
- Oi, Denise. Tudo bem com você?
Passamos a conversar, mas notei que ela falava com uma certa ressalva. Na hora já saquei que o Mark tivesse ido se refugiar em sua casa e eu estava certa, pois ela me confirmou. Tentei explicar superficialmente o que estava acontecendo e que eu havia errado em não explicar imediatamente para ele, mas não quis entrar em detalhes. Por fim, pedi que ela cuidasse dele e tentasse convencê-lo a conversar comigo, me ligando quando ele estivesse mais calmo para conversarmos:
- Quem é essa? Parente dele? - Rubens me perguntou após eu desligar.
- Olha a indiscrição, Rubão! Que é isso, meu!... - Sabrina o repreendeu.
- É uma história complicada… - Me constrangi, mas ainda completei: - É minha oponente direta.
- Oi!? - Agora Sabrina perguntava curiosa.
- Olha a indiscrição, Sabrina. - Rubens que agora a ironizava.
- Quieto, Rubão! - Ela retrucou: - Como é essa história aí, Nanda?
- É… Bem… Resumindo a história, ela é apaixonada pelo Mark e uma vez fizemos um ménage com ela. Como ela mora aqui e não sai do pé dele, imaginei na hora que ele teria ido para lá.
- E você tá tranquila assim? - Sabrina continuou.
- Sabrina, eu confio no meu marido. - Bebi um gole de chope: - E o melhor que eu faço agora é dar um tempo para ele esfriar a cabeça.
- Na casa da amante? Você é louca, mulher! - Sabrina falou, virando logo em seguida uma taça de chope.
- Esfriar!? Se sou eu, minha cabeça iria esquentar cada vez mais, remoendo essa trairagem do caralho… - Rubens resmungou: - E eu ainda dava uns "pega" na safada!
- Rubão!! - Sabrina o repreendeu novamente: - Cala a boca, caralho!
Ele a encarou inconformado, mas acho que entendeu ter extrapolado, pois logo depois tentou amenizar o constrangimento geral:
- Bom… Então, vamos aproveitar a festa. - Disse, agora me dando um abraço.
Começaram a servir o churrasco e assim que olhei aquele prato de carnes na minha frente, me lamentei por não ter sido mais honesta e direta com meu marido. Ele adora um churrasco e não estava ali para aproveitá-lo comigo por culpa minha. O único sabor que senti ao provar aquela iguaria foi de fel, regurgitada pela minha própria inércia. Peguei meu celular e mandei uma mensagem para ele: “Eu posso explicar tudo. Desculpa se não fiz isso na hora que você quis. Queria tanto você aqui comigo.”. Ele não me respondeu, nem visualizou.
A comemoração havia perdido o sentido para mim. Sabrina e Rubens até se esforçavam para me entreter, mas eu não tinha mais clima para nada. Me levantei e fui ficar num canto da sacada, olhando o movimento dos carros que passavam na rua. Decidi ir até a casa da Denise, mas ao mesmo tempo me contive, porque se eu forçasse uma aproximação poderia ser ainda pior. O tempo passava, aliás, ele se arrastava e eu via o meu marido cada vez mais distante de mim. Cansei de aguardar um retorno da Denise e lhe mandei uma mensagem:
Eu - “Denise?”
Poucos minutos depois, ela me retornou:
Ela - “Oi.”
Eu - “Como ele tá?”
Ela - “Dormindo, Nanda.”
Ela - “Dei um analgésico e um calmante levinho para ele relaxar.”
Eu - “E ele tomou um calmante?”
Eu - “Ele odeia essas coisas.”
Ela - “Tomou sem nem ver.”
Eu - “Ele tá muito bravo, não tá?”
Ela - “Irado!”
Ela - “O que aconteceu, afinal?”
Eu - “Eu tenho explicação para tudo, Denise.”
Eu - “Só não pude explicar na hora que ele quis e ele não esperou, mas eu não o culpo.”
Eu - “Será que ele me ouviria agora?”
Ela - “Agora não!”
Ela - “Ele está dormindo.”
Ela - “Acho que só vai acordar tarde da noite.”
Eu - “Posso ir aí tentar falar com ele?”
Ela demorou a responder. Não sei se estava ocupada ou em dúvida para me dar uma nova chance de reatar com o homem que eu sabia que ela queria para si própria tanto quanto eu:
Eu - “Denise?”
Ela - “Pode, Nanda.”
Ela - “Vem mais no final da tarde.”
Eu - “Obrigada!”
Ela - “Tá bom.”
Sabrina, nesse momento, chegava ao meu lado. Apesar de maluquinha, ela parecia ser uma boa amiga e me senti mal por ter duvidado até mesmo dela:
- Tem alguma coisa que eu possa fazer para te ajudar, Nanda? - Me perguntou.
- Não, Sabrina! Vai curtir a festa.
- Ele vai te perdoar, Nanda. Cê não fez nada de errado.
- Fiz sim! Deixei de ser honesta com ele quando ele me pediu. - Retruquei: - Ele vai me ouvir, sei disso… E vai me entender e me perdoar também! Mas tô me sentindo mal porque não precisava tê-lo feito sofrer. Era só ter contado tudo quando ele me pediu. Só isso…
- Mas, então, por que você está preocupada?
- Tô chateada, Sá. Ele tá sofrendo por nada, à toa, sem necessidade. Tudo porque eu não contei o que devia quando podia. - Falei: - Eu causei um problema que não precisava ter existido.
- Relaxa, mulher! Já que cês tão de boa novamente. Vem se distrair com a gente.
- Obrigada, Sá, mas hoje eu serei uma péssima companhia. Vai lá e se diverte. Eu vou ficar bem.
Ela me encarou mais um pouco, ainda em dúvida, mas acabou se resignando e voltando para junto do Rubens. Preferi continuar com meus pensamentos e ordenar minhas ideias para explicar toda a história quando me encontrasse com o Mark. Eu já sabia o que falar, só esperava ter a chance de ser ouvida.
[...]
No apartamento, Denise se surpreendeu com meu semblante abatido, triste. Minha própria postura, antes impositiva e respeitável, demonstrava o baque que eu havia sofrido. Ela só não sabia o quê, mas certamente faria questão de sabê-lo. Estranhamente, a única coisa que ela me fez foi dar um abraço e o manteve firme e forte para me passar uma segurança que eu não estava encontrando com a Nanda. Não sei quanto tempo ficamos assim, mas, ao final, ela me deu um beijo na bochecha e me olhou com uma ternura que há muito tempo eu não encontrava nos olhos da minha própria esposa:
- Você quer conversar? - Me perguntou.
- Não sei, Denise. Estou com a cabeça cheia e só consegui pensar em você aqui na capital… - Falei desanimado, mas tentei descontrair um pouquinho: - Mas se tiver um cafezinho, eu aceito.
Ela sorriu e me puxou para a mesa da cozinha, oferecendo-me uma cadeira. Me sentei e vi o carrinho de bebê com o Ben entre os dois cômodos. Ele dormia o sono dos justos e até senti inveja dele naquele momento. Me distrai olhando o bebê e quando dei por mim já estava próximo dele. Aliás, quando notei, ela me olhava com um sorriso no rosto. Sorri de volta, porque também nem saberia o que falar naquele momento.
Ouvi o som de uma air-fryer zunir na cozinha e, minutos depois, o aroma de um café passado na hora invadia os cômodos da casa. Então, vi uma senhora aparentando talvez uns sessenta anos se aproximar. Denise me apresentou dona Ana, a babá do filho, que me cumprimentou e levou o bebê logo depois para seu quarto. Nessa hora, Denise trouxe xícaras e o café para acalmar um pouco o coração deste sofredor e se sentou comigo:
- Já, já que tiro uns pãezinhos de queijo para a gente. - Me informou, mostrando sua air-fryer.
- Pão de queijo de paulista? - Perguntei, sorrindo o óbvio.
- Para! A receita é da dona Ana e é o melhor que eu já comi. - Disse me dando um sorrindo suave e tomando um gole de seu café em seguida: - O pior é que não consigo aprender. Deve ter alguma macumba nisso, algum “trem” como vocês dizem. Só pode…
Ri de seu comentário, mas não iria eu, naquele momento, ensiná-la a fazer pão de queijo. Tomamos nosso café em silêncio. Eu até queria conversar, mas não sabia se devia. No fundo, eu próprio achava ter exagerado com a Nanda, mas talvez se ela tivesse assumido os beijos e pedido desculpas, eu não teria tomado tal atitude. Só que ela insistia em fazer mistério, mentir, omitir e isso já vinha acabando comigo há tempos, então explodi.
Ouvi um celular tocando e instintivamente coloquei a mão no bolso, mas o meu não vibrava. Denise, sorrindo, se levantou e foi atender seu aparelho. Dada a proximidade, não pude deixar de ouvir a conversa:
- Oi!
- Vou bem. E você?
- Sim. Claro.
- Posso. Posso, sim.
- Fica tranquila. Eu te aviso.
- Não sei se “irmã” é bem a definição que eu gostaria…
- Como é que é?
- Tchau, querida.
Denise voltou com um sorriso bobo no rosto e me encarou satisfeita com algo. Não pude deixar de perguntar:
- Parece que a notícia foi boa?
- Hein!? Ah, então… Só fiquei surpresa com uma coisa. Só isso!
- Era a Nanda, não era?
- Por que você acha isso?
- Ah, Denise, sem joguinhos, por favor. Era ou não era?
Depois de um pouco me encarar e apesar de não querer assumir, ela confirmou:
- Era, Mark. Ela estava preocupada e me perguntou se você estava aqui. Eu confirmei. No final, me pediu para cuidar de você.
- Hummm… Cuidar de mim? Até que a sugestão é boa! - Falei sorrindo, tentando descontrair, mas ainda sem disfarçar minha cara péssima.
Denise se apiedou de mim, colocando sua mão sobre a minha. Sei pelo seu olhar que sentia pena de mim e instintivamente retirei minha mão dela, a repreendendo:
- Por favor, Denise, não preciso de pena. Só de sua companhia. Não sinta pena de mim. Isso me machuca quase tanto quanto a mentira da Nanda.
- Desculpa. Não foi essa minha intenção.
- Eu sei! Eu sei… - Me repreendi agora pegando sua mão: - Eu é que te peço desculpas. Acabei descontando na única pessoa que está tentando me ajudar.
- Está tudo bem. Fica tranquilo. - Ela tomou outro gole de café, me encarando: - E como eu poderia te ajudar?
Nessa hora, a primeira coisa que passa na cabeça de um homem que se encontra frente a uma deusa como aquela é sexo. Comigo não foi diferente. Eu também pensei nisso e acabei sorrindo maliciosamente para ela:
- Ajuda que não envolva uma trepada, Mark! - Ela falou, rindo para mim: - Safadinho…
Não aguentei e acabei rindo também, completando em seguida:
- Você tem um analgésico aí? E se não for abusar muito, eu queria deitar para descansar a cabeça um pouco.
Ela sorriu, se levantando em seguida. Foi até um balcão na cozinha e voltou com dois comprimidos e água:
- Dois? Também não estou morrendo, Denise… - Falei.
- Toma sem resmungar. - Disse e já veio colocando-os em minha boca.
Depois que os tomei, o air-fryer apitou, sinalizando o término dos pãezinhos de queijo e ainda comi alguns. Realmente eram bons. Não como os nossos, mas ganhavam de longe dos outros que eu já havia experimentado em São Paulo. Conversamos, aliás, tentamos ensaiar alguma conversa nesse ínterim, mas sem muita evolução. Após isso, ela me pegou pela mão e me conduziu até sua suíte, convidando-me a deitar:
- Na sua cama? O sofá já está bom. - Falei, indicando a direção da sala.
- Nem imagina quantas vezes sonhei com você aqui. - Rebateu, alisando sensualmente sua colcha para se reprimir em seguida: - Mas hoje é só pra descansar.
Me sentei na beirada da cama, tirando os sapatos e logo ela veio até meus ombros e me deitou. Instintivamente comentei:
- Colchão macio, gostoso…
- Mas ele pula legal quando precisa! - Ela disse, forçando as molas do colchão para baixo, o que fez nossos corpos se movimentarem para cima e para baixo, fazendo-nos rir em seguida.
Quando paramos de rir e o colchão de chacoalhar, ela me perguntou, olhando nos olhos:
- Quer que eu saia?
- Se puder ficar, eu prefiro.
Deitamos de lado, um de frente para o outro e ela não parava de sorrir para mim. Num impulso, a puxei para mais perto e a beijei. Um beijo gostoso, mas sem malícia. Só duas almas se ajudando. Depois disso, ela começou a me acariciar o rosto e a tensão que tanto me cansava o corpo, dava lugar agora a um relaxamento gostoso nas mãos daquela mulher. A olhei novamente e seu sorriso não diminuía, lembrei-me das palavras da Nanda durante nossa briga na pousada “A Denise parece ser uma boa pessoa. Pense nela com carinho.”. Pois é, a Nanda poderia estar certa! Aliás, eu já estava começando a ficar com medo de me apaixonar por aquela mulher. Talvez até a Denise fosse a mulher certa no momento errado da minha vida, mas eu ainda não conseguia acreditar que a Nanda fosse a mulher errada. Eu não acreditava ter vivido tanto tempo com uma pessoa e ela ser a errada. Eu nunca tive dúvidas dos meus sentimentos por ela, nem dos dela por mim, mas agora eu já não sabia de mais nada. Remoendo tudo aquilo, acabei me deixando vencer pelo cansaço e dormi.
[...]
Já eram umas dezessete horas e a comemoração dava sinais de que iria varar a noite. Eu não curtia mais nada, nem conseguia mais me segurar e decidi ir até o apartamento da Denise. Fui até a mesa e me despedi do Rubens e da Sabrina. Eles ainda se dispuseram a me levar onde eu quisesse ir, mas pedi apenas que o Rubens levasse nosso carro para seu apartamento que depois eu iria buscar. Me despedi dos demais colegas e chamei um Uber.
Não demorei nada e cheguei ao prédio de apartamentos onde Denise morava. Me identifiquei na portaria e depois de algum tempo, fui autorizada a subir. Em poucos minutos estava em frente à porta de seu apartamento, onde Denise já me esperava. Ela me recebeu cordialmente com dois beijinhos na bochecha e me levou até sua suíte, onde fez questão de me mostrar o Mark dormindo tranquilamente. Saímos em silêncio e fomos até a cozinha da casa, onde uma senhora preparava uma mamadeira.
- Esse é o Ben, Nanda. - Me apresentou, orgulhosa, seu filho.
Um lindo bebê de olhos azuis e meio loirinho agora me encarava curioso. Pouco depois, a senhora que me foi apresentada como dona Ana, a babá do Ben, chegou com a mamadeira. Denise pegou o filho para alimentá-lo, mas se voltou para mim e perguntou:
- Quer dar mamadeira, Nanda?
Que mulher nega o prazer de amamentar um bebê? Eu não! Aceitei com um sorriso no rosto e o peguei no colo, acomodando-o em mim. Depois dei-lhe a mamadeira que aceitou de muito bom grado. Ficou mamando, enquanto me esboçava um sorriso. Denise nos olhava satisfeita com a cena. Nessa hora, tive a certeza de que ela era uma mulher espetacular e estava à altura do meu marido. Se não fosse para ele ser feliz comigo, eu ficaria satisfeita em saber que seria feliz com ela:
- Ele me xingou muito? - Perguntei.
- Nem uma única vez! - Ela me respondeu: - Mas ele está sentido.
Passei a explicar para ela o motivo de eu não ter revelado toda a verdade naquele momento. Ela me ouviu atentamente e até aceitou meus argumentos, mas não se convenceu de que o fim justificasse o meio pelo sofrimento que causei ao Mark:
- Tudo bem! Eu te entendo. Mas ele é teu marido. Valeu a pena fazê-lo sofrer por nada? - Me perguntou.
- Mas eu poderia ter descoberto. Eu ainda tinha dúvidas…
- Ainda assim. Você o fez sofrer, você sofreu e eu acabei sofrendo por vê-lo triste. Você atingiu três pessoas por nada. - Ela não media as palavras: - Não que eu signifique alguma coisa para você, mas ele deveria.
As palavras dela me acertaram em cheio e eu não as recusei, porque, no fundo, eu sabia que ela estava certa. Ben havia acabado sua mamadeira, então, peguei uma fralda e forrei meu ombro, segurando-o de pé para arrotar, o que não demorou quase nada. Um arroto forte e alto nos fez sorrir involuntariamente. É um efeito natural que os bebês nos causam: nos fazem sorrir por qualquer coisa! Voltei a segurá-lo no colo e ele agora já sorria sem inibição alguma para mim. Comecei a interagir com ele e ele comigo, sempre sob os olhares atentos, mas receptivos da Denise.
Não sei se fizemos muito barulho, mas logo vimos o Mark vindo em nossa direção. Ele estava com uma cara boa e até esboçava um sorriso que, quando me viu sentada à mesa, sumiu quase imediatamente. Aliás, ele fechou a cara e parou onde estava. Denise se levantou imediatamente e foi rápida em sua direção, segurando sua mão e lhe dando um beijo no rosto:
- Oi, dorminhoco. - Denise falou: - Ela tem uma explicação para tudo. Só a escute, por favor. Eu estou te pedindo isso.
Ele a encarou em dúvida, mas não recusou seu pedido. Ela o trouxe até a mesa, sentando-o de frente para mim e pegou o Ben de meu colo. Nessa hora, eu o encarei e perguntei:
- Você está muito bravo comigo?
Ele não me respondeu nada! Só cruzou os braços e me fuzilou com o olhar. Eu havia errado sim, no meu entender por um bom motivo. Decidi que já era hora de assumir as rédeas da minha vida e deixar toda a raiva que já se apossara de mim antes, tomar conta de minhas palavras. Eu tinha uma explicação e ela era boa. Eu achava que era. Só esperava que fosse o suficiente para ele me perdoar:
- Desculpa se eu não te contei sobre os beijos com o Edinho. - Decidi ser direta: - Mas eu nunca os dei, ele que me roubava.
Ele me encarava, bravo. O ódio ardia dentro dele. Eu sabia que teria que me desdobrar e não me fiz de rogada:
- Eu sei que isso não diminui o que eu fiz, mas quero que você entenda que não fiquei com ele por prazer, tesão ou esporte, Mark! - Ele me encarava em silêncio e seu ódio não diminuía por nada.
- Você pode não acreditar, mas eu decidi deixar de ser a boazinha, aquela que só leva pedrada, a caipirinha inocente que se deixa ser enganada por todos. Estavam querendo foder nossa vida novamente e eu resolvi investigar.
Enquanto eu falava, fiz questão de não tirar meus olhos dos dele. Li em algum lugar que os olhos são o espelho da alma e eu torcia para que ele conseguisse ver, ou sentir sei lá, o que se passava na minha. Como ele não reagia, eu continuei:
- Você deu a entender que recebeu outras fotos nossas… - Ele continuava inerte, frio como um iceberg: - Acredito que algumas fotos que você tenha recebido tenha sido de um bar, não foi?
Ele continuava inerte, mas pela expressão de seus olhos, vi que tinha acertado. Continuei:
- Pois é… Nesse dia eu até gravei nossa conversa, enquanto tentava tirar a verdade dele.
Tirei então meu celular da bolsa e ativei um áudio de uma conversa entre eu e o Edson:
Ele - “Tão bom estar aqui com você, Nan-Má.”
Eu - “É, né!? Porra, Edinho, cê quase fodeu minha vida naquela ligação com o Mark. O que você tem na cabeça?”
Ele - “Ah, ele me pressionou e eu falei.”
Eu - “Falou um punhado de mentira, né? Quando foi que a gente ficou sozinho? Nunca! Se quer ficar comigo, cê tem que me conquistar, não me ferrar!”
Ele - “Desculpa, Nan-Má, mas perdi a razão naquele dia…”
Um som de fundo atrapalhou a gravação e a conversa ficou inaudível. Depois ele continuou:
Ele - “E como o corno reagiu?”
Eu - “Que corno, Edinho!? A gente nunca ficou junto, caralho!”
Ele - “Não ficou porque você não quis. Eu estou super afim de você desde o dia que te reencontrei lá no supermercado.”
Eu - “E eu te deixei claro que sou casada.”
Ele - “Foi! Mas cê é casada lá. Aqui, em São Paulo, é outro mundo, outra vida. A gente pode ficar numa boa, sem ninguém saber de nada. Por que você não relaxa e aproveita? O que a gente faz aqui, fica aqui.”
Seguiram-se sons de beijos, mas, infelizmente, essa era uma realidade que ele já sabia e, antes uma verdade dolorosa que uma mentira homeopática. Não pude deixar de notar que seu semblante mudou nesse momento: dor, certamente ele se doía com aqueles sons e eu me doía em vê-lo sofrer. Após um breve momento, voltei a falar na gravação:
Eu - “Cê ainda beija bem, Edinho…”
Ele - “Faço outras coisas bem também, Nan-Má. Basta você querer experimentar.”
Eu - “Quem sabe se você for honesto comigo, não pode rolar algo mais…”
Um som de gemido vindo dele surgiu na gravação e ele continuou:
Ele - “Calma, Nan-Má! Aqui não dá, né!?”
Acho que o Mark entendeu exatamente o que eu fiz naquele momento e se levantou da mesa nesse instante, me fazendo pausar a gravação e encará-lo apreensiva. Denise veio ao seu encontro, também preocupada com sua reação, mas ele perguntou se poderia usar seu banheiro e ela indicou o caminho. Assim que ele saiu de nossas vistas, ela brigou comigo:
- Que palhaçada é essa, Nanda!? Que merda é essa que você está fazendo com ele?
- Ele quer a verdade. Estou mostrando a verdade.
- Cê tá humilhando o homem que te ama, sua idiota! Se está pensando em continuar com esse teatrinho de horrores, vou te por pra fora do meu apartamento a pontapés. Não vou deixar você fazer isso com ele nem mais um minuto! - Falava irada comigo.
- Já está acabando… - Tentei explicar.
- Não quero saber!
Nisso o Mark voltou e ficou nos encarando. Denise foi até seu encontro e perguntou se ele estava bem. Não estava. Era óbvio pela cara dele e me doeu na alma saber que eu estava causando aquela dor nele. Ele parecia ter chorado e, conhecendo meu Mark, eu sabia que era bem possível dele ter ido chorar sozinho de raiva no banheiro. Nesse momento, comecei a me questionar se tudo aquilo tinha sido um acerto, se tinha valido a pena mesmo. Ele se sentou à minha frente novamente e falou:
- Vamos terminar logo com isso. Não tenho tempo a perder.
Veio na ponta da minha língua a vontade de perguntar se eu era perda de tempo para ele, mas se eu fizesse isso, o que já não estava bom, ficaria ainda pior. Fiquei sem ação e ele falou:
- Não vai continuar logo essa merda, Fernanda!
Fiquei na dúvida, pois vi que ele estava próximo no limite, mas decidi ir para o tudo ou nada. Despausei o áudio, voltando um pouco a gravação:
Ele - “Calma, Nan-Má! Aqui não dá, né!?”
Eu - “Cê pode ter muito mais que isso se for honesto comigo.”
Ele - “Mais?”
Eu - “Eu quero saber tudo!”
Ele - “Tudo o quê?”
Eu - “Por que eu sou tão especial assim para você? Por que agora, afinal a gente ficou sem se ver por quase quinze anos? Quem é que está te ajudando? Etc., etc.”
Ele - “Pô, Nan-Má… Eu nunca deixei de gostar de você. Aliás, sempre fui apaixonado por você. Daí aquele corno apareceu e roubou você de mim.”
Eu - “Para de chamar ele de corno! A gente nunca ficou, Edinho…”
Ele - “E não estamos ficando? Ele já é corno, sim. Pelo simples fato da gente estar se paquerando, se beijando, ficando, isso tudo já faz dele um corno. Sexo é só consequência.”
- Mentir, ele não mentiu? - Mark resmungou nesse momento do outro lado da mesa.
Eu preferi ignorá-lo, mesmo sabendo que ele estava certo. Voltei minha atenção para o áudio:
Eu - “Eu amo aquele homem! Não vou abandoná-lo por ninguém sem ter um motivo muito bom e você com essas suas atitudes não prova ser melhor que ele.”
Ele - “Fica comigo que eu te faço esquecer dele rapidinho. Arrumo até o melhor advogado da cidade para você pegar a guarda das suas filhas. Eu crio elas!”
Nesse momento, houve um silêncio na gravação e todos nós olhamos para o celular, mas o áudio seguia. Me lembrei que nessa hora eu fiquei irada com ele e sem saber o que falar. Logo, o áudio voltou:
Eu - “Nunca mais mencione minhas filhas. Se tem algo puro no meio desse mundo podre são elas! O que estamos fazendo aqui é errado demais com elas e com o pai delas. Se elas souberem o que a mãe delas está fazendo, nunca mais irão olhar na minha cara e com toda razão!”
Ele - “Desculpa, Nan-Má! Desculpa.”
Eu - “Você está enrolando e não respondeu nenhuma de minhas perguntas…”
Ele - “Você é especial porque é especial! Ninguém ama alguém buscando um motivo. A gente só ama e pronto. Eu nunca te esqueci. Quando a gente se encontrou lá atrás e eu notei que seu casamento não andava bem, pensei que pudéssemos ficar juntos. Eu sei que posso te fazer feliz…”
Eu - “E por que só agora você veio dar em cima de mim?”
Ele - “Oportunidade! Seu casamento não tá bem e aqui estamos protegidos pelo anonimato…”
Eu - “Ahamm!...”
Ele - “Mas é! Quinze anos não são nada quando se ama.”
Eu - “Além de cafona, amar uma pessoa por quinze anos sem ser correspondido não é amor: é doença, Edinho! Não dá para acreditar nisso.”
Nesse momento, uma mistura de vozes de pessoas se cumprimentando e conversando, impossibilitou a compreensão da conversa. Pausei o áudio e falei:
- Sabe quem eu descobri que é professor do Edinho, Mor?
- Cê tá de brincadeira!? - Ele falou depois de me encarar, já imaginando o óbvio: - Marcos?
- Pois é! Aquele filho da puta teve a petulância de me cumprimentar como se não me conhecesse e, eu posso até estar enganada, senti um climinha esquisito entre eles ali naquele momento.
A raiva que havia no semblante do Mark se transformou em surpresa e a surpresa em indignação, pois balançava negativamente sem parar a cabeça. Voltei a despausar o áudio:
Eu - “Seu professor?”
Ele - “Ele? Sim. Está dando aula de direito intelectual, marcas e patentes para mim.”
Eu - “Não diga…”
Ele - “Por que?”
Eu - “Por nada! Agora falta você me falar quem está ajudando você nessa trairagem toda.”
Ele - “É um colega meu de faculdade, Nan-Má, você não o conhece.”
Eu - “Sei… Só esse colega? Ninguém mais?”
Ele - “Ninguém mais. Aliás, já vou mandar mensagem para ele que não precisa mais se preocupar porque a gente já está se acertando.”
Eu - “Exato! Se mais alguma foto chegar no Mark, nunca mais olho na sua cara!”
Ele - “Fica tranquila. Ó! Já estou mandando…”
Um breve silêncio, seguido dos sons de novos beijos e um gemido meu. Infelizmente ele havia colocado as mãos entre minhas pernas e, pega pela surpresa do contato, não consegui evitar. Mark me fuzilou com os olhos nesse momento:
Ele - “Partiu meu apartamento, Nan-Má? Ou motel, você escolhe…”
Eu - “Depois. Quem sabe…”
Novos sons de beijos e desliguei o áudio:
- Não tem mais nada de relevante. - Falei.
- Por que parou? Agora que ia chegar na putaria! - Mark me encarou, zombando: - E aí? Foi no apartamento ou motel?
Eu o encarei brava com sua desconfiança, mas não podia condená-lo. Compartilhei o áudio, enviando-o para seu celular e disse:
- Não teve mais nada além de uns beijos. Depois de um tempo, fingi que iria ao banheiro retocar a maquiagem e saí do bar sem ele me ver. Voltei para o hotel, deixando ele lá chupando o dedo. - Apontei para o celular dele: - Eu não estou mentindo. Enviei o áudio aí para o seu celular. Se quiser pode ouvi-lo depois.
Ele recebeu a notificação do áudio que eu enviei e continuou quieto. Voltei a falar:
- Eu já estava desconfiando de um dedo dele na história das fotos. Aliás, eu já tinha certeza que ele era culpado nessa armação toda e, depois daquela ligação que você fez de casa para ele e das coisas que ele falou, tive mais certeza ainda. Eu só precisava entender o porquê e se tinha mais alguém envolvido.
- Pô! Mas precisava ficar com ele para isso? - Sua entonação não continuava boa: - Nas minhas costas!
- Sim. - E sem medir as palavras, falei: - Se eu te falasse que ia ficar com ele para tentar tirar a verdade, você me deixaria?
Ele balançava negativamente a cabeça, não para me responder, mas para repreender minha ação. Vez ou outra, olhava em direção da Denise, que nos encarava surpresa e tensa:
- E por que não ficou com ele na comemoração da tua turma? Vocês já estavam se dando tão bem mesmo… - Me falou ácido, aliás, áspero igual uma lixa de parede.
- A gente só tinha trocado uns abraços e beijinhos, e sempre às escondidas. Nada demais! Só naquele bar que ele avançou um pouquinho. Eu nunca quis nada com ele. Então, quando ele me pegou daquele jeito no restaurante e na frente de todo mundo, me lembrei do que ele falou para você, das sacanagens que estavam fazendo com a gente e perdi a razão. Daí fiz o que fiz.
Eu estava sendo sincera em tudo, mas nem assim parecia conseguir convencê-lo. Ele me encarava, mas já não havia raiva, talvez decepção ou inconformismo. Então, falou:
- Pois é… Depois de tudo o que ele me disse no telefone e você ainda foi ficar biscateando com um pilantra igual ele.
- Biscateando, não! Você já está me ofendendo, Mark! - Deixei escapar o que sentia, mas que não estava querendo falar.
- Ah, sim... Desculpa! Você aprontar pelas minhas costas, tá tudo certo? Eu tomar um chifre, tá tudo certo? Eu tenho que aceitar. Desculpa, Fernanda!
- Gente… - Denise falou baixinho, tentando nos conter, enquanto colocava o filho no carrinho: - Calma com as palavras.
Vi que ele se desculpou com ela, respirou fundo e olhou para o teto do apartamento, balançando a cabeça lentamente de um lado para o outro, o que ele fazia somente quando estava tenso de verdade para aliviar a musculatura do pescoço. Olhei para Denise e parece que ela entendeu meu pensamento na hora, indo para trás dele e começando a massagear seus ombros e pescoço:
- Ai, Denise. Para! Devagar aí. - Mark resmungou, igualzinho quando eu fazia massagem nele.
- Um baita homão desse gemendo na mão de uma mocinha. Fica quieto aí e relaxa! - Denise falou, rindo e segurando sua cabeça pela testa entre os seios: - Fica paradinho aí!
Voltou a massageá-lo com ele me olhando feio pela dor da massagem. Não aguentei e comecei a rir também. Depois de um tempinho, pouca coisa mesmo, ele perguntou:
- E por que você não me falou nada disso no restaurante? Poxa, Nanda, era só ter me contado. - Falou agora só chateado, talvez graças as mãozinhas mágicas da Denise.
- Eu sei. Não ter te contado é a única parte em que me arrependo, porque acabei fazendo você sofrer por nada. Não consegui descobrir se tem mais alguém por trás dessa história. - Me resignei, chateada também: - Mas entenda meu lado: eu desconfiava de todos, inclusive da Sabrina e do Rubens. Eles são legais, mas têm umas amizades esquisitas.
- Esquisitas, como?
- Rubens é professor da faculdade, Mark. - O encarei: - Quem mais dá aula lá?
- Marcos!
- Pois é…
- Vocês tão mesmo achando que o Marcos pode estar envolvido? - Denise agora nos perguntou.
- Por que não? - Retruquei para ela: - Ele já mostrou que não tem escrúpulos.
- Eu também desconfio dele. - O Mark emendou.
- Por isso, você me ligou aquele dia? - Denise perguntou para ele.
- Exatamente!
- Então, você também estava investigando, né, doutor Mark!? - Perguntei para ele, sorrindo.
- Lógico, Nanda! - Me respondeu ainda incomodado: - Tá! Tá ok. Tudo o que você disse tem lógica. Me explica uma coisa…
- O que você quiser! - O interrompi, fazendo ele me encarar bravo: - Desculpa! Pode falar.
- Naquela quinta-feira, você me disse que o Edson te levou para o motel e depois para o hotel…
- Ele entrou no motel, eu briguei com ele e ele me levou imediatamente para o hotel. - O interrompi novamente para corrigi-lo.
- Tá. Ok! Tá… Só que quando a Denise conferiu que você tinha saído às dez horas da noite naquele dia, você disse que tinha ido com a Sabrina e o Rubens para o shopping, comido e bebido… Que história é essa!? Você estava com o Edson ou com os dois?
- Foi só um mal entendido, Mor! Eu saí da faculdade com os dois e fomos ao shopping. Lá comemos um lanche e, depois, ficamos bebendo. Sei lá que horas, o Edinho apareceu e se convidou para ficar com a gente. Daí, na saída, ele me ofereceu carona e, como estava chovendo, me trouxe para o hotel.
- E o motel? Teve motel ou não teve? - Insistiu.
- Teve, Mark, eu já falei que teve! Ele entrou, briguei com ele, saímos na mesma hora e ele me levou para o hotel. - Então encarei a Denise agora: - E a Denise sabia da história do carro?
- Sabia, como? - Mark perguntou, passando a encará-la.
- Sabia porque eu contei para ela na faculdade.
- E não foi só isso que ela me contou, não é, Nanda!? - Denise agora me confrontou por ter sido jogada de graça na fogueira e não ter contado o restante da história para o Mark: - Se vai falar a verdade, fala tudo!
- Contou, o quê? Que verdade você estão falando? Você está me escondendo alguma coisa também, Denise? - Mark perguntou já ficando bravo com ela.
- Desculpa, Mark, mas eu prometi para a Nanda que não contaria se você não me perguntasse. Eu não quero ser responsável por acabar com o casamento de ninguém! - Ela se justificou: - Mas se ela não contar agora, eu conto!
- Bela amiga, hein!? Parece que estou cercado de cobras… - Ele esbravejou.
- Para, Mark! Não fala assim com ela. - Eu o repreendi, causando surpresa aos dois: - Eu inventei uma história de ter ficado com o Edinho no carro dele e sugeri que poderíamos até ter transado para ver se ela iria se aproveitar para fazer minha caveira para você.
- Mas por que isso, Nanda? - Denise me perguntou.
- Porque eu desconfiava de você também, ora. Queria ver se você iria se aproveitar para me passar a rasteira.
- Então, você não fez nada daquilo no carro dele? - Ela insistiu.
- Claro que não!
Mark encarava a Denise e ela a nós, com olhos arregalados e boquiaberta. Aproveitei sua distração e mudei de cadeira para ficar ao lado dele:
- Eu te amo, seu bobo. Eu nunca iria te trair. Eu jurei para você que nunca mais iria te decepcionar e te peço desculpas porque sei que te fiz sofrer, mas eu precisava descobrir quem estava fodendo com as nossas vidas. - Depois de respirar fundo, acabei lamentando novamente: - E o pior é que eu não consegui descobrir nada!
Agora ele me encarava incrédulo. Acho que ele nunca imaginaria que eu fosse capaz de conduzir uma situação daquela maneira. Então, falou:
- Se a Denise tivesse contado a história que você disse ter inventado, o estrago poderia ter sido enorme, talvez irremediável…
- Foi um risco, eu sei… Mas se ela tivesse falado, ficaria meio que na cara a participação dela na história. - Então, pisquei para ele: - Além disso, você mesmo tem os comprovantes do que consumi no shopping naquele dia, do meu horário de chegada no hotel e do tempo aproximado do deslocamento. Eu não teria como ter feito nada.
- Uma rapidinha, daria… - Ele me rebateu.
- Por favor! Você ainda está desconfiando de mim depois de tudo o que eu te contei? - Agora reclamei chateada e sentida: - Eu não sei mais o que fazer para conquistar sua confiança de novo, Mor. Eu não sei, não sei…
Por mais que ele estivesse sofrendo, eu também estava. A desconfiança dele, mesmo que justificada, me doía fundo e acabei chorando ali. Não sei se ele acreditaria em mim, mas eu não tinha mais nada para falar. Eu sei que a mulher que estava ali ao lado dele não se parecia nada com sua esposa de antigamente, mas era a única que eu podia lhe oferecer. O pior é que meu plano era uma moeda de duas faces, afinal se eu era capaz de criar um plano daqueles para investigar, também seria para capaz para dissimular. Só me restava confiar na nossa história. Ele me olhava e eu engoli o choro porque ele ainda tinha dúvidas. Estava estampado em seu rosto e ele me perguntou:
- Naquele dia em que liguei para o Edson de casa, ele disse que nunca iria esquecer a pintinha da sua bocetinha… - Me falou, encarando minhas reações.
- E o que mais ele falou, Mor? Que eu estava uma delícia por causa do silicone. Onde que eu tenho silicone aqui, Mark!? - Respondi, rindo e segurando meus seios: - A pintinha foi nada mais que pura sorte: ele jogou um verde e colheu maduro. Que mulher que não tem uma pintinha na xoxota. Até a Denise tem…
Ele encarou a Denise e acabou perguntando no embalo da surpresa:
- Você tem?
Denise o encarou com um olhar decepcionado pela sua falta de atenção e só confirmou com a cabeça, sorrindo, para depois balançá-la negativamente. Continuei a falar:
- Homem é tudo igual, Denise, só enxerga o túnel sem parar para ver a paisagem em volta. - Depois me voltei para ele: - Eu nunca traí você, Mor. Só errei de omitir o que eu estava fazendo, mas fiz isso porque não acreditava em mais ninguém. Até de você eu cheguei a desconfiar...
- De mim? - Agora ele reclamou alto e surpreso, colocando a mão na boca em seguida por ter lembrado do Ben que ainda dormia tranquilamente próximo da gente.
- Claro! Depois do que o Marcos aprontou com a Denise, cheguei a imaginar que você pudesse querer fazer algo parecido comigo. Sei lá…
- Nanda… - Falou Denise com voz de lamento, vendo que eu, agora, havia metido os pés pelas mãos.
- Desculpa, Mor. Desculpa! Não quis te ofender. - Falei, segurando sua mão: - Mas se você encontrou motivos para desconfiar de mim, eu também me vi no direito de não acreditar em ninguém. Só vi que você era inocente hoje no restaurante pela forma como reagiu a tudo.
- Nossa… Se antes eu estava com dor de cabeça, agora estou quase tendo um AVC. - Ele reclamou, balançando negativamente a cabeça.
- Cê tá passando mal? - Perguntei no embalo.
- Não, Nanda. Não tô. Não sei…
- Você entendeu tudo o que eu te expliquei? Tem mais alguma coisa ainda que você queira saber? Eu sei que você deve estar bravo comigo, mas eu precisava te mostrar que não te trai e, se menti, foi com a melhor das intenções.
O interfone tocou nesse momento e Denise foi atendê-lo. Logo depois, me pediu para ficar de olho no Ben, dizendo que ia receber uma pizza que havia encomendado para a gente, saindo em seguida:
- A gente bem que tentou, né? - Perguntei para o Mark.
- Tentou o quê, Nanda? - Ele agora me perguntou, sem entender.
- Um menininho. - Respondi, apontando para o Ben.
Ele não curtiu a brincadeira pelo semblante que mantinha. Mark sempre quis ser pai, talvez até mais do que eu queria ser mãe. Não tenho dúvidas de que ele ame nossas filhas de todo o coração, mas a falta de um menininho era algo que eu nunca poderia remediar. Ele se perdeu em pensamentos, olhando para o Ben, mas eu precisava interrompê-lo uma vez mais. Eu precisava saber se ele ainda estava comigo:
- Você ainda me ama? - Perguntei.
- É claro, Nanda! Ninguém deixa de amar de uma hora para outra. Nem sei se é possível deixar de amar alguém…
- E consegue me perdoar? - Insisti.
- Sabe o que é pior nessa história toda? Não foi a armação que fizeram contra a gente, nem os beijos que você trocou com seu ex… - Ele me falou e eu torci o bico, incomodada com sua forma jocosa de falar do Edson: - Foi a desconfiança que tivemos um do outro. Estamos juntos há quase quinze anos e isso não poderia existir entre a gente.
- Eu te dei motivo para desconfiar com aquela história com o Cadú. Daí essas fotos só aumentaram esse sentimento. Eu entendo você.
- Mas eu nunca te dei motivo algum e ainda assim você desconfiou de mim. Aí eu te pergunto: como continuar juntos se não existe mais confiança entre a gente?
Senti o baque daquelas palavras ao ponto de soltar sua mão e me retrair em minha cadeira. Por mais dolorosas, existia sentido e razão em suas palavras. Se tem algo que o doutor Galeano nos ensinou é que a verdade sempre liberta. Mas a verdade que o Mark me jogou na cara, doeu fundo. Fiquei sem reação, aliás, ficamos os dois, sentados em silêncio à mesa, um do lado do outro, sem coragem sequer de nos encararmos.
Logo, Denise voltou com a pizza e um sorriso no rosto que sumiu ao ver o clima que havia ali. Eu não tinha mais o que falar, nem o que fazer ali. Me levantei da mesa e, antes de sair, falei:
- Já falei demais. Acho que você precisa pensar. Quando estiver pronto para conversar, estarei à sua espera no hotel. O carro já está lá comigo, viu?
Ele balançou positivamente a cabeça sem me falar nada, mas era direito dele pensar sobre tudo o que conversamos. Só me restava aguardar. Denise, vendo que eu estava para sair, veio me convencer a ficar, mas eu não estava disposta mesmo. Ela me pegou pela mão, mas eu não queria ficar. Eu a puxei para mim e lhe dei um abraço apertado, agradecendo por toda ajuda até aquele momento e a boba começou a chorar no meu ombro. Eu já estava a ponto de desabar, mas continuei forte ao ponto de enxugar algumas lágrimas dela quando nos afastamos e, não sei porque até hoje, lhe dei um selinho. Saímos as duas, de mãos dadas, em direção à porta:
- Cuida bem dele, Denise. - Pedi.
- Fica, Nanda! A gente come… A gente conversa... Sei lá! - Ela não sabia o que falar para me convencer: - Só fica! Ele vai te entender...
- Você é a oponente mais burra que eu já tive, Denise. Ele tá na sua mão e você não aproveita. - Falei, acho que sorrindo.
- É que eu acho que já tô gostando dosEla própria se calou, colocando a mão na boca: - Ai, se meu pai escuta isso.