Os Alquimistas - Parte 2

Um conto erótico de J. R. King
Categoria: Heterossexual
Contém 3811 palavras
Data: 03/08/2022 21:59:57

Era um dia bastante quente para agosto. Não demorou muito para ficar bastante abafado depois que o ônibus parou no acostamento. Logo após, Arnaldo saiu com os irmãos Carlos e Henrique caminhando pela avenida, na expectativa de conseguirem uma carona até o posto mais próximo. Talvez se uma das garotas tivesse ido com eles, eles conseguiriam isso mais rápido.

Por falar nas garotas, logo após os garotos saírem, Betty Boop, Maria Fumaça e Jessy Jane saíram do ônibus. Jeremias 'Dedos Ágeis' dormia com um jornal em sua cabeça, Manuela voltou a se debruçar sobre o seu livro vermelho e João dos Reis continuou a ler a matéria de jornal sobre o que depois seria conhecido como o Caso Tate-LaBianca.

Com tempo livre, aproveitei para escrever mais um pouco sobre a minha matéria, e tive a brilhante ideia de entrevistar as garotas. Reuni elas do lado de fora e comecei a perguntar sobre a banda, suas experiências e como se conheceram.

Betty Boop, Maria Fumaça e Jessy Jane eram amigas de infância de Manuela. Elas se conheceram no antigo Colégio Santa Marta, em Santa Teresa. Maria Fumaça tinha esse apelido por ter sido a primeira das amigas a começar a fumar. Betty Boop era uma simples brincadeira com o seu nome real, Elizabeth Burton. Era filha de ingleses, e sonhava em se mudar para a terra dos seus pais algum dia. Jessy Jane era Jéssica Janaína de nascença, adotou o apelido de Jessy Jane para combinar com sua melhor amiga.

Quando elas comentavam sobre Os Alquimistas, notei que sempre exaltavam o talento de Manuela, e quase nunca sobre o Jeremias 'Dedos Ágeis' e João dos Reis.

– A Manuzinha é o coração dos Alquimistas. Ela que escreve a maioria das canções, quem dá as melhores performances no palco e também a que mais trabalha. Pra falar a verdade, eu acho que seria até melhor se fosse só ela. – Disse Maria Fumaça.

– E quanto aos outros rapazes? Eles não são bons? – Perguntei, curioso.

– Como a Manu? Jamais! Bem, o João é até legal, mas o Jeremias é muito arrogante. Ele se acha o máximo só porque toca aquela guitarra que nem o Hendrix. Mas vou te falar. – Maria Fumaça se aproximou e abaixou o tom, como se fosse contar um segredo. – Ele fede a whisky! Só quer saber de beber.

Nunca tinha reparado que Jeremias bebia tanto assim. Porém, depois dela ter comentado, não conseguia lembrar de nenhum momento em que vi Jeremias sem estar com uma garrafa de cerveja ou um copo de Whisky na mão fora dos palcos.

– É, o Jeremias é bem nojento. – afirmou Jessy Jane – Mas o Joãozinho é um belo pão!

– Ih, garota, larga disso. Você não ouviu falar que os homens negros tem uma rola enorme? Ele ia te quebrar no meio com esse seu corpinho de Barbie aí! – Brincou Betty Boop.

Quando eu perguntei mais sobre a banda, elas me contaram um pouco da história de como eles se conheceram.

Manuela e João se conheceram na vida boêmia da cidade do Rio, em um bar nos arredores da Lapa. Na época, tocavam apenas samba, bossa nova e MPB pelos bares da cidade maravilhosa, até que chegou a época da Jovem Guarda. Eles conheceram Jeremias na gravadora, que tinha uma banda com os irmãos Carlos e Henrique. Foi ideia do produtor juntar o samba e mpb de Manu e João com o Rock N' Roll de Jeremias, e deu super certo. Bom, pelo menos vinha dando.

Mas enquanto realizávamos nossas entrevistas, um outro ônibus parou na estrada. Ele parecia bem mais novo e maior.

– E aí, garotas, querem uma carona?

Uma jovem moça, de cabelos ruivos em formato de franja, olhos claros e um grande sorriso, se prostrou na janela do ônibus. As três groupies logo entraram e eu as acompanhei. Para a minha surpresa, o ônibus também era de uma banda em turnê que estava indo até Vitória para um show.

Durante o trajeto até o posto de gasolina mais próximo, todos seguiram animados. Talvez uma das coisas que mais sinto falta dessa época era essa mistura de gentileza e ingenuidade que rondava as pessoas, e se permitiam dar carona a estranhos e imundos no meio da estrada e em poucos minutos logo estavam conversando e cantando juntos. O rádio tocava uma versão ao vivo de Like A Rolling Stone, com Bob Dylan gritando da forma mais crua que eu já havia ouvido, e todos cantavam fervorosamente o refrão.

– Ei, tremendão, vai um tapa? – Disse a garota ruiva, que se sentou ao meu lado na primeira fileira e me ofereceu seu baseado.

– Não, obrigado, eu não fumo.

A garota, deu com os ombros, como se não fizesse questão de insistir e colocou de volta em sua boca, acendendo com o isqueiro.

– O que um careta como você tá fazendo com essas garotas no meio da estrada. Você é o cafetão delas?

– O quê? Não! Eu sou só um jornalista. Tô acompanhando eles pra fazer uma matéria.

– Um jornalista? Tão novinho e tão cafona assim? – Disse a ruiva e deu uma gargalhada. – Não se fazem mais jornalistas como antigamente. Só espero que você não seja nenhum informante do DOPS. Porque se você for, a gente vai ter que te matar.

Fiquei em silêncio, surpreso com a forma como ela falou isso tão seriamente.

– Tô só brincando, broto, a gente aqui é tudo da paz. A propósito, você não me falou o seu nome.

- Estevão. – Estendi a mão para cumprimentá-la.

- Rita. – Ela sorriu e então me cumprimentou.

De certa forma, Rita me lembrava Manuela em certos aspectos. O jeito leve que ela tinha de viver a vida e a inocência em seu olhar.

A viagem durou menos de 30 minutos, até finalmente chegarmos no posto de gasolina. Nos despedimos da banda, Rita desejou boa sorte em nossa turnê e esperava que a gente tocasse junto algum dia. Ao chegarmos no posto, coincidentemente encontramos com Arnaldo e seus fiéis escudeiros Carlos e Henrique tirando combustível de uma bomba e enchendo alguns galões.

Com os galões já cheios, Arnaldo decidiu parar no posto de conveniência para comprar um cigarro. Mas então, enquanto esperávamos Arnaldo no posto, um carro da polícia parou do nosso lado. De lá de dentro saíram dois homens fardados, mas claramente acima do peso e mal-humorados, encarando todos da nossa patota. Os policiais mandaram encostarmos as mãos no veículo e começaram a nos revistas.

– O que um bando de bicho-grilo imundos com vocês tão fazendo com tantos galões de gasolina, hein? – Gritou para nós um dos policiais.

Tentei tomar as rédeas da situação, visto que eu talvez era o que parecia menos bicho-grilo (e menos imundo) de todos alí. Tentei explicar que o nosso ônibus havia parado na estrada, mas ele não deu ouvido.

– Sabe o que eu acho? Acho que vocês estavam pegando essa gasolina toda pra fazer coquetel molotov! É isso aí, bando de hippiezinho comunista safado. Cadê a maconha, hein?

– A-a gente não tem nada não... – Tentei acalmar, torcendo para realmente nenhum dos outros realmente terem, mas logo fui cortado.

– Não tem não é? AÍ, Peçanha, olha o que eu encontrei aqui!

O outro policial tirou do bolso da jaqueta de Henrique um baseado, estava pela metade, não devia ter mais do que 5cm, mas foi o suficiente para fazê-lo tomar uma pancada com o cacetete na costela esquerda, que o fez cair na hora. Naquele momento, eu já sabia que tudo tinha ido de mal a pior, mas não imaginava o que poderia acontecer.

– Fascista! – Gritou Betty Boop furiosamente enquanto apontava o dedo na cara do outro policial.

Betty então, sem pestanejar, pulou em cima do policial, que logo caiu no chão ao lado da viatura. Maria Fumaça e Jessy Jane pularam junto para ajudar sua amiga. O oficial Peçanha, sacou-lhe o cacete e correu na direção do seu companheiro, mas logo caiu no chão após Carlos esticar a perna e lhe dar uma banda, vingando o seu irmão que ainda estava caído no chão sem ar.

Tudo virou uma baita confusão. Eu, estarrecido e grudado com as costas na porta do Fusca que era a viatura da polícia, assistia tudo aquilo sem saber o que fazer. De longe, os frentistas e clientes do postos já se aglomeravam em volta para olhar a confusão. Olhei para a entrada da lanchonete e vi Arnaldo saindo com um cigarro na boca, e olhando para aquilo tudo sem entender o que acontecia.

Toda a confusão acabou quando Peçanha sacou sua arma e deu dois tiros para o alto, fazendo o povo se afastar e os clientes correrem para os seus carros. Amedrontados, todos levantaram as mãos e foram algemados pelas autoridades, incluindo eu.

No fim, fomos levados à delegacia mais próxima, onde ficamos lá por cerca de duas horas. Dividíamos celas todos juntos, sem distinção entre homens e mulheres. E se caso você achou que isso abalou a moral das pessoas, se enganou. Durante todo esse tempo, eles ficaram cantando, como forma de protesto e também de provocação. Canções como Blowin In The Wind, Minha Fama de Mal e a mais nova de Gilberto Gil que tocava nas rádios, Aquele Abraço, fizeram parte da setlist da cela.

Eu, no entanto, estava com medo que tudo aquilo causasse algo pior. Naquela época já ouvíamos rumores do que acontecia com quem não seguia a lei dos militares, e não estava muito afim de acabar assim logo no meu primeiro emprego.

Para a nossa sorte, a lei no Brasil sempre foi bastante flexível, mesmo em uma ditadura. E logo após Arnaldo pagar um arrego, eles nos concederam finalmente a nossa liberdade. Arnaldo parecia extremamente irritado com toda a situação.

– Vocês me dão mais trabalho do que a própria banda! – Gritou ele enquanto nós corríamos em direção ao ônibus.

Atrasados, botamos o pé na estrada em direção a Marataízes, onde chegamos ao show com uma hora de atraso. As groupies maquiaram e fizeram o cabelo d'Os Alquimistas ainda no ônibus, assim como cada um se revezou para colocar o figurino. Esse seria o primeiro show que a banda testaria um novo figurino, desenhado por Betty Boop. Um conjunto de macacões cravejado de lantejoulas por toda a costura, nas cores amarelo para Jeremias 'Dedos Ágeis', Verde para João dos Reis e Azul para Manuela.

Todos os três estavam perfeitos, mas o de Manuela estava estonteante. Quando ela saiu daquele apertado banheiro, era como se o corredor do ônibus se tornasse a sua passarela. O vestido acompanhava todas as curvas do seu corpo, de forma sensual, porém nada vulgar. Pela primeira vez pude apreciá-las com mais detalhes, já que ela sempre costumava se vestir com roupas bem folgadas. Além disso, Betty Boop fez um desenho especial para ela, com um decote bastante chamativo e lantejoulas brilhantes por toda a região dos seus seios que os faziam brilhar, vivos e maravilhosos. Por fim, o tom de azul combinou perfeitamente com o amarelo vívido de seu cabelo, sendo a combinação perfeita entre roupa, cabelo e maquiagem.

Sem tempo para passar o som, o show era uma incógnita. A banda se apresentaria na em um palco montado em uma região chamada Lagoa do Siri. Em volta, era possível ver um bom número de pessoas aguardando a apresentação. Todos estavam apreensivos, mas no fim, tudo deu certo como sempre. Bem, quase tudo. O show foi um sucesso, e a plateia já parecia tão chapada que nem notaram que Jeremias errou o solo de 'Juventude Transviada'.

No fim do show, o clima de banda e produção foi de sucesso, ainda mais com tudo o que havia ocorrido. A noite, então, foi mais uma vez de celebração. Uma festa acontecia em uma pousada perto, e todos da banda, incluindo eu, foram até lá para relaxar após a missão cumprida.

Depois de duas cervejas, já achava que a noite acabaria como sempre quando Betty Boop me puxou pela mão e nos trancou em um banheiro. Ela se sentou na pia e já veio me beijando. Seu beijo era doce e quente, como sempre, mas ela me chamou lá para algo além do que beijos e afetos.

Do meio de seus fartos seios, Betty Boop puxou um pequeno saco plástico e dentro dele havia um único papel de LSD.

– Vamos dividir? Consegui com um bacana lá na Lagoa do Siri. – Disse Betty Boop.

– Não, obrigado, pode ficar com tudo.

– Ai, anda, você é tão quadradão! Tem que se soltar um pouco mais. Isso aqui vai te ajudar.

– Eu já tô bem com algumas cervejas só. – Tentei desconversar indo beijá-la, mas ela desviou sua boca de mim.

– Bicho, vai por mim, isso daqui é muito melhor que qualquer cerveja que você possa tomar. E além disso – Betty abriu suas pernas, puxando o meu corpo contra o dela. – Vai fazer você sentir muito mais prazer aí – Disse ela enquanto começou a massagear de leve a minha virilha.

Dei um suspiro, sabendo que não havia muito o que discutir, e no final, acabei aceitando. Betty abriu um sorriso que foi de um canto da orelha a outra, dividiu o LSD em dois e o colocou embaixo da minha língua.

– Agora é só esperar ele dissolver e você vai começar a viajar. Enquanto isso, a gente pode brincar um pouco.

Betty aproximou o seu corpo mais do meu, colocou sua mão em minha nuca e me beijou. Com a outra mão, ela pagou minha mão esquerda e levou até o seu seio. Já em alguns segundos, já estava entregue a seus gracejos. Seu seio era grande e macio, me dava tesão só de pegá-lo em minhas mãos. Ela o colocou para fora da roupa e eu comecei a chupa-lo em pequenos círculos em volta da aréola até ela começar a gemer.

Depois, Betty Boop se levantou da pia, e se sentou na privada, me puxou junto a ela e desabotoou minha calça, descendo até o tornozelo. Em seguida, ela pegou na minha rola já ereta e começou a chupar com tesão. Eu segurava o seu cabelo com força, e guiava o seu boquete puxando e a empurrando contra mim. Betty alternava, chupava, passava sua língua em volta da glande, chupava minhas bolas, fazia de tudo que a sua vida libertina lhe havia ensinado.

Na hora de gozar, Betty me punhetou até jorrar o líquido em seu rosto e um pouco em seus seios, o prazer foi intenso e logo depois de gozar, era como se eu já sentisse o ácido fazendo efeito.

Assim que saímos do banheiro, tudo parecia estranhamente diferente. O quarto que estávamos estava lotado de pessoas, com fumaça de narguile e um forte cheiro de erva, mas tudo parecia mais lisérgico de quando a gente havia entrado. Eu olhava para a roupa das pessoas e é como se os tecidos se movimentassem, as cores dançavam nas camisas, na parede, em tudo.

A partir daquele momento, tudo o que eu vivia só podia ser recobrado em flashes. Eu ouvia distante a música tocar, ora era The Doors, ora parecia Jovem Guarda. O espetáculo de cores e som se pôs na minha frente, e era como se a minha vida tivesse virado um grande quadro de Andy Warhol em movimento.

Betty Boop pegou na minha mão e me levou para outro lugar. Ouvia risadas, pareciam de mulheres, mas às vezes pareciam de homens. Quando eu finalmente me sentei, não sabia mais onde estava, mas senti corpos sentando à minha volta. Depois foi um beijo, de uma boca que mesmo com meus sentidos confusos, sabia identificar muito bem. Mas depois, uma outra boca me beijou, e eu já não sabia mais de quem era, mas seu sabor era tão bom quanto o da primeira. Uma terceira boca me beijou. Seu sabor era mais encorpado e mais forte. Também senti mais mãos percorrendo o meu corpo, me despindo e eu, apesar de chapado, estava amando aquilo tudo.

Ao longo da noite, os sentidos foram se misturando cada vez mais. Eu via pessoas com corpos completamente nus, mas pintados de verde e azul. Sentia frio e calor repentinamente. Sentia o sabor salgado de batatas fritas em minha boca, mas sabia que elas não eram reais. Até que no fim disso tudo, senti como se fogos de artifícios fossem estourados dentro daquele quarto, e me apagassem no mesmo momento em que explodissem.

Quando eu acordei na manhã seguinte, o mundo parecia cinza, sem cor, mas de certa forma reconfortante por saber que estava sóbrio de novo. Olhei pra cima e vi um teto nada familiar. Eu estava em uma cama nada familiar, ao lado de uma garota nada familiar. Quando reparei, ela estava nua deitada ao meu lado, era morena, com uma pele cabocla, parecia uma indiazinha, de seios fartos e com bastante pêlo na região da sua virilha. Quando reparei, também estava nu. Olhei a volta e também reparei que não éramos os únicos no quarto.

No chão, dormiam Betty Boop, Maria Fumaça e Jessy Jane, todas nuas, uma dormindo em cima da outra. Zé Délio dormia apagado em um sofá. Também estava nu, mas um cobertor cobria suas partes. Do lado da indiazinha, ainda em nossa cama, estava 'Gato' Félix, também nu e que roncava de costas para a garota.

Tentei me levantar, mas meu corpo parecia completamente dormente, então caí da cama. O que fez as três garotas que dormiam amontoadas acordarem juntas.

– Bom dia, pãozinho, dormiu bem? – Perguntou Jessy Jane.

– Parece que eu nem dormi. Onde estão as minhas roupas, hein? O que a gente fez ontem a noite? – Perguntei, enquanto olhava em volta do quarto para ver se as encontrava.

– Nada do que você não quisesse. E nada do que você não tenha gostado também. – Disse Maria Fumaça, enquanto acariciava o cabelo de Jessy Jane.

– Pera, a gente fez... Você sabe... Aquilo? – Perguntei, preocupado.

– Mas é claro! Mais de uma vez, se você não se lembra. – Disse Jessy Jane, em um tom jocoso.

Comecei a caminhar pelo quarto à procura das minhas roupas. Encontrei a minha camisa entre o travesseiro e a cabeça do Zé Délio.

– Ah, que ótimo! Minha primeira vez e eu não lembro de nada! – Reclamei.

– Ih, relaxa. Eu também não me lembro como foi a minha primeira vez. As pessoas dão muito valor pra primeira vez, e às vezes nem é tão legal. A gente fez um favor pra você. – Disse Betty Boop, que pegou um maço de cigarro jogado no chão e acendeu um.

Continuei procurando as minhas roupas, encontrei finalmente a minha cueca, pendurada em uma samambaia no canto do quarto.

– Pera, quando você diz a gente, tá dizendo também... Ah, quer saber, deixa pra lá. – Falei enquanto me abaixava para colocar a minha cueca.

De repente, ouço o barulho de uma porta abrindo atrás de mim. E por um instante eu tinha notado que eu não havia reparado onde estava a porta do quarto. Uma voz bastante familiar, então se prostrou falando:

– Ah, gente, finalmente achei vo...

Era Manuela, que travou a fala quando notou a minha bunda nua de frente pra ela. Me virei para olhar e por um segundo nossos olhos se encontraram. Fiquei vermelho na hora e Manuela deu uma risada desconcertada com a situação. Nervoso, comecei a saltar em uma perna só, tentando me ajeitar, e acabei caindo no chão, com as minhas pernas enroladas na cueca. As garotas riram do meu tombo, e eu fiquei completamente nervoso e envergonhado com toda a situação.

–... Enfim, pessoal se arrumem logo, o Arnaldo tá chamando pra gente ir embora. – Disse Manuela, que fechou a porta o mais rápido possível.

Notado o meu claro descontentamento e vergonha, as garotas vieram tentar me acalmar, subindo em cima de mim e me cobrindo de beijos. No final das contas, apesar de eu estar irritado com tudo, ainda achava bem legal ter 3 lindas garotas me beijando e se beijando na minha frente. Por um instante até deu vontade de ficar alí mais um pouco. Mas logo agitei o pessoal para a gente ir embora.

No ônibus, todos pareciam novamente alegres e animados com a viagem para a próxima cidade. Avistei Manuela, que estava na última fileira como sempre. Caminhei até lá e me sentei ao lado dela. Nervoso, não falei nada além de um simples olá. O silêncio reinou por alguns segundos, até que Manuela quebrou o gelo.

– Então, não sabia que você era fã da Celly Campelo. – Disse Manuela.

– O quê? Como assim? – Perguntei, sem entender.

– Porque você também toma bastante banho de lua!

Manuela começou a rir, primeiro desconcertadamente, tentando se controlar, e depois caindo em gargalhada. Novamente fiquei vermelho, mas o som doce da sua risada me fez rir um pouco também. Logo depois que a sua crise de risos passou, Manuela reclinou sua cabeça no meu ombro e seguiu a viagem olhando para a janela, vendo a estrada passar.

Peguei um jornal que havia comprado na última parada e comecei a ler. Nele, havia uma reportagem sobre um festival de música que estava acontecendo nos EUA, chamado Woodstock. Na reportagem, dizia que o festival era o paraíso hippie, e que logo no primeiro dia os portões foram arrombados e o povo invadiu, amontoando-se em barracas ao longo dos grandes campos verdejantes e no lamaçal que fazia por conta da chuva. No line-up, alguns dos grandes nomes da nossa geração eram citados, como Mountain, The Who, Santana, Grateful Dead, Creedence Clearwater Revival, Jefferson Airplane, Joe Cocker, Janis Joplin e a lenda fechando o festival na segunda-feira de manhã: Jimi Hendrix.

– Aí, você acha que algum dia o Brasil vai ter um festival como esse? – Perguntei à Manuela, mostrando-lhe o jornal.

– Hm, nunca! O povo aqui é muito careta! Além disso, os porcos dos militares não iam permitir algo assim. A gente precisa fugir enquanto é tempo. Ir pra Europa, Londres, que nem o Caetano e Gil.

– Londres, é? Porque não China? Ou até Vietnã do Norte, hein? – Perguntei, em tom provocativo.

Manuela deu um sorriso de canto de boca e respondeu:

– Você é tão simplório. Que graça tem ir pra China? Onde a revolução cultural já está encaminhada? Ou pro Vietnã, onde eles já estão expulsando as tropas imperialistas? A gente vai pra Londres para espalhar a nossa ideologia pelo mundo! E quem sabe, gravar um álbum em Abbey Road também?

Dei uma risada com a resposta de Manuela. De certa forma, sua visão de mundo não me amedrontava, tampouco me enojava. Era o seu jeito esperançoso de se ver a vida que acabava me cativando mais e mais. Por um momento, o seu rosto iluminado pelo sol da manhã, brilhando nas lentes de seus grandes óculos, eu percebi que, mesmo que eu não conseguisse voltar atrás para ter a minha primeira vez com alguém especial, era com ela que eu queria estar.

Mas ainda havia uma estrada muito longa para a gente seguir, e muitos novos problemas para a gente enfrentar.

(Continua…)

Siga a Casa dos Contos no Instagram!

Este conto recebeu 19 estrelas.
Incentive J. R. King a escrever mais dando estrelas.
Cadastre-se gratuitamente ou faça login para prestigiar e incentivar o autor dando estrelas.

Comentários

Foto de perfil de P.G.Wolff

Putz, encontrou com os Mutantes e a Rita Lee. Quanta referência! E essa menina maoísta...

1 0
Foto de perfil genérica

uma das histórias mais cativantes que tenho o prazer de acompanhar nesse site

1 0

Listas em que este conto está presente

Histórias boas demais para serem contadas de uma vez só
Coletânea de contos divididos em capítulos de J. R. King