NARRAÇÃO: ZEDU
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Eu não consigo enxergar nada, mas sei que continuo abraçado com o Zedu. Graças aos céus, o prédio não desabou sob a nossa cabeça, só que provavelmente estamos presos. A respiração do Yuri é ofegante. Eu tento me distanciar, mas ele não me larga. Suas mãos estão tremendo e seguram em mim com uma força descomunal.
— Yuri, você está bem?
— Eu, eu, tô. E você?
— Sim. — respondi, mas comecei a tossir devido à poeira. — O prédio não desabou.
— O térreo e o subsolo foram preservados. A empresa usaria como um galpão. — ele explicou.
— Fico feliz que vocês estão bem, mas alguém poderia me dar uma força? — ouvi a voz do JL, mas não consegui vê-lo.
— Você está bem? — perguntei me afastando do Yuri e tateando o "ar" para encontrar o JL.
— Eu creio que não. — meu irmão respondeu ofegante.
Aos poucos, a fumaça se dissipou e tomamos um susto gigantesco. Três vergalhões de ferro atravessaram o corpo do meu irmão. O Yuri gritou quando viu a cena. Havia um vergalhão no ombro, outro no braço e um na barriga do JL. O idiota se jogou na nossa frente quando a explosão lançou os vergalhões em cima de nós.
Mesmo desesperado, o Yuri é mais prático que eu. Ele pega o telefone e faz uma ligação para os seus colegas e explica a situação. Em seguida, uma equipe do Samu e do Corpo de Bombeiros são chamadas para o local. Eu, por outro lado, continuo parado e olhando para o JL, que parece um churrasco de carne.
— Eu preciso me soltar. — JL diz, talvez, ainda em choque.
— Ok. — concordei me preparando para puxá-lo.
— Não! — o Yuri gritou, deixando o telefone de lado e se aproximando. — O vergalhão da barriga pode ter atingido algum órgão.
— Como assim? — ele perguntou ofegante.
— O vergalhão está estancando qualquer hemorragia interna. — o meu noivo avisou. — Precisamos cortar os vergalhões, mas só nas pontas. — Zedu, me ajuda a procurar algo.
Eu não fazia ideia de onde estávamos, mas a poeira começou a irritar o meu nariz. Tirei a minha camisa social e fiz uma espécie de máscara. O Yuri usou a lanterna do celular para guiar o caminho. Eu peguei o meu telefone e liguei a lanterna também. O lugar parecia um armazém abandonado.
Por sorte, encontramos algumas ferramentas antigas. A maioria estava enferrujada pelo tempo, porém, não havia outra solução. O Yuri é um cara incrível e que não se perde em situações extremas. Anos atrás, nos perdemos em uma floresta, eu não teria sobrevivido sem o Yuri.
— Ah! — Yuri gritou e corri em sua direção. — Achei uma serra. — me mostrando o instrumento. — Está enferrujada, mas serve. O vergalhão não é tão grosso.
— Ótimo. E agora? — questionei focando a lanterna no rosto de Yuri, que franziu as sobrancelhas. — Opa, desculpa.
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NARRAÇÃO: YURI
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Eu não sei o que fazer. A faculdade me ensinou muitas coisas, mas sobreviver a um desabamento nunca fui uma delas. Só uma coisa era certeza, não poderíamos tirar os vergalhões do José Leonardo. A única solução era serrar as pontas para ele poder se locomover com facilidade.
Procurei alguma coisa para lavar a serra, mas não havia nenhuma fonte de água. O jeito foi usar a minha camiseta para tirar a ferrugem. O JL estava de joelhos, lutando para não desequilibrar e movimentar os ferros. Expliquei para Zedu como seria o plano, que basicamente era serrar os vergalhões sem movimentos bruscos.
— Você vai segurar o JL, eu vou cortar o primeiro. Depois vamos revezando para não ficar muito cansativo. — contei e virei para o JL. — De 0 a 10, como está a dor?
— Para ser sincero? Uns 3,5.
— Ótimo. É um bom número. — respirei fundo e fiquei atrás do JL.
Os vergalhões deviam ter uns dois metros. Eu respirei fundo e toquei no vergalhão localizado no ombro do JL, que não esboçou nenhuma reação. O Zedu se ajoelhou na frente do irmão e segurou o ombro que não havia sido atingido. Contei um palmo e escolhi um lugar para serrar.
O atrito entre o ferro e a serra enferrujada ecoou por todos os lados. Eu busquei ser ágil, mas delicado. O primeiro vergalhão foi serrado em 40 minutos. O meu braço ficou dolorido. O Zedu assumiu o vergalhão do braço.
— O nível de dor? — perguntei de frente para o JL.
— Cinco. Tá, a porra de um cinco. — ele afirmou, cerrando as mãos e com uma expressão nada agradável no rosto.
— Zedu. Pode começar. — pedi, segurando o ombro do JL, que estava todo sujo, assim como o Zedu e, provavelmente, eu também estou.
Uma corrida desesperada contra o tempo. Não recebi nenhuma notícia da equipe da empresa, mas a minha esperança era que o socorro estivesse próximo. Os movimentos do Zedu foram mais ágeis que os meus, nenhuma novidade, né? Eu só queria sair daquele depósito.
Eu não fazia ideia do que estava se passando na cabeça do JL. O suor do seu rosto se misturava com a poeira. Ele parecia um homem das cavernas, principalmente, devido a sua barba. Ouvi um ferro caindo no chão e o corpo do JL tremeu. Ele soltou um grito abafado, provavelmente, o grau da dor aumentou e muito.
— Falta só mais um, JL. — Zedu avisou, ofegante. — Falta só mais um. — sentando no chão.
— Eu assumo, amor. — levantei e peguei a serra no chão. — JL?
— 8. Tá doendo para porra. Eu só quero sair daqui, por favor. — ele implorou.
Uma hora se passou desde a explosão. Uma equipe do Corpo de Bombeiros entrou em contato comigo e expliquei toda a situação. O capitão Roger, que entrou em contato, foi super solicito e contou o plano de ação. Eles cavariam um buraco, próximo a uma das colunas e nos resgatariam.
Eu comecei a serrar o último vergalhão. O Zedu viu o cansaço de JL e encostou a sua testa na do irmão. Ele pediu para que JL se mantivesse firme e pensasse na pequena Isabela.
— Zedu e Yuri, eu quero pedir perdão a vocês. O que eu fiz no passado é algo que, infelizmente, não posso modificar. Eu estava fora de mim. Eu não estava me tratando da bipolaridade e...
— Ei. — pediu Zedu, com a testa encostada na do irmão. — Nós vamos sair daqui. A equipe já está preparando uma passagem. Está tudo bem.
— Não, Zedu. Eu te machuquei. Na minha cabeça, o único caminho era a morte. A morte do papai não facilitou para a família, mas eu consegui destruir um pouco de união que nos restava. Eu sinto muito. — JL começou a chorar.
— Eu te perdoo. — soltou Zedu. — Eu te perdoo, meu irmão. Agora você precisa ser forte. A mamãe precisa de nós. A Isabela precisa de nós. Vamos ser fortes juntos, tudo bem?
— Ok.
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NARRAÇÃO: ZEDU
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O som do último ferro caindo nos deixou aliviado. Naquele momento, eu não tinha mais ressentimento nenhum pelo JL. Eu só não queria mais perder ninguém. O meu irmão errou muito, mas está tentando ser uma pessoa melhor. Isso é o que importa, né?
Dessa vez, quem desabou no chão foi o Yuri. O meu ursão está sendo um guerreiro. Porém, a minha atenção ficou concentrada no JL. Com todo cuidado do mundo o ajudei a sentar em um banco de madeira. O Yuri mandou uma mensagem para a tia, porque, aparentemente, estávamos aparecendo no jornal local.
— Tia, estamos bem. Não se preocupe. A equipe de resgate está cuidando de tudo. Eu vou desconectar a minha internet, pois a bateria pode acabar. Avisa para o Carlos que não é necessário vir para cá, por favor. Fiquem tranquilos. Tranquiliza a Tereza também. — o Yuri mandou um áudio para a Olívia.
Eu só queria ir para casa e deitar com o meu ursão. No fundo, eu me sentia responsável, afinal, a ideia de visitar o Yuri foi minha. Eu deveria ter esperado. Que merda. Eu faço tudo errado. Ouvimos uma explosão e ficamos próximos. Abracei o meu noivo e peguei no ombro do meu irmão.
De repente, uma forte luz nos cegou. Demorei para entender o que estava acontecendo. Um homem trajando uma roupa de bombeiro se aproximou e nos tranquilizou. Pedimos para o JL ser o primeiro a sair. Ele precisava de atendimento médico urgente e não poderia esperar.
Uma equipe entrou e verificou o meu irmão. Eles retiraram os vergalhões presos no ombro e braço do JL. O chefe da equipe o deitou em uma maca e alguns homens o levaram para a saída criada no teto.
— Vocês conseguem subir uma escada? — ele perguntou correndo a lanterna pelos nossos corpos.
— Sim, mas o leve primeiro. — pedi, tocando no ombro de Yuri.
— Tudo bem. — concordou o bombeiro. — Atenção, quando o primeiro resgatado subir, vocês podem descer a escada.
Finalmente, o pesadelo acabou e todos poderíamos seguir a vida. O Yuri teve dificuldade para passar no buraco, mas não desistiu e com a ajuda dos bombeiros conseguiu sair. Olhei para trás, o buraco escuro que passei as últimas horas da minha vida. Queria enterrar ali todos os meus traumas do passado e seguir apenas com as coisas boas.
— Adeus. — respirei fundo e subi a escada.
Encontrei com o Yuri do lado de fora e o abracei. Eu só tenho a agradecer. Estamos bem e vivos. A história poderia ter sido pior, não é? Somos levados para uma ambulância e somos avisados que o JL havia sido levado para um hospital. Fomos atendidos, porém, estávamos com ferimentos superficiais.
Seguimos para o hospital. A mamãe e o Fred já estão no saguão junto à tia Olívia, que abraça o Yuri e o beija, apesar do seu estado. Um médico nos atende e explica que o JL está passando por uma cirurgia delicada.
— A sorte é que os vergalhões estavam estancando os ferimentos, principalmente, o da barriga. — contou o médico. — Eu volto assim que tiver novas informações. — saindo.
— Obrigado. — olhei para o Yuri e o beijei na frente de todos. — Você é o meu herói.
— Para que assim eu acredito. — ele brincou.
— Mãe, e a Isabela? — questionei.
— Lá na casa da Olívia. O Fred a deixou faz um tempo. — mamãe contou e me deu um outro abraço. — Vocês gostam de testar o meu coração. Graças a Deus, que estão bem. — abraçando o Yuri.
Coração de mãe é algo que deveria ser estudado. A dona Teresa ficou toda boba quando contei que havia perdoado o JL. Choramos abraçados, porque esse foi o seu maior sonho durante anos. Eu me sentia mais aliviado e leve com o rancor deixado para trás.
Depois de algumas horas, o médico apareceu e disse que o JL estava bem. O Fred passaria a primeira noite com o nosso irmão. O Yuri e eu, necessitávamos de um banho urgente. Por causa do horário, a mamãe dormiu na casa da Olívia, já que os móveis extras ainda não haviam chegado.
Entramos em casa e o Oasis nos recebeu todo serelepe. Nunca vi um cachorro para ter tanta energia. Subimos em silêncio e tomamos um susto com o estado lastimável que ficamos.
— Você deixou eu ficar assim durante horas? — o Yuri perguntou lavando o rosto na pia.
— Amor, você continua lindo. O homem mais lindo que já vi. — respondi, o abraçando por trás. — Obrigado, por não deixar a peteca cair. Qual vai ser o próximo desastre?
— Um apocalipse zumbi? Eu estou preparado. — ele usou as mãos para simular uma arma.
— Eu te amo, urso bobo. — eu o virei e o beijei.