YURI
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A situação do desmoronamento me causou uma dor de cabeça extrema no trabalho. Precisei fazer vários documentos e análises do ocorrido. Pelo menos, eu não fui demitido e pude continuar com o meu trabalho normalmente. Afinal, os culpados foram o Zedu e JL.
Porém, o incidente chamou a atenção para a falta de sinalização das demolições da empresa. A tia Olívia só não processou a empreiteira devido ao meu vínculo com a mesma. Graças a Deus, que o JL se recuperou, aos poucos, mas conseguiu dar a volta por cima.
— Ei, Giovanna. — chamei a atenção da minha irmã, que olhava para o seu computador. — O que acha da gente fazer uma viagem?
— Viagem? Topo. Inclusive, preciso. Estou necessitando de umas férias. — ela garantiu. — Qual o destino?
— Podemos acampar na praia da lua, que tal? — sugeri e tive que esperar acabar o acesso de riso da minha irmã.
— Você é engraçado. Eu acampar? Yuri, olha para mim, eu tenho cara de Lara Croft? Nunca acampei na vida, querido. Sério, qual é o destino?
— Presidente Figueiredo?
— Pode ser, mas nada de acampar ou ficar no mato. Nem tenho roupa para isso. Vou avisar o Sérgio e...
— Epa, calma. É uma viagem de irmãos. Vai ser a nossa última viagem juntos, antes do casamento. Sinto que não estamos passando um tempo de qualidade juntos. — confessei ao lembrar a relação do Zedu com seus irmãos, que melhorou 100%.
— Deixa eu ver, tipo, Você, o Richard e eu? Nós três...
— Nem começa. Eu sou o noivo e exijo uma viagem de irmãos. — falei com uma voz engraçada.
— Tudo bem. Eu vou olhar as cachoeiras mais tranquilas. Não quero me perder no mato ou ser atacada por um animal selvagem. — Giovanna fez uma careta.
— Eu vou mandar uma mensagem para o Richard. Nada de namorados ou noivos. Só os três mosqueteiros...
— Tá mais para mosqueteiros. — Giovanna me cortou e riu da própria piada ruim.
Avisei ao Zedu, que adorou a ideia e resolveu fazer um passeio com os irmãos. O JL passou alguns anos atrás das grades e perdeu muitas oportunidades na vida, principalmente, de viajar e conhecer lugares. Com saudades do Sul, o meu namorado mexeu uns pauzinhos para levar os irmãos à Canela, o nosso antigo lar.
— Ah, vai ser maravilhoso. Só não sei se o clima vai estar tão convidativo. — comentou o meu noivo, deitando na cama e pegando o celular. — Como eu disse, o calor está bombando no sul.
— Ah, mas o passeio vai valer a pena, bebê. E serão três dias. O JL vai adorar conhecer outro lugar. — apoiei a ideia do Zedu e deitei ao seu lado.
— Quer ouvir uma ideia melhor? — ele perguntou me atacando e rindo.
— Para, Zedu. Por favor, cócegas não. Cócegas não!!! — implorei me debatendo na cama e rindo alto.
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ZEDU
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Estou ganhando bem, por isso, resolvi levar os meus irmãos para uma viagem para o Sul do Brasil. Serão três dias de diversão, quem sabe a gente não consegue se reconectar como antigamente. Na infância, o Fred, JL e eu, éramos unidos, principalmente, se tratando das férias escolares.
Comprei as passagens com a ajuda da mamãe, que passou a documentação dos meus irmãos e verificou se o Fred poderia viajar. Os convidei para um happy hour para fazer uma surpresa. No início, ficamos sem assunto, mas, logo, as coisas começaram a ficar mais leves e a conversa saiu.
Lembramos do vaso que o Fred quebrou e colocou a culpa no Pikachu, o gato de estimação da vovó. E, também, no dia que o JL decidiu fazer um bolo e quase explodiu a cozinha de casa. Foram tantas aventuras ao lado dos meus irmãos, tenho a certeza que tomei a decisão certa ao perdoar o JL.
— Você disse que tem uma surpresa? — perguntou JL, que ainda se recuperava da cirurgia na barriga.
— Vamos viajar daqui duas semanas. Depois que você for retirar os pontos. — respondi, colocando as passagens na mesa.
— Viajar? — Fred questionou pegando uma das passagens e sorrindo. — Cara, Balneário Camboriú. Eu vi que as praias de lá são lindas.
— Pois é. Eu acho que merecemos uma folga desta cidade. — afirmei. — Só dá tempo do JL se recuperar e mostrar o físico dele nas praias de Santa Catarina.
— Ei, ainda dou para o gasto, viu. Fiz muitos exercícios nos últimos anos. — JL disse, mostrando o músculo do braço direito, o único que não estava enfaixado.
— Dão o que na prisão, Danoninho? — questionou Fred.
De início ficamos calando, a piada poderia pegar mal, entretanto, não seguramos o riso. Essa era a conexão que eu tinha com eles. A gente sempre se zoava. Como na época que o Jacaré mordeu meu pé, que o Fred me deu uma camisa da Lacoste. Ou quando o JL teve diarréia na escola e nós o apelidamos de "caga nescau". Não importava a situação, mas um sempre zoava com o outro.
— A comida de lá era horrível. Tinha uma das moças do refeitório que era afim de mim e sempre me trazia um bolo no fim de semana. — relembrou JL, com um sorriso no rosto, antes de tomar um pouco de suco.
— Desculpa por não te visitar nos últimos anos. — lamentei. — Eu...
— Ei, tá tudo bem. Eu entendo os teus motivos. Nem eu estava preparado. Apesar de atirar no Fred, coisa que eu me arrependo muito, eu acho que o mais machucado nesta confusão foi você. — a expressão no rosto de JL me deixou emocionado, mas como sempre o Fred conseguia fazer piada.
— Graças a Deus, pela tua mira ruim. — comentou Fred, fazendo um jogar um pouco de cerveja para fora da boca. — Lembra como ele deixava o banheiro todo mijado? — O Fred olhou para mim e aquilo significava uma coisa.
— Ah não. — protestou JL, colocando a mão no rosto. — Aqui não.
— Aqui sim. — respondemos o Fred e eu. — Tenho uma piroca com buraquinhos e só faço me mijar. As gotas caem no chãozinho e a mamãe que vem limpar. — cantamos no ritmo da música "Coração com Buraquinhos", da novela Chiquititas.
— Vão se foder. — ZL reagiu com um cotoco na nossa direção. — Seus malucos. Além de ex-presidiário, agora vão me chamar de mijão.
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YURI
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Presidente Figueiredo é um lugar maravilhoso. Foi o segundo lugar do Amazonas que conheci. A cidade é pequena e tem uma escultura enorme de um índio saindo de dentro de um cupuaçu, uma fruta regional. Escolhemos o Richard como motorista, pois pasmem, ele é o melhor motorista do grupo. Eu fico nervoso dirigindo em estradas e a Giovanna é um desastre ambulante na direção.
Pegamos um quarto de hotel, uma vez que a ideia era reativar os laços. Dormir juntos como nos velhos tempos. Decidimos passar a tarde na cachoeira central da cidade. O Richard e eu, nos divertimos muito descendo a cachoeira em uma boia gigante. A Giovanna levou um guarda-sol, uma cadeira de praia e 400 litros de protetor solar. Realmente, ela nunca foi uma garota da natureza, imagina agora que é dona do próprio nariz.
O Richard, por outro lado, é o aventureiro da família. No ano passado, ele viajou por todos os países da América Latina. A tia Olívia mandou colocar um rastreador no celular dele. O meu irmão está se tornando um homem. Nem parece o garoto magricela que me aporrinhava a vida.
O meu irmão não consegue ficar parado. Ele experimentou todas as atrações do local. Andou de caiaque, desceu na boia e pulou de uma árvore. O Richard estava usando uma sunga preta e chamava a atenção de todos. Que ódio desse moleque. Eu conseguia contar cada gominho do seu abdômen, infelizmente, Jesus abençoa as pessoas erradas.
Nós começamos a jogar água um no outro. Quando uma mulher achou que éramos namorados. Ela não escondeu o seu preconceito e fez vários comentários desagradáveis. O Richard não se deixou intimidar, ficou me abraçando e rindo alto. Parecendo um moleque da quinta série "B".
— Tem gente que não tem senso de ridícula. — comentou uma mulher ao nos ver tomando banho.
— Pois não? — o Richard perguntou se aproximando dela.
— Vocês gays...
— Ah, gostou do meu namorado ursão? — questionou o Richard me chamando. — Ei, mozão. Essa moça está dizendo que formamos um lindo casal. — ele gritou para todos ouvirem, deixando a mulher morta de vergonha. — Ah, se a senhora quiser participar, — piscando para a mulher. — sempre tem vaga para mais um. — correndo na minha direção e espalhando água para todos os lados. — Me segura, Yuri! — pulando em cima de mim.
— Seu maluco. — reclamei, quase caindo dentro da água.
— Eu te amo. — me dando um beijo no rosto e mergulhando.
— Esse tá maluquinho. — falei para mim mesmo e andei na direção da Giovanna.
A minha irmã estava ao telefone com o namorado, Sérgio. Eles formavam um casal estranho, mas que funcionava em alguns aspectos. Eu não posso falar mal do meu cunhadinho, afinal, ele vai me ajudar na surpresa do casamento para o Zedu. Inclusive, a missão do Sérgio é fazer uma versão em inglês de uma música coreana.
— Ei, você não vai pular na água? — perguntei, sentando no chão.
— Por favor, Yuri. Sabe por onde essas pessoas andam? Eu lá sou mulher de mergulhar em lugares públicos. — ela comentou, colocando os óculos de sol.
— Eu tô com medo. — revelei, sem olhar para a Giovanna.
— De quê? — ela quis saber, voltando a atenção para mim.
— Não sei. Do futuro. Vou casar. O Zedu quer filhos. Estou com medo dos próximos capítulos. — reveli, externalizando pela primeira vez os meus temores.
— Yuri. — Giovanna tirou os óculos e sorriu. — Você é uma grande inspiração para mim e o Richard. Quando perdemos os nossos pais, você surtou, mas se recompôs para cuidar de nós. Você foi o nosso irmão, pai e mãe. Eu sei que não sou muito de expressar meus sentimentos, entretanto, saiba que sou eternamente grata a você. — pegando no meu ombro e apertando. — Se tem uma pessoa pronta para ser dona de casa, esse alguém é você.
— Obrigado.
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ZEDU
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— Vamos fazer a despedida de solteiro do Zedu! — gritou Fred, no saguão do aeroporto, chamando a atenção de todos.
— Ei, não vai ter nada de...
— Podemos ir em uma boate LGBTQIA+. O Zedu merece uma diversão, antes de amarrar o bode. — afirmou JL, que se esforçou para não errar a sigla do orgulho.
— Nada disso. Vai ser um passeio entre irmãos. Sem boates, sexo e afins. — eu os repreendi.
— Fale por si. — disse Fred pegando no meu ombro. — Eu quero pegar as gatinhas do Sul.
Estou feliz. Estou genuinamente feliz. Finalmente, consegui recuperar os laços com os meus irmãos. Eu quero fazer diferente. Não quero mais guardar rancor. A minha terapeuta costuma falar que o rancor nos derruba. Antes, quando não conseguia perdoar o JL, eu tinha pesadelos todas as noites. Agora, eu consigo dormir em paz e acordo renovado.
Foram quatro horas de voo até Santa Catarina. A cidade estava mais quente que o normal. Paramos para tomar uma cerveja. Como viemos sem malas, apenas com mochilas, a locomoção fica mais fácil. Aproveitamos para visitar alguns pontos importantes da cidade, como a Ponte Hercílio Luz e o Mercado Central.
De tarde, seguimos para a rodoviária para pegar um ônibus para Balneário Camboriú. Aproveitei a viagem para dormir um pouco. Acordei com o riso dos meus irmãos que gravaram um vídeo meu dormindo. No hotel, paramos para tomar um banho e seguimos para um restaurante. Queria pagar o melhor para os meus irmãos. Eles teriam uma experiência maravilhosa na cidade.
— Caraca, Zedu. — JL olhou em volta e se impressionou com o lugar.
— Podem comer à vontade. — eu disse, pegando o cardápio e escolhendo um risoto de camarão na casca do coco.
Comemos. Bebemos. Eu não queria farrear, porque no dia seguinte iríamos para a praia, mas de alguma maneira, nós três fomos parar em uma boate LGBTQIA+. Estava tendo um show de drag queens e homens pelados dançavam em copos de champanhe gigante. No dia seguinte, acordei só de cueca no quarto do hotel.
— Eu não fiz nada, né? — perguntei para os meus irmãos, que se olharam e riram. — Gente, eu não posso ter traído o Yuri.
— Relaxa, um ursão tentou te abduzir, mas nós fomos mais rápidos. — JL afirmou pegando no meu ombro e sorrindo. — Fomos em um estúdio de tatuagem. — mostrando o pulso e havia o nome do papai.
No meio de uma bebedeira, um de nós achou legal ir até um estúdio de tatuagem para homenagear o nosso falecido pai. Olhei para o meu pulso e as letras formavam o nome Ulisses.
— Nossa. — falei sentando na beira da cama e admirando a tatuagem. — Ei, Fred e JL, eu sei que faz tempo que não digo isso, mas eu amo vocês.
— Nem vem. Não vamos apagar os vídeos. — Fred afirmou saindo do banheiro com cheiro de purpurina no corpo.
— Que, que, que vídeo? — questionei tentando pegar o celular do Fred, mas sem sucesso. — Ei, não mostra para ninguém, por favor. Ei, JL, me ajuda.
— Isso é uma treta de vocês. Eu só quero aproveitar a praia. — olhando pela janela, mas sendo atingido por um travesseiro. — Ah, é. Vocês querem guerra? — pegando o travesseiro no chão e atacando os irmãos.
De repente, o quarto se transformou em uma zona de guerra. Eu lutava para pegar o celular do Fred, enquanto o JL nos batia com um travesseiro. Corri e peguei o outro travesseiro disponível e batemos em Fred. Realmente, eu amo os meus irmãos e nunca mais quero deixar nada ficar entre nós. Só se um deles surtar e tentar me matar, de novo.