Se tem uma coisa que incomoda é o clima louco de Manaus. A capital do Amazonas não se decide quando se trata de sol ou chuva. Naquela tarde, uma tempestade atingiu a cidade. Noslen, ficou olhando a chuva pela janela do apartamento. Ele não pensava em nada, apenas observava as gotas caindo na janela. Enquanto isso, Enzo lia vários e-mails que eram repassados por Ian. Um trovão assustou os dois, que se olharam e riram da situação.
— Nossa, eu não estava preparado para isso. — assumiu Noslen se afastando da janela.
— Nem eu. — deixando o notebook de lado. — Ei, Noslen.
— Oi. — ele respondeu sentando ao lado de Enzo.
— Você não se lembra de nada mesmo? Tipo, um nome, um local? — a curiosidade de Enzo falou mais alto.
— Não, quer dizer, tinha meu nome bordado na minha jaqueta, mas nada além disso. Até onde eu sei, meu sobrenome pode ser Fuertes, só que não lembro. — revelou o venezuelano parecendo frustrado por não recordar do passado.
— Que chato. Você tentou pesquisar na internet? — questionou Enzo, ainda na esperança de ajudar o amigo.
— Sim, tudo. Acho que não era uma pessoa chegada às redes sociais.
— Puxa. E se a gente pudesse voltar na Venezuela? — sugeriu Enzo, caçando a cabeça na esperança de pensar em outras alternativas.
— Eu não quero. Se até agora a minha família não me quis, não procuraram por mim...
— Te entendo.
— Vi que algumas coisas na casa precisam de reparos, você não quer que eu concerte? — perguntou o jovem venezuelano, querendo ser prestativo para os irmãos.
— Não precisa, eu já falei com o Erick. A gente vai resolver.
— Eu me sinto incomodado, não quero dar trabalho.
— Rapaz, você salvou a minha vida. Hoje mais cedo, encontrei o Nico e dei o suficiente para pagar o aluguel de vocês.
— Você deu dinheiro para ele? — questionou Noslen assustado com a informação.
— Sim, não devia ter dado? — quis saber Enzo, mais preocupado do que Noslen.
— O Nico é quase um irmão para mim, mas é meio complicado. Espero que ele não faça nenhuma besteira.
— Agora você me deixou preocupado.
— Não, é bobagem minha.
Na faculdade, Enzo, André e Kleber, fecharam um trio, quer dizer, até a chegada de Popi. Porém, Enzo e André, se conheciam desde o ensino médio. Eles sempre ajudaram um ao outro, inclusive, nos momentos mais tenebrosos, como a morte dos pais de Enzo ou no aborto da mãe de André, após sofrer um surto psicótico.
Sem o pai que abandonou a família cedo e com a mãe internada em um hospital psiquiátrico, André, precisou assumir a criação do seu irmão, Arnoldo, um pré-adolescente de 13 anos.
Na maior parte do tempo, a relação entre os dois era tranquila, entretanto, a personalidade forte de Arnoldo dava nos nervos de André.
A chuva ainda persistia em cair. A rua da casa de André alagou completamente, a sorte era que eles moravam no terceiro andar de uma vila, então, não sofriam com a enchente.
— Que calor, apesar de chover o mundo lá fora. — reclamou André, jogando no sofá e aproveitando a brisa do ventilador.
— Verdade. A gente podia comprar um ar-condicionado, né? — perguntou Arnoldo. — Já dormimos juntos mesmo.
— Calma, esqueceu que precisamos pagar as contas atrasadas, ainda bem que o Enzo me dá um salário bom. — agradeceu André, principalmente, por Enzo sempre o ajudar nos piores momentos.
— Eu peço pra você deixar eu trabalhar, mas fica cheio de frescuras. "Precisa focar nos estudos, Arnoldo". — Arnoldo soltou fazendo uma imitação ruim de André.
— Que mané frescura, pirralho. Lugar de pirralho é na escola. Eu cuido das coisas de adulto. — rebateu André, passando a mão na cabeça do irmão, que odiava ser tratado como criança.
— Ei, a visita é nesse fim de semana, né?
— Sim. — respondeu André, olhando para a janela.
— Será que ela está melhor? — questionou, Arnoldo, na esperança da mãe voltar para casa.
— Vamos torcer. Eu só não quero que separem a gente, por isso, continue falando que ela está viajando.
— Sim, viagem pra cuidar da nossa avó. Não se preocupe.
Sim, uma mentira necessária, assim pensava André. Enquanto isso, Ian continuava suas armações, ele havia passado vários documentos importantes para uma empresa adversária de Enzo.
Durante a reunião, a diretoria ficou preocupada, já que nas redes sociais, a concorrente publicou ideias que eram da Tech Land. Ian fez um show na frente de todos, uma preocupação que não era tão sincera.
— Não se preocupem, vamos conseguir dar a volta por cima. Mas, por enquanto, discrição. Nos vemos na sexta-feira. — saindo da sala e levantando a sobrancelha direita.
— Puxa chefe, eu quase acreditei. Você merece um prêmio. — comentou Diana, adorando aprender mais com o Ian, principalmente, as armações envolvendo documentos.
— Querida, e mal vestida, Diana. A Tech Land, que nome mais brega, está com os dias contados. Prefiro algo tipo, Ian Tech. — abrindo os braços ao imaginar a logomarca de seu império e rindo alto.
— Entendi. Eu passei a noite acordada para analisar os números. — entregando uma pasta para Ian. — Desse jeito, a gente vai conseguir reverter a situação.
— Ainda bem que deixamos parte dos documentos intocados. Ah, você marcou meu brunch? — analisando o computador, sem olhar para Diana.
— Sim. E não esqueça a depilação com cera, às 19h.
— Jamais. Aquela depilação é maravilhosa. Se duvidar, as minhas pernas são mais hidratadas que o teu rosto. Inclusive, temos que melhorar essa oleosidade, hein. Quando eu for presidente, quero uma secretária bonita.
Ian pegou todo seu veneno, seguiu em direção ao elevador e encontrou André. Os dois não se davam muito bem, sequer tinham coisas em comum. Eles se cumprimentaram e esperaram alguns minutos. Alguns colegas de trabalho saíram do elevador e a dupla entrou. Uma música nada a ver começou a sair do interfone, por coincidência, eles sabiam a letra da canção. Do nada, o elevador parou entre o 4° e 3° andar.
— Só pode ser brincadeira. — pensou Ian, olhando para André e dando um sorriso forçado.
— Será que? — perguntou André apertando o botão de emergência.
— Ninguém responde. Ótimo. A gente paga rios de dinheiro na manutenção desse elevador. — pega o celular. — Ah, claro, sem sinal.
— Relaxa, macho. Alguém vai reparar que o elevador travou.
— Merda! — reclamou Ian, preocupado em perder a depilação. — Tenho uma reunião.
Do outro lado da cidade, outra dupla enfrentava um problema, no caso, a chuva. Noslen e Enzo decidiram visitar Nico, para saber se ele havia repassado o dinheiro para o senhorio. De primeira, Enzo ficou impressionado com o estado da "casa" dos venezuelanos.
O local era completamente insalubre, um igarapé poluído cortava parte da rua. O cheiro pavoroso e vários animais, deram ânsia de vômito no irmão de Erick, porém, para aquelas pessoas aquele barraco significava tudo. Noslen pediu o dinheiro do amigo, pois ele mesmo pagaria para o dono do barraco.
Meio a contragosto, Nico passou o valor para Noslen. Aquilo significava seis meses sem ter que pagar aluguel. Como prêmio, Enzo decidiu levar os amigos venezuelanos para lanchar. Eles tiveram a ideia de ir para os lanches próximos ao Terminal !, afinal, lá era possível comer mais e pegar pouco.
Várias pessoas vendiam salgados nos lanches improvisados, alguns alimentos, passavam o dia todo ali. Enzo não conseguia entender quem comia aquilo, R$ 1, por um suco e salgado. Nico comeu quatro, e Noslen, três.
— Você não vai comer? — perguntou Noslen com a boca cheia e tomando um suco para 'desentalar'.
— Ah, eu? Não, obrigado. Estou sem fome. — Enzo até tentou disfarçar a expressão de nojo, mas não conseguiu.
— Nossa, nunca vi alguém dispensar comida. — retrucou Nico engolindo um enroladinho de salsicha.
— Filhote! — exclamou Aurora ao ver Noslen.
— Mama Aurora. — disse Noslen, limpando a mão direita na camisa e correndo para abraçar a idosa. – Vejo que você não larga esse terminal, né?
— Esse lugar é minha casa. Quero logo voltar a vender meus bombons. — avisou Noslen, deixando Enzo sem reação.
— O quê? — pensou Enzo, estranhando o comportamento de Noslen, pois, em sua cabeça eles continuariam morando juntos.
— Esse menino está te dando muito trabalho? — perguntou a Aurora para Enzo que demorou uns segundos para responder.
— Não, ele é perfeito. — sorrindo, mas com o coração doendo com a possibilidade de perder contato com Noslen.
— Escutem. Sábado vai ter um aniversário da minha filha. 15 anos. Vocês estão convidados. O Noslen sabe onde fica a minha casa.
— Claro, mama. Eu vou adorar. Gosto muito da Aurélia. — disse Noslen ficando feliz com o convite.
— Aurélia? — questionou Enzo.
— Sim, minha filhinha. 15 aninhos de muita felicidade, vai ser algo simples. — afirmou a idosa.
Ser policial não é fácil. Além de muitas horas trabalhadas, a pressão dos superiores e o risco de morte, eles precisavam enfrentar o clima de Manaus. Erick passou o dia na chuva, ele estava investigando um duplo homicídio em um bairro perigoso da cidade.
Seu celular apitou, uma mensagem de Celina, os dois haviam jantando umas noites atrás, a jovem convidou o irmão de Enzo para ir ao cinema. Não precisou de muito para Erick aceitar o convite. Na sua cabeça, as coisas continuavam confusas, mas sua atração por Celina era mais forte.
***
Erick:
Sabe o que a gente poderia fazer?
Celina:
O quê? (emoji curioso)
Erick:
Ir para Presidente Figueiredo. Adoro aquelas cachoeiras.
Celina:
Olha, adorei o convite. Podemos decidir isso no cinema.
Erick:
Claro. Agora preciso ir. O dever me chama.
Celina:
Vai, capitão Nascimento. Arrebenta eles. Cuidado.
***
Entre uma mensagem e outra, Celina precisava dar atenção para suas clientes. Ela participou de um projeto socioeducativo há alguns anos e conseguiu o emprego em um badalado salão de Manaus.
— O boy está apaixonado mesmo. — comentou uma amiga de Celina.
— Não sei. Somos de mundos diferentes. O que ele viu em uma favelada? — Celina duvidava das intenções de Erick, temendo sofrer por uma pessoa que não merecia.
— Para de ser boba mulher. O amor não escolhe raça, nem posição social. Fora que ele é o maior gatinho. — aconselhou a mulher.
— Só você mesmo, enfim, deixa eu trabalhar que ganho mais. Literalmente. — falou Celina atendendo mais uma cliente.
A situação de André e Ian se complicava a cada minuto. Uma equipe verificou o elevador e não conseguiu religar o sistema. Cansado de esperar, André sentou no chão e começou a jogar no celular. Ian caminhava de um lado para o outro, impaciente.
— Aqui está tão quente, né? — perguntou Ian, andando de um lado para o outro se abanando com uma pasta.
— Oi, você disse algo? — questionou André, tirando o fone de ouvido e prestando atenção no colega.
— Aqui está quente. Falei do calor. — repetiu Ian, que revirou os olhos e continuou se abanando.
— Deve ser pelo fato de você estar vestindo várias roupas. — comentou André sem tirar os olhos do celular.
— Droga. — olhando para o casaco e tirando.
— Relaxa, daqui a pouco eles ligam o elevador. Senta aqui. — abrindo espaço para Ian.
Do outro lado da cidade, Enzo e Noslen caminhavam lado a lado. Eles se sentiam seguros, acolhidos, mas não conseguiam achar um momento para falar sobre os sentimentos recentes. Noslen se diminuía, em sua cabeça, Enzo, jamais levaria um relacionamento sério.
— Noslen, você falou algo que me deixou reflexivo. — comentou Enzo, sem ter coragem de encarar Noslen.
— Sobre?
— Voltar para o T1. É isso que você deseja? — perguntou o jovem empreendedor.
— É a única coisa que eu sei fazer, Enzo.
— E se eu conseguisse um trabalho para você na minha empresa? — sugeriu Enzo que ficou na expectativa de uma resposta positiva.
— Sério... não, quer dizer, Enzo, eu não tenho nenhuma documentação. Eu poderia te trazer problemas. — afirmou Noslen, realmente, preocupado em causar problemas para Enzo.
— Podemos dar um jeito nisso, por favor. — pegando na mão de Noslen que não fugiu e continuou andando ao lado de Enzo.
— Eu posso pensar? — questionou Noslen.
— Claro. — disse Enzo feliz da vida, ainda de mãos dadas com o venezuelano.
Os dois chegaram em casa junto com Erick. Eles subiram para o apartamento de número 23. Noslen se prontificou para fazer a janta deles, na verdade, apenas a de Enzo, pois Erick já tinha planos para aquela noite.
Enzo ficou feliz ao ver o irmão se relacionando, ainda mais depois de tudo o que aconteceu com a situação do sequestro. O policial fez a barba, passou hidratante no rosto e escolheu as melhores roupas, ele queria impressionar Celina.
Para o jantar, Noslen decidiu fazer Arepas, um prato típico da Venezuela. Quando o jovem venezuelano entrava na cozinha, ele se transformava, parecia mais calmo, cantava algumas canções e tinha uma postura diferente.
— Você fica tão bonito quando cozinha. — disse Enzo encostado na bancada da cozinha.
— Obrigado. Você também é muito bonito. — respondeu Noslen, enquanto picava algumas verduras.
— Então, meninos. — Erick chamou a atenção deles, atrapalhando o clima e dando uma volta. — Como estou?
— Normal. — Enzo respondeu com uma expressão blasé.
— Sabe, Noslen, o meu 'irmanito' é um 'invejosito'. — Erick inventou o próprio portunhol, enquanto arrumava o colarinho da camisa.
— Você está muito bonito. — elogiou Noslen, que ganhou um olhar atravessado de Enzo (seria, ciúmes?). — Bom encontro.
— Guapo é bonito! — exclamou Erick, gostando da resposta de Noslen. — Gracias. E fui! — falou Erick, antes de sair.
Duas horas presos no elevador. Por causa da chuva, a equipe responsável pela manutenção se atrasou. André não aguentava mais ouvir Ian reclamar, então, eles decidiram fazer a própria saída daquela situação.
André tentou abrir o teto do elevador, mas não conseguiu. Em seguida, eles tentaram abrir a porta, só que o elevador estava entre os andares. Ian começou a ficar apertado para ir ao banheiro, logo ele que estava cheio de frescuras.
— Faz xixi na minha garrafa, a água acabou mesmo. — sugeriu André balançando a garrafa na direção de Ian.
— Eu? Fazendo xixi aqui? — questionou Ian com as pernas trêmulas e a bexiga apertada.
— Bem, você que sabe. Pode segurar mais uma hora?
— Não! — ele gritou tirando a garrafa das mãos de André.
— Opa. — ficando de costas para o Ian. — Faça rápido e não deixe pingar no chão, por favor.
Era o fim de Ian D'ávila. Ele que sempre prezava pelo chic e glamouroso fez xixi em uma garrafa térmica. André segurou o riso e tentou disfarçar o climão. Sem graça, Ian entregou a garrafa para o colega de trabalho, que colocou o objeto dentro de uma sacola.
— Isso morre aqui. — ameaçou Ian, que não conseguia olhar para o colega.
— Ei, relaxa. Trabalhamos juntos há quanto tempo? Dois anos. Acho que foi a primeira vez que passamos um momento de qualidade. — provocou André, que no fundo sentia uma atração pelo colega.
— Me poupe, André. Você não me suporta. O Kleber ainda consegue disfarçar bem, só se exalta quando eu mexo com a Orca, quer dizer, o namorado dele. Mas, você... tá na cara que me odeia. — Ian aproveitou para confrontar André.
— Estou falando sério, Ian. Eu sei que você é um cara legal. Só precisa perder essa pose. — sugeriu André.
— Essa pose nasceu comigo, querido. Tem certas coisas que não podemos mudar. Assim como o teu gosto para cores pastéis. — disse Ian, analisando a roupa de André, que na ocasião usava uma camisa social rosa pastel, uma bermuda azul pastel e um tênis branco.
— Sei lá. Às vezes, você se sente superior. — afirmou André, sentando no chão e dobrando as pernas.
— Olha, desculpa. — respirando fundo e pensando nas palavras certas para não parecer um ser humano desprezível. — Eu sei que não sou uma pessoa agradável, mas sempre ajudo no que posso. — sentando ao lado de André. — E para falar a verdade, você sempre foi o meu preferido.
Pela primeira vez, em muito tempo, Ian falou a verdade para alguém. Desde a primeira reunião que teve com os colegas, o André despertou algo dentro dele. Só que as prioridades de Ian sempre foram bem claras e nada impediria o seu sucesso, nem mesmo, um romance.
— Eu também sempre gostei de você, Ian. — se assustando com o tremor do elevador.
— Voltou! — celebrou Ian, que se levantou e pegou suas coisas no chão.
— Que legal. — solta André.
— Ei, nada aconteceu aqui. Eu tenho uma imagem a zelar.
— Ei, obrigado por se abrir. — pegando no ombro de Ian e saindo do elevador.
Um dos lugares mais lindos de Manaus, o Teatro Amazonas, foi o ponto de encontro de Erick e Celina. Eles resolveram tomar um tacacá antes do cinema. Por algum motivo, Erick se sentia bem ao lado da moça, ele podia ser 100% autêntico. Entre histórias e risadas, Celina também começava a sentir algo forte pelo irmão de Enzo.
É engraçado como os relacionamentos começam. Alguns ficam bobos e apaixonados, outros nem percebem o que se passa. Para Noslen, ter um namorado estava fora de sua realidade, ele achava que a vida era apenas trabalho e trabalho. Com Enzo, o tempo passava devagar, mas na cabeça do venezuelano, o jovem empreendedor só queria sexo e o dispensaria.
— Gostou? — perguntou Noslen ao ver Enzo provar as arepas.
— Sim. Está muito gostoso. Você é bom em tudo que faz, né? — ficando com as bochechas vermelhas e provando mais arepas.
— Eu queria, infelizmente, ninguém pode ser perfeito.
— Noslen. Eu estava falando com um amigo meu, e acho que a gente pode te legalizar no Brasil.
— Mesmo sem memória? - questionou Noslen, com medo de criar expectativas positivas.
— Essa parte vai ser um pouco difícil, mas você merece uma oportunidade.
— Enzo, eu não sei nem o que dizer. — falou Noslen emocionado e abraçando Enzo.
— Só aceita a minha ajuda. Para de ser orgulhoso. Eu vou te ajudar em tudo o que puder, prometo.
A noite de Erick se resumiu em perfeição. O filme foi bom, a companhia nem se fala. Eles ficaram conversando na frente da casa de Celina por um bom tempo. De repente, um jovem passou correndo ao lado deles, em um impulso, Erick, o segurou e o jogou no chão.
— Parado. Tá correndo do quê? — perguntou o policial colocando um dos pés na cabeça do rapaz.
— Erick, para! — pediu Celine assustada. — Ele é uma criança. Só está brincando de bola, olha. — apontando para frente onde vários garotos estão jogando.
— Eu... — balbuciou Erick deixando o garoto ir e olhando para Celina. — Celina, eu sinto... eu sinto...
— Vai embora daqui, por favor. — soltou Celine entrando para dentro de casa decepcionada com a atitude do policial.
Muito longe dali. Em um dos condomínios mais caros da cidade. Ian estacionou o carro e chegou em casa estressado, pois, perdeu a depilação das pernas. Apesar da relação horrível com a família, ele ainda morava com os pais em uma mansão de dar inveja.
10 quartos. 5 banheiros. Cozinha gourmet. Sala de jogos. Sala de cinema. Sauna. Cada detalhe daquele lugar foi pensado por um arquiteto, então, todos os ambientes conversavam.
Enquanto servia para si um copo de whisky, ele lembrou dos momentos que passou ao lado de André. Não demorou muito e o pai de Ian, Oswaldo D'ávila, entrou e começou a se gabar sobre os ganhos de sua empresa.
— Oh, papai, não precisa me passar os ganhos da sua empresa. Sabe, eu até fico feliz por você. Afinal, sustentar suas outras famílias não deve ser barato, né? — alfinetou Ian, antes de tomar o whisky.
— Obrigado, filhão. Sabe como é, né? Tenho pessoas de confiança ao meu lado. — solta Oswaldo, enquanto serve uma dose de whisky.
— Claro, o Tico e Teco. — falou Ian, se referindo aos irmãos mais velhos, Iago e Ícaro. — Me impressiona como eles ainda não afundaram a importadora.
— Ian, não fale assim de seus irmãos.
— Qual é papai? O senhor sabe que eu me preparei a vida toda para assumir suas empresas e por causa de um detalhe técnico...
— Detalhe técnico? — questiona Oswaldo levantando a voz. — Você foi flagrado transando com o filho da empregada dentro da minha empresa! — jogando o copo no chão, para não lançá-lo contra o próprio filho.
— Sério, papai. Essa raiva ainda vai matar o senhor. Ah, claro, sem tirar as rugas. — saindo da sala e olhando para a empregada. — Eu falei que ele ia quebrar um copo. Está me vendo R$ 100.
— Senhor. Esqueci de avisar. Um tal de Benjamim Azevedo ligou. — disse a empregada, tirando uma nota de R$ 100 do sutiã e entregando para Ian.
— Perfeito. Quer saber, Berenice. — entregando o dinheiro para a empregada. — Estou me sentindo generoso.
André chegou atrasado em casa, Arnoldo, ficou preocupado, afinal, o irmão não se atrasava nunca. Enquanto fazia a janta, André, também pensou em Ian, e riu, quando lembrou da parte do xixi na garrafa. Será que ali estava outro relacionamento impossível?
— Ian. Como você pode ser tão lindo, mas uma pessoa horrível? — André pensou alto e foi flagrado pelo irmão.
— O nome dele é Ian? — questionou Arnoldo rindo de André.
— Cala boca.
— Ian não é aquele branquelo que odeia gente pobre? — perguntou o garoto sentando próximo ao irmão.
— Eu não sei, hoje a gente conversou, sabe. Acho que por cima daquela atitude arrogante, tipo, existe alguém muito carente. — deduziu André, surpreso por Arnaldo lembrar de Ian.
Após o jantar, Noslen e Enzo resolveram assistir uma série, em espanhol, claro. Eles estavam se conectando de uma forma rápida. Depois, Enzo precisou trocar o curativo no ombro de Noslen. Ele ficava nervoso, pois, o corpo do venezuelano o deixava completamente sem chão.
Entre troca de olhares e umas caretas de Noslen, Enzo conseguiu fazer o trabalho sem ultrapassar os passos, mas, na verdade, ele queria muito sentir os lábios de Noslen. E nem preciso dizer que o sentimento era recíproco, só que muitas coisas ainda passavam pela cabeça do jovem imigrante.
— Noslen, eu... eu posso dormir aqui? — pergunta Enzo de forma tímida.
— Claro, pode sim.
— Digo, se você achar estranho ou inadequado, eu... eu...
— Enzo, você pode dormir aqui. — batendo na cama e rindo. — Eu já disse, adoro sua companhia.
— Eu também gosto muito da sua. — revelou Enzo deitando ao lado de Noslen.
— Podemos ouvir a nossa música?
— E nós temos uma música, Noslen?
— Temos sim. A de quando eu te conheci. — lembrou o venezuelano para a surpresa de Enzo.
****
E eu vou correndo rápido
Não sei aonde estou indo
Sinto algo e minha mente
Foge por toda parte
Essa é a sensação
Que as pessoas tanto falam
É como sentir tudo e estar sonhando
E pelos meus olhos, eu vejo
Embora estejam fechados
E sem nos dizer nada
Você me pega em seus braços
Me faça descansar, me dê um abraço
E então, finalmente, finalmente estarei flutuando
Flutuando, flutuando