Irado, dei as costas para todos e me dirigi até o portão que separava o quintal da garagem que dava acesso à rua. Tentei chutar o portão, mas me desequilibrei e meti a cara no muro de cimento em chapisco grosso. Quando coloquei a mão no rosto, o sangue já jorrava. Soraia veio correndo em meu socorro, mas não deixei que me tocasse:
- Gui, pelo amor de Deus. Deixa eu cuidar de você. - Me pediu.
- Tira a mão de mim, Soraia! - Gritei, com sangue nos olhos.
Sangrando e me arrastando pelo muro, consegui chegar até meu carro e o João tomou as chaves de minhas mãos. Meu equilíbrio, que já não estava muito bom, foi ficando cada vez pior e minha visão embaçou. Só me lembro de ter alcançado meu Opala, mas não consegui me apoiar nele e caí no chão. Ainda me lembro de alguém ter perguntado ou comentado alguma coisa sobre uma tal “balinha”. Depois disso, apaguei.
No dia seguinte, acordei no hospital com o rosto, ombro, braço e mão esquerdos enfaixados. Minhas lembranças começaram a clarear e só aí me dei conta do João dormindo numa cadeira ao meu lado. Quando tentei me levantar, ele acordou e veio ao meu encontro, perguntando:
- Como você está se sentindo, meu amigo?
- Todo dolorido. - Respondi: - O que aconteceu? De repente, tudo começou a rodar e apaguei.
- O idiota do Jairo te deu uma balinha e você tomou com bebida para ajudar. Daí quando você ficou nervoso, ela deve ter subido de uma vez e você desmaiou depois de se ralar todo no muro de casa.
- Caralho, cara! Então, aquela suruba, foi tudo alucinação? - Perguntei, mas ele se calou, constrangido.
Um silêncio incômodo tomou conta do quarto e eu entendi a resposta indireta:
- Não precisa falar mais nada.
- Gui, conversa com a Soraia. Ela tem uma explicação. - Ele tentava me convencer: - Além disso, você chegou a dizer que já estava pensando em participar das festas. Pô, cara, ela errou, mas…
- Ela errou, João. - O interrompi: - É o que basta! Não tenho mais nada para falar com ela. Só quero sair daqui, procurar um advogado e me livrar desse encosto.
Nesse momento, a porta se abriu e Soraia entrou com a Fátima a seu lado sem saber que eu estava acordado. Quando nossos olhos se encontraram, os dela se arregalaram e marejaram em seguida, os meus se encheram de sangue. Ela ficou estática por um instante, mas depois se aproximou da cama:
- Como você está, meu amor? - Perguntou e pousou sua mão sobre meu braço direito.
Me revoltei e tentei me levantar, só aí notei que minha perna estava enfaixada também e perguntei:
- Que merda é essa, João?
- Você torceu o tornozelo, mas não quebrou. Vai ter que ficar enfaixado por um tempo.
- Pô, que churrasquinho bravo, hein!? - Sorri nervoso e cínico para todos.
- Gui, eu queria conversar com…
- Sai daqui, Soraia! - Interrompi, irado: - Só preciso de um telefone para ligar pro meu advogado.
- Guilherme, a gente precisa conversar. - Ela insistiu.
- Sai… daqui... AGORA! - Berrei, chamando a atenção de todos no hospital.
Nesse momento, dois enfermeiros e um médico entraram no quarto e vendo meu estado, colocaram todos para fora. O médico quis me medicar, mas eu disse que só pelo fato dele ter colocado todos para fora, já me fez sentir muito bem, sendo desnecessária qualquer medicação. Ele parou e pensou um pouco, pegando alguns instrumentos para me examinar:
- Quando eu vou poder sair daqui, doutor? - Perguntei.
- Sair!? Provavelmente, amanhã mesmo, mas terá que ficar de repouso por, pelo menos, quatro semanas, de preferência sem apoiar o pé no chão nas primeiras.
- Ótimo, ótimo… - Falei, aliviado: - Preciso dar um telefonema.
- Depois da sua higiene, pedirei que o enfermeiro te leve ao meu consultório de onde poderá fazer sua ligação. O senhor tem acompanhante para hoje?
- Ninguém! E o telefonema é justamente para eu solucionar meu transporte e outras questões relacionadas.
- Mas e sua esposa? Aquela mulher que está lá fora.
- Não tenho esposa, doutor. Eu só tenho arrependimentos.
Ele me encarou surpreso, mas não discutiu. Pediu licença para sair e disse que um enfermeiro viria logo para me ajudar. Pouco depois de sair, ouvi vozes discutindo no corredor e reconheci imediatamente a da Soraia, brigando e chorando para entrar no quarto. Ele não permitiu e pouco depois as vozes cessaram. Estranhamente, lamentei, mas também respirei aliviado.
Algum tempo depois, um enfermeiro chegou e me ajudou a fazer minha higiene pessoal. Depois fui colocado numa cadeira de rodas e saímos para o corredor. Logo ao sair, dou de cara com a Soraia sentada numa cadeira, emburrada, mas em silêncio. Ela estava só e, ao me ver, se levantou e veio em minha direção:
- Gui… - Disse, praticamente choramingando.
Eu a encarei por um momento enquanto o enfermeiro parou sem saber se deveria continuar e eu lhe disse:
- Por favor, me leve de volta para o quarto. Serei justo e terei uma última conversa com essa senhora.
Ele deu meia volta e me encaminhou para dentro do quarto, dizendo que, quando eu precisasse, seria só chamá-lo. Soraia pegou uma cadeira e se sentou na minha frente. Seu semblante era só tristeza. Aquela bela mulata de outrora agora estava cinza, pálida, quase sem vida, sem brilho algum pelo menos. Eu a encarei sem o menor carinho e comecei:
- Fala.
- Desculpa, Gui. - Ela começou, após recobrar algum controle sobre sua própria lágrimas: - Eu errei. Me perdoa.
- Fala!? - Insisti.
- Eu só errei, Gui! Você não precisa saber os detalhes. - Disse, passando as costas de uma mão sobre os olhos: - Mas se você me der uma chance, vou fazer de tudo para corrigir esse meu erro e te fazer feliz. Eu prometo que não haverá um único dia em que eu me esforce para te fazer feliz.
- Como ontem!? - Falei cinicamente e insisti novamente, já perdendo a paciência: - Fala, Soraia!
- Gui… - Disse e abaixou sua cabeça, desviando seu olhar do meu.
Comecei a me debater na cadeira de rodas, tentando manobrá-la para sair do quarto, mas não estava fácil porque, naquele momento, eu só tinha disponível o braço direito, e ela, assustada por pensar que eu acabaria me machucando, foi logo dizendo:
- Para, Gui. Para! Você vai se machucar.
- Mais!? Não há nada que eu possa fazer comigo que seja pior do que o que você já me fez! - Retruquei, injuriado com sua cara de pau.
- Gui, para! Eu falo. - Ela disse, enfim, e eu parei, curioso e sedento por terminar logo aquela conversa.
- Então, fala!
- Tudo começou errado…
- Ah, não brinca!? - A interrompi, novamente de forma cínica.
- Vai me deixar falar ou não? - Ela agora me criticou e eu assenti com a cabeça: - Primeiro, foi a Beth tirando a roupa, depois o Jairo, daí o Tenório. Você até parecia estar reagindo bem, mas quando aquele idiota foi falar de mim, você despanou e bebeu igual um gambá. Daí capotou…
- Isso eu sei, Soraia. Dessa parte, eu me lembro. Pula essa!
- Daí, quando você apagou, as pessoas começaram a se liberar mais. Primeiro foi a Maria, depois o João, a Fátima… Só tinha ficado eu vestida. Então começaram a brincar, me insultar, chatear, até que não aguentei mais e tirei também. Não vi mal algum em ficar pelada, né!? - Me questionou, mas eu não respondi: - Então, pouco depois, começaram a transar, Tenório com Maria, Jairo com a Beth, João e Fátima… Depois que transaram um pouco, Jairo e o Tenório vieram se oferecer para mim, afinal, você estava apagado. Eu recusei. Então, elas vieram se oferecer para mim. Também recusei e ficamos bebendo, todos os sete numa roda.
Eu a encarava e pensava que se tivesse ficado só nisso, o perdão seria até possível, mas alguma coisa me dizia que ela tinha aprontado muito mais e era só questão de tempo para eu descobrir, por ela ou pelo João, porque ele não parecia gostar de mentiras. Não foi preciso porque ela própria continuou:
- Daí o filho da puta do Jairo colocou umas balinhas no meio da jarra da caipirinha das mulheres se avisar. Nem preciso falar o que aconteceu, né? As mulheres ficaram loucas e eu também. Daí eu acabei trepando com o Tenório, chupando a Fátima e levando linguadas no cu de sei lá mais quem. Uma loucura só.
Ela parecia encabulada enquanto me contava isso e eu estava estupefato com tamanha desfaçatez, mas ainda assim pensei que se fosse só isso, sexo movido por drogas, talvez eu pudesse perdoá-la. Eu precisava entender melhor:
- Você ficou louca pela droga, foi isso?
- Fiquei malucaça, sim.
- Mas não chegou a perder a consciência?
Ela me encarou triste e respondeu:
- De desmaiar, não. Eu fiquei mais alegre, mais leve, mais solta, meio sem controle mesmo, e, embora alguma coisa me dissesse que não era a coisa certa a fazer, eu acabei me deixando levar pelos outros.
- Eu não lembro de ter visto essa suruba no quintal.
- Não mesmo. Você estava apagado, mas mesmo que não estivesse, eu não estava à vontade para fazer perto de você. Então, fomos para dentro da sala da casa…
- E aí você ficou à vontade?
- Ah, Gui. Por favor…
- Só transou com o Tenório?
Ela abaixou o olhar e não respondeu. Então, insisti:
- Soraia. A verdade!
- Dei pra todo mundo, Gui! - Ela novamente me olhou com lágrimas nos olhos: - Chupei todo mundo, todo mundo me chupou, fiz de tudo, frente e verso, barba, cabelo e bigode, tudo! Difícil foi o primeiro, depois o resto foi no embalo.
- Porra. “No embalo”... - Disse e me recostei na cadeira, olhando para o teto por não conseguir encará-la nesse momento.
Depois de um breve momento, ela continuou:
- Mas juro que minha intenção não era essa! Eu queria curtir com você. Eu só iria fazer se você topasse. Minha ideia no início, era transar só com você no mesmo ambiente que eles para você ver como são as coisas. Daí se você quisesse experimentar outra coisa, a gente poderia tentar. Só que você apagou e o João ainda contou da conversa de vocês, que você ficou inclinado e tal... Daí bebida e sei lá mais o quê… Então, foi somando tudo, entende?
- Entendi, claro! Daí você entendeu que eu, por ter cogitado participar um dia, poderia dar umazinha com toda a galera já que eu estava dormindo praticamente ao seu lado e não me oporia, aliás, que eu aceitaria numa boa depois. Tipo um corno manso mesmo, né!?
- Eu errei. Eu sei. Eu devia ter esperado teu tempo. Só me dá uma chance de consertar!
- Consertar o quê? Como? Você moeu tudo! Não dá pra colar, não. Não sobrou um caco, tudo virou pó.
- Gui, pelo amor de Deus! As meninas disseram que te darão o melhor final de semana da sua vida se você me perdoar. Você poderá ficar com quem quiser. - Disse, me encarando com os olhos chorosos e já sem convicção alguma: - Até com todas as quatro. Um harém só seu…
- Credo, Soraia. De onde você tirou isso? Essa história só piora cada vez mais…
Acho que ela se tocou do absurdo da proposta e ela também se recostou na cadeira, me encarando e aguardando algum milagre a seu favor. Eu também a encarava, mas o milagre que ela esperava não vinha. O silêncio era ensurdecedor e começou a me fazer mal. Então, perguntei:
- Tem mais alguma coisa que você queira me contar? Se quer ser honesta, a hora é essa!
- Que eu estou profundamente arrependida de não ter ficado ao seu lado enquanto você dormia, de não ter sido mais sua esposa que uma fêmea no cio. - Daí respirou fundo, me olhando e disse: - E que eu te amo mais que tudo na minha vida e espero que você possa me perdoar ou, pelo menos, me dar a chance de me redimir.
- Ok. - Falei calmamente e ela se surpreendeu, abrindo um sorriso mesmo que brevemente: - Pode chamar o enfermeiro para mim?
- Enfermeiro!? Pra quê? Você está passando mal? - Perguntou, agora assustada.
- Não! Só quero dar meu telefonema agora. - Respondi ainda bastante calmo, embora despedaçado por dentro.
- Tá, mas e a gente?
- Não existe mais “a gente”. Vamos nos desquitar tão logo seja possível. Só preciso ligar para meu advogado tomar as providências.
- Gui, por favor…
- Chega, Soraia! Você tomou a decisão que quis, como quis e vai arcar com as consequências. Agora, chama o enfermeiro para mim, por favor.
Ela saiu chorando e ouvi seu choro diminuir de volume até sumir. O enfermeiro não chegava, então, com muito esforço, alcancei uma campainha e o chamei. Logo, ele apareceu e me levou até o consultório do médico, onde fiz minha ligação. No dia seguinte, meu pai e nosso advogado chegaram para me levar para casa. Me recuperei relativamente rápido dos ferimentos e, fora uma horrível cicatriz que ficou em meu rosto, o restante do físico se ajeitou. O emocional nunca mais foi o mesmo.
Gostaria de falar que nunca mais tive notícias da Soraia, mas não foi bem assim, pois minha paz durou não mais que três meses. Embora meu advogado tenha tentado resolver nosso desquite sem que houvesse necessidade de minha participação direta, ela se negou a assinar qualquer documento sem que antes houvesse um último encontro entre a gente. Ele ponderou e acabou me convencendo a encontrá-la uma última vez e assim fizemos no escritório de um advogado que ela contratou em sua cidade. Combinamos o dia, hora e, britanicamente, chegamos ao local indicado. Ela já se encontrava sentada num sofá da sala de espera. Estava linda, imponente, cheirosa e abriu um lindo sorriso quando me viu chegar, se levantando e vindo em minha direção para me cumprimentar com um abraço e um beijo que acertou minha bochecha por eu ter virado meu rosto:
- Oi, Gui. Tudo bem com você? - Me perguntou com a voz mais melodiosa possível, tão logo se afastou um pouco por eu não ter correspondido seu abraço.
- Vou bem, obrigado. E você? - Respondi da forma mais formal possível, afastando-me um pouco mais dela.
- Vou levando. Será que a gente poderá conversar hoje sem agressões? Sei lá… Tentar se acertar?
- Posso estar enganado, mas a reunião hoje não seria para tratarmos do desquite?
- Poxa, Gui. Só quero uma conversa. Isso! - Soraia falou agora com uma confiança que até mesmo me assustou: - Uma conversa só nós dois. Se a gente não se entender, eu assino qualquer papel que você quiser.
Meu advogado, que até então se mantinha em silêncio ao meu lado, cochichou em meu ouvido, ponderando que uma conversa não tiraria pedaço algum de mim e poderia facilitar demais a solução de todos os meus problemas. Concordei e após sermos recebidos pelo advogado da Soraia, e estando nós dois de acordo com uma última conversa, fomos encaminhados a uma sala de reunião que foi fechada, deixando-nos sós em uma mesa, de frente um para o outro:
- Fala, Soraia. - Comecei.
- Já conseguiu me perdoar pela merda que eu fiz?
- Não! - Respondi secamente, mas contemporizei: - Mas vou te perdoar um dia. Não sou do tipo que fica remoendo. Um dia a dor passa.
- Gui, por que você não me deixa tentar te reconquistar? Do zero, se for necessário.
- Porque mesmo que eu te perdoasse e te deixasse me reconquistar, eu nunca mais confiaria em você. - Falei olhando fundo em seus olhos: - Você me traiu de uma forma vil, covarde, suja mesmo. Éramos recém casados e na primeira chance que você teve, consciente ou não, você me meteu um chifre. Aliás, uma galhada imensa, enorme, variada.
Ela me encarava, calada, abatida, mas, ainda assim, não parecia querer se dar por vencida:
- Porra! Até pra aquele nojento do Tenório que o João me falou que nenhuma das outras quis dar, você deu! Porra, Soraia. - Insisti.
- Eu estava drogada, caramba! O Jairo misturou alguma merda na bebida e eu me perdi. Eu não estava cem por cento sã.
- Sua desculpa é essa? Droga!? Naquele dia, no hospital, você me disse que tinha consciência do seu erro, só que se deixou levar. Agora a história é outra?
- Não é outra, mas é a verdade. Se eu não tivesse bebido, nada daquilo teria acontecido e a gente estaria vivendo numa boa até hoje.
- Verdade! Mas bebeu, se drogou, sei lá, e fez o que fez. Não aceito ser o chifrudo da história. Não aceito.
Ela começou a chorar de soluçar e vi que estava a ponto de passar mal, pois ficou pálida e a tremer. Vi uma bandeja com uma jarra de água próxima e fui buscar um copo de água para ela que pegou o copo, não sem antes me segurar a mão que o carregava. Depois de um breve momento, me soltou e tomou a água em goles pequenos e constantes:
- Obrigada. - Disse assim que se acalmou.
- Soraia. - Pedi sua atenção: - Vamos acabar logo com isso. Você segue sua vida e eu, a minha. Não precisamos virar inimigos.
Ela me encarava e se recostou na cadeira em que estava, desviando seu olhar para a direita. Nesse momento, um movimento diferente dela me chamou a atenção: ao invés de trançar os dedos e colocar sobre o colo, ou colocar as mãos sobre as pernas, ou colocar as mãos sobre a mesa, ela a levou até seu ventre, acariciando-o sutil e suavemente. Estremeci no mesmo instante, pois, ao fazer aquilo, pude notar uma leve diferença, uma barriguinha, talvez uma gravidez. Como me calei e minha atenção ficou presa em seu ventre com os olhos arregalados, quando ela notou, falou sem receio algum:
- Sim! É isso mesmo.
- Você só pode estar de brincadeira!? - Falei e me levantei, bravo, irado, com toda a situação: - Como que isso aconteceu?
Ela sorriu com a pergunta feita e respondeu:
- Oras… Papai plantou uma sementinha na hortinha da mamãe. A hortinha estava pronta para o plantio. O amor regou e a sementinha pegou. Agora a gente tem que esperar a colheita. - Disse, sorrindo tímida, mas malandramente para mim e agora ainda com os olhos brilhando.
- Porra, Soraia! - Gritei: - E quem é o pai?
- Guilherme!? - Ela me rebateu quase gritando e fechando a cara para, depois ser tomada por uma tristeza sem igual, mas se recuperando logo depois para falar: - Vou te perdoar a grosseria por tudo o que te fiz passar, mas nunca mais me trate como uma qualquer. É claro que o filho é seu!
- E que certeza eu tenho disso?... Porra, Soraia!
- Estou de quatro meses, de acordo com minha médica. Aquela merda toda aconteceu há uns três. Faça as contas. - Ela me disse e ainda insistiu: - Eu não entendo como você não desconfiou de nada em nossa lua de mel… Eu estava mais interessada em ver coisinhas de bebê que presentes para mim ou para você, Guilherme.
Nesse momento, minha memória começou a puxar as lembranças de nossa lua de mel e realmente, enquanto passeávamos, era comum ela se distrair com as vitrines de lojas de bebê. Agora tudo fazia sentido, mas eu ainda não conseguia aceitar tudo aquilo:
- Você já tava grávida? - Insisti.
- Já estava desconfiando, mas não tinha certeza. Só estava esperando irmos para nossa casa para confirmar e te dar a notícia.
Sentei abatido na cadeira à sua frente e agora quem não tinha certeza de mais nada era eu. Fiquei perdido, olhando para o chão e, às vezes, para sua barriga. Ela se aproximou e colocou uma mão minha sobre seu ventre:
- Para, Soraia. - Pedi, tentando puxar minha mão, sem saber se era mesmo o que eu queria.
- Gui, para você! - Ela me retrucou e insistiu no toque: - Sente. É seu filho ou filha. Não rejeita o bebê.
Acabei cedendo e deixei que me guiasse. Notei que sua barriguinha já começava a ficar aparente. Aliás, só aí notei que seu quadril também não era mais o mesmo e talvez ela toda estivesse mudando. Eu sonhava em ser pai, sempre quis ter uma família. Foi inevitável segurar uma lágrima, mas eu ainda não sabia se de dor, raiva, arrependimento… Soraia notou meu conflito e me abraçou a cabeça, colando-a em seu ventre:
- Desculpa, Gui. Me perdoa. Eu sei que te fiz sofrer. Só me dá uma chance. Eu juro que vou fazer de tudo para te merecer, todos os dias da nossa vida. - Falou, já choramingando e continuou: - A gente já ia morar na fazenda. Ninguém sabe de nada lá. É nossa vida, é nosso bebê, nosso futuro. Me deixa consertar esse erro? Por favor…
Acabei a abraçando também e chorei de vez, de soluçar, ao ponto de chamar a atenção de quem nos aguardava fora da sala. Logo, sua advogada, junto do meu, abriu a porta imaginando que uma tragédia qualquer, mas, ao nos verem naquela condição, não entenderam nada e voltaram para trás surpresos ou assustados. Agora era Soraia que me oferecia o mesmo copo de água que lhe dera minutos atrás para me acalmar. Bebi, enquanto ela se sentava à minha frente, mas bem próximo de mim, ainda segurando minha mão, talvez para não perder o contato físico comigo que tivemos há pouco em depois de um tempo, já mais calmo, falei:
- Eu não consigo confiar em você, Soraia. Não vou deixar nada faltar para essa criança, mas não consigo me ver mais com você.
- Meu bebê eu crio, Guilherme. - Falou agora cheia do orgulho que sempre a definira como mulher: - Eu queria e quero criar uma família com você, mas se isso não for possível, fica tranquilo que não quero nada seu. Nada vai faltar para o meu bebê.
- Mas se for meu…
- Se for seu, não, ele é seu! - Ela me interrompeu, agora brava: - Não duvide de mim. Eu errei sim, é fato! Mas nunca menti para você, nem omiti o que tinha acontecido naquele dia. Esse filho é seu e o meu amor por você é verdadeiro. Só cabe a você aceitá-los ou não.
Àquela altura do campeonato, eu já não tinha certeza de mais nada, mas decidi pedir um adiamento na reunião para o dia seguinte. Assim poderia pensar, conversar com meu advogado e tomar uma decisão mais justa para todos:
- Tudo bem. Eu concordo. - Ela falou.
Comunicamos nossa decisão aos advogados e fomos eu e meu advogado, doutor Bonifácio, para um hotel da cidade. No quarto expliquei toda a situação para ele que ficou estupefato com a novidade. Perguntou-me o que eu estava pensando em fazer e lhe disse que pensaria durante a noite para tomar uma decisão equilibrada no dia seguinte. À noite, desci até a recepção e liguei para a casa da Soraia, convidando-a para um jantar de amigos, num restaurante do centro. Ela aceitou e, às oito horas da noite, nos encontramos no local. Sentados, ela me encarou:
- Estou surpresa com o convite.
- Precisamos comer e eu preciso de respostas. - Falei sem cerimônia alguma: - Quero saber exatamente como e o que aconteceu naquele dia. Quero todos os detalhes para tomar uma decisão justa para todos.
- O que você quer saber que eu ainda não tenha te contado? Já falei tudo. Só não falei em detalhes…
- Isso! Detalhes…
- Guilherme, eu não quero te contar o que fiz naquela noite. Você já está machucado e vai ficar ainda mais. Esquece tudo aquilo.
- Eu tenho o direito de saber para decidir. Se houver chance de recomeçarmos, quero que seja sem mentira alguma. O seu passado, antes de nós, não me interessa, mas se um dia quiser me contar, eu escutarei, sem cobranças. Entretanto, nosso passado juntos, é um direito meu saber.
Ela parou me encarando enquanto tomava um gole de um suco de laranja que havia pedido previamente. Parecia me analisar para ver se eu aguentaria todos os detalhes de sua noite devassa. Por fim, acredito que tenha se deixado vencer por uma possibilidade de reatarmos caso fosse realmente honesta comigo e falou:
- Tem certeza?
- Tenho.
- Ok, então. Eu acho que isso não é realmente necessário, mas se você faz questão… O que você quer saber?
- O que aconteceu naquele dia depois que eu desmaiei?
- Então… - Ela parecia procurar as palavras menos contundentes, mas não se furtou: - Assim que você desmaiou, literalmente, fiquei apavorada. O João e o Jairo vieram te ver, mas como você respirava bem e ainda balbuciava xingamentos quando eles tentavam te acordar, me acalmaram, dizendo que um sono seria tudo o que eu precisava. O Tenório, por sua vez, apesar de também ter vindo junto deles, parecia mais interessado em exibir o pau que em te acudir…
- Eu não fui muito com a cara dele mesmo. - Eu falei, a interrompendo.
- Pois é. Na verdade, ele é meio “entrão”, mas não é má pessoa. - Ela concordou: - Depois disso, eu não queria sair do seu lado. As meninas vieram e tentaram me convencer a aproveitar um pouco do sol, mas eu não queria. Para mim, o churrasco já tinha acabado. Daí, o Jairo foi fazer uma jarra de caipirinha e trouxe copos para todas nós. Só que hoje, eu tenho certeza que o filho da puta havia colocado alguma coisa no meio e, quando nos demos conta, já era tarde demais.
Eu a encarava, sério, e bebia a minha cerveja. Ela continuou ao ver que eu estava assimilando bem:
- Pior é que todos haviam bebido aquela caipirinha batizada. Então, todo mundo começou a ficar louco. Os homens vieram para cima de suas mulheres e, como já tínhamos feito outras festas loucas daquela, elas acabaram se permitindo aproveitar mais intimamente com eles. Ficamos apenas eu e você ali. Eu ainda tentei te acordar sei lá quantas vezes. Eu queria que você ficasse acordado porque aí saberia que ninguém tentaria nada comigo, mas você só dormia, babava e xingava.
Infelizmente eu sabia que isso poderia ser verdade. Afinal, havia bebido quatro baita copos de caipirinha de uma vez. Isso, misturada às várias doses que já havia ingerido, virou uma bomba contra mim mesmo. Ela continuou:
- Daí o Tenório acabou ficando com a Maria no rancho mesmo, praticamente ao nosso lado…
- Eu lembro de ter visto algo disso. - Acabei interrompendo novamente para concordar com ela.
- Eu acredito que sim, porque eu estava tentando te acordar de todo o jeito. - Ela confirmou: - Os outros foram transar na piscina. Depois de uma primeira rodada entre si, os três vieram para cima de mim e aconteceu o que aconteceu.
- Aconteceu o quê? Com quem? Como? Onde? Essa é a parte que eu quero entender.
- Poxa, Gui. Esquece disso. - Ela agora me pediu claramente constrangida.
- Tudo bem, Soraia. Se não quiser falar, vou respeitar sua vontade. - Disse e tomei um novo gole de minha cerveja: - Mas já fica ciente que, sem honestidade, está tudo acabado entre a gente. A verdade pode me convencer a continuar; a omissão te dá a certeza do fim.
Ela me encarou com os olhos marejados e, sem saída, continuou:
- Eu fui fraca, Gui! Os três vieram para cima de mim com os paus duros, se oferecendo para que eu escolhesse quem quisesse ou, na dúvida, poderia ficar com os três. O Tenório ainda teve a cara de pau de dizer que seria como uma despedida de solteira. Eu também já estava louca da bebida e sei lá de mais o que o Jairo colocou naquela caipirinha e, com a esfregação deles em mim, acabei cedendo.
Eu a encarava e, inadvertidamente, balancei de forma negativa minha cabeça. Aliás, vendo que ela havia se calado, insisti:
- Termina a história, Soraia.
- O Tenório praticamente enfiou o pau na minha boca. Daí, num rompante de lucidez, eu disse que ali, na sua frente, eu não faria e que eu não sairia de perto de você porque ainda estava preocupada com seu pileque. A Maria se ofereceu para ficar te vigiando e, sem saída e talvez até um pouco excitada, acabamos indo para a sala da casa da Fátima. Nem sei como cheguei lá, mas cheguei e nua. Daí me colocaram de joelhos no meio da sala e fiquei revezando um boquete nos três. O Jairo logo gozou na minha cara e foi se sentar ao lado da Fátima que assistia a tudo. O João se sentou no chão e me puxou para continuar chupando ele, enquanto o Tenório passou a me foder de quatro.
- Logo com o Tenório, hein!? - Falei, chateado, mas estranhamente tranquilo.
- E se fosse com outro, faria diferença? - Ela me perguntou, mas se calou com a aproximação do garçom que trazia nossos pedidos, voltando a falar após a entrega, sem esperar uma resposta minha: - Depois, o Tenório se deitou no chão e me pediu para cavalgá-lo. O João ainda não havia gozado e ficou na minha frente para chupá-lo. Logo, o Jairo voltou com o pau meia bomba e também passei a chupá-lo. Num descuido meu com o João, ele foi para trás e me enrabou. Ficamos nessa posição até que os três gozaram. Nessa hora me bateu um arrependimento, consciência pesada por ter feito aquilo com você, e comecei a chorar com eles ainda engatados em mim. A Fátima, vendo meu estado, foi me tirar do meio deles e me levou de volta até você que ainda dormia. Lá eu fiquei ao seu lado até você acordar e eles ficaram em volta da piscina. Às vezes vinham conversar comigo, mas eu não quis mais papo, me senti usada, abusada por eles e só não fui embora porque você não acordava.
Eu a encarava sem ódio ou prazer no que ouvia. Estranhamente, eu estava frio, impassível. Depois de tentar assimilar os fatos, não sei porque ainda perguntei:
- Você gozou com eles?
- Não. Disso eu tenho certeza. Eu não curti. Eu não queria fazer aquilo, mas, a bebida, droga, sei lá… - Ela própria se interrompeu sem saber o que mais falar: - Eu fui fraca e não me defendi quando precisava ter defendido nós dois.
- Aconteceu mais alguma coisa depois disso?
- Não. Comigo, nada. Eles ainda transaram entre si, mas eu não quis mais nada. Acho que eles se tocaram da merda que fizeram comigo. Depois você acordou e o resto da história você já sabe.
- Certo. - Falei ainda tentando digerir tudo aquilo: - Tenho uma última pergunta. Você ficou com alguém desde que nos separamos?
- Não. Juro que não. Não tive cabeça, nem vontade para isso e ainda estou grávida. Além disso, eu me guardei para você, na esperança de podermos reatar.
Eu estava atordoado com tantas informações, mas preferi não comentar nada naquele momento. Voltei minha atenção para nossos pratos e disse:
- Ok. Vamos comer antes que esfrie. Bom apetite. – Disse e provei um insípido Fettuccine ao molho branco, insistindo ainda: - Come porque você está grávida. Tem de comer por dois.
Ela também passou a comer uma lasanha que pediu e ficamos em silêncio enquanto comíamos aquela comida. Pela cara que fez, acredito que a dela também devia estar com sabor de fel. Quando estávamos quase terminando, ela me perguntou:
- Você está bem?
- Claro que não, né!? Mas vou sobreviver.
- E a gente?
- Vou pensar hoje de noite e você terá minha resposta amanhã de manhã, antes mesmo da reunião. Pode ser?
Ela concordou e acabamos por conversar apenas amenidades no restante do jantar. Ela me perguntando do meu dia a dia na fazenda e eu o dela. Na saída do restaurante, enquanto nos despedíamos, ela me abraçou forte e pude sentir seu coração batendo mais acelerado perto do meu. Foi uma sensação estranha tê-la em meus braços novamente e acabei me permitindo curtir aquele momento. Sua respiração, próxima ao meu ouvido, estava mais acelerada, demonstrando todo o significado para ela daquele contato permitido naquele momento. Acabei oferecendo uma carona até sua casa que foi aceita. Lá no carro, nos despedimos novamente. Ela ainda tentou me beijar a boca, mas eu, educadamente, pedi que me aguardasse até a manhã do dia seguinte. Por fim, a vi subir os lances de degraus até a porta da casa de seus pais e vi meu sogro com aquele olhar de ódio para mim enquanto ela entrava na casa. “Nem adianta olhar pra mim assim, velho: a culpa é dela!”, pensei comigo pouco antes de sair de lá para o hotel.
Dormi bem naquela noite. Apesar de todos os detalhes contados e da dor que aquilo ainda representava para mim, saber toda a verdade por sua boca, de certa forma, ajudou a acalmar meu coração. Ela errou sim e muito, mas seu discernimento não era pleno, muito embora ela pudesse ter se negado a participar de qualquer coisa.
Na manhã do dia seguinte, comuniquei minha decisão ao doutor Bonifácio que a acatou e entendeu ser bastante prudente. No escritório da advogada dela, chegamos antes da própria Soraia que não demorou mais que dez minutos para chegar, pedindo desculpas pelo atraso. Ela me cumprimentou com um abraço receoso. Eu, por minha vez a abracei gostoso e, ao nos afastarmos, voltei a puxá-la para mim, beijando agora sua boca na frente de todos os presentes:
- Já tem minha resposta. – Falei em seguida, encarando-a no fundo dos olhos para que ela enxergasse fundo em minh’alma que, agora, estava descansada, embora ainda triste com o acontecido.
Soraia começou a chorar e me abraçou com vontade, sendo correspondida por meus braços. Quando enfim se controlou, comuniquei a todos os presentes que nós nos daríamos uma nova chance. Resolvida as últimas questões pendentes, voltei a deixá-la na casa de seus pais com a promessa de voltar no dia seguinte para buscá-la e providenciar sua mudança para minha casa. Voltei para minha cidade com o doutor Bonifácio que foi deixado em seu escritório e fui para minha casa, dar as últimas instruções para receber Soraia. Infelizmente, nem tudo corre conforme nossa vontade.