Este conto acontece depois da história: “Déa – Uma Paixão Assustadora”
A REENCARNAÇÃO
Nunca me recuperei daquele acontecimento. Meu breve relacionamento com Déa foi intenso, e me marcou para o resto da vida. Os dias se transformaram em meses, os meses em anos, e continuei pensando nela, em como minha vida poderia ter sido se ela estivesse viva. Ou se, pelo menos, tivesse continuado a me ver, mesmo sendo um fantasma.
Eu poderia ter feito como outras pessoas, que após algum tempo resolvem tocar a vida e arrumar um outro relacionamento, passam a ir com menos frequência ao cemitério, até que aquele “grande amor” se torna apenas uma vaga lembrança, junto com outras memórias passadas.
Não foi meu caso. Meus encontros com ela foram tão vívidos e intensos que pareciam ter acontecido ontem, e não anos atrás.
Certo dia, eu estava no Cemitério São Francisco, conversando com a foto de Déa, como era meu costume, quando uma menina de uns cinco anos se aproximou. Ela trazia uma flor na mão. Como é normal para uma criança dessa idade, já veio falando:
- Ela era bonita.
- Era mesmo, era muito mais que bonita. Era a moça mais linda do mundo.
Minhas lágrimas eram evidentes.
A menina corou, não entendi o motivo. Ela olhou bem nos meus olhos e continuou:
- Mas ela não está mais aí, por que você conversa com ela?
- Tem razão, a alma dela já está no Céu. Mas eu me sinto bem vindo aqui.
- Hum.
Olhei para ela, parecia estar pensando em algo para dizer. Falei:
- Se você gosta muito de alguém, muito mesmo, quer ficar perto dessa pessoa.
Ela então falou, me olhando nos olhos:
- É verdade. Mas quando a gente morre é difícil.
Achei estranho o jeito dela falar, mas talvez ela se referisse a algum parente que havia morrido, talvez o avô dela.
- Filha, cadê você?
Era a mãe dela. Ela se aproximou de onde estávamos.
- Desculpe, minha filha é muito xereta. Estava lhe incomodando?
- Não, de jeito nenhum. Vieram visitar um parente?
Ela não respondeu. Apenas disse:
- Desculpe, precisamos ir. Vamos, filha?
A menina pensou um pouco, e colocou a flor abaixo da foto de Déa. Era um amor-perfeito.
- Eu…sabe, ela gostava dessa flor.
- Como você pode saber, filha?
- Porque eu sei. Ela gostava.
A mulher pegou a filha pela mão, foram saindo em direção ao portão de saída. Enquanto andavam, ela virou o rosto e me encarou. Do nada, começou a assoviar o refrão de uma música que eu conhecia muito bem. Era “Wuthering Heights” da Kate Bush. Muita coincidência! Ao ver minha cara de espanto, ela riu. E acenou de longe.
O tempo foi passando. Lembrei do que a menina havia dito… “Ela não está mais aí”. Estava com a razão. Se ela não estava mais lá, por que eu ia sempre no cemitério? Eu poderia conversar com Déa em qualquer lugar, mesmo em casa.
Só que aquele lugar era especial. A duas quadras dali, tive longas conversas com ela. Foram momentos inesquecíveis. Tornou-se um hábito ir lá e conversar com minha amada, dizer coisas que eu poderia ter dito se ela estivesse viva.
No aniversário dela ( eu havia feito as contas pelo que ela havia dito, que tinha 24 anos, 6 meses e 21 dias quando nos encontramos pela primeira vez) fui novamente ao cemitério, e lembrei de colocar um buquê de amor-perfeito na capelinha do mausoléu. Vi alguém se aproximando, era um homem de meia- idade.
- Pelo jeito, você conhecia minha filha, ela adorava essas flores, tínhamos em nosso jardim.
- O senhor deve ser o pai dela. Prazer.
- Sim… ela se foi muito cedo. Um pai nunca deveria ir depois de uma filha.
- Lamento muito.
Não consegui conter as lágrimas. Ele notou.
- Você a amava, posso perceber. Mas ela não havia me falado de você. Não que eu me lembre.
Eu precisava dizer algo que não me fizesse parecer maluco. Afinal, eu a conheci depois dela ter morrido.
- Tivemos um início de namoro, mas infelizmente… o senhor sabe… foi tão repentino…
- Foi mesmo. E foi tão terrível... felizmente o canalha que fez aquilo a ela teve um fim merecido.
Ficamos em silêncio por algum tempo, sem saber o que conversar, apenas olhando para a foto dela.
Então, do nada, a mesma menina da vez anterior apareceu.
- Oi. Você trouxe as flores que e…ela gosta.
- É mesmo. Você é uma menina esperta.
- Eu sei.
Ela olhou para o pai de Déa, que estava fitando a foto da filha. Com o dedo, cutucou o ombro dele. Ele se virou, assustado.
- Hã? Quem?
- Você é um boboca mesmo, Seu Francisco, devia lembrar do que estudou.
- MAS O QUE ESTÁ ACONTECENDO?
A menina não se perturbou, mesmo com ele falando em voz alta. Ela apontou o dedo, dizendo:
- Resurrexit , Sicut Dixit!
Ele continuou, visivelmente perturbado:
- Aleluia…
E ela:
- Ora Pro Nobis…
Eu não estava entendendo patavina. O que era aquilo?
-Filha, está incomodando de novo esse senhor? Desculpe, lembro da outra vez.
O pai de Déa perguntou:
- Ela esteve aqui antes?
Ela respondeu rapidamente:
- Estive sim, e falei das flores.
- Filha… vamos indo. Desculpem, ela às vezes fala coisas que nem eu consigo entender.
- É latim, senhora.
- Latim? Como?
- É um trecho de “Regina Caeli”, uma música do século 12.
- Impossível, minha filha não sabe nada de Latim, muito menos desse tipo de música.
- Mas foi o que ela recitou agora. A minha filha cantava no Coral…
- Senhores, isso é muito estranho. Desculpem, mas precisamos ir.
A mãe pegou a mão da menina e foi saindo, desta vez com mais pressa.
- Filha, você deve parar de fazer essas coisas!
- Mas mãe…
- Senhora, espere!
A mulher saiu caminhando apressada, quase arrastando a menina, que resmungava.
Falei ao senhor Francisco:
- Calma, senhor. Ela tem razão. Somos desconhecidos para ela.
- Mas a menina falou comigo exatamente como minha filha falava!
- MAS COMO?
- Déa costumava me chamar de “ Seu Francisco” quando estava contrariada, de boboca quando queria me provocar, e continuou fazendo isso depois de adulta!
- Meu Deus! E o que foi aquilo em latim?
- Resurrexit, Sicut Dixit! “ Ressurgiu, como disse!”
- Ressurgiu??
- Ela disse que eu devia lembrar do que estudei!
- E o que foi?
- A Teoria da Reencarnação!
- Senhor, pode achar estranho, mas ela me perguntou por que eu conversava com Déa, se ela não estava mais aqui. E falou de um jeito estranho. Corou quando eu disse que Déa era a moça mais linda do mundo.
- Filho... pode parecer inacreditável o que vou dizer, mas acho que ela pode ter... reencarnado.
- Nessa menina?
- Sim. Seria impossível que ela soubesse tudo isso.
- Se isso fosse verdade, seria um consolo saber que Déa continua viva, de alguma maneira.
- Se ela mantiver sua memória, imagine eu poder falar com minha filha de novo!
- Mas e o trauma por que ela passou, a morte violenta? Não pode prejudicar a infância dela? Será que não é isso o que impede as pessoas de lembrarem das vidas passadas?
- Espero que essa lembrança não tenha retornado com ela, se tudo isso for verdade.
- Mas e agora, o que faremos?
Ele ficou pensando, andou de um lado para outro. Embora emocionado, concluiu:
- Não podemos fazer nada a não ser esperar. Ir atrás da mãe dela, ou pior, da menina, seria uma clara evidência de assédio.
- Mas poderíamos, de longe, acompanhar pelas redes sociais se ela está indo bem, como vai a saúde dela...
- Não, não. Apenas saber que ela pode estar viva nesta encarnação tem que ser suficiente. Qualquer coisa além disso poderia prejudicá-la mais ainda.
O que ele falou viria, mais tarde, a se tornar verdade. Reencarnação pode ser um assunto complicadíssimo.
Conversamos mais um pouco, e nos despedimos. Mesmo com o assunto esotérico em pauta, não tive a coragem de contar a verdade sobre meu relacionamento com a filha dele. De como eu havia me apaixonado pelo fantasma dela.
O tempo passou, e nas vezes em que retornei ao Cemitério, não avistei mais a menina. Com toda a certeza, a mãe dela evitou que viesse ao nosso encontro quando estávamos lá.
No entanto, eu ainda tinha aquele costume que descrevi no conto anterior. Todos os anos, desde 2014, na noite de 31 de outubro, eu deixava a janela do meu quarto entreaberta. E colocava para tocar “Wuthering Heights” no aparelho de som. Mas, como eu disse, ela nunca mais retornou. A resposta seria que, como Déa havia reencarnado logo após aquela última noite, seu espírito não retornaria para me ver.
No entanto, tive uma surpresa. Algo inusitado havia ocorrido. Eu havia contratado uma diarista, que vinha duas vezes por semana, para dar uma faxina geral no apartamento. As janelas da sala tinham floreiras, e um dia desses ela resolveu arrumar as flores. Ela veio até mim com um saquinho de plástico.
- Olhe só o que achei na floreira! Alguma criança engraçadinha está jogando estas coisas em sua janela!
Eram bolinhas de gude azuis, cor de safira. A cor dos olhos dela!
- Uma das bolinhas veio com um papel amarrado com elástico, veja!
Abri o papel. Estava escrito, com letra infantil:
- Sou eu. Voltei. Você me espera?
Saí de perto da mulher e fui para o meu quarto, não consegui conter as lágrimas.
E agora? Eu tinha 30 anos quando ela morreu, teria 50 quando ela estivesse com 20. Se realmente era ela, eu esperaria. Mas será que iria ainda gostar de mim quando eu tivesse 60, 70 anos? Fiquei muito preocupado, mais ainda ao perceber que ela estava jogando coisas na janela de alguém desconhecido para os pais dela.
Eu poderia ficar encrencado. Também jamais poderia ir atrás dos pais dela, muito menos comentar sobre a suspeita da reencarnação. Eu precisaria fazer como o senhor Francisco havia dito, contentar-me em saber que ela estava bem, sua alma continuava viva em outro corpo.
Os anos foram passando. Embora sempre pensasse em Déa, lembrando de nosso amor, nunca procurei saber onde ela estava morando ou em qual colégio estudava.
Mas eu sentia que ela pensava em mim. Eu sempre recebia ligações telefônicas de números desconhecidos ou telefones públicos. Quando eu atendia, desligavam. No início, achei que eram essas empresas de telemarketing, mas em uma ou outra vez, eu ouvia um suspiro como os que Déa dava, e uma noite, em que eu estava muito nervoso, gritei:
- Porra, quem é?
E a voz dela respondeu, chorosa:
- Eu só queria saber se você está bem... desculpe.
Aquele “Desculpe” era o mesmo que Déa tantas vezes havia dito. Eu falei rapidamente:
- Por favor , eu é que peço desculpas! Não desligue!
- Eu sei que não posso ligar. Mas minha vida está muito difícil.
Depois dessa vez, as ligações rarearam. E eu me senti muito, muito mal.
De vez em quando, eu conversava com o Senhor Francisco, não dava para dizer que tivéssemos nos tornado amigos íntimos, mas bem, ele era quase como um sogro, e eu o genro que ele não chegou a ter. Às vezes, íamos a um bar para tomar alguma coisa e conversar, ou apenas caminhar , e nessas ocasiões ele me contava a respeito de sua filha, situações engraçadas que ocorreram, acontecimentos tristes...como o falecimento da mãe, quando Déa era adolescente.
Nessa época, a menina – o nome que ela recebeu foi Maria Tereza – deveria estar entrando na adolescência. Foi quando o Senhor Francisco me ligou, parecia transtornado. Fui correndo ao encontro dele.
- Meu filho, você não vai acreditar! A mãe dela a levou para um Exorcismo!
- Exorcismo? Como?
- Conheço o Padre da Igreja que ela frequenta! Ele me contou, sem dar nomes , que iria exorcizar uma menina que acreditava ser a encarnação de uma moça que havia morrido assassinada...e a mãe achava que na verdade ele estaria possuída por um espírito maligno que...que...
- Não entendi ! Déa, um espírito maligno? Que bobagem!
- Espere até ouvir isto... quem as duas costumavam visitar no cemitério era o pai da menina, que morreu na mesma noite em que ela nasceu!
- Como assim? O Pai dela?
- Você não entende... o marido da mãe dela era o “Reizinho”, o mesmo homem que assassinou Déa!
- Meu Deus! Então...
- Então Déa reencarnou no corpo da filha do seu próprio assassino! Entendeu agora?
- AH NÃO !!!! E Ela matou o homem na noite em que...
- O QUE VOCÊ DISSE AGORA?
Eu estava totalmente ferrado. Na última noite que passamos juntos, Déa havia me dito que “havia resolvido” algo importante. E , no momento do acidente que matou o filho do político, havia uma moça loira no carro.
- Senhor Francisco, eu nem sei como começar...
- O QUE VOCÊ FALOU?
- Eu fui até perto do local do acidente que matou aquele homem. E muitas pessoas viram uma moça loira no carro dele, antes da batida. E a moça sumiu. Disseram que era uma “Loira Fantasma”!
Procurei evitar de contar a parte onde ela já era uma aparição quando estava comigo.
- Mas o que você quer dar a entender com isso?
- Olha...Senhor... ela pode ter retornado em espírito, para evitar que aquele homem fizesse o mesmo com outras mulheres. Ele já era suspeito de ter estuprado outras.
- Como um espírito de vingança?
- Não, um espírito de Justiça.
- Mas então por que? Por que?
- Não sei, sinceramente não sei.
- Carma... só pode ser.
- Carma?
- Estou procurando ser racional e fazer o que minha filha me disse, tentar ser racional e lembrar do que aprendi.
- E o que o Carma tem a ver com isso? Não é algo como ação e reação?
- Sim, mas o mundo espiritual é mais complexo. Só podemos tentar deduzir as coisas.
- Então...ela ter nascido como filha do homem que a matou, pode ser um tipo de reação ao fato dela ter provocado a morte dele. Mas com qual motivo?
- Uma penalidade. Assim, reencarnando e mantendo as lembranças do que aconteceu, ela tem todo o período entre a infância até a idade adulta para refletir sobre o que fez, e por que fez.
- Mas o homem mereceu morrer.
- De acordo com as leis humanas. E não pense que discordo. Se ele não tivesse morrido no acidente, eu mesmo iria atrás dele para matá-lo.
- Eu já havia pensado o mesmo. E agora?
- Agora, esse Exorcismo pode deixar a menina ainda mais perturbada!
- E não há nada que possamos fazer?
- Infelizmente não. Só podemos rezar para que ela, se ainda estiver raciocinando como uma moça adulta, consiga passar por esse trauma sem danos emocionais. Mas conversei com o Padre, sugerindo que muitos desses casos de “possessão” na verdade são transtornos psicológicos.
- E será que um psicólogo ou psiquiatra entenderiam isso?
- Não, creio que a maioria não. E não podemos escolher para ela um psicólogo da linha espírita...
Fui para casa muito abalado. Déa seria “Exorcizada”. Tive insônia por vários dias.
Cerca de um mês depois, o Sr. Francisco me atualizou a respeito. Segundo o Padre, o exorcismo não teve efeito algum, a menina insistiu que não estava possuída por um espírito, que era ela mesma, só que ela lembrava da vida anterior. E então ele recomendou que a mãe da moça a levasse a um psiquiatra, já que os neurologistas que ela consultara na infância não haviam detectado nenhuma doença orgânica.
- Pensaram até em doença neurológica.
- Pois é. O problema é que os psiquiatras, no geral, adoram encher os pacientes de drogas psicotrópicas. Remédio para dormir, remédio para acordar, remédio por via das dúvidas.
- Infelizmente.
Em uma quarta-feira à noite, o telefone tocou. Atendi, e procurei falar em tom suave, poderia ser ela.
- Boa noite... espero que esteja tudo indo bem com você.
Era ela. Respondeu:
- Eu não podia estar ligando. Minha mãe está cada vez mais furiosa comigo. Eu só liguei para...para... ( soluços)
- Déa? O que foi?
- Eu tenho medo que os remédios me façam esquecer você. Eu não posso esquecer você. Eu nem posso dizer o que sinto, podem estar gravando o que falo.
- Nem eu, Déa.
- Só você diz o meu nome, todo mundo quer que eu seja Maria Tereza.
- Ah, querida...
Falei o que não devia. O que não podia. Embora ela tivesse vinte e quatro anos ( e seis meses, vinte e um dias) quando nos conhecemos, quem estava ao telefone era oficialmente uma adolescente.
- Eu sei...(soluços). Por favor, não esqueça de mim. Você não consegue falar com a Doutora Marie?
- Me dê o nome inteiro dela. Vou ver o que posso fazer. Vou marcar uma consulta para mim, e depois ver se faço alguma coisa.
- Por favor. Meu...meu... amigo.
Ela desligou. Eu entendia a posição da mãe dela. Ela queria uma filha normal. Um casamento normal. Mas, estando grávida, descobriu que seu marido, que deveria ser um político honesto e exemplar, era na verdade um estuprador, suspeito de assassinar uma moça. E ainda, depois que a filha nasceu, descobriu que a menina poderia ser a reencarnação da vítima dele.
Qualquer mulher ficaria maluca, totalmente transtornada. E, obviamente, passaria toda essa psicopatia para a criança.
De qualquer maneira, eu precisava tentar algo, e então marquei a consulta com a Doutora Marie, psiquiatra. Mas seria apenas na semana seguinte, mesmo pagando particular.
Eu estava extremamente angustiado e estressando, tanto pelo trabalho como por essa situação. Era como estar amarrado e vendo uma tragédia se desenrolando à minha frente.
Alguns dias depois, cheguei muito cansado do trabalho, mas não pude deixar de reparar no envelope que haviam enfiado por baixo da porta do meu apartamento.( Como meu prédio não tinha porteiro, a síndica ou os funcionários colocavam as cartas, contas de luz e telefone, boletos por baixo da porta).
Era um envelope bonito, obviamente enviado por uma mulher. Como não havia selos nem remetente, havia certamente sido colocado na caixa de correio pessoalmente. Abri-o e comecei a ler, já me emocionando nas primeiras linhas. Era uma longa carta, escrita à mão, com uma letra bonita, mas com algumas palavras riscadas e reescritas, mostrando que havia sido feita com uma certa pressa. Estava escrito:
“ Amor da minha vida.
Talvez eu tivesse que escrever “da minha morte”, não sei. Eu precisava escrever para você, porque não sei o que me espera. Aquelas sessões de exorcismo me abalaram muito, eu nunca pude entender por que a mulher que me criou pôde chegar a esse ponto. O padre ficava me chamando de espírito mau, falando coisas em latim, gritando comigo. Pior ainda, ela me levou a uma psiquiatra que quer me encher de drogas para pessoas loucas, coisa que não sou.
Não sei se vou continuar raciocinando normalmente, então eu queria que você soubesse como foi a minha vida depois de você...sem você. Nunca tivemos a chance de ter uma conversa longa, e eu ainda não tinha me desenvolvido o suficiente para me expressar como eu queria. Ainda sinto que, nesta idade, é difícil encontrar as palavras certas. Desculpe.
Parece que estou sempre pedindo desculpas, né?
Vou tentar começar do começo mesmo, mas não quero ser muito chata, sei que você trabalha muito.
(Nesse ponto, não pude evitar as lágrimas.)
CONTINUA