( A carta de Déa continuava)
A primeira coisa que me lembro depois de ter deixado você naquela noite foi uma sensação de solidão total. Era apenas eu, não havia mais nada. Não sei dizer ser era escuro ou se eu estava de olhos fechados, era como se eu estivesse dormindo. Então, não posso dizer quanto tempo depois, abri os olhos. Eu estava em um lugar bem claro, deitada. A luz era forte, mas vi que estava em uma cama, tinha vidro em volta. Depois fiquei sabendo que era a estufa no berçário. Veio uma mulher e me pegou no colo, ela estava muito triste, mas revoltada ao mesmo tempo. Claro que eu não tinha como entender aquilo direito. Eu ainda era adulta, mas meu cérebro de bebê estava apenas começando a se desenvolver para perceber o mundo exterior. Eu tentava pensar como antes, mas estava limitada em tudo. Dependia totalmente daquela mulher, que era minha mãe física, mas não a que eu reconhecia, porque eu tinha a minha mãezinha, que eu tanto amava e que havia morrido quando eu era adolescente.
Adolescente...se eu havia sido adolescente, o que sou agora, então?
Eu poderia escrever por horas e horas o que foi acontecendo, porque era como se eu estivesse aprisionada em algum lugar, sem poder me mover. Então eu prestava atenção em tudo.
Vou pular para uma parte importante, pelo menos acho que foi importante para mim e pode mostrar o quanto você significa em minha vida.
Minhas primeiras palavras não foram “mamãe”, mas o seu nome. Minha mãe biológica ficou sem entender, queria que eu falasse “mamãe”, insistia, mas eu repetia o seu nome. Eu queria saber onde você estava, se estava bem, se ainda morava no mesmo lugar, se ainda se lembrava de mim. E havia momentos em que eu me desesperava e chorava, ela não sabia o que fazer, me levava ao pediatra que não achava nada e dizia que podiam ser cólicas ou alguma dessas outras doenças de bebês.
Você não teria como imaginar o que foi a minha vida. Eu tinha uma ideia fixa na cabeça, eu ainda iria voltar a ver você.
Um outro detalhe foi que eu nunca vi o meu “pai” desta vida, só fui saber que ele havia morrido na noite em que nasci, muito tempo depois, E um dia minha mãe me levou ao cemitério. Quando vi a foto dele, me assustei. Eu nunca havia entendido por que ela não tinha fotos dele em casa. E então eu o reconheci. Era o homem que havia me assassinado!
Saí correndo, estava desesperada para voltar para casa. Foi então que vi você! De repente, meu medo passou e minha vontade era de abraçá-lo. Mas você estava chorando, eu não consegui achar as palavras certas, e falei aquelas coisas. Achei que você podia se assustar se eu falasse que era eu, Déa, naquele instante. Pensei em ir contando aos poucos, mas a minha mãe apareceu e estragou tudo.
Na outra vez, meu papai de verdade estava com você, e eu quis ser mais direta, porque eu e ele tínhamos algumas coisas só nossas, eu falava e ele entendia. Mas ela estragou tudo de novo. Eu vi você de longe outras vezes, eu achava que, no fundo, você sentia quando minha mãe iria me levar lá e você ia também. Mas podia ser apenas coincidência. Só que ela fazia a gente dar uma volta enorme para não cruzar com você. Não adiantava eu chorar ou brigar, ela dizia que você podia ser um daqueles homens que se aproveitam de crianças.
A escola era um suplício para mim. Imagine ter que repetir todas as matérias, desde o início do primeiro grau até a adolescência. Pelo menos, eu só tirava notas máximas em tudo, mas sempre era repreendida por meu comportamento esquisito. Alguns professores e professoras entendiam, diziam que crianças muito inteligentes eram diferentes, mas outros não gostavam das respostas adultas que eu dava.
Houve um caso que eu preciso mesmo contar. Uma professora que eu reencontrei! Ela havia sido minha professora na vida anterior, e por acaso estava dando aulas na escola onde fui matriculada. Era a “Dona Dolores”. Claro que ela não me reconheceu de cara. Mas um dia ela pediu para fazermos uma redação, e lembrei da que eu havia feito antes. Dona Dolores gostava muito do meu jeito de escrever na outra vida, e reconheceu imediatamente aquele texto. Ela me olhou longamente, e falou:
- Sabe, eu tive uma aluna muito inteligente uma vez, que escreveu uma redação muito parecida com esta. Fiquei impressionada.
Eu apenas respondi que gostava de escrever, e agradeci as palavras dela. Mas no final da aula, depois que os outros alunos saíram, eu me atrapalhei e disse a ela para dar lembranças à Amélie.
Ela se assustou, me segurou pelos ombros e falou:
- Como é? Ninguém neste colégio sabe da Amélie!
- Como não? É sua gatinha de estimação.
Ela me olhou e olhou e olhou... como era muito inteligente, deduziu logo.
- Déa?... É você?
- Sou, Dona Dolores. Tive aulas com você no Colégio São Francisco.
- Meu Deus! Como isso pode ser possível? E agora?
- Agora, não sei...mas por favor, não diga a ninguém. Acham que sou maluca.
- Mas só pode ser você mesma! A redação... a minha gatinha...
Ela me abraçou longamente e chorou. Choramos juntas. Ela sabia que eu havia morrido e, de alguma maneira, havia voltado. Dona Dolores me ajudou a passar por uma fase muito difícil da minha vida. Sempre que eu estava mal, ia conversar com ela.
Em uma das nossas conversas, ela me perguntou “como era do outro lado” e eu, sinceramente, respondi que não sabia, que foi como se estivesse dormindo, mas que, ainda “deste lado” eu havia conhecido você. E contei nossa história, sem entrar nos detalhes sexuais.
Ela ficou muito impressionada, mas concordou que eu não deveria procurar você enquanto não fosse maior de idade, para evitar problemas, principalmente para você. Só que eu já estava encrencada, sendo taxada de maluca por muita gente.
Infelizmente, por esse mesmo motivo, a direção da escola pediu à Dona Dolores para diminuir o contato comigo, porque estava parecendo que estávamos “próximas demais”. Imagine só, quanta gente com mente suja existe por aí.
Vou precisar parar por aqui, já vi que minha mãe está xeretando. Ela não me dá sossego. Às vezes eu penso em fugir, ir para qualquer lugar, onde ninguém me conheça, mas aí seu estaria ainda mais longe de você.
Eu amo você. Encontrei você tarde demais para mim, e agora , de um jeito triste, é cedo demais.
Estou com medo. Medo que esse tratamento acabe com minha mente. Que eu não lembre quem você é, quando chegar a hora. Então eu imploro : não esqueça de mim.
Sempre vou amar você
Déa”
Abracei aquela carta, chorando convulsivamente. Como a vida pode ser injusta conosco!
Eu precisava fazer algo. E talvez a oportunidade estivesse perto. A consulta com a psiquiatra, Doutora Marie, era dali a dois dias. A espera foi angustiante, mas enfim chegou o dia. Eu havia preparado uma história, contaria sobre o meu encontro fantasmagórico e, se possível, caso ela desse abertura, falar sobre Déa. Se ela fosse aberta à hipótese de reencarnação, talvez evitasse o uso de drogas pesadas nela.
Entrei no consultório da psiquiatra receoso. O lugar era bem sóbrio, não parecia ser de alguém afeito a esoterismo. Pelo contrário, tive a impressão de extremo materialismo, o que não era um bom sinal. Ela devia ser daquelas que acham que os transtornos mentais são resultado de reações químicas, falta de dopamina ou serotonina, e que com esta ou aquela droga a mente da paciente ficaria “equilibrada”.
A secretária me chamou e abriu a porta do consultório. A Doutora estava aparentemente distraída, olhando algo na tela do seu computador.
- Bom dia, Doutora Marie.
- Bom dia. O que o trouxe aqui?
- Bom...achei que a opinião de uma especialista pudesse me ajudar.
- E o que aconteceu?
Iniciei relatando meu encontro com Déa na primeira noite. Omitindo, claro, o fato dela estar nua. Contei da estranheza do fato, do encontro fortuito com ela na segunda vez...
De maneira diferente de um psicólogo, ela interferiu.
- Mas bem...você encontrou uma moça em dificuldades e a ajudou. Uma semana depois a reencontrou. Qual seria o problema disso ter acontecido?
- É que, depois de cada encontro, eu me senti muito, muito fraco. Como que sem energia, entende?
- Hum. Fraco. Continue.
Continuei contando a história, chegando na parte da relação sexual, em que acabei indo parar no hospital. Também contei sobre a música “Wuthering Heights”. Ela pareceu ficar mais interessada.
- Wuthering Heights, tem certeza? E você fez algum exame nesse hospital?
Por sorte, eu havia lembrado de levar um envelope grande, que continha todos os exames que haviam sido realizados. Ela foi pegando e analisando, um a um.
- Isso é bom.
- Bom por que, Doutora?
- Porque antes de considerar um caso como psiquiátrico, temos que excluir qualquer causa orgânica. E seus exames estão todos normais.
- Se a Senhora diz...
- Então...por que acha que esse seu relacionamento merece uma consulta com uma Psiquiatra?
- Espere, a Senhora precisa ouvir o resto.
Passei a relatar em seguida meu último encontro, ressaltando a parte onde ela desapareceu na minha frente.
- Desapareceu, como?
- Ela estava sentada ao meu lado, de repente estava na frente do carro, e então sumiu.
- Pode ter sido um lapso mental pelo choque da despedida. Como se fosse um curto-circuito no cérebro.
Foi então que contei sobre o envelope com o endereço, e de como eu vi o túmulo dela com a foto. Não pude deixar de me emocionar ao contar essa parte. As lágrimas escorreram pelo meu rosto.
- Calma, senhor. Tudo deve ter uma explicação.
- Neste caso, só vejo uma explicação. Ela já estava morta quando nos encontramos.
- E o senhor não havia bebido nada naquela noite?
- Claro que não. A senhora viu os exames toxicológicos, não sou um drogadito!
- Não acho que tenha sido uma aparição. Provavelmente foi estresse pós-traumático, pelo fim do seu relacionamento.
Nesse ponto, pensei em incluir Déa na conversa.
- E se eu disser que, poucos anos depois, uma menina me viu no cemitério e saiu assoviando justamente “Wuthering Heights”?
Ela me olhou fixamente.
- Eu estou acompanhando um caso que é ... como eu poderia dizer... dolorosamente parecido com o que você acabou de me relatar. Mas não posso citar nomes de pacientes, nem comentar a respeito.
- E se estiver diretamente relacionado? Não seria importante comparar as histórias? E se tudo for verdade?
- Sua história foi registrada. Mas agora tenho a certeza que o senhor não veio aqui para se consultar, e sim para saber do caso da menina. Qual é a sua intenção?
- Eu queria que a Senhora soubesse do meu lado da história, e pelo menos pensasse na possibilidade de que a história dela seja verdadeira.
- O senhor quer dizer...que pensa que ela seja essa moça que o senhor encontrou , e reencarnou depois? Quem pediu para o senhor vir aqui? Aquele que diz ser o “verdadeiro pai” dela? Já conversei com ele, ele teve a mesma ideia que o senhor.
- Não. Ninguém me pediu.
- Mas como então o senhor descobriu que ela estava se consultando comigo?
- Doutora, eu só peço que evite usar drogas pesadas na menina, ela tem um desempenho escolar excelente, hoje em dia pessoas como ela são apenas chamadas de “neurodivergentes” e não deveriam ser medicadas, mas sim compreendidas.
- O senhor não é médico psiquiatra para entender disso, não fale bobagem. E como sabe do desempenho escolar ? Anda investigando a vida dela? Vou ter que relatar isso à mãe.
- Acho que minha consulta terminou, doutora. Pensei que a senhora se sensibilizaria com o caso dela, mas vejo que não deu em nada.
- O senhor está enganado em um ponto. Eu não estava pensando em dar drogas pesadas a ela, já havíamos iniciado em uma fase inicial, mas sem resultado.
- Então ela vai parar de tomar?
- Vamos passar para a eletroneuroestimulação.
- A Senhora quer dizer...eletrochoque?
Ela sorriu de uma maneira maldosa.
- Exato. Se o senhor andou colocando ideias na cabeça dela, influenciando-a de maneira a poder se aproveitar dela, não acontecerá mais.
- Isso nunca aconteceu! Só vi a menina duas vezes, e com a mãe por perto! Quem devia estar fazendo tratamento mental é a mãe dela!
- A mãe acha que, de alguma maneira, o senhor e o pai da moça falecida tiveram parte nesses delírios .
- Mas isso é impossível !
- Então como é que a sua história é praticamente idêntica à dela, apenas mudando o ponto de vista?
- Talvez porque aconteceu de verdade. Já pensou nisso?
Resolvi sair do consultório. Não havia a mínima condição de um diálogo racional com ela.
E essa história de eletrochoque me parecia uma barbaridade. Eu já tinha visto pessoas que haviam sido submetidas a esse “tratamento”, ficavam como zumbis.
Fui para casa desolado, sem ter conseguido ajudar Déa de verdade .
No dia seguinte, tive uma surpresa. Achei que as coisas estavam ruins, mas vi que sempre podem piorar. A campainha tocou, e fui atender. Era um policial. Ele se identificou como “Inspetor Guará”, disse que precisava conversar comigo. Educadamente, pedi que entrasse.
Assim que entrou, ele reparou em um quadro na sala. Era uma foto de Déa, que o pai dela havia me dado e eu havia mandado ampliar e emoldurar. Eu sempre costumava deixar uma vela acesa perto.
- Moça muito bonita. É sua esposa?
- Não. Era minha namorada, ela morreu há algum tempo.
- Meus pêsames.
- Mas sobre o que o senhor quer conversar?
- Tem justamente – acho – a ver com esse quadro.
- Como assim?
- Uma adolescente foi detida hoje cedo, foi pega pixando um túmulo no cemitério.
- Meu Deus!
- O nome dela é Maria Tereza, mas ela estava em surto, gritava que o nome dela era Déa.
- Mas... não entendo por que o senhor está aqui.
Na verdade, eu estava pasmo, mas de certa forma absurda, aliviado por ter alguma notícia dela.
- Esta é uma foto dela. Você a conhece?
- Não posso dizer que a conheço... eu a vi apenas duas vezes, no cemitério, Depois, nunca mais. E isso quando ela ainda era criança.
- Mas sabe da história?
- Que história?
- Que ela é perturbada mental, acha que é a mesma moça enterrada ali.
- O pai de Déa me disse algo a respeito, mas nada muito específico.
- Déa, ela mesma... e é a que está nessa foto em sua sala?
- Ela mesma.
- Eu sei que você sabe mais do que está me dizendo. A mãe dela me contou que a menina ligou para você algumas vezes.
- O que eu posso dizer é que recebi várias ligações, e quando eu atendia, desligavam. Mas o senhor sabe que Telemarketing faz isso o tempo todo.
- E a carta?
- Que carta?
- Você sabe muito bem. Ela lhe enviou uma carta.
- Olha...recomendo que o senhor fale antes com a síndica do prédio. Ela sabe tudo sobre todos os moradores, inclusive já criou confusão com pessoas de fora que vieram dormir no prédio. Ela pode comprovar que há anos não recebo nenhuma moça.
- Já falei com a síndica. Ela me falou apenas de uma moça. É essa do quadro?
- Ela mesma, e só ela. Nunca mais namorei ninguém.
- E por que?
- O senhor sabe, ela morreu assassinada. Com certeza foi informado disso.
- Entendo, foi um grande trauma para você. Mas e a carta?
- Não tenho mais a carta, joguei fora.
- Sem ler?
Vi que ele me observava atentamente. Resolvi falar a verdade, mas apenas em parte.
- Admito que comecei a ler. Mas rasguei e joguei fora, eu não queria me envolver nisso e acabar sendo acusado de algo que jamais aconteceu. Sei que envolvimento com menores é crime.
- Mas ela procurou entrar em contato com você mais de uma vez. Não ficou curioso com essa história de reencarnação?
- Não sei de nenhum caso que tenha sido comprovado...não em definitivo.
- Você desviou da pergunta. Não ficou curioso?
- Fiquei, claro.
- E não procurou entrar em contato com ela, nunca?
- Não. Se essa história de reencarnação fosse verdade, todo mundo iria querer reencontrar seus entes queridos. E seria uma grande confusão, não é mesmo?
- É, acho que seria. Você sabia que o pai da falecida recusou terminantemente dar queixa contra ela pela pixação?
- Eu também não daria queixa. Ela é uma adolescente com problemas sérios. Perdeu o pai muito cedo e sua mãe, pelo jeito, não bate muito bem da bola.
- Para quem nunca procurou saber sobre a moça, você sabe bastante, meu caro.
Nesse momento, fiquei sem ter o que dizer.
- Ainda acho que você sabe muito mais do que você me contou. Mas a síndica me garantiu que você nunca recebeu a menina aqui, e seu chefe no trabalho nunca a viu por lá também.
- O senhor foi no meu local de trabalho??
- Faço a minha obrigação. Mas não se preocupe, apenas mostrei a foto e perguntei se ela havia aparecido por lá, nem mencionei seu nome.
- Agradeço sua discrição, meu trabalho paga minhas contas. E, quanto a eu saber mais do que disse... antes de falar mais alguma coisa, preciso saber se o senhor acredita em fantasmas.
- Não. Você viu algum, por acaso? E o que tem a ver com este caso?
- Se eu contasse, o senhor não acreditaria.
- Bem...é normal, quando a pessoa perde alguém muito próximo, ela sonhar com aquela pessoa, ou achar que a viu em algum lugar. Às vezes até acha que está olhando para você no meio da multidão, mas quando você se aproxima, é outra pessoa.
- O senhor disse que eu sabia mais do que havia lhe contado. O que eu sei é que... eu vi a Déa...o fantasma dela... à noite.
Eu estava dizendo a verdade. Mas ele não quis ouvir o resto.
- Vou encerrar por aqui. Não houve queixas contra a jovem, ela será liberada. O Sr. Francisco, pai da falecida, disse que iria pedir para alguém limpar as pixações.
Assim que ele saiu, peguei materiais de limpeza, entrei em meu carro e fui direto até o cemitério. O túmulo estava coberto de frases.
Ela havia escrito coisas como “NÃO ESTOU MORTA!” “ME DEIXEM SER EU MESMA!”.
Enquanto eu fazia a limpeza, pensava em como a vida dela estava sendo difícil.
Quando vi o Sr. Francisco chegando, eu já estava terminando, felizmente a tinta saiu totalmente.
- Então você soube, meu filho... pobre Déa!
- Ela está muito traumatizada. Tentei falar com a psiquiatra, mas não deu nada certo.
- Estive na Delegacia. Fiquei sabendo que ela fugiu correndo antes das sessões de eletrochoque, e depois veio aqui ao cemitério para fazer as pixações.
- Eu fico desesperado por não poder fazer nada! Não existe alguma Associação Espírita que pudesse nos ajudar, entrar em contato com a mãe dela e tentar convencê-la?
- Filho, já tentei falar com a mãe, ela é irredutível.
- Seu Francisco... Déa me escreveu uma carta, contando sua vida nesta encarnação desde o início. É de cortar o coração. Mas ela falou muito bem do senhor, só coisas boas.
- Por favor, não me conte mais. Minha saúde não anda boa, até passei mal lá na delegacia.
- Pelo menos ela não levou choques ainda.
- E acho que não vai levar, você deve ter falado alguma coisa ao Inspetor Guará, ele me telefonou enquanto eu vinha para cá. Ele e o delegado disseram à mãe dela que eletrochoque ainda era controverso e poderia gerar um processo contra ela mais tarde, quando Déa fosse adulta. Aparentemente ela desistiu da ideia.
- Então ele, apesar de parecer durão, tem um bom coração. Ufa!
O perigo maior, ao que parece, havia passado.
Dizem que o que é bom dura pouco. Algumas noites depois, recebi um telefonema. Alguém estava chorando do outro lado da linha.
- Déa, é você?
Ela demorou para responder. Eu ouvia os soluços. Então, veio a fúria:
- VOCÊ RASGOU A CARTA!!
- Quem disse isso, Déa?
- Minha mãe ! O policial contou a ela! VOCÊ NÃO ME AMA! NÃO QUERO MAIS SABER DE VOCÊ! E MEU NOME É MARIA TEREZA!!
- Eu menti, a carta está guardada, escondida! Déa!
Ela desligou de repente.
CONTINUA