A Reencarnação de Déa - Terceira Parte

Um conto erótico de Paulo_Claudia
Categoria: Heterossexual
Contém 2005 palavras
Data: 04/10/2022 15:33:15

Déa desligou o telefone de repente.

Senti um vazio imenso por dentro. Ela parecia estar sendo sincera. Eu nunca mais iria ver ou saber dela.

Seu Francisco, o pai dela, teve mais sorte. Um dia ele me telefonou, dizendo que ela estava fazendo terapia com uma psicóloga, e aparentemente estava indo bem, não havia apresentado mais surtos, e estava se relacionando melhor com a mãe.

- Deve ser uma boa coisa – falei, entristecido.

- Filho... se for da vontade de Deus, esse tempo vai passar logo, e vocês ainda irão se reencontrar.

- Seu Francisco... que Deus é esse, que faz um jogo sádico desses, fazendo ela nascer justamente como a filha do homem que a assassinou? E ainda a faz sofrer, pois a mãe acha que foi ela que matou o seu marido por vingança?

- Eu não tenho como explicar isso. Até então, eu não acreditava que pudesse realmente haver a reencarnação, embora tivesse estudado o assunto por muito tempo. E foi acontecer logo com minha filha!

O tempo passou. Não recebi mais ligações dela, apenas as irritantes chamadas de Telemarketing. Também não vi mais bolinhas de gude, nem recebi cartas. Mas eu me pegava olhando longamente sua foto, que ainda estava emoldurada em minha sala.

De uma maneira curiosa, a foto que o Inspetor havia me mostrado era muito semelhante a ela. Pareceu-me que o espírito de Déa influenciava na aparência do corpo em que havia encarnado. Se continuasse assim, talvez na idade adulta ela ficasse igual à moça que amei.

Doce ilusão, mas eu gostava de me iludir.

Mais alguns anos passaram, e eu me vi repentinamente com 48 anos. Maria Tereza, ou Déa, estaria completando 18 anos. Ela era oficialmente adulta, então poderíamos nos encontrar normalmente, e até namorarmos. Eu tinha dois amigos, um deles casou aos 40 anos com uma moça de 18, e o outro, aos 50, com uma 30 anos mais nova. Não seria algo inédito, pois.

Só que não tive mais notícias, e eu não queria passar por assediador, procurando informações sobre ela na escola ou pela Internet, embora a vontade fosse imensa.

A ideia de que ela, adulta, estaria livre para fazer o que quisesse, ficava martelando dentro de minha cabeça, e acabei por dar uma pesquisada em perfis do Twitter, Instagram, Facebook. Eu não tinha nada disso, mas acabei fazendo apenas para isso.

Achei apenas um perfil no Instagram, no nome de Déa ( e seu sobrenome da outra encarnação) com fotos de flores (amores-perfeitos) e mensagens esotéricas, mais alguns clipes de música, quase todos eram daquela lista que o DJ Daniel havia me passado quando estive naquele barzinho de Karaokê ( ver o primeiro conto). Não havia fotos com namorados

Mas não havia endereço, e eu não tive coragem de enviar uma mensagem, afinal ela havia brigado comigo na última vez que telefonou.

Lembrei do que o pai dela, o senhor Francisco, havia me dito, que se fosse a vontade de Deus, iríamos nos reencontrar. Nessa noite, enquanto ouvia uma outra música da Kate Bush, que falava em “um acordo com Deus”, pensei que se isso fosse possível, eu dedicaria a minha vida a compensar tudo o que ela havia passado em sua vida, fazendo com que o restante dela fosse apenas felicidade. Deveria ser... porque coisas inacreditáveis já haviam acontecido, por que não?

Na tarde seguinte ( eu havia iniciado um esquema mais leve de trabalho, com uma carga horária menor), estava passando perto da entrada de um Shopping Center, havia ido comprar um acessório para computador em uma loja ali perto, e havia estacionado meu carro lá dentro...curiosamente, esse Shopping ficava nas imediações de onde tudo havia acontecido. Foi quando achei que a havia visto!

Estava com uma amiga, entrando no estabelecimento. Sem hesitar, fui atrás delas. Procurei acelerar meu passo, e dei uma volta, pude então vê-las melhor. Parei em frente a uma vitrine e pude ver pelo espelho, era ela! Ainda mais parecida com a Déa que conheci, cabelos loiros e olhos azuis, do que na foto que o Inspetor Guará havia me mostrado.

Eu não sabia o que fazer, se ia até elas e cumprimentava, ou se continuava apenas observando. Como estavam indo em direção à Praça de Alimentação, segui para lá. Pensei comigo mesmo que, já que não havia almoçado, poderia fazer um lanche. Mas na verdade eu queria mesmo rever Déa.

Subiram por uma escada rolante, eu logo atrás. Elas compraram comida japonesa e refrigerantes, e se sentaram em uma mesa pequena. Eu, tentando não dar na vista, pedi uma refeição com carne, legumes e arroz um pouco adiante, e fiquei esperando até que minha senha fosse chamada, em uma mesa que ficava de frente para a delas, mas alguns metros de distância.

Talvez a psicoterapia tivesse feito com que ela se esquecesse de tudo, pois não dava sinal de olhar para onde eu estava em momento algum. Na verdade, ela ficava com a cabeça meio baixa, lendo um livro enquanto comia. Mas a amiga dela olhou para mim algumas vezes.

Minha senha foi chamada, e comecei a comer, porém sempre dando uma olhada naquela direção.

Foi quando a amiga dela veio em minha direção e falou:

- O senhor está seguindo a gente! Não para de olhar, e nos seguiu desde a entrada! O que você quer comigo?

- Desculpe, moça. Eu só estou almoçando, mais nada. A mesa de vocês está ali na frente, só isso.

- Mas você está encarando!

Foi então que Déa olhou em minha direção, os olhos de safira bem abertos, e ar de espanto.

- Desculpe de novo. Se estou incomodando, vou embora.

- Vou chamar o segurança!

- Não é preciso, eu falo com ele .

Olhei com cara de zangado para a moça, e fui até o segurança mais próximo. Era um homem de cerca de 30 anos.

- Senhor, aquela menina achou que eu a estava seguindo . Na verdade, a moça que está com ela é filha de um amigo, eu a reconheci mas não quis interromper a refeição delas. Estou só avisando que já estou indo, eu não pretendia incomodar.

- Senhor, os jovens são assim mesmo. Não se preocupe.

Desci pela escada rolante e fui andando rapidamente até o estacionamento. Mal abri a porta do carro, vi Déa correndo, esbaforida.

- POR QUE VOCÊ NÃO FOI FALAR COMIGO??

- Déa...achei que você não se lembrava mais de mim!

- EU FINGI ! Fingi desde o começo para aquela...puta! Uma psiquiatra de MERDA! Percebi o jogo dela, vi que tentou envolver você em um caso de sedução de menores! Você poderia ser preso!

- Mas e o telefonema? Aquele último?

- Percebi que minha mãe estava ouvindo. E depois que a polícia foi envolvida, entendi que tinha que ficar longe de você.

- Realmente, um Inspetor veio até minha casa. Mas só achou uma foto sua...da outra vida.

Ela sorriu.

- Você tem uma foto minha em sua casa? Como?

- Seu pai me deu, fizemos uma boa amizade destes anos. Choramos juntos algumas vezes.

- Posso ir ver?

- A foto?

- É.

- Mas e a sua amiga?

- Mandei ela ir tomar no meio do cu.

- Você mudou sua linguagem.

- É que fiquei muito, muito revoltada com tudo. Às vezes, só xingando mesmo.

- Você tem algum compromisso hoje?

- Se eu tivesse, já teria desmarcado.

A situação estava meio tensa. Esperamos tanto pelo reencontro, e agora parecia que nós dois estávamos receosos de dar o primeiro passo.

Lembrei de ser cavalheiro. Abri a porta do passageiro para ela.

- Por favor, entre.

- Você ainda tem o mesmo carro.

- Não é por não poder comprar um novo. Mas ele me traz boas recordações.

- Você me salvou aquela noite, sentei aqui mesmo, neste banco.

- E aquele blusão de nylon ainda está ali no banco de trás.

- Nossa!

Saímos do estacionamento e fomos até meu apartamento. Estacionei, e fomos até a porta externa.

- Venha, não está muito diferente de antes.

Subimos, e entramos na sala.

- Nossa, é uma foto grande!

- Pedi para ampliarem. Nunca esqueci de você.

- Nunca? Você poderia ter me procurado antes, quando eu estava para completar dezoito.

- Eu procurei. Mas seu perfil no Instagram não tinha endereço.

- Podia ter mandado uma mensagem!

- Mas eu achei que você tinha me esquecido! E houve aquele telefonema!

- Você devia ter imaginado que eu estava fingindo!

- Déa, e se sua mãe descobrisse?

- Minha mãe! Minha mãe! Você ficava só trabalhando e indo para casa, todo santo dia! Nem pensava em mim!

- Claro que eu pensava! Eu trabalhei tanto para que um dia, quando enfim pudéssemos ficar juntos, você e eu tivéssemos uma vida mais tranquila!

Nesse momento, ela se alterou. Parecia que anos de tensão estavam explodindo .

- MENTIRA! VOCÊ TRABALHAVA PARA VOCÊ MESMO! EU PODIA TER VIRADO UM VEGETAL E VOCÊ NEM SE IMPORTARIA!

- Déa, eu pensava em você o tempo todo!

- NÃO É VERDADE! SABE DE UMA COISA? VOU EMBORA!

- NÃO FAÇA ISSO!

Ela foi até a porta, e pegou na chave para abrir, mas eu a segurei.

- DÉA, ESPERE! EU POSSO PROVAR!

Tirei a chave da mão dela e corri até um armário na sala, de onde tirei dois cadernos grossos. Ela gritou:

- ME DEIXA SAIR!

Segurei as mãos dela e dei os cadernos.

- Por favor , leia! Todos esses anos, escrevi tudo sobre nós, sobre você, cada instante, cada vez que você telefonou, as bolinhas de gude na janela...

Ela hesitou um pouco, mas falou:

- Você rasgou a minha carta!

- Não fiz isso!

- Mas o policial disse que rasgou!

- Está aí, dentro desse caderno!

- Estou indo embora. Não me siga!

- Por favor, leia os cadernos!!

Ela abriu a porta e saiu, levando as chaves, correu para abrir a porta externa. Ouvi a porta batendo.

A síndica teria assunto para fofocas logo, logo.

Eu entendia o lado dela. Ou pelo menos achava que entendia. Ficamos tantos anos separados, e de repente estávamos ali. E ela pode ter achado que eu havia ficado em uma situação muito cômoda, apenas esperando , enquanto ela sofria horrores inimagináveis, presa em um corpo que não reagia como ela queria.

Fiquei sentado em uma poltrona na sala mesmo, não dormi. Coloquei o CD da Kate Bush para tocar.

Pensei em ligar para o Seu Francisco, dizer que a havia encontrado, mas para que? Para contar que ela havia decidido não ficar comigo?

O tal acordo com Deus me parecia ter tido um resultado amargo.

Lá pelas duas da madrugada, ouvi um ruído na porta externa. Se ela havia jogado as chaves fora, talvez alguém tivesse achado e iria entrar. Fiquei tenso, esperando.

Ouvi passos na escada, e depois silêncio, que durou algum tempo. Não sei se foram poucos ou vários minutos, eu estava muito nervoso.

Enfim, a porta se abriu. Era ela! Os cabelos desalinhados, o rosto todo molhado pelas lágrimas, os cadernos nas mãos.

Ela se jogou no sofá, em prantos. Os cadernos caíram ao chão, se abrindo. Vi várias páginas encharcadas pelas lágrimas dela.

- V...vocÊ... ( soluços convulsivos)

Eu corri até ela e a abracei, beijando suas lágrimas.

- Vo...vo..cê...escreveu ( soluços) tudo. Tudo...mesmo!

Ela não conseguia falar direito.

- Não precisa dizer nada, meu amor! Não precisa dizer nada.

- A...ca...carta... você guardou mesmo. Até o bilhete...da...bolinha...

- Foi, querida...e escrevi cada momento, cada vez que acontecia algo que me fazia lembrar de você.

- Mas eu sofri tanto..tanto...

- É muito injusto, Déa. Mas estamos aqui agora.

- Eu... meu amor...quero ficar morando aqui com você.

- Não vai dar...

Ela deu um pulo.

- COMO????O QUE???

- ESPERE! NÃO É ISSO!!!

Abracei-a forte, ela queria se debater.

- NÓS DOIS VAMOS MORAR EM UMA CASA, COM QUINTAL E JARDIM! VAMOS NOS MUDAR DAQUI!

Ela me olhou e me deu um tapa.

- Safado! Brincadeira tem hora!!

- Vamos encher o jardim de amores-perfeitos! E vamos nos casar, de papel passado!

- Casar? Não é preciso.

- Mas eu quero ficar com você para sempre!

Ela me beijou como daquela vez, sua língua se entrelaçando avidamente na minha.

Nossas roupas caíram ao chão. Ela estava nua e linda, como da primeira vez em que eu a havia visto, naquela estrada, sob a chuva fina e envolta pelo nevoeiro.

CONTINUA

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Comentários

Foto de perfil de Beto Liberal

Um conto de terror transformado num doce romance.

Espero que nao venha maia terror lor ai, porque estou amando esse "clima suave".

Ansioso pela continuação

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Foto de perfil de Morfeus Negro

Emocionante reencontro, você construiu um cruel, mas tocante drama romântico, meus Parabéns pela forma tão envolvente que você constrói tão marcantes personagens e suas desventuras amorosas!

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Foto de perfil de Leon-Medrado

Paulo-Claudia, você está se superando em cada parte, e as surpresas nos pegam desprevenidos. Esta parte que parecia ser definitiva acabou por nos deixar sem saber para onde ir. Muito bom. A vida e as experiências mudam as pessoas e isso nos deixa tensos, já que não sabemos como as coisas estão sendo vivenciadas. A narrativa da Déa na carta foi uma solução excelente para que a gente soubesse o que aconteceu com ela distante. Estou gostando muito. Parabéns. Todas as estrelas.

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Agradeço imensamente seu apoio, Leon! A próxima parte deve ter algumas surpresas. Mas não posso dar “spoilers” ainda.

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Nossa demais isso vai longe nota mil parabéns

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Excelente... Só não entendi ainda onde vai estar a parte do terror :-) Mas está uma delícia de ler :-) E nem curto terror... :-D

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Terror foi ela ter morrido e reencarnado como a filha do homem que a havia assassinado ( ver o conto Déa-Uma Paixão Assustadora). Tem muito suspense psicológico, porque ela tem que passar toda a infância e adolescência lembrando de tudo o que aconteceu, ela era uma mente adulta tendo que passar por todo o processo de crescimento de novo.

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