Como citei anteriormente, Josi e Vick se tornaram amigas, começaram a falar muito pelo Whats e até se encontraram algumas vezes. A única coisa que me incomodava nisso era a minha cisma em relação à semelhança de Paulinho comigo e que isso trouxesse algum problema em breve, mas fui deixando rolar, e até à minha casa Vick chegou a vir.
Numa das ocasiões em que vi as duas, não gostei muito dos olhares que Vick me deu. Apesar de sermos liberais e até de termos transado há pouco tempo, fiquei com a impressão que havia uma malícia ali sem que Josi notasse, tive até um dejá vu com Daniela, pois foi assim que as coisas começaram, só que dessa vez eu não foderia com meu casamento, não mesmo.
Mais duas semanas se passaram, até que num começo de noite, chego em casa e vejo que Josi ainda não tinha voltado, estranhei, pois ela trabalhava em home office e só ia à editora quando havia alguma reunião. Entretanto, pouco depois minha esposa chegou com uma expressão impactante, parecia que tinha caído o mundo em sua cabeça, estava completamente passada e com um olhar perdido.
-Que cara é essa, Josi?
Ela demorou alguns segundos para responder, como se estivesse pensando em algo muito distante.
-Nada. Tô muito cansada. Houve uma reunião muito tensa na editora, passei muito estresse, mas depois a gente conversa, preciso tomar um banho e um remédio para enxaqueca.
Após o banho, Josi foi para o quarto e já se deitou, estranhei, pois ainda eram 20h. Fui ver o que havia, acendi a luz e ela foi bem ríspida.
-Apaga, apaga! Minha enxaqueca está me matando, preciso descansar.
-Mas se está tão forte assim não acha melhor irmos ao hospital?
-Não, quando estou na TPM, tenho algumas crises de enxaqueca, mas é que essa veio justo no dia que tivemos um problema lá na editora, amanhã te explico.
Fiquei preocupado e após um tempo, fui olhar como Josi estava, percebi que dormia profundamente. Procurei não fazer barulho e fiquei lá embaixo, arrumando algo para comer e depois vendo um pouco de TV.
Nos dias seguintes, notei Josi preocupada, ela relatou que talvez a editora não aceitaria alguns projetos novos dela e que por isso estava assim. Procurei motivá-la e expliquei que caso tivesse que sair da editora, seria contratada em outra rapidamente, pois era talentosa, além disso, isso não impactaria em nossa vida financeira, pois eu estava me saindo bem e ela tinha ganhado um bom dinheiro com seus livros infanto-juvenis.
Mas foram nas semanas seguintes que realmente comecei a achar que havia algo de muito errado com Josi. Eu estava com meu dia a dia bem corrido, chegando várias vezes além do meu horário normal. Mesmo assim, percebi que minha esposa aparentava uma certa tristeza em muitos momentos e procurava se abraçar comigo; em outros, demonstrava frieza na hora de falar e em alguns, até uma euforia inexplicável e uma vaidade no modo de se vestir que jamais tinha visto.
A parte sexual foi a prova que faltava para eu acender de vez o sinal de alerta. Se há pouco tempo, estávamos transando quase todo dia e sempre duas ou até três vezes, agora ela não demonstrava vontade. Não era como no passado quando transávamos pouco, mas minha esposa sempre gozava, agora além de estarmos transando bem menos, pois sempre tinha uma desculpa, sentia que Josi não estava gostando e isso para um homem que ama dar prazer a uma mulher era o mesmo que ter uma espada atravessada em seu peito.
Tentei conversar sobre isso e os demais fatos que vinham ocorrendo, mas Josi dizia que era só uma fase e logo voltaríamos ao normal. Convidei-a para irmos ao clube de swingers, quem sabe novas aventuras a animassem, mas para minha surpresa, ela disse que estava pensando em sair do mundo liberal porque tinha sido bom, mas não era mais o que queria. Fiquei de cara com tal revelação.
Notei que duas ou três vezes por semana, Josi aparentava estar bem cansada, mas quando perguntava, a justificativa era sempre o trabalho.
Eu tinha praticamente certeza de que Josi estava se encontrando com alguém, mas não fazia sentido ser pelas minhas costas, pois como liberais que tínhamos nos tornado, eu já dera provas suficientes de que aprovaria suas aventuras mesmo que inesperadas como as que ocorreram a caminho da praia e também lá. Poderia ser outra coisa, mas eu sentia um medo de perdê-la ainda maior do que quando nos separamos e ela chegou a se envolver com o escritor meio calvo.
A falta de um bom sexo estava me deixando louco e para piorar, Josi tinha o hábito de andar de calcinha e camiseta em casa. Houve um sábado, em que ela estava deitada no sofá de barriga para baixo, exibindo aquele lindo bumbum enquanto lia alguns rascunhos e balançava sensualmente as pernas, não resisti, fiquei de joelhos ao lado do sofá e passei beijar sua panturrilha, subindo para a coxa e até a polpa do seu bumbum. Minha esposa não disse nada, comecei a ficar excitado e fui colocando meu rosto entre suas pernas, mas a mesma tratou de cortar o meu barato:
-Espera, Ricardo, agora não...
Não dei ouvidos e segui tentando fazê-la mudar de ideia, coloquei as mãos nas laterais da sua calcinha, baixando-a um pouco e Josi se irritou.
-Para, Ricardo! Que saco! Parece adolescente punheteiro que quer toda hora! Não vê que estou analisando alguns textos aqui? Que coisa chata!
Se estivéssemos transando com regularidade, tudo bem não querer naquele momento, mas o problema é que Josi não queria mais em nenhum momento e quando fazia parecia ser por obrigação, foi a deixa que precisava para explodir, aquela voz dela demonstrando irritação e até uma dose de desprezo, me tirou do sério:
-Chato tem sido esses dois últimos meses, aliás, chatos não, insuportáveis! Os piores que passamos desde que nos conhecemos! Vou perguntar uma vez só: Josi, você arrumou um amante?
Olhando-me com certo desdém, minha esposa respondeu:
-Xii! Que coisa mais sem pé nem cabimento! Não tenho amante nenhum, os que tive fiz na sua frente e você gostou de ver, não precisaria fazer escondido, mas se quiser achar que estou com alguém, ameaçar que irá se separar, me avise que vou dar uma volta, não estou com cabeça para DR em pleno sábado à tarde. Desculpe-me pela franqueza, Ricardo, mas vou usar uma gíria dos tempos dos nossos avós: tem horas que você é ume verdadeiro chato de galocha.
A frieza e o deboche com que Josi falava comigo me chocou, parecia um tanto fez, tanto faz. Sou um cara centrado, mas tenho meus momentos de irritação, isso desde adolescente. Trabalhando feito um cavalo, sendo ético no dia a dia, tentando fazer de tudo para ter um casamento feliz e além de não conseguir nem mais ter um sexo de qualidade com minha esposa, ainda ser tratado quase como que se fosse um nada? Era hora de explodir.
-Chato de galocha?! Adolescente punheteiro?! Um pouco de respeito com o seu marido seria pedir muito ou a madame está em uma fase de que além de esconder o que realmente está se passando, ainda se dá o direito de me tratar como lixo? Olha só, as coisas vão mudar aqui e voltarem a ser como era, se quiser tomar isso como uma ameaça de nos separarmos, pode estar certa que estou falando sério. Cansei desse clima estranho, do seu jeito indiferente comigo, cansada em alguns dias da semana, sem nenhum tesão para transar comigo, mas sempre atenta ao celular e saindo muito mais bem arrumada do que de costume. Vou descobrir o que está ocorrendo, você pode me dizer antes ou esperar que eu descubra, mas uma coisa é certa, vou saber o que anda fazendo.
Josi se levantou do sofá e pela primeira vez demonstrou preocupação, mesmo assim, tentou contemporizar com desdém:
-Ai, vou subir porque a energia aqui está péssima, não precisava nada disso, poderíamos ter um sábado de paz.
-Fique aqui! Vamos conversar!
Josi me ignorou e se trancou no quarto, fazendo questão de bater a porta com força.
Eram 16h, decidi sair, pois estava furioso. Rodei por vários lugares, tendo a mais absoluta certeza de que estava sendo traído, só não entendia por que Josi tinha optado por fazer às escondidas. Sentei-me num bar, completamente desconsolado, refleti sobre minha vida, talvez tivesse sido melhor seguir sendo um porra louca que passava o rodo na mulherada e tentar seguir tocando, mesmo que não rendesse nada, com certeza, teria mais cor em minha vida do que ser um advogado tendo que aguentar a arrogância de certos juízes e o papo entediante de outros colegas da área.
Após uns bons chopes, pensei em emendar e arrumar uma transa casual, estava pouco me fodendo para as consequências, mas acabei voltando horas mais tarde para casa. Tomei um banho e me joguei no sofá, me sentindo muito triste. Josi apareceu na sala e sem dizer nada, se sentou ao meu lado, me abraçou e tentou me beijar, já levando a mão ao meu pau. Achei que aquela era uma forma cínica de consertar a cagada que fez à tarde, por isso, levantei-me e fui para o quarto de hóspedes sem dizer uma palavra.
Nos dias seguintes, estava com tanta raiva dela que só conseguia responder de maneira monossilábica às suas perguntas. Foi a vez de Josi querer conversar, mas disse que não estava com vontade.
Ainda naquela semana, recebo um telefonema de Demétrius que disse que precisava de um aconselhamento jurídico, marcamos em meu escritório e ele veio já perto do final do expediente. Ao invés de entrar no assunto, meu amigo dos tempos de adolescência, me perguntou:
-Você odeia alguém, Ricardo?
Estranhei a pergunta e sorri:
-Acho que não, mas por que a pergunta?
-Ninguém mesmo? Pense um pouco.
Pensei um pouco:
-Talvez momentaneamente, alguém que me irritou muito por causa de uma atitude no trabalho ou na vida pessoal, um jogador do meu time que fez uma merda na final, mas acho que a palavra mais exata seria raiva, ódio é muito profundo, por isso, acho que não.
-Sorte a sua...Eu odeio alguém há mais de uma década.
Demétrius estava com os dedos das duas mãos entrelaçadas e apoiando o queixo sobre elas enquanto me olhava de uma maneira estranha.
-Sabe quem eu odeio?
-Não tenho ideia...
-Você...
Eu comecei a rir:
-Deixa de conversa. Não disse que precisava de um conselho jurídico, vamos lá o que é?
Demétrius deu um leve sorriso de canto de boca, mas seus olhos agora demonstravam raiva:
-Estou falando sério. Eu te odeio há mais de dez anos!
Ainda achando que era alguma pegadinha, decidi entrar na dele:
-Ah é? É por que tanto rancor nesse coraçãozinho?
-Vou te explicar.
Demétrius se levantou e começou a falar enquanto andava pela sala:
-Não nego que você me ajudou muito não permitindo que aqueles merdas me zoassem no colégio, mas comecei a te odiar por causa da Vick. Você se lembra que nós estávamos um ano à frente dela, mas como nosso colégio sempre tinha aqueles eventos, Festa das Nações, Festa Junina, Festa da Primavera e do caralho a quatro, nós tínhamos que trabalhar com outras salas, e foi numa dessas que conheci a Vick, uma menina linda, mas que ao contrário das outras que nem olhavam para mim ou quando olhavam era para rir das minhas espinhas, ela foi muito bacana comigo, perguntava coisas sobre minha vida, chegou até a ir em minha casa umas duas vezes. Foram sei lá, duas semanas mágicas, me apaixonei por aquela menina. Mas como belo cuzão que era, não tive coragem de dizer, aí um dia entro no banheiro dos meninos e escuto dois caras dizendo que Vick tinha contado para a irmã de um deles que havia perdido a virgindade com você e que estava apaixonada. Fiquei arrasado, mas pensei que pudesse ser fofoca de moleques. Só que aí, vi vocês dois se beijando num canto e senti uma dor incrível. Nunca tinha gostado de nenhuma garota, aliás nem beijar uma, eu tinha. O foda é que poucos dias depois, descobri que ela estava arrasada porque você já estava com outra, ou seja, para você, ela foi só uma bocetinha a mais, mas para mim, era a paixão da minha vida que eu tinha perdido.
Percebi que Demétrius estava realmente falando sério e apesar de ser uma bobagem nutrir ódio por mim por algo que ocorreu quanto tínhamos 17 anos, tratei de explicar-lhe.
-Cara, sinto muito que tenha passado por isso, se você tivesse me contado que gostava da Vick, claro que tentaria fazer um esquema para aproximá-los, mas nunca nem soube dessa sua paixão secreta e outra, o que importa é que no final vocês ficaram juntos, constituíram uma família, têm um filho...
-Calma que ainda tem mais...Somente dois anos depois, tive coragem de tentar algo com a Vick, eu já estava fazendo Medicina na USP, passei de primeira e finalmente tinha perdido o cabaço. Começamos a namorar, tivemos umas briguinhas, voltamos, mas teve uma mais séria há exatos dez anos para ser mais preciso. Eu era muito inseguro ainda e ela se cansou e sabe atrás de quem que a Vick foi? De você! Aí você pôde dar umas boas trepadas com a minha futura esposa, ela já não era mais a inocente do Ensino Médio que perdeu o cabaço com o roqueiro de uma bandinha de merd. Devem ter sido um sexo bem gostoso não é mesmo?
-Epa! Epa! Deixa eu dizer algo em minha defesa, quando a Vick me procurou nem no teu nome ela tocou, só descobri que estavam juntos quando os reencontrei no clube de swing.
-Pode ser, pode ser, mas agora é que vem o mais grave!
-O quê? Vai dizer também que ficou com “ódio” de mim porque fizemos uma troca de casais na sua casa? Você quem quis isso!
-Calma, meu amigo! Você está se adiantando na história. O mais grave ocorreu há dez anos. Depois de ter transado algumas vezes, provavelmente a Vick tenha tomado um outro até logo seu, mas não voltou para mim. Eu tentei esquecê-la, mas não deu, fui atrás depois de mais de mês separados. Ela foi muito justa comigo, contou que tinha ficado com você e pior...Engravidado!
Nesse momento, engoli seco com a revelação e constatei que minhas suspeitas tinham fundamento, Paulinho era meu filho. Demétrius continuou:
-Tentando me enganar, ainda disse a ela que o filho poderia ser meu, mas Vick foi honesta e disse que pelo tanto de semanas, você era o pai. Em um primeiro momento, me afastei dela, era humilhação demais, minha paixão tinha perdido a virgindade com você, um idiota, e anos depois, estava grávida do mesmo filho da puta. Só que amor é amor, uma semana depois a chamei e a pedi em casamento com a condição de que todos os familiares nossos e amigos pensassem que eu era o pai. Vick aceitou, me casei com a mulher dos meus sonhos, mas durante a gestação não pense que foi fácil, cada vez que olhava para aquela barriga, eu odiava, o-di-a-va com todas as minhas forças você e aquele bebê. Cheguei a pensar que não aguentaria olhar para aquela criança, mas sabe o que foi irônico? Quando a Vick deu a luz, eu não estava na maternidade, cheguei horas depois e antes mesmo que visse se estava tudo bem com ela, minha sogra me entregou um pacotinho, eu estendi os braços sem entender direito e ouvi: “Olha aí, o seu filho!”. Eu olhei para aquele embrulho e vi o rosto do bebê com os olhinhos fechados. Instintivamente passei meu dedo na minúscula mãozinha dele e pode parecer mentira, mas ele segurou meu dedo como que me cumprimentando e abriu levemente os olhos. Eu comecei a chorar como um idiota, fiquei completamente apaixonado por aquela criaturazinha linda que parecia pedir minha ajuda, nasceu um amor ali que é inexplicável.
Demétrius parou um pouco e enxugou as lágrimas, pois estava bem emocionado.
-Só que nem tudo foram flores, Vick teve um problema no parto e fui informado que dificilmente ela poderia voltar a engravidar, ou seja, eu não poderia ter um filho meu mesmo, até essa chance você me tirou! Foi uma grande frustração, porém serviu para que me dedicasse a Paulinho como um paizão mesmo e é o que tenho feito, meu único desgosto é ver que quanto mais ele cresce, mais parecido com você fica.
Eu ouvi tudo aquilo estupefato, não tinha palavras para responder. Era uma loucura Demétrius ter cultivado esse ódio por mim. Resolvi perguntar:
-Se você tem todos esses motivos para me odiar, mesmo eu não tendo dolo em nada, faço questão de frisar isso, por que veio falar comigo no clube dos swingers e mais por que forçar uma aproximação, inclusive insistindo para que fizéssemos uma troca de casal?
-Levei um grande choque quando o vi ali, mas também era a oportunidade de me vingar de você, ainda não sabia como, mas naquela mesma noite, tive uma ideia brilhante, por isso, fiz questão de que não perdêssemos contato. É agora que as coisas ficam boas para o meu lado e talvez péssimas para o teu.
Demétrius fez uma dose de suspense, se sentou de frente para mim e disse:
-Notou alguma diferença na doce Josi nos dois últimos meses?
Demétrius disse isso com um olhar sarcástico me encarando. Engoli seco e percebi que uma revelação ainda mais chocante estava por vir.