Almas de Estorninhos(2)

Um conto erótico de L. Amaral
Categoria: Gay
Contém 2733 palavras
Data: 01/10/2022 07:16:58

Capítulo 2: Chuva de Verão

Imóvel e com o coração furando o peito, eu fitava o corpo estirado no chão. Passou-se mais de um minuto até eu ir até ele.

— Ei, Wade? — Minhas lágrimas pingavam nele. — Oh, Deus, o que eu faço?

O mais sensato seria ligar para a emergência, porém eu estava aterrorizado.

— O que você vai fazer, Ethan? O quê?

Fechei os olhos e respirei fundo e, então, me lembrei da maleta de primeiros socorros que minha mãe me obrigou a trazer.

Não precisava de hospital. Eu podia cuidar do Wade.

Corri até o meu quarto e voltei com a maleta, torcendo que tivesse tudo para conseguir cuidar do Wade. Graças a minha mãe exagerada, tinha. Fechei os olhos, respirei fundo e tentei me lembrar das aulas sobre medicina que ela me ensinou. Todo o meu conhecimento era teórico, é claro, e agora tinha chegado um momento de pôr em prática.

— Eu vou cuidar de você, Wade. Você vai ficar bem.

O corte era profundo, logo acima e no meio da clavícula esquerda. A faca perfurou um pouco mais da metade no ombro do Wade, a lesão precisaria ser costurada. Na sua camisa azul, tinha uma grande mancha de sangue ao redor da faca. Examinei a cabeça dele antes. Um galo se formou na nuca, quando ele bateu na mesa. Rapidamente fiz uma compressa fria e coloquei naquele local.

Desejei que o machucado na cabeça não fosse tão sério quanto o do ombro.

Abri os botões da camisa do Wade e, com uma tesoura, cortei uma parte do tecido dela. Logo a tirei do seu corpo, em seguida coloquei luvas de borracha.

— Deus, por favor, me ajude — pedi.

Então respirei fundo, segurei a faca e a tirei devagar do ombro do ferido. Ela não entrou muito, menos de três dedos. E então, num segundo sangue começou a esguichar. Eu logo quis desistir daquilo e chamar uma ambulância. Mas prossegui. Com gaze em mãos, apliquei pressão no ferimento. Depois de algum tempo a hemorragia parou.

Só para me certificar tentei aproximar as bordas do ferimento, elas não se juntaram. Com certeza precisaria de sutura. E então, comecei a limpar o corte com clorexidina, soro fisiológico e gaze. Costurei o corte, depois limpei o local da sutura e os resquícios de sangue na pele do Wade. Cobri o reparo com um curativo.

Eu nunca tinha sentido tanto medo na minha vida, porém tudo parecia estar ocorrendo bem. O pulso e a respiração do Wade estavam estáveis, só que a temperatura dele aparentava ter caído um pouco. Mesmo assim me senti aliviado.

— Você vai ficar bem, Wade.

Ele não podia ficar ali. Fui no quarto dele e levei o colchão da sua cama até o andar de baixo. Em seguida fui buscar o corpo na cozinha. Envolvi meus braços ao redor do tórax dele e comecei arrastá-lo. Como ele era pesado. Com esforço e cuidado, consegui levá-lo para a sala. O deitei no colchão no meio da sala e tirei suas calças jeans. Ele parecia tão bem e ainda tão atraente, usando cueca preta e apertada.

Sentei no assoalho com as pernas dobradas, apoiei meus cotovelos na região dos meus joelhos e observei o Wade. Estendi minha mão e acariciei a cabeça dele, em seguida desci meus dedos pelo seu rosto e afaguei sua barba até o pescoço. O seu coração batia forte e calmo, o peito era grande e lisinho. Escorreguei minha mão pelo seu ombro esquerdo, até chegar no antebraço coberto por uma suave penugem. Eu fiquei excitado com aquele momento.

Me aproximei dos membros inferiores do Wade. Movi a palma da minha mão direita pelo seu tornozelo e fui subindo pela sua perna grossa e de pelos ralos. Passei meus dedos pela coxa esquerda e os subi por cima de sua cueca, sentido suas partes íntimas.

— Merda. O que estou fazendo?

Que insanidade a minha, me aproveitando numa situação daquelas. Corri para o andar de cima e trouxe dois cobertores e uma calça moletom.

Vesti a calça moletom no Wade, em seguida o cobri. Fiquei um tempo ali com ele.

— Você vai ficar bem, Wade.

Na cozinha, vasculhei os armários da cozinha e encontrei uma garrafa de rum. Tomei dois goles antes de me arrastar por um canto da parede até o chão. Me encolhi abraçando minhas pernas e chorei.

Eu recolhi os cacos do copo e pratos que quebrei, limpei o sangue e o azeite no chão. Lavei a faca suja de sangue, e todo o resto da louça suja. Depois tranquei as portas da casa e fui me deitar no sofá. Eu quase não dormi, levantei cinco vezes para ver o estado do Wade. Ele parecia bem.

O dia já estava claro quando acordei de repente. Me levantei do sofá e verifiquei o Wade. Continuava estável. Apenas dormia, porém eu teria que tentar despertá-lo caso ele demorasse mais para acordar. Para saber se realmente estava bem, ou em coma. Esse último pensamento me estremeceu por completo.

Voltei a me cobrir no sofá e, quando eu estava quase pegando no sono outra vez, ouvi um resmungo de dor.

— Wade — exclamei.

Sorrindo fui até o Wade. Ele estava sentado no colchão, parecia confuso.

— Graças a Deus você acordou — Me abaixei na frente dele.

— Ethan? O quê...

Ele soltou um gemido de dor e olhou para o ferimento no seu ombro, em seguida começou a se levantar.

— Wade, espera. Cuidado, vá com calma.

Apoiou as mãos nos meus ombros e saiu do colchão. Suas pernas fraquejaram, mas conseguiu ficar de pé. Olhando para os lados, parecia tentar se lembrar do que tinha acontecido.

— Ei, é melhor você se sentar — Segurei nos braços dele e tentei, sem sucesso, fazê-lo ir para o sofá.

— Wade, olhe pra mim. Como está a sua cabeça?

Olhando para baixo, ele passou a mão na nuca. Reclamou de dor novamente, depois me encarou.

— Wade, está tudo bem?

Era óbvio que não. O olhar dele ficou rígido.

— Por favor, Wade, fala alguma coisa. Me diz...

Nesse momento eu recebi um soco no rosto. Caí atordoado no chão.

— Você tentou me matar? Você tentou me matar? — ele gritava, enquanto me chutava. — Em, seu merda? Você quis me matar?

Pisões e mais chutes.

Eu tentava proteger o meu rosto com os braços, foi quando recebi um chute na barriga.

— Ah! — gritei.

— Seu mimado da porra! Eu só tentei ser legal com você... Quis ser como um pai pra você. E é desse jeito que você me agradece?

Ele então parou de me bater.

— Me perdoa, por favor, eu não queria — choraminguei. — Por favor me...

E então mãos fortes apertaram o meu pescoço. Wade e seus olhos castanhos, antes tão gentis, agora fumegavam em raiva. Senti como se as veias da minha testa fossem estourar, com a pressão do sangue sobre elas.

— Wa... — Um filamento da minha voz saiu abafado. Um sussurro.

Ele não parou.

A gritaria do meu coração se tornou insuportável nos meus ouvidos, enquanto meus pulmões pareciam querer rasgar o meu peito para respirar. As dores espalhadas pelo meu corpo (dos chutes e pisões), não era nada como sentir aquilo.

Nos encaramos a todo momento.

Minhas mãos passavam pelo rosto e ombros do Wade, tentando fazê-lo parar. Mas não adiantaria, eu não conseguiria tirá-lo de cima de mim. Num instante minhas forças se esgotaram e meus braços caíram sobre o assoalho. Eu ia morrer e a culpa seria toda minha.

— Garoto doido — Ouvi o Wade dizer.

E então senti um colapso prestes a me acontecer, foi quando meu pescoço foi liberto. O ar raspou minha garganta, enchendo meus pulmões famintos. Tossindo e ofegante me arrastei pelo chão, tentando ficar o mais longe daquele homem.

Quando respirei o suficiente, me ergui com os cotovelos apoiadas no assoalho, olhei na direção do Wade. Ele saiu pela porta da frente.

Me deslizei de volta para o chão e encolhi o meu corpo. Com os braços em volta do meu abdômen, chorei, não de dor. Achei que ia morrer, assim não teria chance de tentar resolver aquela situação.

Com dificuldade, consegui ficar de pé e, mancando, subi as escadas. O meu pé estava machucado, torcido talvez.

Derramando lágrimas e mais lágrimas, entrei no quarto e tomei um banho, antes eu cuidei do ferimento abaixo do meu olho esquerdo, do soco. Com dificuldade, tirei minha bermuda e minha camisa branca, depois entrei no boxe do banheiro. Passei um bom tempo debaixo do chuveiro.

Quando me enxuguei com a toalha, me olhei no espelho. O meu pescoço estava rodeado por hematomas vermelhos e doloridos, em breve estariam roxos.

Fiquei deitado na cama, pensando. O que aconteceria? Agora o Wade e eu estávamos quites? Afinal, ele já tinha descarregado toda sua ira em mim. Por conta disso, me preocupei por ele. Depois do esforço feito, ao me agredir, Wade poderia estar muito mal naquele momento. A ferida poderia estar aberta e sangrando. Com todas as forças me levantei e fui procurá-lo. Desci para o segundo andar, abri a porta da entrada e empurrei a tela mosquiteira. Um rangido.

Encontrei o Wade sentado num banco na varanda. Ele parecia pensativo. Quando ia virar o seu rosto para mim, me esquivei novamente para dentro. Fechei a porta e encostei as costas nela. Eu tremia, minha garganta estava seca e minha respiração ofegante, contudo, não podia deixar o medo me abater.

Fui até a cozinha e preparei o café da manhã. Fritei ovos e bacon, fiz torradas e suco de laranja.

Levando o café da manhã, numa bandeja (mesinha), atravessei a sala mancando. Pela fresta da janela, vi o Wade ainda sentado na varanda. Fechei os olhos e respirei fundo antes de pôr a mão na maçaneta da porta.

Merda, o que ia dizer ao Wade? Com que cara ia mostrar a ele?

Abri a porta e andei até o banco.

Wade estava calmo, porém fechou os olhos ao perceber a minha presença. Sentei do lado direito dele, e o mais distante que pude. Não sei se era a luz do sol, sobre a gente, mas o Wade parecia pálido.

Depois de um minuto inteiro criando coragem para dizer alguma coisa, enfim falei:

— Eu — Limpei a garganta e continuei: — Eu preparei o seu café da manhã.

Ele me ignorou. O curativo no seu ombro estava manchado de sangue, algum ponto da sutura deve ter se soltado com o esforço feito ao me bater.

— Wade, depois a gente conversa e se resolve, mas agora...

— Ah, agora quer conversar, agora quer resolver as coisas — ele disse, enfim, com ironia. Continuava de olhos fechados.

— Eu não quero mais brigar. O mais importante agora é você ir para o hospital — Minha garganta doía, eu falava com a voz rouca. — Me desculpa, eu deveria ter chamado a emergência. Mas eu fiquei assustado e... Eu entendo um pouco de ferimentos e...

Calado e olhando para frente, Wade passou a respirar rapidamente. Eu não sabia se ele estava com raiva ou com dificuldade para respirar.

— Por favor, pelo menos coma alguma coisa — pedi. Tirei a bandeja do meu colo e quando ia colocar no dele, este deu um golpe nela.

Me encolhi com o susto.

A bandeja escapou bruscamente das minhas mãos e capotou no chão. Wade se levantou em seguida e bateu a porta ao entrar dentro da casa.

Fiquei ali durante um tempo, olhando em lamento para o campo à frente. E então me abaixei no chão e peguei a louça e a comida jogada. As deixei na cozinha, depois fui procurar o Wade. A porta dos fundos estava trancada, ele deveria estar no andar de cima. Tomei mais um gole de rum e subi os degraus da escada. Do corredor, ouvi uma música vindo do quarto do Wade. Devagar, abri a porta do quarto e entrei. Atrás da porta do banheiro escutei o barulho do chuveiro ligado.

Saí do cômodo.

Acho que precisava dar mais tempo e espaço ao Wade, para se acalmar e talvez ele me ouviria.

Voltei para a cozinha e comi o que sobrou do café da manhã. Foi difícil engolir a comida, ela parecia descer arranhando a minha garganta.

No meu quarto, deitado, ouvi um barulho de carro. Fui até a janela e vi o jipe abelha sair da fazenda.

Para onde Wade iria? Atlanta, talvez à cidadezinha a ali perto, Greenville? Mas se fosse para Atlanta?

"Olha, Isabelle! Olha o que seu querido filho me fez!", imaginei Wade gritando isso para minha mãe. E eles acabariam terminando por minha causa. Minha mãe me detestaria.

Uma nevasca se formou no meu ventre.

— Oh, meu Deus! E se ele foi até a polícia?

Eu seria preso. Mas o Wade também tentou me matar. Bom, claro, eu tentei matá-lo primeiro. Mas isso foi sem querer, foi num surto de raiva.

Ambos tivemos culpa.

Liguei várias vezes para o Wade, sim eu tinha o número dele, porém fui ignorado. O meu pé estava inchado. Desci e preparei uma compressa fria e tentei me distrair assistindo TV.

Não conversei com nenhum amigo. Mamãe não ligou, depois na nossa última conversa, isso era de se esperar.

Dormi.

Acordei com um barulho do trovão. Fui até a varanda e vi que o clima tinha mudado. Nuvens grossas e escuras rodeavam o céu, em meio a um espaço onde o céu brilhava. Uma chuva de verão.

Fiquei ali sentado no banco, observando a chuva forte cair. Uma parte do céu estava limpo, então o sol brilhava forte. Me deu vontade de estar ali debaixo. Foi o que fiz.

A chuva de verão caiu sobre mim, me deixando com frio, porém o sol logo me aqueceu. Esse contraste fez minha pele arrepiar. Uma sensação incrível. Voltei para o banco e deitei nele, desejando que o Wade estivesse ali comigo.

Choveu boa parte da tarde. Entre choramingos e dores, eu estava apavorado. Wade me abandonou. E se ele tivesse perdido a consciência e sofrido um acidente com o carro, ou tivesse que ficar internado no hospital daqui, ou em Atlanta?

Não suportei tanta pressão e então liguei para minha mãe.

— Oi, Ethan — Ela estava séria.

— É... Mãe, está tudo bem por aí?

— Sim. Ethan, a sua voz... — Ela parecia não saber de nada.

— Ah, eu... Acho que peguei um resfriado — Fiquei em silêncio.

— Um resfriado? É uma pena, filho. Ethan, você está aí?

— Mãe, eu... Eu... — Lágrimas me cortaram as palavras.

— Ei, não precisa chorar pelo que aconteceu.

— Mãe, me desculpe. Me desculpa por tudo.

— Oh, filho, está tudo bem — sua voz era doce agora.

— Não, não está tudo bem.

— O que você me disse ontem... Está tudo. Querido, você sabe que eu só quero que você acerte as coisas com o Wade.

— Ele ligou pra você? Quando? — Engoli o choro.

— Falei com ele há pouco tempo, ele ficou chateado.

— O que ele disse?

— Ethan, você prometeu se comportar.

— Mãe, o que o Wade falou?

É claro que ele não tinha contado nada sobre a briga horrível, mas ele tinha dito algo.

— Filho, eu tenho que voltar para o trabalho.

— Me diz por favor — pedi mais uma vez.

— Por favor? Está me pedindo por favor? — indagou, surpresa e risonha. Como se eu fosse um completo grosseiro em casa... Bom, às vezes.

— Mãe!

— Ele só me contou do que houve ontem no lago, que fez uma brincadeira e você ficou bravo e... Querido, por favor tenta se resolver com o Wade. Você disse que ia tentar.

— Eu sei, mãe. Eu estou tentando.

Era o que eu mais queria. Obviamente o Wade não tinha dito nada sobre a facada e o estrangulamento. Afinal, o que ele ia dizer? Que eu tentei matá-lo e então ele tentou fazer o mesmo comigo?

Com o meu ataque de fúria eu poderia ter o matado sim, porém a atitude dele não foi a mais adequada a se tomar depois. Quando Wade me estrangulava, achei que ia morrer. Nos olhos dele vi apenas raiva. Mas como poderia culpá-lo? Eu causei tudo aquilo.

Decidi dar uma volta lá fora. Fui até o lago, com a chuva, ele inundou até a borda do cais. Grande parte da floresta ao redor estava oculta por uma neblina. Andei até a ponta da plataforma de madeira e fitei a água calma e iluminada pela luz do pôr do sol. Cobri minhas mãos com as pontas do meu suéter escuro e cruzei os braços. Fiquei ali até o cair da noite, daquela longa e terrível quinta-feira.

— Wade, onde você se meteu?

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As lembranças ruins são difíceis de superar. Deixam marcas.

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