Continuando:
Era só o que me faltava. Depois de uma noite de sexo da melhor qualidade, após foder gostoso com minha musa, já achando que tudo aquilo tinha ficado para trás, lá vem esse filho da puta misterioso tirar o meu sossego.
Eu tinha dois caminhos a seguir: me tornar um ser paranóico e sair revirando as coisas de Savana, invadindo a sua privacidade e demonstrando toda a minha insegurança e falta de amor próprio. Ou, poderia confrontá-la como um adulto, dando a ela a chance de ser honesta. Lógico que estando atento às suas reações e linguagem corporal.
Era simples escolher a atitude certa a se tomar, mas será que ela esclareceria as minhas dúvidas? Ainda sob o efeito da cerveja da noite anterior, e do sexo maravilhoso que esgotou minhas forças, adormeci com aquele conflito moral se formando em minha cabeça: "Procurar a tal mala vermelha ou confiar em Savana?" Confiança era uma coisa em baixa no nosso relacionamento, mas a educação recebida dos meus pais me obrigava a ser honesto. Mesmo que Savana fosse uma farsa, fazer o que me foi pedido por aquela pessoa misteriosa me tornaria igual a ela.
Acordei mais tarde do que o normal naquele sábado, nu e sozinho na cama. Vesti apenas um calção e ao abrir a porta do quarto e ganhar acesso ao corredor, já podia ouvir a conversa animada entre minha mãe e Savana.
Primeiro fui ao banheiro, lavei o rosto e escovei os dentes, enquanto ouvia as duas falarem sobre cortinas e panelas elétricas. Me perguntei se aquela Savana em modo dona de casa era a mesma que estava tendo o seu caráter questionado por alguém que além de não revelar seu nome, estava me pedindo para não confiar em alguém pelo qual eu tinha um enorme carinho, até desconfiava amar. Logo me juntei a elas na cozinha, sendo recebido de forma muito carinhosa por Savana. Como eu disse antes, Savana tem um jeito especial de cativar, sendo uma mestra na arte de fazer as pessoas gostarem dela. E minha mãe parecia estar encantada. Suas palavras ao me ver:
- Vocês já estão há três anos juntos, por que ainda está enrolando a moça?
Meu sorriso amarelo foi o suficiente para a mudança de assunto. Tomei meu café calmamente enquanto as duas continuavam o processo de decoração do novo apartamento.
Falando nisso, esse era o meu próximo objetivo, visitar o apartamento e ver como estava a instalação dos móveis planejados. Terminei o café e apressei Savana, que rapidamente foi tomar banho. Dessa vez, eu não queria levar minha mãe junto, pois a intenção era ver como Savana se comportava e começar a esclarecer as minhas dúvidas.
Em pouco mais de meia hora estávamos saindo de casa. Antes do apartamento, passamos em uma concessionária, pois era hora de escolher um carro novo. O gosto por carros americanos foi definitivo para a minha escolha, um sedã médio com câmbio automático. Entre a escolha e a negociação, não levamos mais do que duas horas e já fomos para o novo apartamento de carro novo.
Mesmo com a possibilidade de uma compra à vista, acabei financiando uma pequena parte, o que me possibilitou guardar uma boa quantia para surpresas futuras. O Brasil não é igual aos Estados Unidos e ter um valor disponível à mão, em um momento de necessidade, é uma escolha sábia.
O trânsito estava calmo e ao chegar ao apartamento, para a minha enorme surpresa, o serviço estava muito mais adiantado do que eu poderia imaginar. Os móveis já estavam na parte final de instalação e todos os eletrodomésticos e eletrônicos já haviam sido entregues. Um esforçado assistente da administração do condomínio nos informou de todos os detalhes.
Foi impossível não comparar com os prestadores de serviços americanos. Empreiteiros principalmente. Para quem diz que lá tudo é eficiente, é porque não conhece. Além de sempre querer adicionais para o serviço, não cumprem prazos e sempre dão uma desculpa esfarrapada. Eu sempre procurei brasileiros por lá quando precisava de algum tipo de manutenção para os locais que morei durante a faculdade.
Savana estava encantada com tudo. Desde as cores, passando pelos designs, a posição de cada móvel… há tempos eu não a via tão feliz. Vendo que nossa cama já tinha sido entregue, fomos obrigados a experimentá-la. Mais um sexo intenso, com Savana submissa aos meus carinhos e gozando duas vezes, em sequência.
Mas a semente da desconfiança já estava plantada e enquanto nos recuperávamos, eu resolvi agir da forma correta, sem me dar conta de que estava cometendo o meu primeiro grande erro.
De forma inocente, mostrei à ela as duas mensagens e pedi explicações. Savana não se alterou, demonstrava uma calma absurda, me fazendo crer em sua inocência. Carinhosa, ela disse:
- Já parou para pensar que alguém tem interesse em nos separar? Por que eu viria para o Brasil se não fosse por amor?
Ela me transmitia uma verdade incontestável. Não havia nenhuma tensão em sua linguagem corporal e nenhuma hesitação em sua voz. Ela continuou:
- Lembra quando começamos a namorar e o quanto as pessoas foram contra? Isso é alguém que ainda não entendeu que a gente se ama.
Savana tinha uma teoria interessante. Nos seis primeiros meses do nosso namoro, eu realmente sofri muita xenofobia. Mesmo ela sendo filha de brasileiros, era uma americana e como tal, era inadmissível em um estado conservador como a Pensilvânia, que ela se relacionasse com um forasteiro, um imigrante. Talvez na Califórnia ou na Flórida, nosso relacionamento não fosse tão mal visto. Mas no interior ainda existia muito preconceito contra estrangeiros, principalmente latinos, africanos e muçulmanos.
Pedimos uma pizza e passamos o dia ali. Savana ajeitava as coisas enquanto eu instalava os eletrônicos que não dependiam dos móveis ainda por montar. Foi um dia produtivo, só faltando a sala e a cozinha para que a gente pudesse nos mudar de vez. Voltamos para a casa dos meus pais no final da tarde, muito mais próximos. Sentir que podia confiar em Savana me fazia bem, mas as coisas estavam prestes a mudar. E isso aconteceria mais rápido do que eu imaginava.
Durante todo aquele fim de semana, nenhuma ligação estranha fez Savana sair do meu lado. O número misterioso parecia me dar tempo para eu decidir. Namoramos, passeamos, tomamos sorvete, fomos ao cinema e transamos algumas vezes, tentando não fazer barulho.
Mesmo pensando em Miguel e ouvindo sempre a voz de Clara do outro lado do muro, minha situação com Savana me fazia adiar qualquer tentativa de aproximação. Lembrei que precisava ser honesto com ela e contar da minha suspeita sobre Miguel.
Naquela noite de domingo, deitados no quarto e assistindo um filme no notebook, eu finalmente fui honesto. Contei tudo, sem omitir nenhum mísero detalhe. Savana pareceu aérea após minha revelação. Nenhuma palavra, nem para me xingar ou me acusar de alguma coisa. Apenas silêncio e ela presa em seus pensamentos. Dormimos assim, de costas um para o outro.
No dia seguinte, segunda-feira, acordei e saí rapidamente para trabalhar, estando até alguns minutos atrasados e podendo perder o ônibus fretado da empresa. Por sorte, cheguei a tempo e César, cordial como sempre, já me esperava. Trabalhei normalmente, achando que chegaria em casa e me entenderia com Savana, pronta para me perdoar após processar tudo o que eu contei e entendendo que o que aconteceu entre eu e Clara, foi muito antes de saber que ela sequer existia ou que teríamos um relacionamento no futuro.
Ledo engano! Ao chegar em casa, fui recebido por minha mãe com a notícia de que Savana havia partido e levado suas malas. Minha primeira atitude foi usar o mesmo subterfúgio que ela: abrir o aplicativo e buscar a localização de seu celular. Sem sucesso, pois Savana já o tinha desligado. Confesso que aquilo me deixou muito mal. "Como você pode planejar uma vida com alguém, passar por cima de suspeitas graves e ser tratado dessa forma? Ao primeiro sinal de discordância, a pessoa simplesmente vai embora?"
Minutos depois de receber a notícia, recebo uma ligação dela:
- É sério, Savana? Me diz que isso é uma brincadeira de mau gosto e você pensou melhor?
Ouvi um choro baixinho do outro lado da linha:
- Desculpa, Fernando! Mas eu não posso competir contra um filho. Eu sei que em algum momento você vai escolher ser pai e me abandonar. Por favor, não me procure. Estou voltando para casa.
Savana desligou sem me dar a chance de tentar fazer com que ela mudasse de ideia. Completamente arrasado, fui até a geladeira e abri uma das cervejas do meu pai e sentei no fundo do quintal, em um banco de madeira no jardim, e fiquei perdido em meus pensamentos.
Após uma pequena sessão de autopiedade, me lembrei do número desconhecido, peguei o celular e enviei uma mensagem. Minha intenção era tentar mexer com quem quer que fosse do outro lado, provocá-lo:
"Fui idiota e contei de você para Savana. Ela está voltando para os EUA."
Por mais que eu tentasse entender a atitude de Savana, as coisas simplesmente não se encaixavam. Mergulhado em meus pensamentos, tentava buscar algo que justificasse tamanha falta de consideração. "Como ela pôde agir dessa maneira? Três anos jogados fora. Eu realmente gostava muito de Savana. Como ela poderia pensar que existiria uma disputa entre ela e Miguel? Eu nem sabia se ele era realmente meu, não fazia ideia se as suspeitas eram verdadeiras." Meus pensamentos seguiam tentando buscar uma resposta.
Para completar a minha confusão, ouvi uma voz conhecida falando comigo pelo muro:
- Por que tanta tristeza? Quer companhia? - Clara pulou o muro e veio se sentar ao meu lado, roubando a long neck das minhas mãos.
Após um longo gole, me devolvendo a garrafa, ela disse:
- Eu vi Savana saindo mais cedo. O que aconteceu? Pela quantidade de malas, acho que foi sério.
Ainda de cabeça baixa, olhando para a grama, eu disse:
- Brigamos! Acho que em definitivo.
Numa atitude de carinho, Clara passou o braço por meu ombro e me puxou para um abraço. Eu apenas me deixei levar, aceitando aquele gesto de compaixão. Não senti vontade de chorar, nem de desabafar, Savana estava fazendo uma escolha, eu precisava fazer as minhas. Buscando coragem, pedi:
- Me diga a verdade, pelo menos você. Miguel é meu? Aconteceu naquela vez?
Clara me olhou assustada, não acreditando na minha ousadia. Enquanto me encarava, sua mente deveria estar trabalhando a mil. Após alguns segundos, ela disse:
- E se fosse? Tem certeza que você está preparado para ser pai? Acha que isso tem a ver com obrigação?
Sem entender onde ela queria chegar, fui honesto:
- É claro que tem a ver com obrigação. Mas não só isso, tem a ver com tudo. Se ele é realmente meu, você me privou de ser o pai dele. Me fez perder um tempo precioso. Meu pai adora aquele garoto. Se eu estiver certo, você é tão falsa quanto Savana.
Clara me olhou séria, não acreditando em minhas palavras. Acho que eu acabei descontando nela a minha frustração. Em um misto de raiva e revolta, e com razão, ela foi grosseira:
- E o que você sabe? Você não sabe nada sobre mim. Não sabe o que eu passei durante o tempo que esteve fora. Mesmo que ele fosse seu, você deveria me agradecer, não me criticar. Mesmo que você fosse o pai, coisa que você não é, agradeça por poder ter ido embora e voltado melhor do que saiu. Por minha causa, você não perdeu o seu futuro.
Já com lágrimas nos olhos, Clara se virou e saiu, passando pela lateral da casa, em vez de pular o muro novamente. E como tudo sempre tende a piorar, ainda tive que ver a minha mãe me olhando decepcionada, balançando a cabeça de forma negativa. Pouco tempo depois, ouvimos Clara discutindo com a mãe também. Só consegui entender o final:
- Não enche! Se tem vergonha de mim, eu pego meu filho e as minhas coisas e vou embora.
Mesmo me sentindo um lixo por ter tratado Clara tão mal e ter sido um canalha, não entendi o porquê dela achar que a mãe teria vergonha dela. Senti novamente o olhar da minha própria mãe me sondando. Com certeza, ela também ouviu o desabafo de Clara. Me aproximei e perguntei:
- Por que Clara acha que a mãe tem vergonha dela?
- E como eu vou saber? Não me meto na vida dos outros. - as palavras de minha mãe não eram ditas com muita convicção.
Decidi cutucar:
- Estranho… na hora de me dar aquele aviso sobre Clara, dizer que ela havia mudado, a senhora parecia saber muito bem o que estava falando.
Minha mãe, quando contrariada, usava sua autoridade para fugir dos assuntos que a incomodavam:
- Chega dessa conversa! Quando foi que eu lhe dei essa confiança e essa intimidade. Cuide da sua vida.
Alguma coisa, uma sensação estranha, uma premonição talvez, me dizia que eu precisava saber mais sobre Clara. Onde ela trabalhava? Como era sua rotina? Como era sua relação com os pais e Miguel? Será que ela ainda tinha problemas com drogas? A situação na choperia me provou que ela não era uma pessoa comedida para beber. Aproveitando a posição da janela do meu quarto, pensei em instalar uma pequena câmera, bem disfarçada, vigiando a frente de sua casa. Minha intenção era criar um padrão de horários. Quando ela saía, quando voltava, seus costumes… essas coisas banais. A rotina revela muito sobre qualquer pessoa. Mas achei que isso era uma violação grave da privacidade dela e logo abandonei a ideia, já estava tarde e coração partido não era uma desculpa para faltar ao trabalho. Tomei o meu banho, jantei e fui dormir.
Ao encontrar César no dia seguinte, comecei a questioná-lo sobre os últimos oito anos de Clara. Senti que ele ficou desconfortável em falar sobre ela, mas acabou me fazendo diversas revelações, confiando em nossa amizade que se fortalecia cada dia mais. Durante a semana, ele ia soltando aos poucos, cada vez ganhando mais confiança e me contando sempre mais.
Ele me contou que logo após o nascimento de Miguel, Clara teve uma forte depressão pós parto que culminou, algum tempo depois, com sua entrega ao consumo de drogas. Que ela já gostava de um baseado desde a adolescência, isso eu já sabia, mas a pessoa que ele descrevia era uma estranha para mim.
Junto com as drogas, veio uma fase de promiscuidade. Clara se entregou ao sexo casual com qualquer um, estranhos ou conhecidos. César disse que quase todo mundo do bairro comeu. Uma oferta de droga, um convite para uma balada, eram garantias de sucesso com ela. Bastante constrangido, e dizendo se sentir arrependido, até ele aproveitou o momento. E achando que isso diminuiria o meu sentimento de nojo de tudo o que ele me contava, falou que após uma intervenção dos pais e dos amigos, conseguiram interná-la em uma clínica de reabilitação. Foi uma luta árdua e que durou cinco longos anos. Clara parecia ter melhorado nos últimos três. Pelo menos, ninguém mais soube de uma recaída.
Sobre Miguel, ele disse o mesmo que todos, que ela engravidou de um colega da escola e ao contar, ele sumiu no mundo. Resolvi contar a ele o que Alice tinha deixado escapar no dia do jogo na choperia e ele disse que aquela era a opinião de todos. Por mais que Clara negasse, todos os indícios levavam até mim. Pois eu era o único que sumiu durante aquele tempo. Constrangido, ele ainda me contou da forma pejorativa que todos se referiam a mim, já que eu era um sujeito estranho na época, muito tímido e caseiro.
Eu ouvia aquilo tudo sem acreditar. Me sentia culpado por ter ido embora e a deixado grávida. Por mais que ela negasse, aqueles olhos e aquele cabelo eram meus. Assim como as covinhas que se formavam em sua bochecha ao sorrir, um sinal inegável de gene dominante. Só uma coincidência enorme para outro ter os mesmo traços genéticos. Um até vai, mas três? Difícil.
Eu ainda mantinha uma leve esperança de que Savana estivesse apenas me dando um gelo, fazendo eu sentir a falta dela. A Savana que eu conhecia era forte e independente e jamais deixaria qualquer coisa atrapalhar os seus planos. Por outro lado, quanto mais eu pensava em tudo o que Clara passou, mais eu me sentia um babaca por tê-la tratado tão mal, descontado nela minha frustração com Savana. Era hora de me redimir, trazê-la de volta para a minha vida.
Aproveitando que o dia seguinte seria uma quinta-feira de feriado, me planejei. Logo após o almoço, bati em sua porta. Dona Isaura, sua mãe, me atendeu com um sorriso:
- Boa tarde, Fernando! Tudo bem? Aconteceu alguma coisa?
Miguel sorria para mim, agarrado às pernas da avó. Fiz uma careta engraçada para ele e voltei a falar com dona Isaura:
- Não senhora, está tudo bem. Clara está?
Dona Isaura deu aquele grito, típico de toda mãe:
- CLARA! FERNANDO QUER FALAR COM VOCÊ.
Miguel, sorridente, cobria os ouvidos com a mão. Eu me abaixei para falar com ele, enquanto esperava por sua mãe:
- E aí, carinha! Como você está? Não tem ido mais visitar o tio Antônio?
Envergonhado, mais um traço meu, ele correu para dentro da casa, sumindo no corredor. Enquanto ele sumia, Clara aparecia com cara de poucos amigos. Ela olhou brava para a mãe, pedindo privacidade. Dona Isaura entendeu e também se foi, nos deixando a sós. Eu pedi:
- Podemos sentar?
Ainda chateada comigo, Clara foi novamente grosseira:
- Por que? Ainda tem mais alguma acusação a fazer? Não jogou tudo na minha cara aquele dia?
Eu fiz o sinal de tempo para ela com as mãos e disse:
- Vim me desculpar. Mas vim me desculpar de uma forma diferente.
Eu tirei do bolso dois vouchers para troca por ingressos do cinema e os entreguei para ela:
- Vamos? Durante o filme você decide se eu mereço ser desculpado.
Clara me olhou sem conseguir esconder um sorriso que nascia entre seus lábios. Pensativa, ela disse:
- Com direito a pipoca e refrigerante?
- Do grande. - Eu disse já achando que a parada estava ganha.
Clara, malandra, pediu:
- E cadê o dinheiro?
Eu tirei a carteira do bolso e peguei uma nota de cem reais, que ela tomou da minha mão e se virando para dentro de casa, gritou:
- MIGUEL, VÁ SE TROCAR! NÓS VAMOS AO CINEMA ASSISTIR AQUELE FILME DE SUPER HERÓI QUE VOCÊ TANTO QUERIA.
E com a cara mais sacana do mundo, ela voltou a se virar para mim:
- Obrigada! Quando a gente voltar eu digo se perdoei você. - E fechou a porta, me deixando ali sem entender nada.
Assim que a ficha caiu, eu não consegui segurar a risada sozinho em sua varanda. Caminhei de volta para casa, sem acreditar no que tinha acontecido. Eu merecia. Sua vingança foi inteligente.
Algum tempo depois, da sala da minha casa, vi pela janela, ela e Miguel saindo de casa e entrando no que parecia ser um carro de aplicativo. Sorrindo para mim, ela me deu um tchauzinho debochado com as mãos.
Passei aquele final de tarde conversando com meu pai e o ajudando em algumas tarefas da casa. Limpamos a garagem, consertamos algumas portas empenadas do armário da cozinha, trocamos o sifão da pia do tanque… tudo isso, enquanto tomávamos uma cerveja e conversávamos amenidades.
Foi uma boa tarde, mas bem diferente da que eu tinha imaginado. No começo da noite, quando eu me preparava para ir ao novo apartamento, levar o último pagamento para os marceneiros, a campainha tocou. Era Clara, com um dinheiro trocado na mão, me encarando com o sorriso mais lindo e que há muito tempo eu não recebia dela:
- Não gastei nem a metade, ainda podemos tomar um açaí com o troco. O que me diz?
Sem acreditar em tamanha cara-de-pau, eu brinquei:
- E você vai pagar?
Com a cara mais deslavada do mundo, ela não conseguiu segurar:
- Com certeza! Tudo por minha conta. - novamente o soquinho no ombro.
Lembrando do meu compromisso, eu pedi:
- Vamos sim, mas antes preciso ir ao meu novo apartamento levar o dinheiro da empresa de móveis planejados. Me acompanha?
Sorrindo, ela apenas concordou com um aceno positivo de cabeça. Eu poderia me acostumar facilmente com aquele sorriso. Naquele dia, sempre que estava próximo à Clara, eu conseguia me esquecer de Savana. Seria esse um sinal?
Abri a porta automática da garagem e ao ver pela primeira vez meu carro novo, Clara não conseguiu esconder a admiração:
- Que isso, hein? Você voltou rico lá de fora?
Enquanto dirigia, expliquei a ela como ganhei e guardei dinheiro em campeonatos de videogame e que ele foi a conta exata para o carro e o novo apartamento e que agora, eu era um assalariado comum, trabalhando nos dias úteis como qualquer mortal.
Chegamos ao apartamento novo e só pelo bairro, Clara ia ficando cada vez mais maravilhada. Entramos no apartamento, eu paguei o pessoal da marcenaria e eles logo se foram. A cada ambiente que eu mostrava, cada cômodo que entrávamos, sua admiração ia aumentando ainda mais e ela pôde constatar o quanto o meu padrão de vida havia mudado. Em cada ambiente, ela elogiou os móveis, a decoração, cada coisa bem organizada em seu lugar…
Ouvir aqueles elogios me fez lembrar de como cada peça tinha sido escolhida por Savana. O estilo dos móveis, a cor, a geladeira, o fogão… até aquele vaso enorme e ridículo na mesa de centro. Com raiva, dei um chute naquele vaso caro e horroroso de cristal e me senti vingado ao vê-lo se quebrar em milhares de pedaços. Clara me olhava assustada e sem entender:
- Você está louco Fernando? Esse vaso deve custar mais do que o carro do meu pai.
Naquele momento, me sentindo idiota e solitário, aproveitei para desabafar:
- Tudo isso aqui foi escolhido por Savana, aquela desgraçada. Como alguém pode resolver ir embora sem nenhuma explicação? Ou usando uma desculpa tão sem noção?
Clara parecia não entender nada, ficando cada vez mais confusa:
- O que ela disse?
Depois de ter sido tão babaca com Clara, ela não precisava ouvir a justificativa. Achei que seria forçar demais a situação. Poderia até parecer algum tipo de manipulação e resolvi não responder. Clara decidiu ser discreta:
- Quando você quiser conversar, se abrir, eu estarei aqui por você.
Mas não deixou de dar a sua alfinetada:
- Essa Savana deve ser idiota, só pode! Como alguém vira as costas para isso aqui? É um sonho. Não vejo a hora de ter o meu lugarzinho com Miguel. E nem precisa ser desse tamanho. Uma casinha simples já me faria feliz.
Um pouco menos chateado, após descontar minha frustração no vaso de cristal, e sentindo que suas palavras eram ditas com uma certa mágoa, aproveitei a oportunidade para saber mais sobre a vida de Clara:
- É tão ruim assim viver com seus pais?
Ela pensou por alguns instantes, avaliou as minhas expressões e resolveu responder:
- A verdade é que eu não posso reclamar. Sem eles, não sei o que seria do Miguel. Eu tive problemas, passei por uma fase complicada. Mas o importante é que agora estou recuperada. Vida que segue.
A vontade de perguntar era enorme, mas achei que já era demais. Ainda estávamos no processo de reconstrução de nossa amizade. Preferi mudar o assunto:
- E aquele açaí? Vamos?
Tentando me ajudar, Clara deu a dica:
- Tudo isso aqui é novo. Você pode trocar a maioria das coisas. Trabalhei como vendedora durante um tempo. Tirando os móveis planejados, que você tem a opção de pintar, todo o resto pode ser trocado. Se quiser, eu ajudo.
Era mesmo uma boa ideia e eu a encorajei:
- Não sei escolher essas coisas, gostaria de escolher por mim?
Clara sorriu para mim, feliz por ser incluída na minha decisão. Meus planos de mudança seriam adiados por um tempo.
Aos poucos, nossa amizade foi se recuperando. Todo final de tarde, Clara parecia me esperar quando eu chegava do trabalho. Ela e Miguel estavam sempre na frente da casa brincando. Em menos de uma semana, Clara conseguiu modificar completamente o apartamento. Ela e minha mãe se uniram e aqueles tons pastéis frios, escolhidos por Savana, foram trocados por cores mais quentes, tapetes e cortinas que davam vida ao ambiente, móveis mais funcionais e menos modernos. Uma casa que acolhia, que dava gosto de morar.
Eu mentia para mim mesmo, dizendo que Savana era passado. Até tentei ligar para ela uma vez, mas seu número estava desligado. Na minha cabeça, Savana era um completo mistério. "Por que ele veio comigo ao Brasil e logo depois se mandou com uma desculpa? Por que ela sempre manteve uma vida paralela e escondida? Quem era o rapaz da faculdade e que a seguiu até aqui?" Pensar em tudo isso me deixava preocupado, mas eu começava a entender que talvez fosse melhor assim. Que Savana não era completamente honesta, era um fato. Por que eu iria querer alguém assim ao meu lado?
Foi em um sábado, duas semanas após Clara e eu fazermos as pazes, que eu comecei a mudança. Na verdade, eu só precisava levar as minhas roupas. Clara me ajudou a todo momento e ainda organizou o meu guarda-roupas. Ainda estávamos no meio da tarde, quando ela teve uma ideia e me convenceu a colocá-la em prática:
- Precisamos fazer uma festa de inauguração.
Ela nem me deu tempo de responder e já começou a organizar a sala e a cozinha, abrindo espaço para as pessoas poderem circular. Eu precisei me posicionar:
- Tudo bem, mas poucas pessoas. Só os mais próximos.
Clara concordou:
- Ok! Só os amigos mais chegados. César e Diana, Alice e Mariano, Bárbara e Glauco. Está bom assim?
- E nossos pais. - Falei enquanto Clara parecia não concordar.
Mantive o olhar firme, mostrando que não era negociável. Clara se rendeu:
- Tá bom! Jantar ou petiscos?
Acabamos decidindo juntos todos os detalhes, mandamos as mensagens aos convidados e todos confirmaram a presença.
Fomos ao mercado e compramos as bebidas, encomendamos os salgados variados em uma dessas empresas que vendem já fritos por delivery e estava tudo pronto. Clara se mostrou uma ótima organizadora de eventos.
Na volta do mercado, deixei Clara em sua casa, para que ela pudesse se arrumar e aproveitei para já buscar os meus pais.
De volta ao meu apartamento, enquanto minha mãe mostrava tudo ao meu pai, pois era sua primeira visita à minha casa, os primeiros a chegar foram César e Diana. Logo seguidos pelos outros dois casais de amigos de Clara.
Já bebíamos, comíamos e conversávamos e nada de Clara, Miguel e os pais chegarem. Assim que resolvi ligar, a portaria avisou que eles tinham chegado. O clima entre eles não era dos melhores. Senti Clara chateada durante toda a noite. Mesmo fazendo o meu papel de anfitrião, tentei sempre lhe dar atenção e aos poucos, ela começou a se soltar.
Comecei a entender o motivo deles não estarem bem. Clara, quando começa a beber, passa um pouco dos limites. Naquele momento, entendi a importância dos amigos. Diana, Alice e Bárbara pareciam saber o que esperar e formaram uma frente unida para controlar Clara, sem deixar que ela se perdesse ou saísse da linha. Daquele momento em diante, as tensões diminuíram e todos se divertiram.
Pensei muito em Savana durante aquela reunião entre família e amigos. Eu começava a enxergar que era hora de seguir em frente. Com Savana, eu nunca teria esse tipo de vida. Estaria sempre em segundo plano, preocupado com o próximo sumiço, ou com o tal número misterioso. Assim que Savana saiu da minha vida, ele também silenciou.
As surpresas daquela noite estavam apenas começando. Aproveitando que os pais de Clara estavam indo embora, os meus aproveitaram a carona. Alice e Mariano, juntos com Glauco e Bárbara, também tinham uma segunda festa para ir e saíram logo depois.
Clara, sucumbindo à bebida, acabou dormindo no sofá, dando a César e Diana a oportunidade perfeita para também se despedirem. Limpei o máximo do que eu consegui e arrumei a cama para Clara. Achei que não tinha o porquê de levá-la para casa. Mandei uma mensagem para o meu pai e pedi que ele avisasse aos pais dela.
Com todo o cuidado, peguei Clara em meus braços e a levei para a cama. Ela parecia dormir de forma definitiva. Não achei certo trocar sua roupa e deixei que ela dormisse de calça jeans e a blusinha que usava. Apenas tirei o seu sapato, ajeitando seu corpo de forma mais confortável na cama.
Seu seio esquerdo, aquele lindo seio de aréolas clarinhas, escapou da blusa e foi inevitável sentir o meu corpo sendo tomado pela luxúria. O instinto natural da ereção veio com tudo. Ajeitei a blusa e reparei melhor no corpo de Clara. Como ela havia mudado. Aquela adolescente gostosinha, hoje era uma mulher completa, de curvas acentuadas e medidas perfeitas. Seios médios, bunda redonda e um pouco maior do que a média. O cabelo tingido de loiro, dava o ar de luxúria, a cara de safada que eu tanto apreciava em Savana.
- Gosta do que vê? - Clara olhava para mim, me deixando desconcertado.
Continua.