— Noslen, o teu avô é um dos advogados mais requisitados da cidade. Está escrito aqui neste artigo que ele morou uma época na Venezuela, o que pode explicar o encontro dos teus pais. — Enzo disse, sem tirar os olhos do notebook. — Quando vamos para a Venezuela?
— Não existe um nós nessa frase, Enzo. Isso é algo que eu preciso fazer sozinho. — afirmou o venezuelano para a tristeza do namorado, que deixou o notebook de lado e se aproximou.
— Não. É perigoso. São horas de viagem. — Enzo tentou argumentar, mas Noslen foi irredutível.
— Eu vou me cuidar, Enzo. Pode confiar em mim. — abraçando Enzo, que ainda não tinha aceitado a ideia. — Fora que tem o problema do Ian. Você precisa resolver isso.
— Eu me preocupo com você. E se essa viagem for muito estressante. Pelo menos, eu vou ser um suporte para você. — garantiu Enzo, aproveitando o abraço do namorado.
— Enzo, não precisa de verdade. Eu não quero discutir por causa disso. — pediu o venezuelano.
— Claro, não vou poder ajudar meu namorado que quer se aventurar de ônibus para um país que está no limite do...
— O meu país. Quer saber, Enzo. Eu preciso de espaço. — levantando.
— Isso vai lá e foge. — Enzo reagiu e ficou puto da vida. — Bela atitude de adulto!
— Eu vou para casa. — pegando sua mochila e saindo do apartamento.
Sim. A primeira DR a gente nunca esquece. Não adianta fazer nada com a cabeça quente. Dentro do ônibus, as pessoas carregam as próprias angústias e nem imaginam a luta daqueles que estão próximos. Cabisbaixo, Noslen repassava toda a conversa que teve com o avô.
Aparentemente, a sua mãe quis ficar na Venezuela, onde estudou medicina e conheceu o seu pai, Carlos. Juntos os dois tiveram Noslen e cortaram contato com Tabor Yilmaz, o pai de Ingrid. Com a crise no país vizinho, os venezuelanos tentaram de tudo para ficar e ajudar os seus, porém, o futuro do filho era uma preocupação maior.
Devido aos aeroportos fechados, Ingrid entrou em contato com o pai, que logo enviou uma equipe para dar suporte para os parentes em Roraima, o lugar mais próximo da Venezuela. Entretanto, eles não conseguiram chegar e Tabor perdeu o contato com a filha.
— Eles não me abandonaram. — lamentou Noslen, deixando as lágrimas escorrerem pelo seu rosto. — Eles não me abandonaram.
A casa da família D'ávila nunca foi um lugar de paz. Porém, nos últimos dias, a residência se tornou um manicômio. Todos os filhos voltaram contra Oswaldo. A única que tentava apaziguar a situação era Yara, que decidiu abraçar a nova irmã, apesar da resistência da família.
Claro, que Ian aproveitou para pisar no pai e jogar na cara dele tudo o que pode. Já Igor e Iago não queriam dividir a herança com mais uma pessoa, principalmente, alguém que sabotou um deles.
Durante uma reunião familiar, Oswaldo confirmou a paternidade e afirmou que acolheria a nova filha, Diana. Os filhos homens foram contra a ideia, só que o patriarca estava decidido em dar o seu sobrenome para Diana.
— Você não pode trazer essa bastarda para a família. Ela tentou me destruir, quase fui...
— Cala boca, Ian. Sabe o que te faltou? Uns bons tapas nessa sua cara. Você sempre foi ambicioso e desde pequeno já passava a perna nos seus irmãos mais velhos. — disse Oswaldo, servindo um copo de whisky para si. — Essa moça pode fazer um estrago maior no nome da família. Por isso, os advogados me orientaram para torná-la uma D'ávila. Com certeza, ela pode ter mais utilidade que vocês.
— Qual é, Oswaldo. Você só pode estar brincando com a minha cara. Tudo bem, que o Igor e Iago são duas portas, mas eles são competentes no que fazem. — interveio Ian, pela primeira vez, defendendo os irmãos para a surpresa do pai.
— Tá, Ian. Isso é tão bizarro. — comentou Yara, que estava sentada em uma das poltronas do escritório, apenas assistindo ao embate dos familiares.
— Verdade. — soltou Iago, encostado na parede com os braços cruzados.
— Idem. — ressaltou Igor.
— Calem a boca. A gente não pode deixar a Diana entrar para essa família. Eu não vou aceitar! — Ian agiu como uma diva e jogou um copo contra a parede. Bufou e saiu pela porta.
— Bem, papai. — disse Yara, levantando e olhando para o copo quebrado no chão. — Pelo menos, ele aprendeu a jogar o copo de uma maneira dramática. — saindo.
Na empresa, a equipe do financeiro ajustava todas as contas. Por sorte, a Tech Land não foi afetada pelo plano de Ian, que saiu como uma das vítimas. Para não trazerem uma publicidade negativa, a diretoria e Enzo optaram por não prestar queixas, apenas um aviso para os envolvidos.
Com a cabeça cheia, Enzo convidou André e Kleber para almoçar. Ele contou tudo o que estava acontecendo, claro que os amigos deram total apoio para qualquer decisão do empresário.
— Cara, — suspirou André, deixando um copo de refrigerante sobre a mesa. — que maré de azar, né? Primeiro, essa situação na Tech Land. Agora, o Noslen e sua nova vida. Você é o único com a sorte ao seu lado, Kleber. Cuidado.
— Sai pra lá. — Kleber bateu na mesa de madeira. — O Santino e eu estamos em uma ótima fase. Não quero que nada vá atrapalhar.
— Aproveita. Daqui a pouco, vocês vão ter uma briga porque tú vai querer ficar do lado dele em um momento complicado. — soltou Enzo, parecendo triste e pensativo.
— Qual é. — Kleber tentou alegrar o amigo. — Foi a primeira briga de vocês. O cara te ama, Enzo. Não te vejo assim por alguém desde, — pensando. — sei lá. Acho que nunca te vi assim. — apontando para André. — Você também. Tá caidinho pelo Ian. Vocês são tão sincronizados.
Os três começaram a rir da situação. Realmente, nada do que uma noite com os amigos para deixar o nosso coração mais tranquilo. Ao chegar em casa, Enzo encontrou o irmão e a cunhada. O casal estava na parte da paixão e não se desgrudavam. Inclusive, Celina estava de férias do trabalho e Erick continuava com o seu tempo de dispensa da polícia.
Eles assistiram uma sessão de filmes românticos. O favorito da noite foi "Correntes do Coração", um drama de época sobre um casal que era separado pela família. No final, como todo bom romance, os dois ficavam juntos e amarrados pelas, bem, correntes do coração.
Enquanto isso, Noslen se preparava para viajar para a Venezuela. Depois de anos, o jovem encontrou uma família. Ele não queria depender de ninguém pra viagem, por isso, pediu demissão no dia seguinte e usuária o dinheiro que guardou para sua grande aventura em terras venezuelanas.
O único que sabia do plano era Nico, que tentou impedir o amigo, porém, Noslen estava irredutível e continuou a arrumar as malas.
— Você vai sem avisar o Enzo? — questionou Nico, encostado na parede, enquanto o amigo guardava as roupas em uma mochila.
— Vou. O Enzo já está cheio de problemas na empresa, Nico. Eu não posso ser um fardo para ele. — checando uma pasta de documentos. — É o meu futuro, cara. Eu vou saber a minha origem. Pode ser a minha última chance.
— Te entendo. Eu só não vou, pois tenho trabalho essa semana. E como você pediu demissão, alguém precisa ajudar no aluguel. — disse Nico, cruzando os braços e suspirando.
— Só toma cuidado, meu amigo. Essas estradas são um perigo.
— Eu vou ter Nico, prometo.
Alheio aos planos do namorado. Enzo tinha um pepino para resolver e não fazia ideia por onde começar. Eles contrataram uma equipe para ajudar no financeiro da empresa e, assim, organizar o pagamento de todos. Gerenciar uma empresa pode ser muito complicado e não há espaço para falhas. Por isso, a diretoria da Tech Land utilizou todo o tempo para diminuir os estragos.
Por outro lado, Ian acompanhava tudo e se sentia um caso perdido. Todos na empresa deram as costas para ele. Principalmente, os membros da diretoria, que aproveitaram a falha dele para contra atacar. Afinal, um segredo precisa ser guardado e Ian não queria ser preso ou ter o nome vinculado em uma armação.
Ao contrário, ele baixou a bola e continuou a cuidar do marketing da empresa. Só que dessa vez sem uma secretária para fazer as suas vantagens. Ou seja, para algumas pessoas o fundo do poço pode ser bem raso. O único que tratava Ian bem era André.
— Ian, — entrando na sala com alguns documentos. — com licença.
— Você já entrou, né? — questionou Ian, fazendo alguma postagem nas redes sociais.
— Trouxe uns documentos do departamento de criação. Essas novidades vão entrar esta semana. — deixando os documentos na mesa de Ian e sentando. — Então?
— Então?
— Você está bem? Tipo, com todo esse drama da Diana?
— Tipo, os planos malignos que criei com a minha meia irmã diabólica?
— Sim. Qual é, você parece ser um cara durão, mas todos temos sentimentos.
Por um momento, Ian se sentiu acolhido, porque André foi o único que perguntou se estava tudo bem. De repente, os dois relembraram os beijos e carinhos trocados. Com tesão, Ian andou até a porta e a trancou. Ele praticamente atacou André, que não reagiu e se entregou, pois sentia saudades da boca de Ian.
Outro irmão D'ávila que precisava lidar com seus sentimentos era Iara. Ela queria dar uma chance para Diana, mas sentia medo, principalmente, depois do que a meia irmã fez com Ian. Durante um café com a namorada, Iara abriu o coração.
— Sei lá, o Oswaldo não vai ganhar o prêmio do pai do ano, mas a coitada da Diana não merece tudo isso. — soltou Iara para uma Popi que prestava atenção em cada palavra.
— É uma situação foda. Ela quase ajudou o Ian a destruir a TechLand. O teu irmão é um cuzão. Como você escapou ilesa?
— Sorte? Olha, Popi. Eu sei que o Ian é um idiota, mas ele também tem suas lutas internas. A minha família não é fácil. Acho que ninguém ali se salva. Os meus irmãos são traiçoeiros, eu sou uma indecisa. Vivo de mesada. Não conclui nada de bom na vida.
— Ei, não é bem assim, Iara. Você é uma garota inteligente e entende muito de moda. Tenho certeza que esse é o ramo certo. Deveria investir nisso.
— Vou procurar opções. E também entrarei em contato com a Diana. Preciso ouvir a versão dela. — garantiu Iara, pegando o celular e buscando as redes sociais da irmã.
Depois de algumas reuniões, Enzo sentiu falta do namorado e o procurou pela empresa. O jovem andou por todos os setores e não o encontrou. Noslen também não atendeu nenhuma das 10 ligações iniciais. Ao ir no RH para checar a frequência do venezuelano, o empresário se surpreendeu e descobriu a demissão voluntária de Noslen.
Ele não perdeu tempo e seguiu para a casa de Noslen. Ao chegar lá, encontrou Nico varrendo a calçada e perguntou sobre o namorado. Surpreso, Nico explicou que Noslen estava seguindo para a Venezuela para verificar a casa de seus pais.
— Ele foi sozinho?
— O Noslen é cabeça dura, Enzo. Ele não queria te atrapalhar devido aos problemas na empresa e...
— Quando ele foi?
— O ônibus vai sair às 18h. — contou Nico, deixando a vassoura de lado. — Cara, conhecendo o Noslen, ele quer fazer isso sozinho. O único jeito é esperar.
— Eu... eu...