Antes de entrar no assunto sobre como minha depressão afetou meu trabalho, deixem-me contar uma coisa.
A casa fundo a fundo com a minha era vazia. Mais ou menos 5, 6 meses depois de eu ir morar na casa, se mudou um homem, uma mulher e duas crianças para a casa. Do meu quintal dava pra ver eles e vice-versa. Não eram muito simpáticos, e eu também não. Quando eu saía e nossos olhares - com ele ou com ela - se cruzavam, desviávamos o olhar. Ele parecia tranquilo, mas ela sempre fazia cara de poucos amigos. Lógico que eu não me importava. Eu tinha pavor a vizinhos por causa lá da casa de meus pais.
Esse casal começou brigar muito. Era tanta briga que menos de 5 meses ela foi embora. Ninguém me contou, eu ouvi ele gritando que se ela saísse pela porta, não voltaria mais. E realmente depois daquele dia não a vi mais, somente vez ou outra.
Guardem essa informação que retornarei a ela mais tarde.
Como sabem, tirei minha primeira férias e voltei trabalhar 15 dias depois porque eu não sabia o que fazer parado casa, sozinho e com medo de viajar
Eu já estava habituado ao trabalho, exercia minha função muito bem porque eu só pensava na recompensa financeira no final final mês, essa era minha motivação. Mas quase 2 meses antes de tirar minha segunda férias, eu tive uma crise de depressão como nunca havia tido antes.
Quem tem depressão ou quem já foi abandonado pela família por ser gay, vai me entender...
Eu sempre penso na família, por mais que o melhor para mim é estar longe deles, mas eu penso que poderia ser diferente, que eles pudessem me apoiar, me proteger da sociedade, segurar minha mão e dizer que estava tudo bem, e no dia da minha crise não foi diferente.
Acordei triste, pesaroso, desanimado, me sentindo sozinho, e com esses pensamentos descritos acima e alguns mais; lembrei também daquele vizinho que me sacaneou jogando toda culpa em minhas costas e fugindo me deixando sozinho, entre mil pensamentos que abalaram minha cabeça. Eu trabalhava pela manhã.
Fui ao trabalho e trabalhei sem um pingo de coragem, eu forçava o corpo a trabalhar mas a cabeça só queria dormir e não acordar mais. Chegou um momento que foi automático, eu não segurei, as lágrimas caíram e pronto, e não foi um leve choro, sem conseguir controlar chorei alto, coloquei as mãos no rosto pra tentar controlar, mas o choro simplesmente explodiu.
O maquinário da indústria é automático, passando de funcionário a funcionário, cada um montando uma peça. Quando o produto chegou até mim, eu não adicionei nada porque estava tentando controlar o choro, então a máquina seguiu adiante. O rapaz depois de mim foi obrigado parar a maquinaria, o que atrasou o serviço. O que estava antes de mim achou que eu estava passando mal, me segurou perguntando o que estava acontecendo, gritou para os outros pedindo água e me trouxeram. Eu não respondia nada, só fazia chorar; até mesmo porque quem tem depressão tem vergonha de falar, pelo menos eu... afinal, muita gente acha que é frescura. Mas alguém percebeu, e um deles disse:
- Isso aí tá parecendo depressão.
O supervisor logo me substituiu e me levou para o escritório. Eu poderia me preocupar em ser demitido naquele momento, mas minha tristeza não permitia eu ter qualquer outra preocupação. Ele me sentou, e sentou-se na cadeira dele, e disse com essas exatas palavras:
- Me diz, meu jovem, o que está acontecendo. Perdeu alguém, morreu algum familiar, está com alguma doença?
Eu estava com o corpo curvado e cabeça baixa, o choro havia passado, estava apenas sentindo uma tristeza profunda, e eu respondi balançando a cabeça que "não".
Ele continuou:
- Está triste?
Balancei a cabeça que sim.
Ele se levantou, veio até mim, colocou a mão no meu peito e me empurrou de leve, falando:
- A postura correta de sentar é assim... - e ele me fez encostar no encosto da cadeira. E continuou falando:
- A posição que você deixar sua cabeça é assim... - E ele tocou no meu maxilar e levantou minha cabeça.
Eu achei aquilo um ato de grosseria, até ele se sentar na cadeira a meu lado e começar falar, olhando na meu rosto:
- Eu não se o que está acontecendo, mas sei que qualquer coisa que esteja te deixando triste ou magoado, você é mais forte que isso. Eu supervisiono 53 funcionários nesse setor desse turno; e tenha certeza, eu conheço o trabalho, o esforço e a "dosagem" do empenho de cada um aqui, e o rapaz forte e decidido mostrar pra'quela máquina pra que ele está aqui, é a pessoa de verdade que existe dentro de você. Esse rapaz que estou vendo agora não é aquele, e tenho certeza que esse de agora não é o original, é só uma réplica. Então, seja o que for que estiver acontecendo, segura aquele rapaz aí dentro, não deixa ele ir embora e esse de agora tomar conta de você. Agora me diz, o que está acontecendo? Você quer colocar pra fora? Desabafar é necessário. Não me olha como um chefe ou um supervisor, me olha e veja e um amigo disposto a te ouvir.
Eu comecei:
- Eu sou gay. (Ponto).
Ele ficou calado me olhando, esperando eu continuar, sem fazer cara de constrangimento ou de surpresa. Como fiquei calado, ele disse:
- Sim. E daí? Qual o problema nisso? Você não é o único homossexual nesse setor. - Isso eu não sabia. Eu fiquei surpreso, mas não perguntei quem era.
Então comecei:
- Eu fui abandonado pela minha família muito cedo por ser gay... (Eu soltei o verbo, coloquei tudo pra fora, desde o que passei até os sentimentos que eu tinha engasgado, e o supervisor ouviu tudo atentamente, e não foi pouca coisa).
No final, eu não sei se foi impressão minha, mas ele parecia emotivo com a minha história e cheio de compaixão. Mas eu não queria isso, só precisava desabafar. Eu sinto uma coisa ruim por dentro quando alguém faz cara de compaixão para mim, fico me sentindo alguém digno de pena. E isso é horrível.
Ele se levantou da cadeira a meu lado e foi para a cadeira dele, pegou um papel para escrever e me disse:
- Olha, eu vou pedir para te afastar e...
Eu entrei em desespero, e interrompi ele quase que implorando:
- Não! Não me demite, por favor. Eu preciso muito desse emprego, isso não vai se repetir, foi só um deslize...
Dessa vez ele me interrompeu:
- Ei! Calma! Calma! Não falei em desligamento, falei em afastamento. Você continuará sendo empregado quando terminar o período. A diferença é que você vai sair daqui, vou te encaminhar para pegar um relatório com o psicólogo da empresa, lá também você vai ter que conversar pra ele te avaliar, vai pegar um relatório caso ele achei necessário, e vai para de INSS. A parte ruim é que você vai receber só o salário base.
Eu não fiquei feliz com isso, mas ele exigiu. Como exigiu outra coisa:
- E outra, o tempo que você ficar afastado, viaja um pouco, conheça gente, isso vai te fazer muito bem, você precisa disso.
- Sr, eu nunca viajei, nem pra casa de parentes, que na verdade é tudo desunido e afastado um do outro por questões religiosas. Eu não teria onde me hospedar, não tenho amigos.
- Fica em algum hotel, pousada, qualquer coisa assim. - Respondeu ele.
- Eu não sei nem como se entra num hotel.
- Não. Isso tudo é busca de barreiras. Não é nenhum bicho de 7 cabeças entrar em um hotel. Basta você chegar na recepção. Se for hotel cheio de frescura e você não souber pegar um elevador, se as fechaduras das portas não forem de chave, alguém te ensina, não precisa ter vergonha. Olhe para os outros hóspedes e se lembre que eles também não nasceram sabendo, alguém ensinou a eles. E qualquer coisa que você não souber fazer na cidade, pra onde ir... pesquise, peça informações. Mas pedir informações apenas a guardas, a policiais, porque pessoas comum podem ser sacanas.
Aquele chefe me ensinou praticamente todo o B.A.BA.
Claro que não viajei pra lugar distante e muito menos me hospedei em hotel caro ou cheio de frescura. Fui conhecer a capital Salvador que fica a uma hora e meia daqui de Feira de Santana, e fiquei num hotelzinho no centro que condizia com meu bolso, pagando a diária de apenas 105,00 naquele ano; hoje não sei mais o valor. Não foi nenhum bicho de 7 cabeças realmente. Achei Salvador linda, amei as poucas praias que fui - so fui em praias na verdade -, mas não conheci ninguém, nenhum paquera, nenhum ficante, não fiz amigos; na verdade eu estava muito tímido, não olhava pra ninguém. Nas praias eu escolhia as mais vazias, e quando eu via um homem de sunga eu desviava o olhar, com medo dele perceber e querer me bater, ou de outras pessoas verem e me encurralarem quando eu saísse dali, pra me baterem, matar, ou coisa do tipo. Eu era extremamente medroso.
De volta a Feira de Santana.
Eu ainda estava afastado do trabalho quando um belo dia acordei desesperado por dentro, me sentindo sufocado, engasgado, uma coisa estranha, sei lá. Já era umas 10 da manhã. Dormi de madrugada assitindo filmes. Eu estava mal e precisava respirar, queimar alguma coisa por dentro (sintoma de depressão). Eu peguei uma cadeira, coloquei no quintal, mas não na parte coberta, la no meio do quintal, num sol de escaldar o cérebro. Peguei um pacote de biscoito recheado, abri, me sentei na ponta da cadeira e encostei a nuca na cadeira e fiquei de olhos fechados com o rosto pra cima e comendo biscoitos. Ouvi uma voz:
- E aí vizinho!
Levei o maior susto, quase caio da cadeira, e ele deu risada.
Continuo.
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Gente, se houver algum erro eu corrijo, digitei rápido porque hoje preciso dormir mais cedo. Obrigado a todos, viuh!