Dr. Frankenstein & Drácula: Odisséia de Sangue

Um conto erótico de Lemonhead
Categoria: Heterossexual
Contém 9789 palavras
Data: 25/10/2022 12:51:40
Última revisão: 24/02/2023 09:37:35

Tirol do Sul, 1809

“Boa tarde, doutor Whale.”, disse-lhe Anika, a filha do proprietário daquela estalagem.

“Ora. Já disse que podes me chamar de James.”, retrucou o homem. “Boa noite, Anika.”, completou, abrindo um sorriso.

A jovem retribuiu.

Galgou as escadas até chegar ao terceiro - e último - andar do estabelecimento, onde ficava o quarto que alugava.

Tudo o que ele queria era descansar, pois aquele havia sido um dia estafante: visitara a família Baldini em sua cabana limítrofe. O jovem Sílvio se recuperava de um caso severo de gripe. Depois, foi até a casa da abastada família Frey. A doméstica residente, Anastasia, sentira-se tonta após um dia particularmente atarefado. O doutor receitou a ela pelo menos dois dias de descanso. Por fim, fora até a humilde choupana onde vivia a família Liebling. O patriarca, um homem imenso e de aparência visceral chamado Gustav, era acometido pelo “pulmão negro”, doença comum em trabalhadores de minas de carvão. Fora por isso, inclusive, que se mudara para as montanhas - supunha-se que os ares alpinos fariam bem aos seus enfermos pulmões. Por ele, não havia mais muito a ser feito. Receitava-lhe apenas algo para a dor.

Fora um dia cheio.

No caminho de volta, cruzara com Abella, a velha cigana. Esta vivia mais afastada, mas costumava vir até o vilarejo para conduzir alguns afazeres.

O doutor tirou o chapéu e desejou-lhe boa noite.

Obteve como resposta um grunhido. “Nada de bom há sobre essa noite!”, disparou a cigana. Ela cerrou os olhos e encarou o doutor. “Uma grande sombra se aproxima.”

Retornou aos afazeres. Mas, lá no fundo, continuou inquieto. Sentia como se uma gigantesca tormenta começasse lentamente a assomar no horizonte.

*****

O doutor desceu e se dirigiu até a taverna. Era quinta-feira, e nas quintas havia sopa de gulache, prato típico da região e pelo qual ele se apaixonara.

Anika lhe deu um prato bem servido, duas metades de pão e um ovo cozido ainda com casca. Já havia comido metade do prato quando reparou que o aposento ficara silencioso. Cessaram as conversas amigáveis e os acalorados debates; as risadas, os flertes e as bravatas. O doutor levantou o olhar, e com ele percorreu o aposento. As pessoas estavam imóveis como estátuas. Com exceção de um homem, parado solene sob batente da porta. Sua presença parecia sugar todo o ar do ambiente.

O doutor acompanhou o estranho com o olhar enquanto ele caminhou até sua mesa, puxou a pesada cadeira de madeira e sentou-se, sem cerimônias.

“Estaria correto em presumir que és o médico desse vilarejo?”, o estranho perguntou, em um distinto sotaque do leste europeu.

“Sim. Meu nome é James Whal—”, o estranho levantou o braço, interrompendo-o.

“Doutor, doutor…”, ele disse, balançando a mão direita no ar. “Paremos com a farsa de quinta categoria. Eu sei quem tu és. Quem *realmente* és.”

O doutor, até então arqueado na cadeira, se aprumou.

“Tu és Victor Frankenstein.”, disse o estranho, dedo acusatório apontado em sua direção. “Cujos infames experimentos quebraram tanto as leis homens quanto as de Deus.”

Ao ouvir seu verdadeiro nome, pelo qual não era chamado há mais de uma década, o doutor encolheu-se na cadeira, envergonhado e amedrontado. Olhou em volta, preocupado.

“Não temas, meu bom doutor. Eles não podem ouvir coisa alguma.”, disse o estranho, referindo-se aos estáticos ocupantes do salão.

“Não causaste a eles nenhum mal, espero.”, disse o doutor Frankenstein.

“Não. Um tipo de hipnose, apenas. Julguei que seria agradável termos privacidade em nossos tratos.”, respondeu o conde. “Ora, onde estão meus modos? Sequer me apresentei. Eu sou conde Drácula.”

Frankenstein arregalou os olhos. “O carniceiro dos Cárpatos. O flagelo da Valáquia. Ou assim dizem.”, disse.

O conde abriu um sorriso ferino enquanto ouvia seus epítetos. Parecia deveras satisfeito em ver que sua reputação o precedia.

“Agora que não mais nutrimos nenhuma falsa ideia sobre nossas identidades e reputações, falemos de negócios.”

“Negócios?”

“Isso pode surpreendê-lo, doutor, mas essa não é uma visita social.”, o conde disse, faceiro. “Estou aqui porque tenho uma proposta a te fazer.”

Frankenstein não tinha o mínimo interesse, porém não verbalizou nada nesse sentido. Ouviria a tal proposta. Isso lhe daria mais algum tempo para tentar pensar em uma saída.

“Vamos a ela, então.”, disse o doutor, e então voltou a comer. Não havia motivo para desperdiçar um bom gulache.

“Não gastarei vosso tempo com rodeios, doutor. Eu preciso da sua… Expertise, digamos assim… Reanimação de tecidos mortos.”

“Entendo.”, retrucou o doutor, de forma descompromissada, enquanto molhava um pedaço de pão no caldo do gulache.

“Garanto que terás ao seu dispor tudo o que requisitares. Disponho de uma boa quantidade de recursos e riquezas, acumulados ao longo de minha… existência. E, o que não puder ser comprado, tenho outros meios de providenciar. E tu ganharás mais dinheiro do que seria possível gastar.”

“O senhor há de me perdoar, conde. Sua oferta é mais do que generosa. Mas eu não estou interessado.”

O conde gargalhou. “Certamente há aqui uma pequena confusão!”

“A respeito de quê?”

“De minha disposição em aceitar ‘não’ como resposta.”, ele disse. Dobrou-se sobre a mesa, os olhos semicerrados. “Doutor, voltarás para a Transilvânia comigo. De uma forma, ou de outra.”

Frankenstein não respondeu, nem mesmo se mexeu. Continuou como estava, as mãos espalmadas sobre a mesa, o olhar fixo no conde.

Drácula se levantou. Mãos para trás, uma expressão serena no rosto. Caminhou pelo salão até chegar em Anika, ainda imóvel, segurando uma bandeja com dois pratos vazios.

“Um rosto tão belo!”, disse, acariciando o mesmo.

Desceu a mão, e, junto dela, suas grandes e afiadas unhas, até o pescoço da jovem.

“Não se enganes, Frankenstein. Todas essas histórias que ouviste a meu respeito… São histórias. A realidade é *muito* pior.”, disse, com os olhos faiscando. Sua unha começou a deslizar pelo pescoço da jovem, deixando atrás de si um fino rastro de sangue.

“Chega!”, disse o doutor, exasperado, dando um tapa na mesa que fez seu prato alçar um curto voo. “Tudo bem, tudo bem! Eu vou.”

“Esplêndido!”, disse o conde, recolhendo a mão. “Sabia que chegaríamos a um acordo, homens razoáveis que somos.” Soltou uma estridente gargalhada e bateu as mãos em uma solitária palma.

Ele voltou até a mesa, porém não sentou.

“Partiremos dentro de exatamente uma semana. Agora, há de me desculpar, tenho uns pequenos afazeres a concluir.”

O doutor teve um calafrio ao pensar que tipo de afazeres seriam.

Antes que o conde cruzasse o pórtico, o doutor chamou por ele.

“Sim?”

Frankenstein apontou para as pessoas ao seu redor, ainda imóveis.

“Oh. Sim, sim, claro. Que descuido meu.”, o conde disse. Ergueu a mão direita e estalou os dedos, sumindo pela porta logo em seguida.

As pessoas voltaram a se mexer, como se nada houvesse ocorrido.

O doutor correu até Anika e limpou seu pescoço com um guardanapo. Confusa, a jovem acabou acreditando na história inventada por ele de improviso, sobre aquele corte teria vindo dela própria, ao coçar a garganta.

*****

Naquela noite, o doutor, sentado insone em sua cama, ponderava sobre suas alternativas. A primeira, e mais óbvia, era fugir. Mas, por que fugir? Parecia claro que em Drácula havia a disposição de procurar por ele até nos confins da Terra, caso necessário. E temia o que se abateria sobre aquele vilarejo e seus habitantes se ele fugisse. O conde não parecia ser, por desígnio ou temperamento, uma criatura clemente.

Desistindo de tentar dormir, foi até a escrivaninha. Havia alguns escritos que queria passar a limpo.

Assim que molhou a pena no tinteiro, uma estranha sensação o atingiu. Os pelos da nua se eriçaram. Sentia-se observado. Atrás de si, havia uma janela.

Queria virar-se, olhar para ela, mas tinha medo. E esse medo fez com que sua mente viajasse; naquele momento, não estava mais em seu quarto em uma estalagem num vilarejo escondido nos Alpes. Estava de volta em seu quarto em Ingolstadt. Queria se virar, mas o medo o impedia.

Tinha medo de que *ele* estivesse lá. O monstro.

*Seu* monstro.

Mesmo após quase quinze anos, esse medo retornava. Retornava? Não, ele nunca ia realmente embora. Ficava, às vezes, adormecido, esquecido… Até emergir novamente, sem aviso, como um gigantesca e deformada baleia.

E se a criatura retornasse, agora que ele novamente, após muitos anos, sentia alguma alegria em viver?

Não conseguiria - não aguentaria - passar novamente por aquela tribulação.

Tomando de seu medo as rédeas, virou-se e olhou para a janela em um movimento rápido, coração disparado, respiração acelerada, pronto para gritar, para lutar até a morte caso necessário fosse.

Respirou aliviado ao ver que o monstro não estava lá. Botou a cabeça entre as mãos e riu de si mesmo e de sua tolice.

Mas havia algo lá. Quando seus olhos se acostumaram à escuridão, desenhou-se a forma de uma coruja. Hirta e sombria, pousada no peitoril da janela, os olhos pretos e sem vida acompanhando cada movimento seu.

O doutor foi até a janela, surpreendendo-se com o fato da soturna ave permanecer em seu lugar mesmo com sua aproximação.

“Ave de agouro!”, disse ele, fechando a cortina. Haveria animal mais desgraçado?

*****

Semana vinda e semana finda, assim que o sol se pôs no sétimo dia, o conde bateu à porta do quarto do doutor.

“Tudo em ordem?”

“Meus afazeres estão quase todos em ordem. Restam apenas alguns pormenores.”

Abriu o baú localizado ao pé de sua cama, agora vazio, e retirou o fundo falso. Do compartimento secreto, produziu seu diário, onde coletava todas as informações sobre suas experiências pregressas.

“Posso ver?”, perguntou o conde.

O doutor pareceu hesitar, mas passou-lhe o caderno. Tendo-o em mãos, o conde pôs-se a folhear.

“Fantástico! Absolutamente magnífico!”, disse ele, enquanto seus olhos percorriam as páginas. “O conhecimento encerrado nessas páginas poderia revolucionar a ciência, homem! Em vez disso, estavam empoeirando no fundo de um baú. Um crime de maior magnitude!”

Tomando o caderno novamente para si, colocou-o dentro da mala e a fechou.

“Estou pronto para descer.”

Na porta da estalagem, uma luxuosa diligência o aguardava. O cocheiro, um homem de traços duros e feição rude, quis colocar sua mala no bagageiro, mas o doutor insistiu que ela fosse com ele dentro da cabine.

O doutor pediu licença. Havia ainda algumas despedidas a fazer.

Primeiro, foi até o dono da estalagem e lhe deu uma pequena caixa. Instruiu-lhe a guardá-la em seu cofre. Caso ele não retornasse dentro de um mês, poderia ficar com seu conteúdo. O estalajadeiro não sabia, mas dentro da caixa havia todo o dinheiro que Frankenstein acumulara desde que naquele vilarejo se instalara, bem como uma nota explicando seu atual suplício e instando-o a usar aquele dinheiro para ir viver em outro lugar, junto com a filha.

Em seguida, foi justamente Anika a quem o doutor foi visitar. A jovem estava deitada, cochilando após mais um dia de trabalho duro.

O doutor apanhou um crucifixo sobre a mesa e o depositou sobre a testa da jovem. Emitiu um leve suspiro de alívio quando não houve qualquer reação.

“Anika?”

A jovem suspirou, arrancada do sono.

“Doutor Whale?”

“Como está o pescoço?”, perguntou, checando o curativo.

“Melhor. Já não há mais dor. O que te trazes aqui?”

“Será preciso que eu me ausente.”

“Oh. Mas vais voltar?”

Ele suspirou. “Eu… Não sei.”

Deu-lhe um beijo na testa e se despediram. Seria a última vez que se veriam.

Em seguida, Frankenstein se dirigiu até a pequena igreja. Conversou um pouco com o pároco, e então os dois sumiram igreja a dentro. O sumiço durou pouco, logo emergiram novamente. Houve um aperto de mãos e logo o doutor já estava de volta à diligência.

“Não imaginaria que fosses uma pessoa religiosa.”, disse o conde.

“Não sou. Não muito. Mas o padre é um bom amigo.”

“Ah. Mais algum pormenor a acertar?”

O conde balançou a cabeça.

“Esplêndido. Entre, por favor. Há provisões que, julgo, serão mais do que necessárias. Nos vemos em meu castelo, dentro de alguns dias.”

“Não vais me fazer companhia?”

“Oh, não. Tenho meios próprios de viajar.”, ele respondeu, rindo.

“Chegarás ao destino antes de mim, então?”

“Sim, sim.”

O doutor pegou um papel do bolso e estendeu-o ao conde.

“E o que seria isso?”

“Uma lista. Tudo de que vou precisar para meus experimentos.”

“Bem pensado, doutor.”

Apertaram as mãos. O conde desejou boa viagem. Falou algo para o cocheiro, e então a diligência partiu.

*****

A viagem durou duas semanas e foi relativamente desprovida de eventos. O doutor aproveitou o tempo para ler e revisar seu diário.

Quando finalmente chegou ao destino, suas costas doíam horrores. Fora os curtos períodos onde saía da diligência para atender às necessidades inescapáveis do corpo humano, tinha ficado dentro dela o restante do tempo.

Era sábado da outra semana, por volta das três da tarde, quando a diligência parou e ouviu a voz rouca e desagradável do cocheiro anunciar: “Chegamos.”.

Assim que saiu, percebeu que o conde não fazia parte da pequena comitiva que o aguardava. Logo em seguida amaldiçoou sua estupidez. Era claro que ele não estaria ali.

Era dia.

Foi conduzido, castelo adentro, até um aposento onde o conde se encontrava. Estava a escrever sobre a mesa. Frankenstein viu que usava uma caneta-tinteiro. Essa era apenas a terceira vez que via esse objeto.

“Ah, doutor! Como foi a viagem?”

“Transcorreu de forma tranquila.”

“Excelente!” O conde sacudiu uma sineta e três serviçais apareceram. “Eles o levarão ao seu quarto. Tenha uma boa noite de sono e amanhã conversaremos.”

Quando acordou, já estava noite de domingo. Estivera mais cansado do que imaginava.

Naquela noite, o doutor foi convidado a beber conhaque com seu anfitrião.

"Tens um ótimo gosto para bebidas, conde."

"Agradeço o elogio, Victor. Posso chamar-te de Victor, não?"

"Claro, como queira."

“Tua história é fascinante.”

“Mesmo?”

“Indubitavelmente! Um cientista que desafia as leis da natureza, desvenda os mistérios da vida e da morte e faz o que até então apenas Deus conseguira! Não ficaria surpreso se tua história fosse conhecida ao longo dos séculos vindouros!”

O doutor permitiu-se a indulgência de um pequeno sorriso. Por mais que odiasse admitir, aquilo fazia bem ao seu ego.

Drácula terminou a bebida e colocou mais uma dose.

“Que o bom doutor perdoes minha intromissão, mas todos os fatos que apurei apontavam para tu estando, como posso dizer, do lado de lá da eternidade. Gostaria muito de ouvir a história de como enganastes a morte.”

Frankenstein fechou os olhos e suspirou pesadamente. Um afluxo de memórias volta-lhe à mente. Coisas que estavam enterradas há muitos anos.

“O demônio que criei causou uma chuva de fogo em minha vida. Perdi tudo e a todos que amava. Só me restou, embora seja duro admitir, a vingança. E atrás dela eu fui, perseguindo o odiento inimigo por todo o tipo de terreno.

“Quando tornou-se claro para mim que eu não conseguiria jamais destruir a criatura - pelo menos, não de forma direta -, fui obrigado a pensar em uma nova estratégia. Minhas interações pregressas com ela incutiram em mim a certeza de que o motivo precípuo de sua existência, àquela altura, era meu sofrimento. Com minha morte, ela perderia a razão de ser.

“Contemplei, então, cometer suicídio, mas o capitão Walton, capitão do navio que me encontrou moribundo no ártico, homem de moral e valores, me demoveu dessa ideia. Com a ajuda dele, bolei um plano. Eu tinha, entre minhas posses, uma planta cujo extrato causava o enfraquecimento dos sinais vitais a níveis quase imperceptíveis e indetectáveis, tal como me fora ensinado por um monge do distante Sião. Com a ajuda do capitão, preparei esse extrato e o ingeri Em menos de meia-hora, já estava imóvel, impassível. E foi assim que o monstro me encontrou. Julgando-me morto, ele, como eu havia previsto, perdeu o pouco sentido que tinha em sua hedionda e infeliz existência. Após me reanimar, o capitão disse que a criatura confidenciou a ele que iria partir dali e tirar a própria vida em uma grande pira funerária. E essa foi a última vez que ouvi falar dela.”

O conde, que até então ouvia a história com compenetrada atenção, balançou a cabeça.

“Antes de ir atrás do criador, procurei pela criatura. Durante meses, singrei a imensidão branca, maldita e estéril do polo, à procura de sua criatura. E foi lá, nos confins da Terra, que um xamã de uma tribo Inui contou-me que presenciou o fim da criatura. Após falhar em acender uma fogueira, o monstro, frustrado, lançou-se às águas congelantes do mar ártico. Tenho em alta conta a ideia de que ela agora repousa no fundo daquelas impenetráveis águas”

O doutor suspirou. Sentiu, de forma passageira, uma ponta de inveja. Parece que a criatura encontrara a paz que tanto almejara, e que ele próprio ainda não alcançara.

“E eu não era a única parte interessada procurando por sua criação, Victor.”, confidenciou o conde, trazendo-o de volta de seus devaneios. “Eu vi uma expedição - prussiana, se não me engano - cujo único propósito de estar ali, imagino, fosse o mesmo que o meu.”

No dia seguinte, o conde levou o doutor Frankenstein por uma caminhada pelo seu castelo. Havia um motivo: escolher o local onde seria montado seu laboratório.

Por boa parte do dia, o conde, o doutor e alguns serviçais percorreram aquele imenso e labiríntico castelo.

O doutor contou dois níveis abaixo do solo, e havia mais: a escada continuava. Ele, porém, interrompeu o descenso.

“Algo errado?”, perguntou o conde.

“O laboratório precisa ser acima do solo. É necessária boa ventilação e acesso à luz do sol.”

“Luz do sol?”, perguntou o conde, torcendo o nariz.

“Sim, sim.” O doutor caminhou mais uns três passos antes de ver seu caminho interditado por dois dos guardas do castelo. Olhou para trás e o conde estava lá, braços cruzados, esperando uma explicação. “A luz solar acelera a absorção e fixação do elixir usado na reanimação.”, Frankenstein disse.

O conde deu-se por satisfeito com a explicação, e fez sinal para que deixassem o doutor passar.

O local escolhido acabou sendo um antigo solário, que por motivos óbvios não era muito utilizado. Era um aposento circular, com teto em abóbada, e uma parte do aposento projetava-se para fora do castelo. Três grandes janelas, então devidamente bloqueadas por madeira, proveriam todo o sol que fosse necessário. Ao contrário do que dissera ao conde, a luz solar nada tinha a ver com seu experimento, e sim com ser seu seguro de vida.

Duas semanas de trabalho e o local já se encontrava limpo e pronto para ser utilizado. Todos o que requisitara e já havia sido adquirido fora instalado seguindo suas recomendações.

Logo, os experimentos começariam.

Eufórico, o conde abriu um champagne aquela noite. Frankenstein partilhou da bebida, mas não exagerou. Não tinha esse hábito.

Deitado na cama, já a meio caminho entre o mundo acordado e o dos sonhos, ouviu batidas na porta.

Eram as “noivas de Drácula”, como já havia ouvido: Madlenka, Sidonia e Danique.

“O mestre mandou que viéssemos.”, elas disseram.

"O que desejais?", perguntou Frankenstein.

Elas se entreolharam, aos risos. Madlenka e Danique seguraram um braço dele cada e o puxaram até a cama.

"Senhora, o que—", ele tentou perguntar, mas foi calado por um beijo de Sidonia.

Ainda combativo, foi empurrado pra cama por uma delas, não soube precisar qual. Virou-se de barriga pra cima e logo uma delas, Madlenka, estava sobre ele.

"Gostaria que parássemos?", ela perguntou, dengosa.

Frankenstein não era afeito a libertinagens daquele tipo, mas seu corpo dava claros sinais de excitação.

Talvez tivesse bebido mais champanhe do que lembrava.

"N-não.", disse, a voz trêmula. "Não.", repetiu, agora com mais firmeza.

“Sabia que não resistiria a mim por muito tempo.”, disse Madlenka, cheia de si, enquanto ajudava-o a tirar as calças. Ela era a mais alta das três, corpo esguio e tonificado. Cabelos loiros escuros, levemente cacheados nas pontas e os olhos mais azuis que ele já vira.

“A tu? Ha!”, provocou Sidonia. Estava sentada sobre o peito de Victor, já desnuda, com seus seios médios e perfeitos à mostra e ao alcance das mãos dele. Tocou em seus mamilos e ela gemeu, curvando-se para beijá-lo logo depois.

Aquilo não era de todo mal, Frankenstein pensou. Nunca tinha passado por algo como aquilo, mas, sem falsos pudores, estava gostando. Se havia um tempo e um local certos para entregar-se à devassidão e à luxúria, eram aqueles.

Frankenstein sentiu suas calças serem arrancadas, e, logo depois, seu membro sendo tomado por uma boca habilidosa. Era Danique, imaginou. Como Madlenka, ela também era loira, mas de uma tonalidade bem diferente, muito mais clara.

Madlenka sentou em seu rosto, pressionando seu sexo contra sua boca. A língua do doutor pôs-se a trabalhar.

Em seu membro, houve uma substituição: cessaram os prazeres orais de Danique e entrara o sexo de Sidonia. Crescera ouvindo histórias de vampiros, onde suas peles eram gélidas ao toque. Não era exatamente verdade. Não eram da mesma temperatura que um ser humano normal e saudável, mas também não eram gelados como cadáveres. Quanto ao seu sexo, era apenas morno no começo, mas a temperatura subia à media que mais se aprofundava, chegando a um quase morno. Era excitante, de uma forma estranha.

“Madlenka! Já está aí há muito tempo! Agora é minha vez!”, protestou Danique.

“Ahh… Desculpe, Danique, mas é que está tão gostoso…”, ela respondeu.

“Só mais um motivo para eu querer também!”, brincou Danique.

Madlenka cedeu aos apelos da outra e trocaram de lugar.

“E como está aí embaixo, Sidonia?”, perguntou Madlenka.

Esta sequer respondeu, os gemidos falavam por si.

Sidonia saiu de cima do doutor, dando lugar à Madlenka, deitou-se na cama e começou a se masturbar de forma selvagem.

Madlenka tinha mais desenvoltura ao cavalgar. Utilizava cada centímetro dele com maestria, para extremo prazer de ambos. Agarrou Danique, que ainda estava sentada no rosto do doutor, e a atirou de lado. Passou a beijá-lo enquanto cavalgava furiosamente.

“Calma! Ainda tem a minha vez!”, protestou Danique.

“A noite é jovem. Haverá outras vezes.”, retrucou Madlenka, sem dar-lhe muita atenção.

Contrariada, Danique agarrou Madlenka e a arrancou de cima de Frankenstein.

Elas se engalfinharam no chão por breve momento, ficaram de pé. Suas unhas eram agora longas e afiadas como garras. Os caninos, protuberantes e assustadores. Encaravam-se, sibilando uma pra outra, como animais num frenesi.

“Meninas…”, disse Sidonia, que parecia ser mais madura e ter um certo grau de autoridade sobre as outras. “Estão deixando o doutor assustado.”, completou, uma ordem clara nas entrelinhas.

Elas recolheram as garras, de forma literal.

“É sua vez, Danique.”, Sidonia disse, apontando para o ainda hirto sexo do doutor.

Ela sentou-se em seu membro, soltando um longo gemido ao fazê-lo.

"Madlenka.", Sidonia chamou. "Vem."

Ela obedeceu e elas se beijaram.

Danique era mais gentil do que Madlenka, porém tão habilidosa quanto.

"Estás gostando?", ela perguntou.

"Muito.", respondeu ele. E era verdade.

Ela apanhou as mãos dele e levou-as até seus seios. Cavalgava assim quando o doutor teve seu orgasmo, derramando-se dentro dela.

Ao seu lado, Madlenka lambia o sexo de Sidonia.

A ciranda de depravação continuou até todos terem atingido o gozo.

E tudo aquilo se repetiu mais duas vezes antes de Frankenstein, exausto, apagar.

Quando acordou, elas não estavam mais lá.

Vestiu-se e desceu para a sala de reuniões.

“Ah, Victor. Como foi a noite?”

“Agitada.”

O conde soltou um risinho. “Devo deduzir que gostaste da companhia?”

“Por demais.”, respondeu. “Por qual motivo as enviaste ao meu quarto? Não que esteja reclamando, mas—”

“Um homem sexualmente satisfeito trabalha melhor, doutor.”, o conde disse. “Imagino ser isso um fato científico, quase.”

As visitas noturnas continuaram, mas, depois daquele dia, apenas uma delas aparecia por noite. Duas, no máximo. Das três, Danique era sua preferida. Era agradável, gostava de conversar e parecia genuinamente apreciar sua companhia. Como uma pessoa assim acabara naquela lugar, rodeada de criaturas perigosas como aquelas, só lhe restava conjecturar.

Sidonia se entregava de corpo e alma durante o sexo, mas durante todo o resto tinha um ar aborrecido. Raramente falava algo além do necessário e mesmo suas respostas eram monossilábicas.

Madlenka lhe causava suspiros de alívio quando deixava seus aposentos. Tinha um sorriso cruel e olhos perigosos. Parecia sempre a poucos momentos de fazê-lo em pedaços. Como as outras duas, obedecia aos seus comandos, mas sempre que possível subvertia suas palavras e pedidos, como um malicioso gênio da lâmpada. Por mais de uma vez, o machucara, vertendo seu sangue, sempre pedindo perdão de forma cínica e insincera. Havia, escondido sobre a fachada, um fogo assassino. Dormir com Madlenka era como dormir com um lobo faminto.

*****

O conde havia instituído o hábito de ter Frankenstein como convidado para o jantar ao menos uma vez por semana, onde conversavam sobre o progresso e o andamento dos experimentos, bem como assuntos diversos.

“Já visitaste a Inglaterra, Victor?”, perguntou o conde.

“Sim. Por um semestre, muitos anos atrás. Londres, principalmente, e depois rumei para o norte, visitei Oxford e segui até Edimburgo, na Escócia.

Aquilo fez com que lembrasse de Henry, companheiro naquela viagem e seu melhor amigo, que dali a poucos meses se tornara mais uma das vítimas de sua odiosa criação e mais um rosto a assombrar-lhe as noites.

“Por que a pergunta?”, quis saber Frankenstein.

O conde desconversou. “Ah, apenas achei curioso o fato de ter assumido um nome inglês para manter-se incógnito.”

O doutor deu de ombros. "Acho que foi escolhido ao acaso. Um local moderadamente distante, desse modo não sendo possível verificar algum erro cometido por mim. E domino o idioma. Talvez tenha sido esse meu raciocínio à época."

“Entendo. Terminaste?”, disse o conde, apontando para o prato à sua frente.

“Sim.”

“Vamos para meu escritório. Tenho um convidado a me esperar. Chegou há pouco.”

Drácula cumprimentou o convidado, um homem de estatura mediana, bons traços e cabelos castanhos. Trajava um terno marrom claro.

“Doutor. Este é William Plainview, da Inglaterra.”

O homem se levantou e apertou sua mão.

“Esse é meu convidado.”, disse Drácula, deixando a cargo dele se ia revelar seu verdadeiro nome ou não.

“Victor Munchaüsen.”, introduziu-se o doutor.

Foi uma reunião rápida.

Quando passou pelo seu convidado, que ainda estava sentado, pôs a mão em seu ombro.

“Lembre-se do que disse, a questão vai ser colocada em pausa pelo futuro próximo. Agora, descanse! Há um quarto preparado. Amanhã, poderás voltar para a Inglaterra.”

"Munchaüsen?", perguntou-lhe o conde, divertido, depois de o convidado ter se retirado.

Victor deu de ombros. "Foi a primeira coisa que me veio à mente. Se era necessário mentir, então que usasse o nome do maior dos mentirosos."

O conde riu ante a espirituosidade do doutor.

"Acha que ele entendeu?", perguntou Frankenstein.

"Não creio. É um homem muito bom no que faz, mas não é exatamente uma mente brilhante."

"O que ele faz, se não for muita curiosidade de minha parte?"

"Trabalha numa imobiliária."

"Oh. Está pensando em comprar terras na Inglaterra?"

O conde desconversou. "Apenas uma opção para o futuro. Para o hoje, o comprometimento com nosso plano é máximo."

*****

Após a janta, conde Drácula e o doutor Frankenstein bebiam vinho perto da lareira.

"Tens algo a dizer, Victor? Aparentas inquietude."

Frankenstein coçou a cabeça. O conde estava certo, havia algo em sua cabeça.

"Quais são teus planos? Para minhas criações, digo."

O conde manteve um olhar sereno. "Não é algo pessoal, doutor, mas não julgo ser necessário que saibas."

Ainda que contrariado, o doutor não insistiu. Sabia ser inútil.

“Posso fazer-te uma pergunta, Victor?”

“Claro.”

O conde olhava para a taça em sua mão. Girava-a e observava as últimas gotas de vinho indo de um lado pro outro. ”Como o homem de ciência que és, acreditas no além-vida? Em Deus?”

“Bom, sobre ser um ‘homem de ciência’… Não acho que seja um típico representante dessa classe, onde a crença em quase tudo da ordem paranormal é bem menor do que na população em geral. Eu, lado a lado com a ciência, estudei assuntos como alquimia e ocultismo. Mergulhei de cabeça nas obras de Dippel, Fausto e Nostradamus. Estive com Cagliostro em Dresden. Li a Chave de Salomão de capa a capa até decorar o texto por completo, assim como outros grimórios, tomos e curiosos manuais.” O doutor apanhou a garrafa e serviu a si mesmo mais um dose do bom vinho. “Finalmente, respondendo ao seu questionamento: eu acredito que, em algum momento, e em algum lugar, há de se responder pelo que se fez em vida. E é por esse motivo… É por esse motivo que eu me recusei a morrer no ártico.

“Não podia deixar minha vida terminar nessa triste nota, com um ignominioso epitáfio. Não quero o meu nome maldito para todo o sempre. E, se houver algum paraíso sobre nossas cabeças, quero ter a chance de voltar a ver minha doce Elizabeth.”

*****

Estava tudo pronto. O laboratório. Os ingredientes. As ferramentas. Os aparelhos.

Faltava apenas o principal: cadáveres.

O conde pedira paciência. "Logo chegarão."

E esse logo foi dois dias depois, uma quinta-feira. O doutor pôs-se a trabalhar.

Um dia inteiro serrando partes, costurando veias, unindo terminações nervosas...

Ouviu uma risadinha e viu Madlenka sentada numa das mesas vagas.

"O que queres?"

"O mestre requisita o prazer de sua companhia.", ela disse.

Frankenstein largou o bisturi sobre a mesa. Quando virou-se novamente, ela estava logo atrás dele.

"Ficaste muito bonito assim, coberto de sangue.", ela disse, referindo-se ao avental que usava.

"Que coisa doentia a se dizer.", ele respondeu.

Ela riu. Era possível que houvesse encarado aquilo como um elogio.

"Ora, apenas a verdade."

Tentou passar por ela, mas foi impedido. Um leve toque dela fê-lo parar instantaneamente, tal era sua força.

"Achei que tivesses dito que o conde me aguarda."

"Ah, sim, disse... Mas acho que ele pode esperar um pouquinho..."

A mão dela, antes espalmada em seu peitoral, foi descendo pelo corpo dele em direção ao seu sexo.

"Madlenka... O que desejas?"

"Não é óbvio, doutor?", ela respondeu, se agachando à sua frente.

"Não é hora nem lugar para isso!"

"Ora, Victor", disse ela, chamando-o pelo nome numa demonstração de intimidade que aos ouvidos dele soou jocosa. "Tua boca diz uma coisa, mas teu corpo diz outra..."

E era a mais vergonhosa verdade. Mesmo antes das carícias de Madlenka, seu membro já dava claros sinais de excitação.

"T—Talvez seja o caso, mas é função da mente frear os arroubos carnais.", ele disse.

"Vic, Vic, Victor… Estou acostumada a ter o que desejo.", retrucou ela, os olhos faiscantes.

"E teu mestre não?"

Aquilo fez com que Madlenka hesitasse. Mas por pouco tempo.

"Ora, é só dizer a ele que estava em meio a uma questão de vida ou morte."

"Queres que eu minta para teu mestre?"

"Será que seria mentira?", rosnou por entre os dentes.

A essa altura, ela já puxara seu membro de dentro de suas calças e o colocara em sua boca.

O doutor fechou os olhos e suspirou. Esse suspiro virou gemido quando Madlenka acelerou o que estava fazendo.

Sentiu-a a diminuir o ritmo até parar por completo. E então, sentiu algo afiado pressionado contra seu membro.

Olhou pra baixo. Madlenka olhava de volta pra ele. Seus caninos estavam longos e afiados. Roçava em seu sexo com eles, ameaçadoramente.

"Não vais contar nada ao meu mestre, certo?", perguntou. Os dentes em sua forma vampírica a deixavam sua fala levemente arrastada.

Frankenstein balançou a cabeça.

"Bom menino.", retrucou ela, já de volta à forma normal.

Acelerou o que fazia, e ele não tardou a derramar-se em gozo dentro da boca de Madlenka.

"Hmm...", disse ela. "Agora, já para os aposentos ao mestre, sem mais delongas."

*****

O doutor já havia se vestido com suas roupas noturnas e se preparava para dormir, embora ainda fosse três da tarde. Aos poucos, fora adquirindo os horários de seu anfitrião, trabalhando durante as noites e dormindo de dia. Dobrou a roupa diurna e a depositou sobre a cadeira. Foi quando percebeu a presença de uma pessoa em seu aposento.

“Quem és tu?”, perguntou.

O homem falava coisas numa língua que ele não conhecia. Seus trajes eram negros e vestia um turbante. Em suas mãos, uma adaga cuja hedionda lâmina curva refletia mesmo a parca luz do ambiente.

“Abaixes essa coisa!”, demandou o doutor. O invasor não obedeceu àquela ordem numa língua que ele provavelmente não compreendia.

Com bastante agilidade, ele subiu na cama e pulou sobre Frankenstein, que teve apenas a chance de emitir um curto grito antes de se ver lutando pela própria vida.

Com a mão direita, segurava o braço do agressor, enquanto o atingia na cabeça com a esquerda com a pouca força que a posição permitia.

O agressor, mais forte do que ele e em melhor posição, logo estava em vantagem e levou a lâmina a poucos centímetros de sua garganta. Quando seu fim já se desenhava, o agressor saiu voando de cima dele, como se fosse uma marionete que teve as cordas puxadas com violência.

Eram elas, as companheiras de Drácula.

Madlenka erguia o agressor pelo pescoço, contra a parede. Danique ajoelhou-se ao lado de Frankenstein.

“Ele está bem?”, ela perguntou a Danique.

“Acho que sim. Não vejo ferimentos.”

“Estou.”, o doutor respondeu.

Aproveitando-se da distração de Madlenka, o agressor a apunhalou duas vezes na lateral do abdômen. Ela deixou escapar um suspiro de surpresa, e então sorriu.

"Hm, esfaqueando-me no primeiro encontro. Acho que estou apaixonada.", disse ela, rindo.

Agarrou-lhe o braço e, com facilidade, torceu-o até ele ficar em um ângulo aberrante, fazendo o agressor urrar de dor. Em seguida, cravou suas unhas no peitoral dele.

“Madlenka! Não o mates! O mestre de certo vai querer interrogá-lo!”, Danique disse.

A simples menção a ele pareceu invocá-lo, pois logo em seguida Drácula irrompeu pela porta.

“O que se passou aqui?”

O doutor, sentado na cama, explicou: “Esse homem estava em meus aposentos. Atacou-me e, imagino, tinha como intento me matar.”

Os olhos de Drácula ficaram do tamanho de pires.

“Estás ferido?”

“A cabeça está a doer um pouco… Provável que tenha batido-a na queda. Nada de mais.”

O conde dirigiu-se a Madlenka: “Atire-o numa das celas na masmorra! Descerei sem seguida.”

O quarto de Frankenstein ficava a uma distância considerável das masmorras do castelo Drácula. Ainda assim, pode ouvir os ecos dos gritos quase inumanos de dor de seu agressor.

O “interrogatório” estava em andamento.

Duas horas depois, Drácula requisitou a presença de Frankenstein na sala de reuniões.

“O vil malfeitor contou-me tudo. Um plano dos otomanos! Temendo a combinação de nossos esforços, houveram por bem tentar desfazer nossa aliança da forma mais drástica possível: eliminando-te. Vês, doutor, contra o que lutamos?”

“Sim.”

“Tal ato não pode ficar sem punição! Em minha própria morada! Contra um hóspede sob minha proteção.”, vociferou o conde.“Madlenka, Sidonia, comigo! Danique, fique aqui. Proteja-o com sua vida.” Dito isso, sumiu pela porta, acompanhado pelas duas.

Danique lavou sua ferida e fez-lhe um curativo.

“Onde eles foram?”

“Vingar-se. O que mais?”

"Estou feliz que nada sofreste.", disse Danique.

O doutor sorriu.

"Estás bem, então?"

"Creio, não parece haver nada de errado."

"Bem o suficiente para... Tu sabes.", disse ela, acariciando seu membro por sobre a calça do pijama.

"Imagino que sim."

"Vamos à prova, então.", retrucou ela, colocando-se de quatro.

"É tão gostoso.", Danique disse.

"Hm?"

"Seu gozo. Posso senti-lo dentro de mim. É quente. Gostoso.", respondeu, pousando a mão sobre seu ventre.

Cochilaram, o doutor de barriga pra cima e Danique abraçando-o, com a cabeça em seu peito.

Danique, de súbito, acordou: “Eles voltaram.”.

Um serviçal bateu à sua porta. O conde requisitava sua presença em seus aposentos.

Drácula estava sentado na poltrona, próximo da lareira, uma taça de vinho numa das mãos. Ao aproximar-se, Frankenstein viu que ele estava sujo de sangue nas mãos, face e peitoral.

“Victor. Sente-se.”, disse, sucinto.

“O que houve?”

“Uma ‘expedição punitiva’, assim pode-se chamar. Havia um acampamento otomano há uns 100 quilômetros ao sul daqui.”

“Soldados?”

“A maioria. Algumas mulheres e crianças também. Matamos todos.”

“Deus…”

O olhar do conde deslocou-se do fogo para o doutor. “Não sou homem de meias medidas, Victor.”

“Isso ficou mais do que evidente.”

“Nunca deixe que isso escape de sua memória.”

O conde terminou sua taça e se levantou.

“Vou me lavar. Por mais que aprecie o sangue em minha pele, não faz muito bem aos meus lençóis.”, disse, e riu. “Danique! Sidonia!”, ele chamou, e ambas prontamente entraram no aposento.

“Sim, mestre?”, perguntaram, quase em uníssono.

“Vamos ao banho. Madlenka!”, bradou. “Passarás a noite com Victor. Proteja-o.”

Madlenka estava de bom humor. Frankenstein deduziu que era por causa da chacina da qual tomara parte.

“Tu me temes?”, ela perguntou, num tom paradoxalmente alegre. Estava deitada de lado, mão apoiando a cabeça, observando Victor com seus olhos tão lindos quanto gélidos. Tinham acabado de transar.

“Tens força suficiente para arrancar minha cabeça e fazer-me em pedaços com desconcertante facilidade. Isso eu temo.”

“Vic, Vic, Victor…”, ela disse, enquanto enrolava uma mecha de cabelo com o dedo. “Todas essas palavras… E não respondeu minha pergunta.” Passou o dedo pelos lábios dele. “Tu me temes?”, repetiu ela, dessa vez sussurrando ao seu ouvido.

“Não.”

Ela afastou-se, surpresa. Claramente não era a resposta que esperava ouvir.

“Não?”

“Não.”

“E posso saber o porquê?”, ela disse, cruzando os braços emburrada.

Agora foi a vez dele sussurrar no ouvido dela: “Porque eu já vi coisa pior.”. Em sua mente, podia ver o rosto da criatura.

Madlenka olhou pra ele, um misto de surpresa e espanto no rosto. Ele gostou de vê-la assim.

Voltou ao semblante de emburrada.

Transaram mais duas vezes durante a noite, e, entre elas (e, às vezes, durante), Madlenka contara a Victor, de forma jubilante e com óbvio deleite, sobre cada uma das vidas que ceifara, das cabeças que esmagara, membros que arrancara e vísceras que dilacerara durante a pregressa excursão que fizeram.

‘Lunática!’, pensou.

*****

“Quais suas intenções? Reais intenções.”, perguntou Frankenstein. Passara boa parte do dia costurando veias e artérias e estava com evidente mau humor.

O conde lançou um olhar obtuso. Estava fazendo uma de suas não-tão frequentes visitas ao laboratório.

“Para com minhas criações.”, esclareceu Frankenstein.

“Ora, doutor, achei que já tivéssemos devidamente estabelecido que não é necessário que tu carregues esse conhecimento.”

Frankenstein largou o bisturi na mesa e cruzou os braços.

“Então, devido a esse espírito de desconfiança, declaro findo meu trabalho neste momento.”

O conde balançou a cabeça.

“Meu caro Victor… Tens o que julgo ser uma concepção errônea de nosso relacionamento.”

Ele se aproximou. Frankenstein recuou um pouco, mas não tanto quanto o conde gostaria.

“Vieste aqui para fazer um trabalho. Caso tentes fugir, será capturado. Caso cruzes os braços, será obrigado. E, caso tentes algo mais drástico, como tirar a própria vida, mordo-te a garganta e te transformo em meu escravo.”

Frankenstein continuou parado. Seus olhos, porém, traíam essa passividade.

“Mas, reconheço que não deixa de ter certa razão. Todo relacionamento se beneficia da honestidade. Assim sendo, digo-te que estás construindo um exército para mim.”

“Um exército?”

“Sim. Claro, esses são apenas os primeiros.”, disse, apontando para os 15 corpos remendados sobre as mesas. “Não dar-me-ei por satisfeito até atingirmos o número de, digamos, 2000 soldados. Para começar.”

"Dois mil? Isso levaria anos."

"Não se houver ajuda. E haverá, Victor. Tu ensinarás teus segredos a outros. Serão escolhidos por mim, criaturas fiéis. E, caso seja do seu agrado, poderão ser eliminados ao término de seus objetivos, a fim de manter seus segredos. Como fazia-se nos tempos dos faraós."

“Muito bem.”

O conde riu. “Vês, doutor, és um homem inteligente! O simples fato de não tu não perguntar acerca de minhas pretensões com esse exército atesta isso. Ambos sabemos muito bem, um exército tem uma só função: a conquista.”

“E o que deseja conquistar?”

“Uma vez tendo em mãos um exército de suas criaturas, doutor, fá-lo-ei marchar para o oeste, obliterando tudo em seu caminho, até chegar na decadente Viena. Em lá estando, farei meu melhor para destruir a depravada casa de Habsburgo e, em seu lugar, instituir a casa de Drácula, bem no coração do continente. E caso faças os movimentos corretos…" Aqui, o conde simulou o movimentar de peças de xadrez. "Bem, haverá espaço também para uma casa Frankenstein. Diabos, posso até fazer de ti meu primeiro-ministro! Não haverá força capaz de resistir a nós!”

“Achas que será fácil livrar-se dos Habsburgos? Afinal, uma família não fica tanto tempo no poder se não for bastante resiliente.”

”Os Habsburgos serão uma bigorna entre dois martelos. A oeste, a Grande Armée de Napoleão; a leste, meu exército de suas criaturas. O império deles há de ruir.”

Antes de chegar ao pequeno vilarejo alpino onde passara a última meia década, Frankenstein havia viajado até a França. Vira em primeira mão a barbárie a a carnificina trazida pelas guerras que assolaram (e ainda assolavam) o continente. Mesmo no vilarejo, chegavam notícias horrendas da guerra. Campos coberto de cadáveres. Cidades destruídas. Famílias dilaceradas. Soldados estuprando e saqueando. E, agora estava ali, criando um exército que eventualmente viria a ser ainda mais poderoso e brutal do que o de Napoleão.

“Agora, a menos que tenha outra inoportuna dúvida, sugiro que volte ao trabalho.”

Apanhou o bisturi e voltou ao trabalho. Bem como sua mente.

*****

Desde que Frankenstein fora atacado em seus aposentos, o conde agora fazia questão de que ele fosse acompanhado por uma de suas companheiras todo o tempo, estivesse dormindo ou acordado, trabalhando ou repousando, feliz ou triste.

Naquele dia, uma quinta-feira, Madlenka e Danique faziam companhia a ele no laboratório. Havia sido um dia leve em trabalho. Basicamente, ficara separando as partes dos corpos que seriam utilizadas e desfazendo-se do resto.

"As vantagens da guerra.", disse Madlenka. "Não faltam cadáveres."

"Como arrumaste as partes da sua criatura original, Victor?", perguntou Danique.

"Em cemitérios e criptas, onde mais? Procurava pelos recém-enterrados e escavava suas tumbas."

As duas abriram a boca, surpresas.

"Nossa, quem diria... O famoso doutor Victor Frankenstein, desenterrando cadáveres como se fosse um ghoul.", gracejou Madlenka.

Danique tentou suprimir a risada, mas não conseguiu. Mesmo Victor riu.

"Não podem dizer que não sou de botar a mão na massa.", devolveu o chiste.

"E em cadáveres.", disse Danique, apontando pra pilha de pedaços de corpos humanos sobre a mesa.

"E em miolos!", disse Madlenka.

Os três riram novamente.

"Oh, Victor. Acho que estou me afeiçoando a você.", disse Danique.

Haviam bebido algumas garrafas de vinho, presente do conde, e estavam algo inebriados.

"Sinto-me lisonjeado, apesar de não entender o motivo.

“Ah, tu és uma boa pessoa, Victor.”

Ele lançou um olhar severo.

“Não sou.”

“Tratas-me muito bem.”

Ele sentou-se na cama.

“Você sabe o que eu fiz? O que eu criei?”

“Apenas o que ouvi aqui e ali. Rumores. Por que não contas?”

"Eu fiz a criatura, e então, horrorizado, a rejeitei. A criatura passou a nutrir desprezo e ódio por mim, seu criador. Matou meu irmão caçula, apenas uma criança."

"Que monstro vil!"

“E, acredite, essa não foi a pior parte. A criatura, de forma covarde e sub-reptícia, incriminou a nossa criada, Justine, que era também minha irmã de criação. Pessoa de rara empatia e bondade. Foi presa, julgada e condenada por um crime pelo qual, sabia eu, ela era inocente. Eu podia ter dito mil coisas… Dentre elas, a verdade. Mas nada falei. A mim mesmo, racionalizei que não faria diferença, de que seria simplesmente tachado como um louco e atirado em um sanatório. Mas, na verdade, tinha medo. Medo do que fariam comigo caso minhas experiências profanas viessem à luz. E, por conta de meu medo e inação, uma doce e inocente pessoa foi executada como se fosse um cão raivoso. Por mais que seja cômodo e reconfortante colocar todo o peso das atrocidades cometidas pelo horrendo demônio que criei nas mãos dele, a verdade é que sou tão culpado quanto, se não mais.”

Frankenstein chorava copiosamente. Aquilo ainda doía, e, imaginava ele, doeria para todo o sempre.

Continuou: "A criatura veio até mim. Queria que eu criasse uma companheira. Cheguei a fazê-lo, mas no últimos instante, tomando por medo e repulsa, a destruí. A criatura jurou vingança. Primeiro, matou Henry, meu melhor amigo. Minha noiva, no dia de nosso casamento."

"Meu Deus!"

"Meu pai não resistiu a mais essa tragédia e morreu logo em seguida. Num intervalo de apenas quatro anos, perdi a todos que amava. Tudo por minha culpa, por culpa da criatura que criei e rejeitei. Essa é a 'pessoa boa' que sou."

Danique não falou nada. Não havia nada a ser dito, afinal. Passou a mão em seu rosto, enxugando suas lágrimas. Surpreendeu-se com quão quente elas eram.

Em seguida, deu-lhe um beijo na face esquerda e deitou-se.

Enquanto tentava dormir, fitando o alto teto, seus pensamentos corriam. Estava mais do que apenas se afeiçoando a Victor Frankenstein. Estava enamorada dele. E isso complicaria as coisas.

*****

Num começo de noite, o conde desceu ao saguão após ser convocado por Frankenstein.

O doutor estava parado, olhando para o mapa da Europa que havia na parede sala de reuniões. O doutor estimou suas medidas em pelo menos quatro metros de altura por quase sete de comprimento. Datado de dez anos antes, estava algo desatualizado: a Europa e suas fronteiras haviam sido rearranjadas a sangue e fogo desde então.

O conde viu que o doutor observava o mapa com afinco.

“Lindo, não é?”, ele disse. “Contratei dois artistas de Viena para fazê-lo. Os melhores.”, completou, orgulhoso.

“Vê-se o esmero.”

“Paguei uma fortuna por ele! Pra logo depois esse maníaco francês lançar-se em uma desvairada onda de conquistas e torná-lo obsoleto. Maldito seja!”, disse o conde, rindo.

Frankenstein não partilhou da risada.

“Por que para o oeste?”, perguntou, olhar ainda fixo no mapa.

“Perdão?”

“Disseste que pretende marchar seus exércitos para oeste, em direção a Viena. Por quê? O norte, imagino, está fora de cogitação por causa da férrea Prússia e seu temido exército. Mas, por que não leste? Ou sul? Ou, ainda, para a África?

Ele torceu o nariz. “África. Fora de questão. Há magia lá. Muito antiga, um resquício da aurora dos tempos, muito antes dos homens e suas equivocadas noções de auto importância. E também muito poderosa, de um tipo que apenas corrompe e destrói.”

“E quanto a Rússia?”, perguntou o doutor, que já passara por esse país, durante sua perseguição à criatura.

“Ah, a campesina e arcaica Rússia!”, o conde disse, com visível desdém. “Já visitei suas paragens. Não Moscou ou outra de suas cidades decadentes, e sim as estepes. Vivi com os cossacos, cacei com os tártaros e queimei carcaças de mongóis. Essa é a verdadeira Rússia!”, ele disse, um brilho nos olhos. “Mas, indiferente de meus sentimentos, esse é um local ao qual não pretendo retornar.”

“E por quê?”

“Há um… Ser... Uma poderosa criatura que lá reside.”

“E qual ser é esse?”

“Uma bruxa, habitante das florestas.”

“Que floresta ela habita?”

”Todas!”, o conde disse, mostrando a mão espalmada. “E nenhuma!” Fechou a mão.

“Perdoe-me, conde, mas receio não ter entendido.”

“Ela e aquela estúpida cabana têm esse poder. Podem aparecer em qualquer uma das florestas russas.”

“Isso é fascinante!”

“Ao tratar com uma criatura dessa, há de se ter o máximo cuidado."

O doutor tentou imaginar que tipo de criatura evocaria tal respeito, quase medo, em um ser como o conde Drácula.

O conde continuou: “E, finalmente… Quanto ao sul, ainda não acho que seja chegada a hora da derrocada otomana, embora sua decadência já seja palpável. 'Império enfermo', o czar Nicolau os chamou. Mas ainda são numerosos e razoavelmente organizados. A hora deles há de chegar."

Frankenstein nada falou, apenas continuou ali, contemplativo.

"Mas, por que chamaste? Imagino que não tenha sido para debater geopolítica no meio da noite.", perguntou o conde.

"Não foi.", respondeu Frankenstein. Após uma pausa: "Estão prontos."

"Prontos?"

"Sim. Os primeiros soldados de seu exército."

O conde sorriu.

*****

A verdade é que estavam quase prontos. Faltava apenas os cérebros. Quer dizer, eles já estavam lá, faltava apenas botá-los pra funcionar. E era aí que as pilhas voltaicas entravam: a descarga elétrica proporcionada por elas, segundo a teoria, faria o cérebro entrar em funcionamento.

Eram exatamente quatro da manhã quando o conde deu a ordem de que fossem ligadas as pilhas voltaicas, que seriam responsáveis em dar vida aos cérebros dos corpos remendados pelo doutor Frankenstein. O doutor protelara o máximo que pôde, queria que aquilo fosse feito pela manhã, mas Drácula foi terminantemente contra.

Alheio aos conhecimentos de seu anfitrião, Frankenstein trocara seu fluído por um composto altamente inflamável e costurara odres cheios de pólvora dentro de seus estômagos, transformando-os em bombas de carne e osso.

Quando a corrente elétrica chegou aos corpos, eles explodiram, mandando pedaços flamejantes de carne e entranhas em todas as direções. Tremenda foi a explosão que as paredes estremecerem. A mais próxima, que era a externa, cedeu e ruiu, revelando as entranhas do castelo ao mundo exterior.

Derrubado pela onda de choque, o conde foi ajudado por suas companheiras.

“O que se passou aqui?” E, vendo que o doutor não mais estava ao seu lado: “Frankenstein! Traição!”

O doutor já havia escapado de lá. Tão logo vira o acionamento das pilhas, dera um jeito de esgueirar-se para fora do laboratório, sabendo que nenhum par de olhos estaria nele.

Corria pelos corredores que havia com afinco tentado memorizar nos meses em que lá vivera. Torcia para sua memória não lhe pregar peças. Uma curva errada e ele estaria perdido. Em mais de um sentido.

À sua volta, o castelo transformava-se em um pandemônio.

Desceu um lance de escadas, e ao dobrar o corredor, lá estava o conde.

“Frankenstein! Jogaste fora a chance de governar ao meu lado.”

“Sobre milhares de cadáveres? Dispenso. Meu sono já é por demais turbulento.”

“Maldito idiota! ”

“Não haverá mais uma casa de Frankenstein, presumo?”, gracejou o doutor.

Drácula riu. Apesar de tudo, não podia deixar de admirar a engenhosidade de Frankenstein.

“Seu chiste é mais verdadeiro do que imaginas. Dedicarei os próximos anos de minha existência a caçar todos os membros de sua maldita família.”, disse ele, com um sorriso ferino. “Terminarei o serviço que sua criatura começou.”

“Se permites que eu faça uma sugestão, comece pelo meu tio Hildenbrand. Sempre dava presentes baratos no natal.”

Frankenstein, enquanto soltava o gracejo, esfiara a mão no casaco, à procura de sua cruz.

Quando estava por produzi-la, Drácula, valendo-se de sua agilidade sobre-humana, agarrou-lhe o braço e fê-lo atirar o crucifixo para longe.

Com a outra mão, segurou-o pelo pescoço e o ergueu do chão. Soltou-lhe o braço e enfiou suas garras na lateral do abdômen de Victor, que gritou.

“Seu bostinha! Eu vou aniquilar aquele vilarejo! Vou trucidar toda vivalma que lá se encontrar.” Seus dentes, agora longos e afiados, produziam sons de ‘clic’ quando ele falava. “Vou violentar os cadáveres. Queimar tudo! E hei de deixar bem claro a quem devem culpar por isso!”

Frankenstein tentava, em vão, deter o avanço da mão de Drácula em suas entranhas. Sentia seus dedos serpenteando por suas vísceras.

“E não ache que terás um fim rápido, não! Nada disso! Conhecerás intimamente toda a hospitalidade dos níveis mais profundos de minha masmorra! Seu sofrimento será lendário!”

A dor era sua inimiga. Fazia-o esquecer do que passara meses planejando. Enquanto amaldiçoava sua insensatez, agarrou o odre que carregava. Estava cheio de água benta, que ele pegara com o padre do vilarejo no dia de sua partida.

Segurou-o com firmeza e o bateu com toda a força que conseguiu contra o rosto de Drácula. O odre rompeu-se, despejando sua conteúdo.

“O quê—”, Drácula, confuso. Gritou quando a água benta começou a corroer seu rosto como ácido e largou Frankenstein.

Enquanto o conde urrava de dor e agonia, Frankenstein se levantou e voltou a correr, o mais rápido que seu corpo ferido aguentava.

O fogo ia aumentando. Os serviçais do castelo corriam de um lado pro outro, com baldes, garrafas, copos… Tentando apagar as chamas.

Frankenstein chegou a um longo corredor. Do outro lado do mesmo, uma porta que o levaria so saguão, se não estivesse enganado. Caso conseguisse chegar até lá, haveria uma boa chance de escapar. Com seus ferimentos pesando cada vez mais, andou a passos lentos.

"Onde vais?", ouviu, quando atingiu o meio do corredor.

Era Madlenka.

Parada na ponta do corredor por onde ele viera. Caninos pontiagudos, parecia emitir um leve rosnado. No rosto, transfigurado em sua forma vampírica, um olhar assassino.

"Eu sabia! Sabia que não eras boa coisa, Victor Frankenstein!", ela disse, e a mágoa em sua voz parecia sincera.

"Madlenka! Teu mestre precisa de ti.", disse o doutor.

Em sua mente, fazia cálculos. Estava a cerca de 3 metros da porta que o levaria à relativa segurança do saguão. Madlenka estava a uma dezena de metros dele. Seria impossível chegar à porta antes que ela, portadora de velocidade sobre-humana, o alcançasse.

"E a ele atenderei. Mas levarei tua cabeça como presente."

Dito isso, ela lançou-se ao ataque. Frankenstein nada pôde fazer, além de fechar os olhos e fazer uma prece silenciosa. Mas seu fim não veio. Tornou a abrir os olhos e viu Madlenka caída inconsciente. Agradecendo sua boa sorte, atravessou para o saguão. Estava esfumaçado, mas vazio.

Suas pernas cederam e ele foi ao chão. Resoluto, arrastava-se pelo chão, deixando atrás de si um rastro de sangue.

Parou para retomar o fôlego e viu-se coberto por uma sombra. Era Danique.

“Uma morte rápida, caso não seja pedir demais.”, disse, conformado

Danique abaixou-se.

“Não estou aqui para fazer-te mal, Victor.” O doutor olhou pra ela, confuso. “Quem achas que golpeou Madlenka?”

“Foste tu?”

“Sim.”

“Mas, por quê?”

“Não podia deixar que o matasse!”, disse. “Venha, precisamos sair daqui. Não é seguro.”

Sem muito esforço, ela o tomou em seus braços e o carregou pra fora, numa inversão do tradicional gesto dos recém-casados, terminando assim a atribulada estadia dele de nove meses no castelo Drácula.

O castelo, cada vez mais tomado pelas chamas, era agora como uma vela na escura noite transilvana.

“E agora?”, perguntou o doutor.

Diante de seus olhos, asas cresceram das costas de Danique. Coriáceas e negras como uma cartola.

Alçaram voo.

E que coisa fantástica era voar! Por alguns momentos, fê-lo esquecer de sua debilitada condição, e de tudo o mais.

Eram esses os pensamentos que cruzavam-lhe a mente quando ele apagou.

Ao retomar a consciência, estava em terra firme novamente. Um pequeno outeiro nos arredores de um bosque.

“Acordaste.”, ouviu. Era Danique. Estava sentada a seu lado, abraçando os joelhos.

“Sim”.

“Desculpe não ter te carregado mais. Minhas forças estão exauridas. Há muito que não me… Alimento. Como estás?”

“Não estou tossindo sangue. Isso significa que o pulmão não foi atingido. Mas perdi uma bela quantidade de sangue.”

“Eu posso… Tu sabes… Fazer de tu como sou.”

“Não. Agradeço, mas não.”

“Mas não quero que morras!”

O doutor sorriu. “Bem, então posso dizer que nossas vontades convergem. Mas, che sara sara.”

Um pio distante de coruja cortou a madrugada.

"Viste Drácula?", perguntou Frankenstein.

"Sim. Ele se foi."

"O que vais fazer?"

“Não posso voltar. Não após trair o mest—, Drácula.”

"Ele vive? Mas falaste—"

“Eu não disse que ele morreu, disse que se foi. Uma criatura como ele não é de morrer assim tão facilmente. Ele há de voltar. Mas vai levar algum tempo, penso.”

“Onde ele está?”

“Na certa, se recolheu aos níveis mais profundos de seu castelo. E lá vai ficar, lambendo as feridas e esperando até se recuperar por completo.

“Nossa maior preocupação é Madlenka. Com Drácula incapacitado, ela é um cão raivoso sem dono e à solta. Imagino que vá mover mundos e fundos para nos encontrar.”

Frankenstein torceu o nariz. A ideia da sanguinária Madlenka fazendo de sua missão em vida matá-lo não era muito agradável.

O horizonte começou a pintar-se na tonalidade avermelhada que precede os primeiros raios da manhã.

“O que vai fazer?”, perguntou Victor.

“Assistir ao nascer do sol, acho.”, respondeu Danique, com um sorriso triste.

“O nascer do…? Não… Não! Não podes… Procures abrigo!”

“Estou cansada, Victor.”

Ele segurou a mão dela. Estava fria.

“Não tenho família. Ou amigos. Nem mesmo tenho mais um mestre. Nada tenho.”

“Tens a mim.”, disse Frankenstein, apertando-lhe a mão. “Amo-te.”

Ela olhou pra ele, os olhos surpresos.

E então, trevas.

Quando tornou a acordar, viu o sol já alto no céu. Pela sua posição, estimou que fosse próximo das onze da manhã.

“Danique!”

Não havia ninguém ao seu lado.

Seus olhos marejaram.

Pôs-se a andar. O esforço foi demais, e ele desmaiou.

Acordou e viu, com agradável surpresa, que estava em um cama, rústica porém confortável.

“Papai! Ele acordou!” Frankenstein ouviu uma voz jovem dizer.

Virou a cabeça a tempo de ver uma criança de no máximo 10 anos correr do quarto.

Voltou acompanhado do pai.

“Eu sou Johan e este é meu filho Christopher. Essa é nossa casa.”

Victor fez questão de apertar a mão do homem e lhe agradeceu efusivamente.

"Foi muito longe daqui que me encontraste?"

“Oh, nós não te encontramos.” O doutor olhou pra ele, confuso. “Uma moça o trouxe até nossa casa.”

"Ela vive!", bradou Frankenstein, mal conseguindo conter sua alegria.

Passou a semana seguinte ali, como hóspede de Johan e Christopher. Gente simples e honesta. Passara a conhecê-los bem. A esposa de Johan, Elizabeth, morrera de febre escarlate havia quase cinco anos.

Duas semanas após sua chegada, Victor, ainda acamado e o anfitrião conversavam em seu quarto. Era noite de sábado.

Johan estava taciturno. "A noite está silenciosa. Silenciosa demais. Nada ouço."

E, era verdade. Nenhum dos característicos sons noturnos. O piar de corujas, o farfalhar das folhas... Nada se ouvia.

"Está bem escura também.", disse Frankenstein, dando uma espiadela pela janela. Não se via um palmo a frente do nariz.

Mesmo dentro do aposento onde estavam, onde havia uma vela iluminando o ambiente, a escuridão era densa.

"Papa, papa! Há uma moça de cabelos louros em nosso umbral!", disse Christopher, vindo correndo da sala.

"Danique!", o doutor exclamou. Tentou levantar-se, mas seu corpo reclamou e ele contentou-se em apenas sentar.

"Ora, pois convide-a a entrar!", disse Johan.

Christopher voltou correndo de onde viera. Ouviram a porta se abrindo.

"Essa Danique... Ela é sua...?"

"Não saberia como qualificar nosso relacionamento. Eu a amo, isso é claro. E tenho certeza de que é recíproco."

Johan deu um sorriso.

"É, esse tipo de coisa pode ser complicado."

O garoto já não devia ter retornado? E Danique?

Johan pareceu partilhar desse pensamento, logo levantando-se para ir buscar o filho. Disse que ia trazer-lhe um prato de sopa também.

Quando mesmo ele não voltou, Frankenstein começou a ficar nervoso.

Seu sangue gelou quando ele se deu conta de que a descrição que garoto usara para a moça no umbral serviria tanto para Danique quanto para Madlenka.

Ouviu a porta se abrindo. Uma lufada de ar frio apagou a vela, lançando o aposento na mais completa escuridão.

FIM

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Foto de perfil de LemonheadLemonheadContos: 25Seguidores: 143Seguindo: 6Mensagem Leitor. Contador de histórias. Procrastinador. Veterano da Era Analógica.

Comentários

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Você disse que demorou mais do que esperava para finalizar o conto, mas valeu a pena cada minuto que demorastes a escrever. O conto ficou maravilhoso. Não senti medo ao ler, acho que tive mais medo ao escrever o meu, do que ao ler o teu, mas é uma história de aventura incrível. Vale pensar em uma continuação, embora esteja perfeitamente completa.

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Obrigado pelos elogios, amigo! O foco não foi mesmo em dar medo, foi em emular o estilo dessas histórias de antigamente e a atmosfera da época. Pretendia escrever uma outra história, ela sim mais "terror", mas, como disse, levei mais tempo do que o esperado para terminar essa, daí não sei se vou conseguir escrever essa outra a tempo do dia das bruxas (data limite do desafio).

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Simplesmente magnífico!

A caracterização dos personagens, a forma da escrita, a interação tanto emocional quanto carnal entre o Dr e as noivas do conde, não a palavras para descrever quão encantado estou com essa história.

Só me ficou uma dúvida, como consegue por um fim nesse conto?! Por favor, continue-o. Esta é uma história que ainda tem muito potencial para evoluir para uma saga que algum dia será vendida nas livrarias!

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Obrigado, amigo.

Sobre como consegui encerrar um conto, admito que foi complicado. Tive meia-dúzia de ideias sobre como encerrá-lo, até me decidir pelo final que foi usado (meio que de última hora, ainda).

Tenho bastante ideias para continuações. Preciso organizar tudo e começar a escrever. Mas ainda leva um tempo, tem bastante coisa na frente 😆.

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Ah!!!! Que belíssima homenagem a Mary Shelley e Bram Stoker! Conto Maravilhoso, com ótimos diálogos, de tão cativantes personagens! Essa criativa e interessante narrativa conseguiu me prender do início ao fim. Gostei de mais. Meus Parabéns! Só não gostei de uma coisa, essa chata e estraga prazeres de palavra chamada Fim!

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Muito obrigado, amigo! Essa era minha intenção, prestar uma singela homenagem tanto aos dois escritores, titãs do gênero, como aos dois personagens.

Quanto ao "fim", admito que pensei essa história como uma 'standalone', história única e fechada, mas diversas ideias bacanas me ocorreram enquanto escrevia. Quem sabe, Doutor Frankenstein e Sua Noiva Vampira: Caçadores de Monstros 😆.

Taí, 30 likes e arrisco uma continuação.

Se o bom doutor tiver sobrevivido, claro.

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Tem todo o meu apoio e incentivo para as sequências, que sei, não me decepcionaram!

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Eu também lhe dou todo meu apoio, pois como já disse antes, suas obras sempre se mostram ser feitas com muito carinho e muito afinco.

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