Bruna está aproveitando seu ano sabático na Europa. Quando está na Grécia, recebe a visita de Clara e passam um bom tempo se curtindo. Pouco tempo depois ambas vão para Florença na Itália onde continuam se amando.
Bruna procura arrumar alguma coisa útil para fazer e acaba trabalhando como guia turística. Durante um dos trabalhos, acaba se envolvendo com um casal de argentinos e tem uma tarde de sexo tórrido. Contudo, na volta ela recebe o pagamento pelos serviços e acaba se sentindo muito mal por ter sido usada e abusada como uma prostituta.
...
Porém, no caminho, passou em frente a uma instituição dirigida por religiosas que prestava auxílio aos refugiados da África. Estacionou seu carro, foi até a recepção e pediu um envelope à freira da recepção que a olhou sem entender nada e, diante de sua insistência, atendeu ao seu pedido.
Ela pegou o dinheiro que recebera, colocou no envelope e entregou à freira, saindo a seguir sem dar ouvidos aos agradecimentos da mesma que sabia, mesmo sem contar, que receber uma doação como aquela não era algo que acontecia com frequência.
Chegando em casa, Bruna foi direto para o banheiro onde, de posse de uma bucha, esfregou o corpo como se quisesse arrancar sua pele enquanto chorava sem parar. Só depois de muito tempo conseguiu sair do chuveiro, se enxugou e se atirou na cama ainda chorando.
Durante uma semana sua vida se resumiu a isso. Não atendia ao telefone, mal comia e o resto do tempo era gasto em se esfregar embaixo do chuveiro ou chorar deitada em sua cama. Dormia muito pouco e acordava com pesadelos terríveis.
Por sorte, Clara chegou uma semana depois e, ao ver o estado de Bruna se dedicou a cuidar dela. Com muito carinho e dedicação conseguiu arrancar dela o relato do que acontecera e estremeceu de ódio com o que fizeram com sua amiga, porém, sabia que o mais importante naquele momento era arrancar sua amiga/amante daquele estado de desespero e fazer com que ela voltasse a viver normalmente.
O que Clara não sabia é que aquele episódio foi um divisor de águas na vida de Bruna que, na medida em que entendia que precisava seguir com sua vida e tentava sair daquele torpor, sabia também que, para seu próprio bem, tinha que mudar de vida.
Continua ...
Capítulo 02 – Uma Funcionária Diferente
Depois do que aconteceu com Bruna e o casal de argentinos ela sentiu que a permanência dela na Itália não fazia mais sentido. Aliás, depois de pensar bem sobre o assunto, chegou à conclusão que nunca tinha feito sentido algum. Porém, voltar para o Brasil ainda não era uma opção.
Com isso em mente, ela resolveu usar seu tempo para algo útil. Pensou a respeito e resolveu ingressar em cursos de pós-graduação que pudessem lhe trazer algum benefício aumentando o conhecimento. Contudo, imaginou que poderia ser inútil, que isso não acrescentaria nada, nem na sua vida profissional e muito menos na vida pessoal, pois não tinha ideia de voltar a atuar no escritório de advocacia junto com o agora ex-marido.
Se lembrou, então, de uma frase que Edna sempre repetia: “Conhecimento nunca é demais. O simples fato de aprender já nos faz melhores e usar ou não esse conhecimento será sempre uma questão de oportunidades. Aquelas oportunidades que você nunca sabe em qual momento surgirá”.
Com isso em mente, passou a pesquisar e nessas pesquisas lhe ocorreu ainda uma outra ideia, pois imaginou que, além de ampliar seus conhecimentos na área de Direito, poderia usar esse aprendizado também para aprender outros idiomas. Como já dominava bem o Inglês, Bruna excluiu a Inglaterra de suas opções.
Isso foi decisivo na sua primeira escolha. Encontrou um curso em Munique e, já que queria aprender o idioma alemão, seria uma oportunidade para unir o útil ao necessário. O tema do curso era Direito Internacional, o que o tornava mais interessante, pois lembrou-se que a empresa de advocacia da qual era sócia junto com Renato no Brasil não atuava nessa área e o motivo era não contar com um profissional com essa especialização. Então pensou com tristeza: “De que adianta isso, eu nunca mais vou poder voltar àquele escritório.”
Entretanto, ligou o modo otimismo e se convenceu que, voltar ou não a atuar na sua Empresa era algo que não a impedia de aprender, afinal, poderia usar esses conhecimentos em outro local. Sentindo-se um pouco mais animada, fez sua inscrição e foi só depois disso que descobriu que o curso teria início dentro de dezoito dias. Isso significava que ela tinha apenas esse prazo para entregar o apartamento que ocupava, providenciar visto de entrada na Alemanha como estudante, ir para Munique e providenciar um local para ficar. Como já havia feito a inscrição, resolveu correr contra o tempo e foi à luta.
Dez dias depois estava hospedada em um hotel simples, porém, familiar em Munique. Entregar o apartamento não foi nenhum problema. Compareceu na Universidade onde se inteirou do programa do curso e ficou feliz em saber que a duração do mesmo era de seis meses, mas esse tempo poderia ser reduzido se o aluno dedicasse mais tempo e completasse a carga horário antes disso, porém, o tempo não poderia ser inferior a quatro meses. Passou o tempo livre antes do início dos estudos para perambular pela cidade, pois acreditava que a melhor forma de aprender um idioma é se misturar às pessoas comuns onde se fala aquele idioma.
A princípio foi difícil. O alemão é um idioma que, assim como o latim, usa declinação e ela, embora já falasse fluentemente o italiano, que é o idioma mais próximo do latim, se atrapalhava na hora de mudar a flexão das palavras que não os verbos, que são os que sofrem a flexão de tempo no português. Entretanto, ela tinha facilidade com idiomas e logo estava dominando e conseguindo se comunicar razoavelmente. Bruna tinha a crença que, aprender um idioma no país que o tem como idioma oficial é muito mais fácil e rápido.
Quando as aulas tiveram início ela já havia começado a se adaptar à nova vida e percebeu que, dedicando com afinco, ela conseguiria encerrar o curso em menos tempo e, mesmo sem ter um projeto quanto ao futuro, já começou a imaginar qual seria o próximo passo.
Com isso, o tempo passou depressa e quando Bruna se deu conta estava concluindo a especialização e logo se decidiu por um curso na França. Esse, apesar de versar também em Direito Internacional, era mais específico em Comércio Exterior. Também já sentia que tinha uma boa comunicação em Alemão e agora iria se dedicar ao francês, sabendo que seria bem mais fácil por ser um idioma também derivado do Latim.
Logo estava providenciando a mudança e percebeu que, se não sentiria saudade da Alemanha, também haveria ninguém ali que sentiria sua falta, pois ela se concentrou apenas no estudo e não fez amizades. Na verdade, era visto pelos colegas do curso como uma espécie de patricinha mimada e ninguém se aproximava dela.
Somando o tempo na Alemanha àquele em que viveu na Itália, passaram-se nove meses e Bruna já estava se acostumando a viver longe do Brasil e ter como único elo com sua vida antiga a presença constante de Carla que, no mínimo a cada dois meses a visitava.
Enquanto isso, no Brasil …
Depois do episódio com a estagiária, agora funcionária, Renato tocou a vida em frente e nunca cobrou de Edna a respeito das informações que pedira, até que, passados uns vinte dias, ele estava precisando de umas cópias urgente, pois tinha que sair para almoçar e depois ia diretamente para o Fórum onde tinha uma audiência e, para seu azar, sua Secretária já tinha saído para o almoço. Sem saída, resolveu ele mesmo ir tirar as cópias. A empresa tinha locado um aparelho xérox que ficava em uma sala no outro extremo do andar do prédio que era ocupado por ela, então ele separou os documentos e foi até lá.
Essa sala ficava no final de um corredor e sua porta ficava sempre fechada. Havia também uma abertura com um vidro, onde algum funcionário colou um papel pardo e isso impedia, para quem estava se dirigindo a ela, ver o que se passava no interior. Ele testou a porta e viu que não estava trancada, então a abriu, entrou e viu que havia uma mulher tirando cópias e, assim que ela percebeu que alguém entrava no recinto, virou-se e Renato deu de cara com Elisa que teve a reação mais esquisita que ele já presenciou na vida.
Assim que percebeu que era Renato, Elisa tentou dizer alguma coisa, porém, apesar dos movimentos labiais, não emitia nenhum som. Sua voz não saia, seu rosto estava totalmente vermelho e seus lindos olhos verdes arregalados. Era a típica expressão de quem se via diante de um fantasma. Nisso o aparelho começou a emitir um sinal de aviso de erro.
O que aconteceu foi que esse aparelho tinha um recipiente onde se colocavam os originais e ela mesma ia puxando um a um e quando Elisa se virou, ela fez um movimento involuntário que desorganizou a pilha de papel que estava no alimentador o que fez com que a máquina puxasse várias folhas ao mesmo tempo, o que fez com que houvesse um entalamento nos cilindros e esse era o motivo do alarme.
Bastava levantar a tampa superior do alimentador, retirar as folhas, arrumar tudo no local e acionar novamente o aparelho, porém, sem nenhum motivo aparente, Elisa fez tudo errado. Primeiro ela tentou puxar as folhas de volta e com isso as três primeiras folhas rasgaram e ela, com apenas um pedaço de cada uma das folhas na mão e, totalmente paralisada, ficou olhando para a máquina sem saber o que fazer.
Renato segurou em seu braço a retirando da frente e tomou as providências necessárias. Porém, o mal já havia sido feito. As três páginas eram de documentos originais. Originais e importantes.
–(Elisa) Me … Me … Meu De … De … us! O que … que foi que … que … que eu … fiz? – Foi o máximo que ela conseguiu dizer.
–(Renato) Escuta, você não foi orientada em como usar a máquina?
Elisa abriu a boca e novamente nenhum som foi emitido. Então, com um esforço supremo, ela conseguiu balançar a cabeça em sinal afirmativo.
–(Renato) Então, por que você não fez a coisa do jeito certo? – Renato não conseguia esconder sua irritação e o efeito que isso causava em Elisa só fez piorar a situação.
Ela conseguiu pronunciar, com uma voz estrangulada de quem ia chorar um “desculpe” que saiu muito baixo e se virou indo em direção à porta com os três pedaços de documentos na mão. A reação de Renato foi ligar para a Edna e informar por alto o que aconteceu, fazendo com que ela abandonasse sua refeição pela metade e voltasse correndo para a Empresa. Quando lá chegou, foi ao escritório do Renato e, quando não o encontrou, ligou para o celular dele. Ele atendeu e disse que estava tirando cópias e ela foi até a sala aonde chegou no momento em que ele acabava de tirar as cópias que desejava.
Renato explicou o que aconteceu e pediu para que Edna cuidasse do assunto, dando ênfase aos documentos danificados. Edna olhou a sua volta e percebeu algo que Renato ainda não se dera conta, muitos dos documentos que Elisa desejava tirar cópias estavam esparramados pelo chão. Incrédula, perguntou:
–(Edna) Foi você que jogou esses documentos no chão?
–(Renato) Eu não. Por qual motivo eu faria isso? – Respondeu Renato olhando para a bagunça de documentos pela primeira vez e depois sugeriu: – Acho que você deveria chamar aquela moça aqui e fazer com que ela resolva essa porra.
Renato não era de falar palavrão e o fato de se expressar dessa forma deixava claro que ele estava realmente irritado. Edna sabia disso e tentou acalmá-lo:
–(Edna) Tudo bem. Pode ir que eu cuido de tudo.
Renato fez menção de dizer alguma coisa, mas algo no olhar que Edna lhe dirigia o impediu. Então ele respirou fundo e se virou para sair da sala, porém, quando chegou à porta, parou e, se virando para Edna, disse:
–(Renato) Eu disse que essa menina não servia para trabalhar aqui. Ela é toda atrapalhada.
–(Edna) De quem você está falando?
–(Renato) Daquela moça que era estagiária e você mandou contratar como Advogada. Eu sabia que não ia dar certo. Aliás, cadê as informações que eu pedi sobre ela.
Edna, que havia cumprido a ordem de colher informações sobre Elisa, havia resolvido que não entregaria essa informação para Renato. Eram, em sua maioria, informações sobre a vida pessoal de Elisa e ela achava que, nem ele, nem ninguém, tinha o direito de exigir aquilo. E como já estava irritada por ter abandonado o almoço na metade, irritada pela bagunça que encontrou e agora ainda mais irritada com a atitude dele, não perdoou e o desafiou:
–(Edna) Pois é. Já temos quase todas as informações, porém, ainda não conseguimos saber que tipo de calcinha ela usa. Aliás, nem sabemos se ela usa uma. Então, em virtude da investigação sobre a vida particular dela não estar completa, achei melhor não te entregar ainda.
Se tem uma coisa que Renato sabia era que, mesmo sendo a pessoa mais calma que conhecia, exceto talvez o seu marido Álvaro que era ainda mais calmo, Edna era do tipo de pessoa que, quando explodia, era melhor não estar por perto. Então tentou contemporizar.
–(Renato) Mas Edna. Aquilo que eu disse foi só figura de retórica, não precisava levar ao pé da letra.
Então ele se deparou com o olhar furioso da senhora e amiga Edna que o fulminava. Ela se engasgou duas vezes e, sem conseguir resistir, disparou:
–(Edna) Saia daqui agora Renato. Saia daqui e vá se foder bem longe de mim.
Ele, que nunca vira Edna pronunciar um único palavrão, saiu dali como se estivesse fugindo de algo muito perigoso. Andando pelo corredor, viu que Elisa saiu de sua sala, porém, ao vê-lo caminhando em sua direção retornou apressada para o interior da sala e bateu a porta com força suficiente para provocar um barulho irritante. Nesse momento, apesar de toda a sua irritação, Renato não pode evitar de achar graça na situação e continuou andando enquanto ria baixinho. Pegou seu paletó e desceu pelo elevador saindo da empresa para cuidar de seus compromissos.
Na manhã seguinte, logo na primeira hora, estava distraído examinando uns documentos quando sua secretária o informou que a Dra. Edna desejava falar com ele que, autorizou a entrada dela em sua sala e mal ela apareceu na porta, já foi dizendo:
–(Renato) Que novidade é essa? Você nunca precisou de autorização para entrar aqui!
–(Edna) Acho que estou com vergonha da forma como agi ontem. Vim pedir desculpas.
–(Renato) Esqueça isso. Já passou. – Aguardou um pouco e quando percebeu que Edna não falaria nada, perguntou: – E aí? Conseguiu consertar aquela bagunça de ontem?
–(Edna) Quase tudo. – Respondeu Edna resignada. – Só falta conseguir a reemissão de dois documentos originais para ficar tudo certo.
Renato ficou olhando para Edna, tentando saber se era a hora certa de dizer o que queria, ou se isso a faria ficar nervosa novamente, mas como viu que ela agia como a Edna de sempre, arriscou:
–(Renato) Escuta Edna. Você tem certeza de que colocar aquela moça como funcionária foi a coisa certa?
–(Edna) Mais do que certa. – Respondeu Edna sem se alterar e respondeu: – De todo o pessoal que atua hoje como Advogado, ela é a mais centrada, a mais inteligente e a mais determinada. Ela nunca desiste de procurar uma solução para os casos em que atua. Aliás, eu queria falar sobre uma coisa e isso envolve a Elisa. Posso?
–(Renato) Vai em frente. – Autorizou Renato.
–(Edna) Então. Estou cansada de ficar supervisionando os casos da seção que era de responsabilidade da Bruna. Isso está me sobrecarregando e eu queria que você concordasse em promover alguém para ser o supervisor que a substituirá.
Renato achou justo, pois em várias ocasiões pensara a respeito e concordava que isso estava sobrecarregando Edna, porém, tinha algo ali que ele ainda não entendera e não hesitou em perguntar:
–(Renato) Até aí tudo bem. Agora, me explique, o que aquela menina tem a ver com isso?
–(Edna) Aquela menina tem nome Renato. Aquela menina se chama Elisa. Agora repita a pergunta do jeito certo.
Era óbvio que Edna estava dando sinais de estar muito estressada, então ele decidiu não arriscar a sorte. Ela era uma peça importantíssima no funcionamento da Empresa e ele sabia que, se forçasse muito em um momento como aquele, estaria correndo o risco de perdê-la. Então obedeceu:
–(Renato) Certo. O que a Dra. Elisa tem a ver com isso. Melhorou?
Edna não pode evitar um sorriso antes de falar:
–(Edna) É que eu acho que a Dra. Elisa é a pessoa indicada para ocupar esse cargo.
Renato, que nesse momento havia levado um copo de água na boca, não pode evitar de se engasgar e teve um acesso de tosse. Quando finalmente controlou sua respiração prosseguiu:
–(Renato) Isso é brincadeira, não é?
–(Edna) Não. Não estou brincando. Ela é tudo o que falei e um pouco mais.
–(Renato) Mas … pense bem Edna. Ela nem consegue falar. A primeira vez, quando ela esteve aqui nessa sala, mal conseguia se fazer entender. Falava como se fosse uma metralhadora desgovernada e ontem foi pior, pois nem falar ela conseguiu. Como ela vai falar no Tribunal? Como ela vai coordenar uma reunião com seus subordinados? Isso sem falar naquelas roupas estranhas que ela usa e na reação dela ontem que quase estragou a máquina de xérox, rasgou documentos e fez uma verdadeira bagunça com outros.
–(Edna) Tudo bem. Uma explicação para cada acusação sua. Eu …
–(Renato) Não estou acusando ninguém. Só me referi ao que vi acontecer.
–(Edna) Tá. Tá. Agora me ouve. – Edna respirou fundo e começou: – Quanto a falar em um Tribunal, ela já provou que não tem problemas com isso e vou te provar. Vou te mostrar um vídeo que fiz com ela em uma reunião. Quanto às roupas que ela usava, isso já mudou e você vai entender o motivo quando ler o relatório que você pediu sobre ela.
–(Renato) Ah! Então tem um relatório?
–(Edna) Tem sim. Embora não tenha nada lá sobre as calcinhas que ela usa.
–(Renato) Para com isso Edna. Eu já expliquei que …
Renato parou de se explicar quando viu a expressão zombeteira de Edna que o encarava sorrindo, então aguardou que Edna continuasse:
–(Edna) Onde eu estava mesmo?
–(Renato) Na parte das roupas que ela usa.
–(Edna) Sim. Isso já está resolvido. Você não notou isso ontem?
–(Renato) Para dizer a verdade não.
–(Edna) Então, presta mais atenção tá. E, continuando. As duas vezes que Elisa teve surtos que impediram que ela se comunicasse da forma correta, como ela sempre faz, foram na sua presença. Então é melhor pensar se o problema está nela ou em você?
–(Renato) Eu? Que porra é essa? Ah! Desculpe, saiu sem querer.
–(Edna) Não se preocupe. Isso nem é mais palavrão.
–(Renato) Agora me explique. O que eu tenho a ver com o fato dela ter esses surtos? O que fiz de errado?
–(Edna) Nossa! Você continua aquele menino inocente dos tempos de faculdade. Renato, será que você não percebe que o problema não é a Elisa? Que o problema é o efeito que você causa nela? Preste atenção no que eu disse. Apenas quando está na sua presença que ela age assim. Então, se quisermos contar com uma excelente colaboradora que por certo terá um futuro brilhante, vamos ter que resolver isso.
–(Renato) Primeiro, vai saber o que se passa na cabeça dela! Eu nunca a tinha visto. Segundo, como é que se resolve isso?
–(Edna) Só vejo duas maneiras. Uma é de você nunca estar presente quando ela estiver trabalhando, o que será difícil, eu entendo. A outra é vocês trabalharem uns tempos juntos até ela se acostumar com sua presença.
–(Renato) Essa segunda aí é mais difícil ainda. Como vamos trabalhar juntos se, como você disse, ela trava quando estou presente.
–(Edna) Trabalhando uai. Estando próximos um do outro ela vai se acostumar com sua presença e parar de ter os surtos.
–(Renato) Não sei não. Esse seu plano está fadado ao fracasso.
–(Edna) Não penso assim. Lógico que não vamos mandar ela vir pra cá hoje e ficar aqui o dia inteiro. Vamos com calma. Vou providenciar para que ela entre em contato com você constantemente e, na medida que ela for se acostumando, faremos com que ela fique mais próxima e, quando sentirmos que ela resolveu esse problema dela, nós a promovemos.
–(Renato) Isso pode durar a vida inteira. Você está disposta a permanecer do jeito que está, assim tão atarefada, por quanto tempo?
–(Edna) Dois meses. Vamos tentar por dois meses. Se nesse tempo ela não passar a agir normalmente, nós desistimos e escolhemos outra pessoa.
Renato ficou pensando durante um bom tempo. Em sua cabeça, aquele plano de Edna estava fadado ao fracasso e ele ia deixar que ela levasse seu plano em frente só para provar isso a ela. Então combinaram mais alguns detalhes a respeito do plano de Edna, ou seja, Edna deu instruções para Renato de como agir em determinadas situações e, assim acertados, saiu da sala dele imaginando como seu chefe e amigo era ingênuo.
Estava na cara que Elisa nutria algum sentimento por ele que, aceitou o plano de Edna sem se dar conta que, ao colocar Renato e Elisa juntos, poderia surgir alguma coisa e estava na hora de Renato sair de seu eterno luto. Afinal de contas, Bruna nem sequer tinha morrido!
E o projeto ao qual Edna chamava intimamente de P.E.L. - Programa de Encerramento de Luto teve início naquele mesmo dia. Logo no início do período vespertino, Edna chamou Elisa na sua sala e, mal ela entrou, foi informando:
–(Edna) Preciso de um favor seu.
–(Elisa) A senhora sabe que pode contar comigo Doutora Edna.
–(Edna) Pode parar de me chamar de senhora. E dispenso também o título. Para você será apenas Edna.
–(Elisa) Obrigada. Isso me pareceu uma oferta de amizade e fico muito feliz com isso.
–(Edna) Tudo bem. Vamos encarar isso como uma amizade e, de amiga para amiga, preciso que você trabalhe em um processo junto com o Renato. Ele está tendo dificuldades nas pesquisas e com pouco tempo para variar. Você faria isso para sua amiga?
Edna falava olhando para Elisa e foi observando que ela, apesar de branquinha, foi ficando cada vez mais pálida e, no final, já a ponto de sofrer um desmaio, ela conseguiu falar com voz fraca:
–(Elisa) Por favor Dout … desculpe. Por favor Edna. Peça qualquer coisa. Faço tudo que a você quiser, mas não me peça para ficar falando com aquele homem.
–(Edna) Aquele homem tem nome Elisa. O nome dele é Renato. Doutor Renato, se você preferir. E, além disso, qual o motivo de você não querer se aproximar dele. Alguma vez ele te ofendeu?
–(Elisa) Não. Nunca. Nem a mim nem a ninguém aqui. Todo mundo elogia a forma gentil como ele age com todos.
–(Edna) Então, o que acontece? Me explique por favor.
–(Elisa) Eu não sei. Não entendo o que se passa comigo. É uma coisa que não consigo explicar. Quando estou na frente dele tudo fica confuso. Nem consigo pensar direito.
–(Edna) Estranho isso! – Edna já sabia disso, porém, não podia deixar que Elisa soubesse disso. Então ela continuou: – Talvez você não esteja acostumada. Então, o que seria melhor para resolver isso do que você se acostumar com ele e, para isso, trabalharem juntos de vez em quando.
–(Elisa) Tenho a nítida impressão de que isso vai ser um desastre completo. Tão grande que no final eu vou acabar ficando sem meu emprego. Por favor Edna. Minha situação não permite que eu seja demitida agora.
Isso também era do conhecimento de Edna. Estava no relatório que ela encomendou de um detetive particular para investigar a vida da moça. Sensível como era, Edna não pode evitar de sentir pena dela e, talvez por isso, prometeu:
–(Edna) Façamos o seguinte. Vamos tentar isso e, se não der certo, cancelamos tudo e você volta a se esconder dele. Posso te garantir que você não vai ficar sem emprego aqui. Você é muito útil e não podemos nos dar ao luxo de perder você.
O que era para ser um elogio acabou por colocar Elisa em um beco sem saída. Agora não tinha como não obedecer e, embora assustada, aceitou as ordens de Edna, mesmo sabendo como seria difícil para ela. Nesse momento, Elisa suava frio e, incomodada com isso, pediu licença para se retirar da sala de Edna que concordou, porém, enquanto ela se retirava, disse:
–(Edna) Você tem meia hora para se recompor e volte aqui que vou te passar as instruções.
A garota não respondeu e saiu da sala sem se voltar. Imediatamente, Edna chamou o ramal de Renato e, ao ser atendida falou:
–(Edna) Separe um caso que você tem que efetuar as pesquisas que daqui a pouco a Elisa vai passar na sua sala para pegar. Dê as orientações necessárias a ela e depois aguarde que você vai ver o que é eficiência.
–(Renato) Mas já? Achei que ia demorar para isso iniciar.
–(Edna) Sim. Já. Não tem motivo para esperar mais.
–(Renato) Calma aí Edna. Vamos esperar mais. Dar um tempo. Eu preciso desse tempo para me preparar.
–(Edna) OK. Você tem tempo. Daqui a meia hora mais ou menos ela vai aí na sua sala conversar contigo. É esse o tempo que nós vamos dar.
Quando Renato tentou argumentar, notou que Edna tinha desligado. Pensou um pouco e se lembrou de um processo que ele tinha vinte dias para apresentar uma defesa e ainda não tinha nem estudado. Pelo interfone, pediu que sua secretária lhe trouxesse o processo e passou a estudá-lo, embora já estivesse meio que a par do mesmo. Não estava nem na metade quando a secretária avisou que Elisa estava ali para vê-lo. Mandou que entrasse e logo a porta se abriu e Elisa entrou na sua sala:
–(Renato) Sente-se. – Convidou.
Elisa obedeceu enquanto era observada por Renato que, se perguntado no dia seguinte, não saberia dizer sequer a cor da blusa que ela usava, pois ele prestava atenção apenas nas reações de Elisa que, sentada diante dele com a cabeça baixa e se recusando a olhar para ele, torcia as mãos sem conseguir esconder o nervosismo. Então resolveu jogar um pouco e perguntou:
–(Renato) Em que posso ajudá-la, doutora Elisa.
–(Elisa) A DoutoraEdnamemandouaquiparafalarcomosenhor.
Renato sentiu uma vontade enorme de rir. Quer dizer que, ali no escritório ela disparava e na sala de xerox ela gaguejava. Como seria em outros locais, como, por exemplo, no tribunal.
–(Renato) Ah sim. Eu pedi para ela alguém para me ajudar em um processo e ela disse que me mandaria a melhor. Então, você é a melhor?
–(Elisa) Não.
–(Renato) Mas você acha que vai conseguir me ajudar?
–(Elisa) Sim.
“Boa tática. Com monossílabos ela vai conseguir” – pensou Renato divertido.
Renato então pegou o processo e começou a passar as informações que tinha. Quando entrou na parte onde explicaria o que precisava, ouviu Elisa falar pela primeira vez:
–(Elisa) O se-nhor tem um pa-pel e u-ma ca-ne-ta?
Agora a tática era falar lentamente dando ênfase na separação de sílabas. Renato admirou a inteligência da garota que, diante de seu próprio problema, procurava soluções que permitissem a comunicação. Continuou suas explanações notando que diante de uma informação ou exigência mais complexa, Elisa fazia anotações no caderno que a secretária, a seu pedido, trouxera para Elisa. Quando acabou, teve que informar a ela que era só aquilo. Ela fez menção de que ia perguntar algo, chegando até a abrir a boca, porém, mudou de ideia e, calada, pegou suas anotações e o processo e saiu da sala sem sequer pedir licença.
Assim que Elisa saiu da sala de Renato pegou um bloco de papel impresso que Edna deixou sobre sua mesa e começou a ler. Ficou impressionado ao ver que era um dossiê sobre a garota e que Edna o deixara ali sem falar nada. Curioso, começou a ler, porém, logo foi interrompido com uma mensagem de Edna no seu celular que mandava ele olhar o seu e-mail. Ele entrou e tinha uma mensagem dela que lhe encaminhava um vídeo. Colocou o vídeo para rodar e aguardou.
Era a filmagem de uma reunião. Na verdade, de uma pequena parte de uma reunião, pois só havia ali a parte em que Elisa explicava suas conclusões a respeito de um processo. O queixo de Renato caiu, pois ela não só falava com convicção, mas também com uma fluência muito acima daquela que os jovens de sua idade costumam mostrar. Com uma voz clara e firme ela ia expondo suas ideias e em seguida os argumentos que fundamentavam essas ideias.
Na primeira vez ele apenas assistiu ao vídeo que tinha menos de cinco minutos. Na segunda, ele ficou atento ao que ela dizia e não encontrou no que ela disse nada que pudesse contestar. Sua explanação foi perfeita. Sem se conter, falou em voz alta para ninguém:
–(Renato) Cacete! Como é que se explica uma coisa dessas? A menina não tem nenhum problema em se expressar! Então, por qual motivo, quando está perto de mim ela não funciona?
–(Secretária) Quem não funciona, Dr. Renato? – Perguntou a Secretária que tinha entrado na sala e ouviu sua última frase e, antes que ele respondesse, explicou sua presença ali: – Desculpe entrar assim na sua sala, mas é que o senhor não atendeu o interfone e fiquei preocupada. Tem uma pessoa aqui querendo falar com o senhor?
–(Renato) Tudo bem. Não tem problemas. E quem quer falar comigo.
A Secretária se virou para falar com alguém e Renato ouviu a voz dela perguntar:
–(Secretária) Qual o seu nome, meu bem?
–(Elisa) É Elisa. – Renato ouviu a resposta e já autorizou a entrada dela.
Elisa entrou, parou na frente dele e falou bem lentamente.
–(Elisa) Desculpe Doutor Renato. Mas acho que o senhor me deu o processo errado.
Ao mesmo tempo que falava, ela estendia para ele uma pasta grossa com a capa virada para cima e Renato, ao ler o nome do seu cliente envolvido naquele processo na capa, ficou branco. Então perguntou:
–(Renato) Você chegou a ler alguma parte desse processo?
–(Elisa) Não senhor. Assim que abri eu vi pela introdução que era um processo que corre em segredo de justiça e fechei imediatamente.
–(Renato) Alguém mais viu?
–(Elisa) Não senhor. E isso não aconteceria nem que não fosse um caso de segredo de justiça. Um processo que o senhor me entregar só vai ser lido por mim. Para outra pessoa ler teria que ter a sua autorização.
Elisa falava pausadamente, sempre dando um intervalo entre uma palavra e outra e Renato ficou admirado com o autocontrole dela, pois sabia que ela fazia isso para poder responder as perguntas que ele lhe fazia sem dar mais vexames, pois era isso que ela pensava a respeito dela mesma. Porém, quando ele agradeceu e a elogiou por sua atitude, a reação foi muito estranha. De repente, todos os problemas dela voltaram.
Porém, ela parecia estar preparada para isso, pois apenas agradeceu, gaguejando muito, virou-se e saiu da sala. Renato então pegou a pasta onde estava o processo que ela deveria olhar, chamou a Secretária e pediu que fosse entregar a ela. Quando a secretária saiu de sua sala, falou novamente sozinho e em voz alta:
–(Renato) Qual será o mistério dessa menina?
Continua ...