Se é por falta de lembranças natalinas mais plausíveis ou um senso do absurdo em plena meia idade, ou ainda por falta do que sempre procurei sucessiva e vorazmente, mas não encontrei, não sei dizer. Talvez seja as três alternativas de uma só vez.
O fato que me vem à mente é de quando eu tinha lá meus 17, quase 18 anos. Era véspera do natal de 2008.
Em casa, isso significava reunir a família toda, Santos e Bentes rodeando uma mesa com dez cadeiras, sob um véu de sacramento que influência exterior nenhuma poderia quebrar, tal era o evento, aguardado por poderes acima de nós, como queria nos fazer crer o meu avô, José.
Pois bem, outra ceia se aproximava e os Bentes novamente dariam o ar da sua graça: tia Lupita, tio Sérgio, prima Rita e o primo Noel vieram do Mato Grosso para o Rio.
Chegaram pouco antes do natal e só voltariam depois do ano novo. Lembro da mãe falando com o pai sobre gastar, sobre segurarem as contas uns dias antes deles chegarem. Eu mesmo lembro que cheguei a pensar com preocupação, olhando para os colchões de solteiro escorados no meu quarto, que, por umas duas semanas, pelo menos, aquele cubículo teria que abrigar a mim e aos meus primos.
Logo que chegaram, não lembro bem da ocasião, fui tomado por uma inconsciente sensação de superioridade em relação aos meus primos, sobretudo o primo Noel.
Ele tinha um jeito lento e meio bronco de menino do campo. Não necessariamente "do campo", apesar de que era mesmo, mas me parecia apenas que estava sempre deslocado no Rio, na nossa casa. Tudo que ele olhava parecia ser uma novidade. Já olhava com aquele brilho nos olhos.
A prima Rita também tinha aquele jeitinho meigo de quem não queria atrapalhar ou incomodar, mesmo que estivesse fazendo os dois. E eu não percebi na época — era muito moleque para autocrítica —, mas foi ligeiro para eu sacar que, naquele trio, eu era o descolado da cidade grande; eles, os visitantes deslumbrados.
No fim das contas, só o primo Noel ficou comigo no meu quarto. A prima Rita chegou a dormir com a gente umas duas ou três noites, mas depois foi pra sala onde os tios estavam. Durante o dia, ela ficava mais com a mãe e com a tia Lupita, por isso não guardei grande lembrança dela. Já o primo Noel, eu o chamava para jogar videogame na sala e ficávamos até tarde nisso. Ele até era bom, mas quase nunca me vencia em nada. Nem no Super Mario. Eu sorria por dentro.
E por um tempo, o meu ego se fartou dele como se fosse um aquecimento para a ceia. Era eu me alimentando da ingenuidade como se, de repente, eu fosse o detentor da inteligência descolada. A mãe nem podia desconfiar dessas coisas (ninguém, na verdade, desconfiava), mas no fundo, aqui dentro, eu ria toda vez que o primo Noel perdia para mim no videogame, toda vez que ele falava com aquele sotaque engraçado do interior. Ria do nome dele: Noel. Eu ria porque ele era ele, e ele só me fazia bem porque eu era o parâmetro da comparação.
Até que chegou a véspera, o dia 24.
Lembro que a casa estava cheia e, conforme a noite foi chegando, mais gente aparecia: amigos do trabalho do meu pai, os parentes da minha mãe, a nossa vizinha. Meu quarto virou uma zona. Eu lembro perfeitamente que estava no quintal, apertado, quando corri para o banheiro. Não pensei, só fui e abri a porta. Levei um susto quando vi o primo lá. Ele tomava banho.
Na hora, a minha cabeça bolou sozinha a primeira mentira que calhou: pedi desculpas, disse que não sabia que tinha gente e que só precisava pegar minha escova de dentes. Saí constrangido e fui mijar no banheiro do quarto da mãe. Depois de lavar as mãos, fiquei um segundo me olhando no espelho, me interrogando sobre o que tinha visto.
Então, fui direto para o meu quarto e me amontoei sobre a cama. De propósito. É que o primo Noel, quando saísse do banho, viria se trocar. Eu estava nervoso, como se prestes a cometer um crime. Como se não fosse para eu estar ali, espiando, quando ele tirasse a toalha; como se todo mundo fosse acabar desconfiando disso.
Pois quando eu levantei da cama, frustrado, mas disposto a relevar aquilo, o Noel entrou rápido no quarto e fechou a porta. Ele tinha apenas a toalha atada na cintura.
Eu fiquei tão nervoso e sem ação que tentei ao máximo não olhar o vulto na sua toalha branca. Fracassei, imagino. E imagino não só pelo que lembro de mim, mas também por conta de uma risadinha que ele deu quando me viu no quarto. Toda vez que me peguei tentando decifrá-la, fiquei perdido no caminho. Ele riu da situação de estar ali, pelado comigo? Riu de vergonha? Riu porque saiu rápido do banheiro, devido a casa cheia? Ou riu porque me pegou olhando um instante para sombra na sua toalha?
Mistério.
Mas foi um mistério em que eu não pensei na hora. Ele podia ser lento e meio bronco, mas era menos ingênuo do que eu pensava. Não fez cerimônia alguma por eu estar ali com ele. Andou até sua mala, deixou a toalha escorrer aos pés e tratou de fuça-la na caça de uma cueca. Ele estava de costas para mim quando eu o olhei de esguelha, o coração sambando no peito.
De repente, eu não sabia mais para onde olhar. Ou sabia, mas não devia. Um tipo de espírito da lucidez desceu sobre a minha mente enquanto eu o assistia completamente nu. Lembrei das palavras do vô José sobre os poderes acima de nós e uma confusa sensação de vigilância. Então, meu peito foi batendo mais forte ao mesmo tempo em que o Noel pareceu ter encontrado a cueca e foi se virando de frente para mim.
Hoje sei que dizer que ele tinha corpo de menino do interior é um tipo de eufemismo; e eufemismo por eufemismo, prefiro dizer que ele era, em toda a sua forma, a personificação do David, de Michelangelo. Mas tão somente logo de início.
Assim, estávamos lá, nós dois. Eu, semipresente, amontoado. Ele, meio consciente (inclusive do que eu pretendia estando ali, suponho). Demorou a vestir a cueca, decretou a minha perdição. Se ele não tinha pressa, eu seria relógio quebrado.
Comecei por cima.
Cabelos encaracolados, quase enxutos. Rosto quadrado, as sobrancelhas caídas nos cílios e olhos de quem sabia um pouco mais que o necessário para toda a vida. Pescoço grosso, o pomo de Adão protuberante. Homem já feito em cima de ombros largos, mas não inflexíveis, de braços torneados por alguma prática exercida lá pelos campos. Mãos grandes de dedos longos, dedos que tornavam a cueca minúscula. Tórax, cada parte pedindo para ser admirada, as linhas fundas de ligacão dos músculos por onde as últimas gotas ainda escorriam. Pente, o caminho de pelos enroscados, escuros, perfeitos que descia, descia, descia até o...
O seu pau, obra-prima da renascença.
Mole, mas parte importante da escultura. As bolas contraídas, resquício do frio do banho.
— É errado — Noel disse, do nada. — É perversão, sabia?
Eu gelei. As borboletas da barriga, todas se calaram de súbito me trazendo de volta à realidade. Balancei a cabeça, pedi desculpas e saí.
Não adiantou tentar esquecer o que tinha visto. Mesmo que conseguisse, por um curto espaço de tempo, a todo momento a presença do primo em casa me faria relembrar. O seu corpo molhado, malhado da brabeza do interior. O seu pau me olhando, me julgando, balançando, sorrindo. Esquecer era tolice. Já estava em mim.
Hoje, acho curioso como a nossa mente funciona, como ela pode ser inventiva. Depois desse ocorrido, eu tinha certeza que a relação com o primo mudaria, fiquei desconfiado, mas diferente de mim, ele seguiu me tratando normalmente. Ainda sorria e brincava comigo com o mesmo jeito de antes, sem ressalvas ou ressaibos no trato. Para ele, eu ter ficado manjando o seu pau não era nada (embora, para mim, fosse).
E toda vez que o via na sala, sentado, ou em pé conversando com o pai, minha mente inventava. Ele ali, vítima dos meus olhos, indiferente a mim e aos meus pensamentos, ao passo que eu o estava admirando por baixo da roupa. Admirava a sua barriga torneada escondida sob a camiseta, as suas pernas cabeludas abraçadas pelo calção. Tremia com a imagem do seu pau mole acomodado na cueca.
Ele assaltou a minha mente.
E ela era toda dele agora.
No começo, eu me senti sim acuado, intimidado. Me senti inferior até — finalmente o primo me ultrapassava, e em tudo —, mas também me senti tentado cada vez mais a cruzar essa parede de proibição. Queria vê-lo de novo. Vê-lo pelado. Molhado, quem sabe. Satisfazer a necessidade da visão era uma ideia fixa que não saía dos meus planos.
Tive a oportunidade, e no mesmo dia.
Eu fiquei bolando um jeito de pegá-lo pelado de novo. Fiquei na espreita: a qualquer momento, ele poderia ir tomar outro banho, trocar uma camisa, sei lá. Só lembro bem que, pelo resto daquele dia, eu grudei nele, ansioso de minhas esperanças acontecerem, embora também nervoso com aquilo tudo que acontecia comigo por dentro.
Lembro que, logo depois do almoço, ele foi ao banheiro e, um instante depois, saiu de lá. Foi mijar, era quase certo. Eu fiquei uma pilha comigo mesmo. Não tinha feito nada. Não tinha pensado em nada a tempo. Só tinha visto a oportunidade ali, ao alcance da mão, e deixado ela ir embora.
Entrei no banheiro em seguida, ergui a tampa do vaso e lá estava. A água amarela de urina me confirmando o fracasso. Quando se é jovem, e jovem como eu fui — dos que sempre tinham tudo o que queriam —, a frustração é um negócio que faz o peito arder de raiva. Lembro bem dessa sensação. Fiquei imaginando ele ali, fazendo mira, uma mão na cintura, o jato amarelo alvejando a cerâmica do vaso, respingando na água. A cabeça leve, relaxada. Talvez, até tivesse assobiado.
Saí ainda mais decidido a pegar o primo Noel com o pinto na mão da próxima vez.
Foi lá pela tarde, algumas pessoas já tinham ido embora para voltarem mais à noite para a ceia, a casa então mais vazia, que decidi o que ia fazer. Fiquei de olho nele desde então, e quando ele fez menção de entrar em casa, eu o segui pedindo a toda divindade possível para o meu plano dar certo.
Deu.
Na sala, a prima Rita o chamou um instante e ele foi dar atenção a ela. Foi a minha deixa. Entrei no banheiro e, de dentro, com a porta entreaberta, fiquei espiando ele lá fora. Pensei rápido: tirei a roupa num segundo, ficando só de cueca, e voltei a espia-lo. Algo me dizia que ele entraria no banheiro. Eu tinha quase certeza de que ele tinha entrado em casa para vir ao banheiro. E, daquela vez, eu não ia perder mais nenhuma oportunidade.
Fiquei esperando. Quando ouvi ele terminar com a prima Rita, corri para dentro do box. Assim que ele abriu a porta, eu liguei o chuveiro.
— Desculpa aí, primo — ele falou.
— Relaxa, acabei de entrar. Vim tomar um banho, tava grudento.
— Eu te espero — ele disse, fazendo menção de sair. — Só ia dar uma mijada.
— Relaxa, cara. Pode mijar. Nem ligo.
Ele ficou rindo.
— Ah, tu já me viu pelado mesmo.
Meu corpo se arrepiou. O coração no peito parecia querer abrir um buraco e sair pulando pelo chão quando o primo Noel abriu o zíper. Eu desliguei o chuveiro e fui pegar o sabonete.
— É, já vi, sim — eu quis fazer graça e ri sozinho, o soslaio buscando por ele, pelo seu membro renascentista, pelo jato amarelo alvejando a cerâmica rendida.
Hoje, penso ter ficado muito nervoso com a sua presença ou muito preocupado em não deixar que ele me percebesse espiando. Lembro que ele olhou para mim, ali sob o chuveiro, e foi um olhar rápido e comum. Apenas um cara olhando para outro. Então, falou:
— Por que tu toma banho de cueca?
Eu não sabia o que dizer. Virei para ele, os meus olhos então o abraçando por inteiro, não mais de esguelha, não mais sem o amparo de um álibi. Eu devo ter sorrido.
— Sei lá — foi tudo o que deu para dizer.
Ele riu de volta.
— Tu tá na tua casa e toma banho de cueca? — Rimos os dois. — Nem eu tomo banho de cueca aqui. Tu tem vergonha, é?
— Não — menti —, e só que… Sei lá, sabe? Casa cheia, alguém podia entrar.
— Ah, tá. Não tá com vergonha de mim, né?
— Não! Tu é de boa.
— Eu não tenho vergonha, não. De homem, não. Tudo tem pinto. Tenho vergonha de menina me vendo assim.
— Eu também. Tenho um pouco de vergonha dos dois.
— Tu já ficou pelado com uma menina?
Engoli a seco.
— Não — abanei a cabeça.
— Eu também não — ele disse, chacoalhando o pau e o guardando de volta na roupa. — Mas uma hora acontece, né?
E saiu do banheiro.
A tarde passou, a noite foi uma bagunça, uma comilança, mas eu, por dentro, estava como no paraíso. Também lembro bem dessa sensação.
Já tarde da madrugada, no quarto, com a casa toda apagada e silenciosa, estávamos tão "íntimos" um do outro, que bastou eu reclamar do calor para ele dizer:
— Vou dormir pelado. — E riu uma dessas risadas inseguras, como se esperasse que eu fizesse o mesmo.
— Então eu vou também — eu sussurrei entre assustado e nervoso, naquele misto de sensação de proibido com alegria juvenil.
E fui tirando a roupa, ficando só de cueca na cama. Já o primo Noel, como bem lembro, levou a brincadeira a sério demais. Ficou totalmente pelado. Quando olhei para o colchão no chão ao pé de mim, ele estava estirado com as mãos sob a nuca, sorrindo, e apenas uma tira do cobertor cobrindo a sua virilha. Eu sussurrei, sugerindo:
— Dorme sem cobertor, primo.
Até mesmo parecia que ele só esperava eu pedir. Jogou o cobertor para o lado e devolveu a mão à nuca, peladão. O seu pau era um borrão preto comprido atravessado na coxa que capturou os meus olhos por um bom tempo. O corpo branquinho, magrelo, com dois borrões pretos nas axilas, outro na virilha, e aquele sorriso tímido no rosto. Sorriso de tensão, de tesão. Tudo bem que o quarto estava escuro e dava para ver muito pouco. A meia-luz que permitia a gente se enxergar basicamente era a que vinha da cidade e entrava pela janela. Mas se o primo Noel estava mesmo peladão ali embaixo de mim, o que eu não podia ver com nitidez, eu imaginava.
Ouvi ele dizer, baixinho:
— Vem dormir aqui.
— Sai fora — eu ri, embora estivesse doido para ir mesmo.
— Dormir no chão é mais fresquinho.
Então, eu sentei na cama, ponderando, e ele se mexeu no colchão aos meus pés, como se me desse espaço nele:
— Vem, deita — chamou, de novo.
Eu olhei embaixo da porta do meu quarto para confirmar: tinha mais luz alguma acessa lá fora. Todos dormiam. Pai e mãe no quarto, os tios e a prima Rita na sala. Mesmo assim, meu peito pulava tanto que eu só pensava em parar.
— Tira essa cueca, doido — ele falou para mim.
Eu estava muito sem graça, intimidado mesmo. Ele tinha, além de um pauzão, mais coragem e mais confiança que eu. Pelo menos, era o que parecia.
Afinal, deitei do lado dele e ficamos um tempo num silêncio de adaptação. Não sei ele, mas a minha pele se arrepiava só de ouvir a sua respiração, tremia com o calor da sua pele, com o seu cheiro. Naquela hora, eu tinha esquecido todas as piadas que poderia dizer; apenas engoli o meu constrangimento e esperei. Não demorou muito, ele disse:
— Se eu te pedir, tu faz um negócio?
— O quê?
— Mas tu faz mesmo?
— Sei lá. Faço.
Ele riu.
— Será que faz?
— Não sei. É o quê?
— Deixa quieto.
Mas eu insisti, depois de tomar coragem:
— Fala, pô!
— Tu paga um boquetinho pra mim?
Eu gelei, sorrindo. Sabia que era isso. Estava tentado a aceitar, mas não ia, né? Recusei. Ele insistiu, rindo. Rindo de vergonha, da situação, da excitação. Eu continuei recusando, rindo também pelos mesmos motivos.
— Então, bora tocar?
— Bora.
— Tu toca pra mim e eu toco pra ti?
Eu confirmei.
Então, ficamos como que tentando nos ajeitar no espaço um do outro. A minha mão sacou o meu pau duro da cueca e, depois, vasculhou o escuro, passeando pela barriga dele por uma brevidade até ele próprio atalhar tudo, pegando a mão vagante e a pousando bem sobre o seu pau.
Eu o agarrei como ele também me segurou. Comecei a masturba-lo, ainda que sem jeito, sem prática com aquela mão e naquela posição, mas excitado o bastante para não desistir ali. E a noite, de repente, me pareceu um forno. A mão dele no meu pau e o pau dele na minha me deixou num estado de frenesi e taquicardia que, até então, não tinha experimentado. Aquele era o proibido e eu finalmente atravessava o seu umbral.
Lembro que não podíamos gemer nem falar muito alto e, quase o tempo todo, eu lançava um olhar de cautela por baixo da porta. Mesmo com as restrições, as respirações aceleravam, o peito convulsionava. Aquela nossa ação era juvenil e medrosa, mas tinha um gosto impressionante de liberdade. Para mim, tinha.
Bem aqui, ele pediu:
— Faz um boquetinho? Tu faz?
— Mas tu faz em mim também depois? — dei a condição.
— Faço — ele a acatou.
A sua mão veio parar na minha nuca e guiou a minha cabeça, a minha boca até o seu pau. Cheirei aqueles muitos centímetros como que por instinto, me deixando conduzir de uma vez por todas para o outro lado do que, no momento, para mim, parecia ser o certo, o aceito, o paraíso perdido enfim encontrado. Inebriante, fervente, o cheiro honesto dele me fez marcar presença em mim mesmo como nunca antes. Minha boca se encheu e, antes de tudo, eu já ameaçava transbordar.
— Desistiu, primo? — A voz dele soou baixinha, rasteira, me atiçando, sendo proposital ou não.
Resolvi responder com a boca — ou melhor, com a língua. Passei a pontinha na ponta dele, e depois desci, molhando-o quase por completo. Ele pulsava, fervia, se deixava mais à vontade. O segurei na base e ainda tinha mais dele sobrando.
Acomodei a cabeça na boca, sentindo o gosto com expectativa, pressionando de leve, e soltei. Ele foi ávido ao enfiar as mãos no meu cabelo, acariciando e sorrindo, me empurrando de volta pra sua parte mais vívida, genuinamente obra de um artista em sua fase mais prodigiosa. O que me fez pensar de novo nos poderes acima de nós, famigeradas testemunhas que aguardavam a sagrada reunião entre os Santos e os Bentes.
Voltei ao pau do meu primo com o pensamento de que talvez fosse isso mesmo o que elas queriam, afinal. Um Santos chupando um Bentes, ligação mais intrínseca impossível.
Engoli então cada parte do Noel. Enquanto eu ia, ele emaranhava mais e mais os dedos entre meus cabelos; enquanto voltava, ele dava sussurros e arquejos delirantes.
Agora, me permito pensar que estávamos em um tipo de ritual, ele sendo um deus pagão da idade média; eu, o fiel adorador; e minha boca, a oferenda. Quis que ele gozasse logo, mas fazia-o tremer quando de repente acelerava e o deixava molhado da cabeça às bolas. Porque, depois de um tempo, minha adoração ficara mais caprichada.
Meus lábios desciam por ele, demoravam a subir, meu tesão acumulando, o coração mandando sangue pra baixo, o pau latejando na minha língua. Às vezes, enxergava o seu rosto no escuro, imaginava os olhos fechados, a testa contorcida, os lábios entreabertos ameaçando gemidos.
Aqui, eu me afastei.
— Ah. Mas já? — ele reclamou, num sussurro ofegante.
— Já, né? Tua vez.
Ele sentou no colchão e caçou a minha virilha com a mão cega. Não dizíamos uma palavra, embora todos os sentidos conversassem livremente. E quando ele agarrou o meu pênis, arregaçando o prepúcio pra trás com pressa, eu segurei o gemido. Então, os seus lábios vieram e me abraçaram. Quentes, molhados. Eram veludo na pele, e eu nunca tinha provado essa sensação antes.
O medo, o tesão, a tensão são combinações impressionantes. Viciantes também. Ele de joelhos, eu em pé. Arrepiado. Não sabia se me encolhia, se deixava, se olhava por baixo da porta, se gemia. O meu instinto inexperiente me fez agarrar a cabeça dele, fazer o mesmo carinho inconsciente que ele tinha feito em mim, como se assim e só assim eu pudesse ter um pouquinho de controle sobre o que ele fazia.
Ele também se afastou de mim, afinal, e a sua boca veio atrás da minha. Travaram aquele beijo de insegurança: nem um, nem outro sabendo ao certo como fazer, mas fazendo. Os olhos fechados, as sensações alertas. Cada toque arrepiava, cada sabor na superfície da língua aquecia. E ele tinha sabor bom. Sabor de liberdade, de igualdade.
— Me chupa de novo — a voz dele me achou.
Acedi. Agora era eu ajoelhando, descendo pela parede da barriga dele com a demora de um alpinista. Achei o membro, o suguei de volta para o morno da gruta. E cada vez que ele, o primo Noel, se contorcia ou abraçava o meu crânio com as mãos grandes, me estocando, mais eu sabia que estava fazendo direito, mais eu também endurecia, pingava.
Já não tinha mais a preocupação de alguém acordar, já não olhava mais por baixo da porta. No peito, o coração pulava, mas pulava menos por medo de ser flagrado por alguém que pelo medo de atravessar o misterioso campo do desejo alheio.
Aqui, o primo Noel afastou a minha boca do seu pau, segurando-o com impaciência.
— Que foi? — sussurrei com ingenuidade.
— Nada — gemeu. — Tu deixa eu te comer?
— Não aguento, não, primo.
— Mas deixa?
— Ah, não sei — fingi dúvida, o peito ainda mais taquicárdico. — Tu vai deixar também depois?
Ele deu uma risadinha.
— Deixo.
Ainda me lembro bem. Ele, tão virgem quanto eu, de corpo e de ação (embora de pensamento fôssemos perversos quanto qualquer outro da nossa idade), me deitou no colchão e veio deitar em cima de mim. Agora era pele na pele, o calor de brasa do peito dele queimando as minhas costas. Ele afastou as minhas pernas, explorou a minha bunda com impaciência. Eu consigo recriar ainda hoje o quão nervoso fiquei. Eu quase congelei, a cara enterrada no colchão, quando ele encaixou a sua glande pelada no meu rego desprevenido.
Ele pressionou pra me penetrar, mas a fricção entre o seu pau seco e a minha bunda medrosa não permitiu a consumação. Ficou naquilo mesmo, a princípio — pressionando pra ir e voltar, ir e voltar. Ouvi ele molhar os dedos na boca e lubrificar o local do nosso atrito: eu, medroso, me contraía ainda mais, contraía os glúteos e o coração.
Lembro bem como ele agarrou a minha cintura, com força, fazendo pressão entre nós. Também não me penetrou, mas me deixou alarmado o bastante para intervir:
— Calma. Isso dói.
— Tá doendo?
E, aqui, ele desapertou as mãos na minha anca e fez leves movimentos de vai e vem com a pélvis, afastando ainda mais as minhas pernas de forma que então ficava totalmente no controle entre elas. Eu me mexia no colchão, tentava fechá-las de volta, o instinto, o medo me impedindo de prosseguir, mas o primo Noel me segurava.
— Calma. Não vai doer, não — ficava dizendo baixinho. — Meu pinto é pequeno. — E ria.
E como ria. Aquela era a melhor e a pior noite que eu passava até então. Cada parte de mim gritava, queria ficar e queria fugir. Mas eu não fiz absolutamente nada. Fiquei esperando, a cara contorcida de receio abafada no colchão, enquanto o primo Noel tentava cada vez mais e com mais afinco me acertar.
Algumas vezes conseguiu, o que me fez abafar suspiros entrecortados, suar, me contrair, cerrar os dentes e os olhos como se quisesse me esconder. Depois, eu amenizava a expressão, sorria até. Não tinha coragem de esboçar para ele se eu estava gostando ou não, se ele devia parar com aquilo ou não.
Ele entendia bem essa mensagem de silêncio e continuava me estocando, às vezes me penetrando e, nessas vezes, fazendo questão de enterrar o pau inteiro em mim, devagar, cada centímetro, demorando um pouco dentro de mim como se quisesse testar meu limite, me fazer reagir. Eu, passivo, só fazia careta e esperava. Por fora, suspirava com a boca aberta na espuma; por dentro, gritava livremente.
O primo sussurrou o meu nome, numa mistura sonora quase indistinguível entre dor e prazer, pouco antes de atingir o ápice.
Hóstia em líquido, ele derramou toda a porra sobre aquele caminho de pelos que tanto me deu tesão. Sob a fraca luz, seguindo a intuição, passei a língua. Provei. Era realmente como hóstia, ainda que um pouco salgada, devo admitir. Ainda o tenho na boca.
Noel foi amolecendo em minha mão, ofegante, relaxado, dizendo as palavras entrecortadas. Se eu quisesse dormir ali ao lado dele, poderia, ele queria, confessou.
Outro dia, luz do sol entrando pelas frestas, me vi deitado em cima dele. Calor da manhã me dizendo que a noite anterior fora mesmo verdade, o gosto do sexo do meu primo ainda na boca se apresentava pra mim como o melhor presente de Natal. Reparei o subir e o descer da sua respiração, e quis fazer morada, fundir meu peito ao dele. Mas já amanhecera e, com a noite, foi embora todas as nossas chances de renovada profanação. Tínhamos que levantar e eu o acordei.
O ajudei a se vestir, o tempo todo ele fitando meu rosto como quem ainda não cria no que havíamos feito.
— O que foi? — cheguei a perguntar.
— Nada — ele respondeu, e esboçou um meio sorriso sacana.
Mal saímos e topamos com a tia Rita. Disse que já vinha nos chamar; o vô José estava à mesa e queria falar algumas coisas no café da manhã em família. Fomos direto para o banheiro.
Passei pasta dental na escova e comecei a escovar os dentes. Noel abaixou as calças e mijou. Ao findar, tocou meu braço, acenando pro pau dele, que estava ali, mole, gotejando. O sacudi pra ele. Noel se aproximou e mordiscou meu ombro. Devolvi o carinho.
Saímos e fomos para a cozinha.
O vô estava sentado na cadeira de espaldar mais alto. A mãe, do lado esquerdo dele, e, a tia Lupita, do direito. O tio Sérgio e o pai ainda estavam em pé, cada um com uma dose de vinho na mão. Eles nos olharam, mas foi meu pai quem nos deu uma piscadela, inesperado sinal de cumplicidade — o que foi estranho e, por um momento, me veio o pensamento de que ele sabia tudo sobre a madrugada. Logo me despreocupei quando ele disse:
— Andem moleques, o vovô preparou um discurso.
As palavras do meu avô eram as mesmas, ditas diante de uma mesa arrumada, farta, daquelas dos comerciais de TV. Enquanto ele falava sobre amor, união e perseverança, o bolo recém-assado da tia Lupita soltava um filete de fumaça e preenchia todo o ambiente. Feito em fôrma pequena, era redondo e tinha um buraco no meio. E foi tão somente ao reparar esse detalhe, que meu pau endureceu. Imaginei eu me enfiando ali, esfregando minha pele na massa, pervertendo o bolo antes que pudéssemos comê-lo.
Quando me forcei a olhar pra outro lugar, pra fugir do meu súbito tesão, dei de cara com um novo sorriso do primo. Ele soube, sabia o que eu havia pensado. Ao notar o meu volume, o sorriso se alargou, ainda mais sacana.
O vô terminou dizendo que rogava aos céus pra que a união de Santos e Bentes jamais se desfizesse. Começamos a tomar café. E entre fatias de bolo pra lá, me passa o suco pra cá, Noel e eu nos tocávamos por debaixo da mesa, meu pé tomado por astúcia procurando o dele.
Nos dias que se seguiram, descobri que nosso segredo estava pelos cantos: a casa perpetuou nossos atos sob o véu natalino. Noel me olhou daquela mesma forma mais uma dezena de vezes durante aquele dia. Dentro de mim, vontade alguma mais persistia senão a de me ajoelhar diante dele, despi-lo, chupá-lo até que provasse novo gozo. Me esforcei todas as vezes pra me livrar do pensamento, da imagem, da esperança.
Em minhas idas ao banheiro, me deparava sempre com a minha cueca melada, prova irrefutável do desejo. Desejo que foi aumentando por não poder ser mais consumado partindo do momento que a prima Rita veio dormir com a gente no meu quarto.
Antes de dormir, eu sempre pedia às testemunhas por outra chance. Pensei que não me ouviriam.
Foi no primeiro domingo de janeiro, o dia já pela metade, calor carioca entrando pela casa sem pedir licença, que a prima Rita disse algo sobre ir à praia mais uma vez antes de voltar pra casa. Não lembro se lhe deram pouca ou alguma atenção.
Mas ela resmungou aquele dia todo, disse até que "se sentia como sardinha enlatada". Noel e eu rimos. Ainda lembro disso. No último dia deles no Rio, faltava a parte mais significativa de estar no Rio. A prima resmungou de novo e de novo até ser atendida.
Do que aconteceria a seguir, eu estava isento de culpa pela inocência. Pouco tempo antes de todos se aprontarem pra sair, o pai perguntou se, daquela vez, poderíamos ficar em casa. Ia muita gente num carro só.
Acedi. O primo também.
Mal deixamos de ouvir o barulho do carro, fui agarrado por um Noel tomado por desajeitada vontade de me invadir. Me pegou pela cintura, me levantou, enquanto investia com a língua e pressionava com os dele os meus lábio. Percebi meu gosto no seu, fiquei duro e me desvencilhei do abraço. Me abaixei e, junto comigo, levei o calção do Noel. Pus mais da metade do seu pau na boca, ele segurou minha cabeça e afastou a cintura levemente, soltando um gemido que também era arquejo.
Sob a luz, eu podia ver claramente as expressões que fazia, unindo as sobrancelhas a cada vez que eu o engolia, meus olhos nos dele, infinitamente melhor que da primeira vez, quando, num espasmo, o leite escorreu quente, branco, vil.
Depois que se limpou, fomos pra sala. Antes de também irmos pra praia, o desafiei: só algumas partidas de Street Fighter, revanche por todas as vezes que eu o havia derrotado.
Ele estava seminu; decidi acompanhá-lo. Tirei meu calção, minha cueca, e puxei a do Noel.
Estávamos só de meias. As minhas pretas, as dele brancas. Sentados lado a lado, de controles nas mãos, a luminosidade da TV refletindo em nossas peles.
Não nos tocamos nem falamos muito também. Ficamos ali, jogando videogame, apenas dois caras inertes num silêncio que estava longe de ser incômodo, acima de dois garotos jovens demais pra entender que o instante nunca é eterno.
Não é mesmo por falta de lembranças natalinas mais plausíveis. Também não é por falta de senso do absurdo em plena meia idade. Mas essa lembrança que se interpôs entre mim e o meu futuro veio de um jeito que me deixa sem saída pras coisas que eu, experimentando sensatez nua e crua, vejo que não quis enxergar.
Busquei vorazmente o que todo dia se apresentou diante de mim, em meus sonhos molhados, em meu corpo e minha alma. Verdade que mantive oculta, como quem varre a poeira pra debaixo do tapete. Ninguém vê, mas continua lá. E ignorá-la não ajuda nem um pouco.
Sinceramente, contar isso era o que eu precisava pra consumar o que há algum tempo me ocorre, me corrói: ir lá fora, celebrar com todos uma última vez e depois partir, me reencontrar com essa parte de mim que abandonei.
Não esperar que todos entendam, nem mãe, nem pai e nem ninguém, já é experimentar de novo aquela liberdade juvenil. Deixarei o celibato pra sempre. Deixarei também este lugar, este eu, porque estou pronto e esta será a minha última missa.
Pe. Diogo Santos
Rio de Janeiro — 31 de dezembro de 2023.
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[Escrito por Jesús Blasco & Ezek Pomme em dez. 2020]
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