Fiquei assustada com aquela triste notícia e, instintivamente, arregalei meus olhos e engoli a seco. Ele notou minha preocupação e falou:
- Fica tranquila. Ela já está boa. Novinha em folha. Já tá fazendo arte em casa, dando ordem em tudo e mandando em todos. Enfim, dona Gegê, já voltou a ser a dona Gegê.
- Poxa, cara! Eu preciso fazer uma visita para ela. Ela foi muito legal comigo.
- Que tal hoje? Que tal agora? Te levo lá!
- Não. Agora não tô legal. Passa o telefone dela para mim, por favor, e eu ligo depois para marcar algo. - Pedi e ele pegou um guardanapo para anotar dois telefones.
- O dela é o de cima. O de baixo é o galã que vos fala. - E depois me encarou, arriscando um olhar sedutor: - Nós vamos sair hoje, não vamos?
- Nós quem, cara pálida!? - Brinquei ao me lembrar da minha ascendência indígena.
- Nós, eu e você, ué! Por que não!?
- Ó! Eu vou sair se melhorar, mas não vou combinar nada com você. Não quero assumir compromisso com ninguém!
- Pô, que mineira difícil do caralho! - Resmungou, sorrindo: - Toda mineira é assim?
- Só as melhores, Lelinho! Só as melhores… - Respondi e sorri.
Capítulo 17 - Deprê!
Depois que retornei de Maceió minha vida começou a dar sinais claros de um descarrilamento. Uma saudade horrível de um relacionamento que sequer havia iniciado com a Annemarye me abateu. Eu ouvia sua voz, sentia seu cheiro, a via em meus sonhos e, às vezes, eu parecia sonhar acirdado. Tudo me lembrava ela! Comecei a me questionar se valia mesmo a pena trabalhar tanto para construir algo para ninguém. Eu comecei a sentir falta de uma família só minha e não conseguia ver outra pessoa para construí-la comigo além da Anne.
A Márcia bem que tentava voltar a ocupar o posto de minha namorada. Como companheira ela seguiu bem, fez marcação cerrada e passou a frequentar o meu quarto de uma a três vezes por semana. Não sou de ferro! Ela é linda, gostosa e estava trepando ainda mais gostoso na tentativa de me convencer a voltar para ela. Quem não gostou muito foi minha mãe:
- Marcos, olha só filho… - Encarou-me certa vez constrangida, mas ao mesmo tempo brava: - Eu nunca me incomodei com você e seus irmãos em trazerem namoradas, namorados para casa. É muito mais seguro aqui que num motel ou num carro na rua. Mas essa situação já tá insustentável. Até seu pai já reclamou comigo.
- Tá bom, mãe. Eu falo pra ela gemer mais baixo.
- Não é isso, não! Eu não quero mais você transando com a Márcia em casa. Ela não é sua namorada, nem nada do tipo. Uma namorada eu entendo, mas uma eventual, uma avulsa, não.
- Mas o que é isso, mãe? A Márcia não é uma avulsa, não!
- Não? E ela é o quê, então?
Eu não soube responder, porque efetivamente não havia uma resposta a ser dada. Eu estava comendo a Márcia por comer e isso porque ela me procurava, não eu. Aquela conversa acendeu um sinal amarelo e passei a pensar sobre o meu “status” com ela. Talvez, realmente eu precisasse mudar alguma coisa.
Além disso, minha vida profissional estava indo de mal a pior. Passei a postergar certos compromissos e obrigações profissionais, atrasando projetos e meu pai, para não prejudicar os interesses da empresa e dos sócios e acionistas, começou a me substituir em alguns deles, relegando-os ao meu irmão que já cuidava da área de Marketing, Propaganda e Divulgação das empresas do grupo. Estranhamente, não me incomodei com isso, pois eu conhecia sua capacidade e sei que ele faria um bom serviço.
Meu pai ficou chateado por fazer o que fez, mas minha mãe não aceitou tão pacificamente assim. Ela também conhecia a capacidade do Lelinho, mas, não achava justo o que estava acontecendo comigo e aí sua veia profissional a alertou para um problema que eu talvez não tivesse enxergado até aquela que seria uma conversa quase definitiva entre a gente:
- Marcos, seu pai veio falar comigo sobre você.
- O que foi que eu fiz agora?
- Não foi o que você fez, mas o que vem deixando de fazer. - Ela me encarou e colocou sua mão sobre a minha: - O que está acontecendo? Você nunca deixou de cumprir uma obrigação, sempre manteve seus compromissos em dia, até em reunião com clientes, você deixou de comparecer…
Eu não sabia o que responder, mas ela parecia saber o que eu sentia antes mesmo de mim:
- A Annemarye está te fazendo falta e só você não consegue ver! - Disse me olhando nos olhos: - Ou consegue e tem medo de assumir?
- A mãe… Que, o quê!? Já superei ela há muito tempo. Aliás, nem tem o que superar! A gente nunca teve nada…
- Olha nos meus olhos e me diz que não sente falta dela.
- O que é isso, mãe? Parece que não me conhece… - Disse tentando puxar minha mão debaixo da dela.
Mas ela me conhecia e manteve forte nosso contato, inclusive segurando meu queixo para que eu não desviasse o olhar dela enquanto cobrava a resposta:
- Só me responde se sente falta da Annemarye?
- Mãe, para com isso!
- Responde… para mim… Marcos!
Eu comecei a tremer e suar frio. Eu tentava desviar o olhar dela, mas ela não me deixava. Num esforço quase sobre humano, encarei o fundo de seus olhos e respondi:
- Não… sinto… falta… dela! - Fui solto, então: - Satisfeita agora, dona Gegê?
- Dela quem, Marcos? - Ela insistiu ainda.
- Dela, mãe! A senhora sabe quem. Foi a senhora quem começou esta conversa, oras!
- Quem, Marcos?
- O que é isso agora? Já está virando uma sessão de psicanálise…
- Dela quem, Marcos? - Insistiu novamente.
- Ora, bolas! Dela, caramba. Da Annemarye, da Annemarye, da Annemarye… - Falei por três vezes e me calei por alguns segundos, ficando com os olhos levemente marejados: - De quem mais!?
- Meu Deus do Céu, Marcos. Você ama essa mulher. Vai atrás dela, por favor. - Ela falava enquanto, agora, acariciava meu ombro: - Eu não deveria falar profissionalmente com você, mas, como sua mãe, eu preciso te ajudar…
Eu a encarei, surpreso e curioso, e ela continuou:
- A impressão que tenho é que você está caindo numa depressão. - Arregalei meus olhos agora: - Mas não precisa ser assim. Ela te ama, filho. Eu sei, você sabe… Vai atrás dela e abre seu coração. Mesmo que ela te rejeite, e eu não acredito nisso, uma solução para vocês é imprescindível para que você siga com sua vida.
- A senhora está achando que eu estou ficando louco?
- Louco, não. Claro que não! - Ela rebateu de imediato: - Aliás, não usamos mais essa nomenclatura nos dias atuais… Mas você tem se portado de forma que me deu a entender poder estar ficando depressivo.
- Ah, mãe… - Comecei a rir não sei como ou porquê e lhe dei um beijo no rosto: - A senhora não existe.
- Liga pra ela. Vai atrás dela. - Voltou a insistiu: - Eu vou com você. Também estou com saudade dela.
- Não, mãe, eu… - Vendo que ela não desistiria fácil, disfarcei: - Vamos fazer assim. Tenho alguns compromissos urgentes e inadiáveis para esta semana. Qualquer coisa, semana que vem a gente dá um pulo em São Paulo. Está bem assim?
- Marcos, você está me enrolando!
- Não estou, mãe…
- Então, tá. Semana que vem. Sem falta.
Como consegui ganhar algum tempo, eu precisava agora alguma coisa que mudasse a situação para tranquilizar minha mãe. De certa forma, suas palavras me tocaram e passei a me perguntar até quanto eu sentia falta daquela mineirinha danada:
- Ah, caipirinha. Até longe, você me dá trabalho. - Falei para mim mesmo ao ir para meu quarto.
- Quem dá trabalho, amor? - Ouvi uma voz ao meu lado e, ao me virar, vi Márcia com um baita sorrisão para mim.
- Um fornecedor, Márcia. Já deveria ter entregado uma carga de fios para uma obra, mas está me enrolando. - Despistei.
- Ah, tá. Deixa eu falar... Vai ter uma chopada hoje na minha faculdade. Vamos?
Eu precisava dar uma espairecida e achei que curtir um pouco uma festinha fechada era tudo o que eu precisava. Lego engano! Era quase uma micareta reunindo estudantes de várias faculdades mais tradicionais da cidade. Foi uma noite realmente agitada e muito gostosa. A Márcia estava deslumbrante com um vestido curto, justo e muito produzida. Chamava a atenção de todos por onde passava. Aliás, num momento em que tive que me ausentar para ir ao banheiro, na volta, vi que ela curtia um papo desnecessariamente íntimo com dois carinhas bombados. Estranhamente, aquilo me fez lembrar da Annemarye com aquele outro em Maceió e a lembrança em si me incomodou muito mais que a realidade ali, presente e a minha frente. A Márcia me viu de longe e veio correndo:
- Marcos, eu posso explicar! Eles são apenas…
- Está tudo bem, Márcia. - A interrompi: - Estou tranquilo.
- Mas não quero que você pense mal de mim. Você é o meu homem e…
Calei sua boca com um beijo e ela amoleceu em meus braços. Depois de um tempo nos curtindo, falei:
- Achei excitante eles te desejarem. - Ela me arregalou os olhos: - Estava até pensando em você convidá-los para fazermos uma festinha à quatro, que tal?
- Marcos, você está louco!? Que tipo de mulher você está pensando que eu sou?
Passou a me xingar por minutos até que a calei novamente com um beijo, este ainda mais intenso, forte e decidido que o primeiro, quase fazendo com que ela se derretesse em meus braços:
- Ai… Eu faço o que você quiser. - Me disse assim que nossos lábios se separaram.
- Inclusive a surubinha?
- Qualquer coisa!
- Safada! Eu só estava brincando com você. - Falei e ri.
- Eu sei, seu bobo. Eu também. - Disse e riu também: - Mas isso não impede que a gente, né, só nós dois…
Dali saímos para um motel e pernoitamos. Perdi a conta das vezes que a fiz gozar. Eu bati meu recorde, chegando a três na noite:
- Pra que você quer mais dois para me fuderem? Você já está me matando… - Reclamou enquanto eu a fodia de quatro durante nossa última da noite.
- Cala a boca, safada! Fala que não gostou da ideia, fala!? - Perguntei, puxando seu cabelo enquanto a empalava sem dó.
- Ai, filho da puta! Eu… Ah, ai, Marcos. Ai, filho da… Ah, ah, ah, ahhhhhhhhh! - Gritou, tremendo e estrebuchando.
Como ela se esticou na cama, terminei numa gostosa punheta, fazendo questão de gozar sobre sua barriga, seios e até no rosto. Depois me desmontei ao seu lado e, só então, dormimos forte, pesado.
No outro dia de manhã, quando cheguei em casa, minha mãe já me aguardava sentada no sofá da sala, alisando o Jimmy, seu Pinscher de estimação. Eu não sabia quem tinha mais ódio no olhar, se ela ou ele. Aliás, ele era a própria personificação de Cérbero. Só perdia no tamanho, mas no ódio, era capaz de superá-lo. Foi eu me aproximar para beijar minha mãe e aquele “cão chupando manga” veio chupar meu tornozelo, cravando seus dentinhos. Após um breve embate, ele foi expulso e minha mãe passou a fazer um curativo:
- Marcos, eu não sei o que você quer da sua vida, filho.
- Mas o que foi que eu fiz agora, mãe?
Ela pegou seu celular e abriu numa página de fofocas da cidade. Uma das primeiras notícias falava sobre a festa em que eu havia ido com a Márcia. Dei de ombros, era verdade. Continuei lendo e logo vi a notícia que a incomodou, acompanhada de algumas fotos minhas com a Márcia: “Herdeiro de grupo empresarial faz a festa com sua linda noiva!”
- Mas ela não é minha noiva, mãe!?
- Será que a Annemarye também sabe disso? - Ela me rebateu, chateada.
- Mas ela não pode me cobrar nada e… - Calei-me ao ver o olho irritado da dona Gegê: - Mãe, eu não queria nada disso, mas a Márcia me convidou e foi muito legal. Curti bastante.
- Que bom, então. - Disse assim que terminou o curativo: - Não vou te acompanhar para São Paulo na semana que vem. Aliás, eu acho que você deveria cancelar também. Aliás… Eu acho que você deveria decidir o que quer da vida antes de começar a viver. Só vou te dizer que esse não foi o Marcos que eu criei e eu espero que o original não demore muito para voltar.
Levantou-se com a malinha de primeiros socorros e saiu em direção à cozinha, deixando-me sozinho na sala, com meus pensamentos e arrependimentos.
Meses se passaram e apesar de eu não assumir publicamente a Márcia como namorada, a sociedade toda já nos via quase como casados. Minha mãe parecer ter desistido de me empurrar para a Annemarye e começou a tratar a Márcia com mais carinho e reconhecimento por tudo o que ela havia feito. Inclusive, ela passou a dormir com mais frequência em minha casa, agora com a anuência de meus pais.
Voltei a trabalhar com mais afinco, mas não consegui recuperar algumas áreas essenciais e sensíveis da administração do grupo que haviam sido remanejadas para o Aurélio. Ele se mostrou bastante competente e meu pai usou sua máxima de que “em time que está ganhando, não se mexe”. Perdi espaço no grupo, mas, em contrapartida, ganhei algum tempo para mim e para a Márcia que não desgrudava mais.
O carnaval estava se aproximando e a Márcia teve uma ideia louca de participar do desfile e, por ter amizade com uma moça de Duque de Caxias, conseguiu uma vaga na Grande Rio. Eu não queria e não fui, preferindo ficar na “comissão técnica”, seguindo ao lado de sua ala. No dia, foi aquele corre-corre. Por ser uma loira muito bonita de rosto e corpo, lhe deram a possibilidade de se vestir com uma roupa bastante sensual que se resumia a um biquíni com pedrarias e plumas nas costas. Participar do desfile em si não foi ruim, também não foi bom, eu só não curti tanto quanto ela, que se esbaldou, dançou, brincou, sambou, e pela primeira vez soube que ela sambava e bem, enfim, fez tudo o que nunca havia feito na vida, inclusive, rebolar na pica de um negão que a encoxou sem a menor cerimônia durante quatro ou cinco oportunidades durante o desfile.
Não criei caso, mas também não deixei em branco. Quando o desfile terminou e ela veio até onde eu estava, acompanhada do negão, eu os encarei sério:
- Dançaram muito bem hoje, não? O mundo todo viu! - Falei.
- Obrigada, amor. Eu amei isso! Acho que venho ano que vem novamente.
- Claro que amou, eu vi o tamanho que você gostou. - Insisti, olhando para seu acompanhante que fazia cara de paisagem.
- Ah, Marcos… Ciúmes!? - Ela começou a rir: - O Leandro é gay.
- Gay!? Do jeito que ele se esfregava em você? Tá bom! Vou fingir que acredito… - Resmunguei e o negão me deu uma piscadinha que ainda assim não me convenceu.
Decidi não insistir mais no assunto e ela tirar as plumas de sua produção, ficando apenas com a parte de cima e de baixo do biquíni que cobriu com uma espécie de canga, e uma tiara menor de pedraria. Dali seguimos para o camarote de uma renomada marca de cerveja. Ela chamou a atenção de todos os fotógrafos presentes quando chegamos e seu sorriso brilhava de satisfação. Entramos no camarote e depois de cumprimentar várias pessoas e bebermos um pouco, vi ao longe uma imagem que me impactou imediatamente: Annemarye abraçada pelo Lelinho. Acho que não estava preparado para aquela cena e congelei. A Márcia notou meu estado e viu o Lelinho à frente, sem entender nada:
- É o Lelinho. Vamos lá cumprimentá-lo? - Perguntou-me.
- Melhor não.
- Mas por que? É a primeira vez que vejo ele com alguém. Eu já estava imaginando que ele fosse gay também. Quero tirar sarro dele e conhecer a moça.
- Não. Vamos embora. Eu… Eu acho que estou cansado.
- O que é isso, Marcos? Você estava bem até agora. O que está acontecendo?
- Nada! E estou indo embora, com você ou sem, mas aqui eu não fico mais!
[...]
Apesar de sua insistência, realmente eu não queria um envolvimento, ainda mais com ele que certamente mais me traria muito mais dor de cabeça que prazer. Então, negar uma aproximação mais íntima ao Aurélio era o certo a ser feito. Enquanto eu ainda tomava meu cafezinho preto com pouco açúcar, o telefone dele tocou e ele olhou na tela, mostrando-me em seguida quem ligava. Coincidência ou não, era a própria dona Eugênia. Naturalmente, ele a atendeu:
- Oi, mãe.
- Não. Tô na rua. Aliás, eu tô num hotel agora, tomando um café e muito bem acompanhado.
Eu o encarei surpresa e balancei a cabeça negativamente para que ele não me denunciasse. Não adiantou:
- Ela tá dizendo que não tá aqui, mãe. - Arregalei meus olhos para ele e ele mudou a versão: - Não! Ela acabou de chegar. - Passou então a brincar com ela e comigo: - Saiu de novo? Voltou? Orra, meu! Cê tá ou não tá? - Me perguntou agora, rindo da minha cara.
- Não, mãe! - Ele voltou a falar com ela: - É a Annemarye. Quem mais cria essas confusões. Só ela!
- Ah, tá. Peraí! - Disse e me passou o telefone que peguei ainda meio contrariada.
- Alô!? - Falei, timidamente.
- Annemarye, fujona! Nunca mais me ligou, nunca mais me atendeu. Tá brava comigo? - Dona Eugênia brincava e ria: - Não te tratei bem, não, menina?
- Claro que não, dona Eugênia. Estava até comentando com o Aurélio que estou com saudade da senhora. Aliás, como que a senhora está? Acabei de saber que passou por uns problemas de saúde.
- Estou ótima, querida! Morrendo de saudades de você. Vem almoçar comigo? Não aceito um não como resposta.
- Acabei de acordar e não sei sequer se vou almoçar, dona Eugênia. Estou com uma baita dor de cabeça. Acho que bebi ou comi algo que não caiu muito bem. Então, vou dormir à tarde toda e…
- Isso é falta de colo de mãe! - Ela me interrompeu, brincando novamente: - E, além disso, eu sou médica e tenho analgésico aqui, boldo, carqueja…
- Ah, dona Eugênia. Por favor…
- Por favor, sou eu que digo. Eu quero te ver! Vem almoçar comigo. - Insistiu: - Aliás, vem agora e a gente coloca o papo em dia enquanto o almoço fica pronto.
Fiquei em silêncio tentando bolar alguma resposta para sair daquela situação, mas minha dor de cabeça não diminuía e meus argumentos pareceram ter ficado na Marquês de Sapucaí:
- Annemarye!? - Ela me chamou novamente.
- Tá bom. Tá bom… Eu vou. - Respondi: - Daqui a pouco, eu chego aí.
- Estou te esperando. Beijo, querida.
- Outro, dona Eugênia.
Encarei o Aurélio que sorria feito um bobo. Terminei meu café e falei que iria colocar uma bermuda, dar um trato no visual e desceria logo:
- Por mim, pode ir com esse shortinho mesmo. - Eu o encarei e ele entendeu a mensagem no meu olhar, mas, ainda assim, perguntou em seguida: - Posso subir?
- Não! Não pode. Eu volto já.
Subi e coloquei uma bermudinha social que vestiu mais justa do que eu me lembrava. “Saco! Engordei mesmo.”, pensei murchava a barriga para abotoá-la. Daí lembrei que ela tinha uma regulagem por dentro e afrouxei a cintura:
- Ufa! - Falei para mim mesma e, ainda sorrindo, continuei: - Será que o Marcos vai estar lá?
“O que é isso, Annemarye? Supera!”, me repreendi, enquanto colocava um sutiã tomara que caia e, depois, amarrava meu cabelo num rabo de cavalo alto. Por fim, disfarcei algumas olheiras com base, passei um blush, um batom apenas para realçar o vermelho dos lábios, enfim, dei um “tapa no visual”. Quando me dei por satisfeita, desci ao saguão, onde Aurélio me esperava ansioso. Em menos de meia hora, entrávamos num condomínio fechado no Leblon e ele estacionava em frente a uma imensa mansão. Fiquei embasbacada com tamanha suntuosidade. Assim que entramos, a dona Eugênia apareceu correndo para me receber com um abraço gostoso e eu lá, toda preocupada, tentando pará-la:
- Para de correr, dona Eugênia! - Pedi.
- Minha filha postiça voltou! - Brincou, ignorando minha preocupação: - Como você está querida? Parece muito bem. Tá corada, bronzeada, bonita, acho até que ganhou um quilinhos.
- Engordei mesmo! - Comecei a rir: - Descobri isso hoje ao vestir um short e essa bermudinha.
- Tá mais bunduda mesmo! - Ela riu e me deu um tapinha nas ancas: - Mas isso, no Brasil, não é nenhum defeito, não é!?
- Pois é, né!
Logo, o Marcos apareceu vestindo uma bermuda e camisa polo. Ao me ver, abriu um sorrisão para mim, lindo, radiante, mas estranhamente contido. O Lelinho deu uma desculpa qualquer e sumiu para dentro da mansão. Marcos veio na minha direção e fiquei confusa, feliz e chateada ao mesmo tempo. Acho que isso ficou estampado em meu rosto e notei que a dona Eugênia nos encarava curiosa com nossos semblantes. Logo atrás dele, uma bonita moça loira, bem mais baixa que eu, o seguia a passos largos. Imaginei ser uma de suas irmãs. O Marcos, então, me cumprimentou com um beijo formal no rosto e apresentou a loirinha para mim como sendo a Márcia. Fiz um esforço tremendo para não deixar meu sorriso cair nesse momento e acho que me saí bem:
- Annemarye!? Você é a Annemarye? A Annemarye que… - Disse a Márcia e ela própria se calou antes de completar alguma frase.
- Sim. Sou eu. Por que? - Perguntei curiosa com o que ela ia dizer.
A dona Eugênia pareceu ter notado a possibilidade de alguma coisa desandar entre eu e ela. Então me pegou pelos braços e começou a mostrar, com orgulho, suas pinturas. Depois, fomos até sua sala de estar e ficamos conversando diversos assuntos amenos. A dona Eugênia queria saber tudo da minha vida novamente, nem parecia que só estávamos sem nos ver há coisa de poucos meses. Saciei sua curiosidade enquanto o almoço era preparado e também passei a indagá-la:
- Que história é essa de infarto, dona Eugênia?
- Já passou, querida. Foi só um susto. Já estou novinha em folha. - Falou rindo de si mesma: - Novinha é força de expressão, claro.
A conversa continuava entre a gente, eu respondendo às suas perguntas e ela, às minhas. Não sei se havíamos abusado de nossas atenções mútuas, ou da intimidade que estávamos demonstrando ter, mas logo a Márcia me interpelou num tom nada amistoso:
- Então, é você a moça que ficou hospedada na casa da minha sogra?
- Sim. - Respondi sem querer delongar o assunto.
Aliás, ela me encarava com cara de poucos amigos e eu somente respondia monossilabicamente às suas perguntas. Era claro que havia tensão entre nós duas e eu não sabia o porquê, afinal, ela não me conhecia e eu acreditava que ela não soubesse dos detalhes da minha estadia lá. Nesse momento, uma outra loirinha entrou na sala, vindo sei lá de onde. Também era baixinha, talvez até menor que a Márcia, mas muito bonita e sorridente como ela só. Tinha idade aproximada à minha, acredito, talvez um pouco mais nova, e logo me foi apresentada pela dona Eugênia como sendo a Nana, a caçula da família:
- Então, você é a Annemarye!? Juro que pensei que você fosse mais alta. - Disse me encarando de baixo para cima, pois sua altura chegava aos meus ombros: - Marcos ficou duas semanas falando sobre vocês depois que você foi embora.
- Ah… É!? Então… Pois é, né! - Falei, sem saber o que dizer, porque vi de soslaio que a tal da Márcia espumava de ódio e me encarava como uma cobra prestes a dar um bote.
Aliás, a abusada tentava me tirar do sério de toda forma, com indiretas, pequenos pitacos, cortes nas minhas falas quando eu dava alguma resposta ou opinião, mas teve uma hora que eu quase perdi as estribeiras de verdade com ela e justamente quando Nana havia feito uma pergunta sobre a agressão que eu havia sofrido:
- Também… Uma mulher sair sozinha à noite e ainda abusando de um vestido curto, parece que está pedindo para encontrar problema mesmo. - Disse sem receber concordância de ninguém e, mesmo assim, continuou: - Causa e efeito, querida: procurou e achou!
Todos a encararam surpresa nesse momento e, disfarçadamente a mim, já esperando uma discussão mais acalorada. Respirei fundo, para não mandá-la à merda, mas não consegui engolir aquela perereca completamente. Então, a encarei e vomitei de uma forma bastante polida:
- Olha… Você não me conhece nem um pouco para querer emitir uma opinião de valor a meu respeito. Aliás, seu preconceito contra mim deve certamente decorrer de uma má formação de sua própria personalidade, talvez tenha sido muito mimada, ou mal educada mesmo, sei lá… Mas uma coisa é fato: você é machista e retrógrada na forma de pensar. - Falei calmamente: - Mas não se preocupe. Acredito que alguns anos de terapia com um bom psicanalista possa te ajudar a evoluir para uma pessoa melhor. Se esforce um pouco, porque essa família aqui merece uma pessoa melhor do que você aparenta ser hoje.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.