Achei que as coisas não poderiam ficar piores do que eu imaginava, mas eu estava redondamente enganado. Nada é tão ruim que não possa piorar.
Continuando:
Fernando:
De todas as coisas que poderiam acontecer, aquela foi a que me causou menos estranheza. Eu sempre acreditei no melhor das pessoas e mesmo sabendo que todos erram, eu sempre fui contra julgamentos, buscando entender o que leva alguém a fazer suas escolhas. Comparada a Clara, Savana se tornou uma grande decepção. Ao ser honesta e confessar a verdade, expondo a forma que viveu quando eu estava fora, Clara me preparou para os vídeos dela que me foram enviados, conseguindo de forma imediata o meu perdão. Em nenhum momento ela se colocou como vítima. Pelo contrário, ela achou uma forma de aceitar, absorver o impacto e seguir em frente, me fazendo crer que minha escolha era correta, sem margem para dúvidas sobre o seu caráter. Já Savana, sempre enigmática e resolvendo suas faltas de explicações com sexo, de qualidade eu admito, mas usando o corpo e o meu desejo como forma me manter no escuro. Eu até já esperava aquilo, uma hora a verdade iria aparecer.
Eu estava no meio do horário de expediente e não poderia simplesmente assistir aquele vídeo ali. Não era o local adequado. Com muito custo, consegui a liberação com meu chefe e pensei na melhor forma de continuar, ir a fundo e descobrir toda a verdade sobre Savana. Pedi um carro de aplicativo e com a colaboração do motorista, que me indicou um hotel daqueles baratos no centro, usado por garotas de programas e seus clientes, me hospedei ali, apenas por algumas horas.
O wi-fi era ruim, o que aumentou o tempo de download de todos os vídeos, fazendo com que a espera aumentasse a minha angústia. Eu só havia baixado o primeiro vídeo no trabalho. Poderia até ter começado a assistir, mas resolvi ter tudo pronto antes de começar. Abri o primeiro, e comecei a ver sem acelerar, como tinha feito antes:
"Savana está em uma clareira, em pé ao lado de uma barraca. São muito comuns aqueles acampamentos aos finais de semana nos Estados Unidos. Fizemos juntos algumas vezes. Ela fala com alguém dentro da cabana. A gravação é feita por alguém entre os arbustos. Savana diz:
- Tem certeza que é aqui? Não está me fazendo perder tempo?
Um homem mais velho sai da barraca:
- Claro que eu tenho. Você já me viu cometer erros?
Savana e o homem, com idade para ser o seu pai, se abraçam e depois trocam um selinho. Os dois parecem acostumados a fazer aquilo.
Ao se separarem, o homem diz:
- Seu namorado não desconfiou de nada?
Savana pareceu incomodada com a pergunta:
- Nós já falamos sobre isso, não confunda as coisas.
O homem insiste:
- Eu só quero entender. Você sabe que não deveria estar com ele, por que insiste?
Savana se estressa:
- Não é da sua conta.
O vídeo é cortado, já não está mais de noite, e pela posição do sol, deve ser por volta das cinco horas da tarde do dia seguinte. Savana e o homem estão com manchas de sangue na roupa, ele brinca:
- Você é selvagem, garota. Quando a arma falhou, você pulou em cima dele e acertou a facada bem no coração. Me lembre de nunca irritar você.
Savana parecia feliz:
- Era ele ou eu. Podia ter sido fatal se eu tivesse errado."
Eu assistia aquilo horrorizado. Savana parecia uma assassina fria, se vangloriando da forma que ceifou uma vida. Pelo corte de cabelo, aquele vídeo foi gravado bem no começo do nosso namoro. Após tomar um gole da água que tinha trazido, respirar e me concentrar, dei play no segundo vídeo:
"Savana, vestida de forma muito elegante, entra em um famoso hotel de luxo em Manhattan. As filmagens são feitas pelas câmeras de segurança do próprio hotel. É possível ver que ela está falando, mas não tem áudio. Acredito que ela deveria estar usando algum ponto eletrônico ou aparelho próprio para comunicação. Ela passa pelo saguão e entra no elevador privativo da cobertura. Outro corte na filmagem, que volta com câmeras posicionadas dentro da imensa cobertura. Savana e um homem, um russo talvez, estão na cama deitados e nus, relaxando após o sexo. Pelo menos é o que parece. Ele diz alguma coisa e ela se levanta, indo até o bar e preparando drinks para os dois.
O homem sai da imagem, entrando em uma porta lateral. Savana aproveita para pegar, na costura de seu casaco, um pequeno frasco com um pó branco, despejando na bebida em seguida, e mexendo bem. Em menos de um minuto o homem está de volta e os dois bebem e conversam, deitados novamente na cama. Ele começa a bocejar e aos poucos se entrega ao sono, com Savana acariciando sua cabeça.
Tendo a certeza de que ele está apagado, savana se levanta rapidamente e começa a fazer uma busca pelo quarto, encontrando atrás de um dos quadros, um cofre com tranca por senha numérica. Ela pega o telefone e faz uma chamada. Sendo orientada, ela destrava o cofre e retira de dentro uma sacola pequena, de tecido preto. Ela confere o conteúdo e sorri satisfeita. As imagens são cortadas outra vez e quando voltam, Savana está mostrando o conteúdo do saquinho preto para alguém. Dezenas de pequenos diamantes, provavelmente milhões de dólares, uma verdadeira fortuna. Ela diz:
- Belo dia de trabalho, não?
E é respondida:
- Você é a melhor. - A mesma voz do velho do vídeo do acampamento anterior."
Os vídeos seguintes são mais do mesmo, Savana em ação. Eu mal tive tempo para me indignar, pois assim que acabei de assistir, meu celular tocou, um número privado. Eu atendi:
- Diz aí, gostou de conhecer melhor a quase mulher da sua vida? Entendeu agora por que eu sempre torci pela loirinha?
Eu fui direto:
- O que você quer de mim?
O "amigo misterioso" riu:
- De você? Nada! Mas eu vou ser correto e lhe dar uma chance: me entregue Savana e você nunca mais vai ouvir falar de mim. Você mesmo viu, ela é uma ladra internacional, uma assassina fria e calculista.
Eu tentei enrolar, pois aquilo parecia desespero:
- Eu não sei onde Savana está. Como eu poderia entregá-la a você.
A chamada ficou muda por alguns segundos, eu só ouvia a respiração do sujeito. Ele voltou:
- Por você, tenho certeza de que ela sairia da toca. Ela é sentimental. Me ajude e eu sumo de vez da sua vida. Vou dar tempo para você pensar com calma. Pense na sua loirinha, no seu filho e no outro que já está a caminho. Entrarei em contato amanhã. Savana é perigosa e você estaria tornando o mundo um lugar melhor. - Ele desligou.
Como gato escaldado tem medo de água fria, e me lembrando da manipulação no vídeo de Clara, das datas forjadas, achei melhor não acreditar de primeira, mas tomei uma decisão: se Savana não tivesse uma forma de desmentir aquilo, ficasse enrolado, ou tentando fugir, eu a colocaria de vez para fora da minha vida com Clara, o mais longe possível da minha família. Se ela falhasse em se explicar, eu a entregaria sem pensar duas vezes, sem nenhum sentimento de culpa ou injustiça. Arrumei minhas coisas, paguei as três horas que fiquei ali no hotel e saí. Era hora de confrontar Savana e colocar as coisas em pratos limpos.
(…)
Clara:
Depois da situação com os vídeos, onde Savana estranhou o porquê de eu pedir para guardá-los, ela me olhava admirada. Talvez ela não estivesse acostumada a confiar, achasse que as coisas não poderiam ser diferentes do que ela estava acostumada. Quando ela contou sua história, eu fiquei um pouco triste, ninguém deveria crescer daquela maneira, sem um pai ou uma mãe para orientar. Minha mãe não era um exemplo, mas eu tive tudo o que precisei em meu pai. Todo o apoio e carinho, fui eu quem o decepcionei ao me entregar as drogas e a forma de vida precária ao qual me rebaixei por um tempo. Mesmo decepcionada com Diana e Glauco, eu tive Alice e Bárbara para me apoiar, junto ao meu pai e fazer meu filho se orgulhar de mim.
Passei aquela tarde tentando dar a ela um pouco de carinho, de conforto, mostrar que a vida poderia ser mais do que ela estava acostumada. Assistimos um filme juntas no sofá, meio que procurando o toque uma da outra. Ela estava pensativa, sempre sorria para mim, deixava sua perna roçar na minha… eu também me fazia disponível, aceitando a proximidade, mostrando que eu também queria o contato. Tínhamos tudo para ser amigas, mesmo amando o mesmo homem. Não precisávamos ser rivais, podíamos ser parceiras. Eu sempre gostei de estar com mulheres, desde a primeira vez com Alice na adolescência. Por nunca ter tido um namorado fixo, até ela e Glauco se acertarem, fomos amantes. Escondidas, claro, mas boas amantes. Continuamos nossa relação por causa dos vídeos e dos ótimos ganhos, mas sempre curtimos estar juntas. Será que Fernando estaria aberto a sugestão? Será que ele teria essa curiosidade? Seria possível para ele perdoar Savana e seguir em frente? As palavras dele ao sonhar, me diziam que sim, que tudo era possível.
Após o filme, senti Savana mais séria, pensando com mais concentração. Imaginei que ela estaria pensando nos nossos problemas em comum:
- Vejo que está queimando os neurônios. Alguma ideia ou vamos usar o plano furado de Fernando?
Ela riu divertida:
- Um meio termo. Precisamos garantir que eles não possam retaliar. Preciso pensar melhor, mas prometo que não vou deixar você de fora. Sem você, jamais conseguiremos pegá-los. Mas até eu ter uma resposta dos meus contatos, precisamos ter calma.
Eu sentia que Savana e eu estávamos na mesma sintonia, então, arrisquei:
- Posso fazer uma pergunta? Se não se sentir confortável, respeitarei o seu silêncio.
Savana me encarou, pensou por alguns segundos, mas cedeu:
- Ok! Pega leve comigo.
Eu me ajeitei melhor no sofá e fui em frente:
- Como era a sua relação com Fernando lá fora? Aquele dia no bar, quando você mostrou suas garras, eu me assustei, mas logo depois você abriu mão dele. Eu sei que você sente falta, por que foi embora?
Savana pareceu incomodada, até um pouco invadida, mas não correu:
- Eu acho que me desesperei. Quando pensei que estar comigo poderia colocar um alvo nas costas dele e na família, eu simplesmente fui, nem pensei.
Mas ela me colocou em uma sinuca de bico também:
- Eu sei que você ia cuidar dele. Só de olhar eu já tive a certeza de que Miguel era dele. Naquele dia no bar, estava estampado em seu rosto o quanto você o queria.
Eu abaixei a cabeça, envergonhada. Savana, com os dedos em meu queixo, levantou minha cabeça:
- Relaxa! Eu notei também que você se segurou, não agiu como uma mau caráter. Por isso eu a respeito.
Eu pedi:
- Promete que seremos honestas uma com a outra? Se você o quiser de volta, me avise, me dê a chance de lutar. Eu sei que ele me ama, mas também sei que ainda ama você.
Savana me encarava com o rosto a centímetros do meu. Senti uma onda de choque percorrendo o meu corpo, uma vontade louca de beijar sua boca, seu olhar me seduzia… O efeito parecia ser o mesmo nela. Nos encarávamos sem falar nada… eu apenas fui de encontro a ela e ela fez o mesmo. Um selinho carinhoso, e mais um, e mais um, nossas bocas se abrindo, nossos lábios se tocando, minha língua procurando a dela, ela a minha… assustada, me afastei, assim como ela também o fez, as duas sabendo que mesmo querendo, não era justo com Fernando, ele não merecia ser traído. Era inegável o desejo entre nós, mas não podíamos nos render e escolher o caminho errado.
Preocupada, ela tentou se levantar do sofá, achando que tinha feito alguma coisa de errado. Eu a puxei pelo braço e confessei:
- Fernando não merece, não podemos. Não dessa forma. - Savana apenas me encarava, sem saber o que dizer. - Eu sonhei com você essa noite, foi intenso.
Savana estava com olhos marejados:
- Ele não merece ser traído assim, dentro da própria casa. Eu jamais faria isso com ele. Obrigada por pensar assim e me mostrar que eu escolhi certo ao entregá-lo a você.
Eu a acalmei:
- Eu não acredito em coincidências… talvez você não o tenha entregado a mim, mas sim, me deixou cuidando dele, dando a família que ele merecia e voltando depois para se juntar a nós.
Savana tentou entender:
- Fernando não é como nós. Ele é certinho, amoroso, provedor, até um pouco careta.
Eu a surpreendi:
- Ele sonhou com você também essa noite, eu ouvi. Acho que esse desejo já está dentro dele também.
Savana não acreditava, me olhando com um sorriso nos lábios. Eu pedi:
- Eu vou ser honesta com ele, contar o que aconteceu aqui e dizer o que eu estou sentindo, o que nós estamos sentindo, mas isso se eu não estiver enganada e você pensar diferente.
Savana foi honesta:
- Não! Eu penso o mesmo. Eu jamais deixei de amá-lo e você desperta coisas em mim que eu não sei explicar. Parece certo, natural, eu apenas quero estar ao seu lado, me sinto bem…
Eu a abracei, mas sem tentar beijá-la ou aumentar aquela tensão sexual crescente entre nós duas. Me lembrei da hora:
- Preciso buscar o Miguel. Vem comigo?
Savana tinha outros planos:
- Para protegê-los, minha estadia aqui tem que passar despercebida. Tem dois homens vigiando o prédio desde que vocês se mudaram. Colocarei você em perigo estando ao seu lado.
(…)
Savana:
Clara foi buscar o Miguel e eu já tinha na cabeça o que precisava fazer para o nosso plano dar certo. O que mais me afligia naquele momento, era que se aproximava o horário do Fernando chegar em casa. Por sorte, Clara voltou antes e colocou o Miguel no banho. Eu passei um café e arrumei a mesa. Sentamos os três e logo ouvimos a porta sendo aberta. O olhar do Fernando cruzou com o meu, mas ele logo desviou e foi dar um beijo em Clara. Brincou com o filho e se sentou junto de nós, tomando o seu café sem dizer nada. Ele parecia diferente, distante.
Assim que terminou o seu lanche, Miguel me pediu para jogar com ele. Aproveitei a oportunidade, pois não estava entendendo o comportamento do Fernando. Assim que deixei a mesa, percebi que ele pediu que Clara o acompanhasse. O que poderia ter acontecido para ele estar com o semblante tão fechado?
(…)
Fernando:
Com o trânsito pesado, o Uber demorou quase uma hora para me deixar na frente do prédio. Subi pensando em como reagiria ao encontrar Savana. Com Miguel em casa, decidi conversar com Clara primeiro e ver se ela concordava com o que eu queria fazer. Se ela achava correto dar a Savana a chance de se explicar e provar que deveríamos confiar nela.
Abri a porta e Savana estava sentada de frente para mim, entrei e dei um beijo em Clara, mexi com Miguel e me sentei para tomar café com todos eles. Preferi ficar calado e Miguel me deu a oportunidade que eu precisava, ao pedir para Savana jogar com ele. Fiz sinal para Clara e fomos para o quarto.
Contei a ela detalhadamente como fora o meu dia, sem omitir nenhum detalhe. Clara estava estranha, parecendo culpada de alguma coisa. O que quer fosse, podia esperar, talvez até tivesse alguma coisa a ver com Savana e ela acabaria me contando. Peguei o meu notebook e mostrei os vídeos para ela, que assistiu com atenção, sem fazer nenhum comentário. Aproveitei para tomar um banho.
Ao voltar ao quarto, Clara já tinha fechado o notebook e estava pensativa, sentada em nossa cama. Enquanto eu me vestir, ela disse:
- Tem algo errado. Parece que falta contexto.
Eu olhei para ela, a encorajando a continuar. Ela disse:
- Esses cortes constantes, sempre pulando o principal. Pensa comigo: por que não aparece quem ela supostamente assassinou? E esse cara no hotel, por que ela estava lá, o que aconteceu depois? Parece que tudo foi editado para manipular quem assiste. Já passamos por isso, lembra?
Clara estava certa:
- Eu pensei a mesma, por isso quero dar a ela a chance de se explicar, nos mostrar a verdade.
Clara continuava pensativa e pediu que eu sentasse ao seu lado na cama. Sem rodeios, ela foi direta:
- Preciso fazer uma confissão, mas quero que você me ouça com atenção, deixe eu terminar de falar tudo. Eu preciso ser honesta e você pode não gostar do que eu tenho a dizer.
Clara me contou com detalhes e sempre se justificando, tudo o que aconteceu entre ela e Savana durante a tarde. Para ser honesto, eu não fiquei nem um pouco surpreso. Depois de ver os vídeos de Clara, eu sabia que ela gostava de se relacionar com mulheres, mas também sabia que ela me amava e me respeitava como seu companheiro. Um beijo em Savana, interrompido por respeito a mim, não era o fim do mundo. Aconteceu comigo também, Savana e eu nos beijamos e Clara foi compreensiva.
O que veio a seguir, a pergunta tão direta de Clara, foi o que me fez sair da minha zona de conforto. Da forma mais natural possível, ela perguntou:
- Eu sei que você sonhou com Savana também. Eu gostaria muito de saber como foi o seu sonho. Você me conta?
Eu ainda tentei fugir:
Como assim, Clara? De onde você tirou isso?
Acariciando o meu rosto e sorrindo para mim, ela me desarmou:
- Eu ouvi. Você estava em um sono agitado e eu tentei fazer você virar para lado, relaxar o corpo. Você me abraçou e disse: Não podemos, Savana! só se a Clara deixar.
Eu não sabia o que dizer. Estava constrangido, me sentindo um traidor. Clara percebeu:
- Calma, amor! Você sabe da minha vida, eu me abri completamente para você. Savana mexe comigo também e não precisamos transformar isso em crise. Só seja honesto, eu quero tanto quanto você. Não precisamos mentir para o outro, podemos ser parceiros, cúmplices… eu sei que você não a esqueceu.
Eu tentei interrompê-la, mas ela não deixou:
- Não entenda da forma errada. Eu não estou dizendo que tenho medo de ser abandonada ou coisa do tipo, sei que você me ama também e jamais me fará sofrer. Eu confio em você. Só abra a sua cabeça para a possibilidade, pense com carinho. Se você deixar, eu posso nos guiar por esse processo e tenho a certeza de que sairemos mais unidos do outro lado. Todos nós.
Continua.