Crônicas dos Anos 70: Sem Futuro, Parte 2 - Bela Lugosi Está Morto

Um conto erótico de Lemonhead
Categoria: Heterossexual
Contém 4946 palavras
Data: 04/11/2022 14:07:08
Última revisão: 21/07/2023 10:11:43

Quando acordei, o relógio estava muito próximo das quatro da tarde. Estava confortável em minha cama. Meus cortes e minhas escoriações tinham sido limpas e tratadas. Tenho ou não a melhor irmã do mundo? Mancando, desci a escada. Meu pai estava na poltrona, como sempre, e olhou pra mim.

Endireitei-me e dei-lhe boa dia. Achei que fosse ouvir um sermão sobre o quão inútil eu era, como eu lhe dava desgosto e como eu desrespeitava a memória do meu irmão mais velho. Ah, e que eu devia ter dado boa tarde em vez de bom dia. Mas ele apenas balançou a cabeça e desviou o olhar. Lisa estava no sofá da sala de estar, conversando com minha mãe. Quando me viu, ela se levantou e veio em minha direção. Quando eu ia falar algo, ela fez sinal pra que eu ficasse quieto e me puxou para o quintal dos fundos.

“Como você está, Mikey?”

”Dói quando respiro. E não me chame de Mikey.”

“Posso saber o que te aconteceu ontem?”

Eu fiquei calado.

“Vamos, Mike... Pode se abrir comigo. Sempre vou estar do seu lado.”

“Ok.”

Andei até a cerca e acendi um cigarro. Se nossos pais aparecessem, era só jogá-lo no quintal do vizinho. O velho Jenkins não se importava.

“Jerry Hollander, Jeremy Sykes, Kirk Walton... Ah, e claro, Daniel Davis. Isso o que aconteceu comigo.”

Os olhos de Lisa ficaram do tamanho de pires e sua boca fez um ‘O’ silencioso.

Contei sobre minha pequena briga de um homem só com Marcus Barnes, e sobre o encontro no beco. Contei o que tinha feito com Daniel e sua língua.

Por algum motivo, omiti Annette completamente da história.

“Basicamente, foi isso.”, eu disse.

Lisa me deu um tapa na cabeça.

“Ai! Isso doeu!”

“O que você tem na cabeça? Se meter com os baldies? Quer acabar no hospital? Ou, pior ainda, no cemitério?”

“Cadê aquele papo de ‘estou do seu lado’?”

“Michael, isso é sério! Já vi esses gorilas carecas fazerem coisas horríveis! Não lembra do Combs? Ou do Jimmy Seven?”

Claro que eu lembrava. Jimmy Seven tinha esse apelido porque, após se engraçar com a namorada de um dos baldies, fora obrigado por eles a segurar uma bombinha na mão, o que o fez perder três dedos da mão esquerda, ficando, dessa forma, com sete dedos nas mãos.

Eu baixei a cabeça. O que mais podia fazer? Ela tinha razão. Eu sou um imbecil. Lisa já perdera um irmão, e eu parecia estar fazendo tudo ao meu alcance para ela perder o outro.

“Michael”, ela disse, e levantou minha cabeça, “você sabe que me preocupo com você. E te ver metido com esse tipo de gente, chegando em casa ferido, sangrando...”

“Eu sei Liz, eu sei. Eu prometo que vou tomar mais cuidado, ok? De verdade.”

E, pela primeira vez na vida, eu estava disposto a cumprir uma promessa. Lisa não merecia virar filha única.

Nos abraçamos, tudo muito bonito, um verdadeiro momento Kodak. Mas eu costumo estragar momentos assim.

“Espero que o Vic tenha colocado uma roupa antes de ter me carregado pra cama.”

Não disse?

Ela desviou o olhar, mordendo o lábio.

“Puta merda!”

Realmente, puta merda!

Fiquei de molho por dois dias.

Sexta-feira. Oito da noite. Lenny ligou, querendo saber para onde iríamos.

“Pode ser qualquer lugar. Só quero encher a cara e causar arruaça! Pode ser até o zoológico. Quer ir ao zoológico? Rir dos chimpanzés? Cara, eu me sinto uma bomba hoje!

O telefone fez ‘click’ e ficou mudo. Virei-me e vi Lisa com o dado no gancho.

“Que merda está fazendo Liz?”

“Pergunto o mesmo.”

“Estava falando com o Lenny...”

“Você não vai sair hoje.”

“Hã? Como é que é?”

”Você ainda nem se recuperou direito! Isso sem falar nas chances de arrumar mais confusão.”

“Mas...”

“Sem ‘mas’, Michael. Hoje essa sua bunda punk vai repousar.

“Ah, é? E se eu sair?”, perguntei, desafiador.

“Eu conto pro pai o que aconteceu noite passada.”, retrucoul, de nariz empinado.

“Você não se atreveria…”

Ela sorriu, e eu vi que sim, ela faria.

Eu me levantei, andei de um lado para o outro, como um leão engaiolado.

Na verdade eu parecia mais uma gazela em pânico. Lisa era a leoa.

Ela se levantou e dirigiu-se pra porta, ainda com aquele sorriso convencido no rosto.

“E se...”, eu comecei a dizer. Lisa parou. “E se eu contar pro papai sobre você e Vic?”, completei. Bati as mãos em triunfo. “Fornicação sem permissão, e bem no sofá onde ele gosta de assistir aos jogos do West Ham. Que beleza.”

“Bem, aí seria sua palavra contra a minha. Nossa, em quem será que o pai vai acreditar? Em mim” ela falou, e fez cara de boazinha - ou em... você.”, ela completou, apertando o nariz com o

indicador e o polegar da mão direita.

Ela tinha levantado um senhor ponto. Era a queridinha do papai e sabia disso.

Maldita.

Fiz um sinal para que ela se fosse e me deixasse a sós com minha dor, e ela saiu e fechou a porta, triunfante.

Meia-hora (ou quase toda a discografia do Ramones) depois, Lisa voltou.

Ela abriu a porta e botou a cabeça pra dentro bem quando Something's Gone Wrong Again, dos Buzzcocks, começava.

“Veio deliciar-se com minha dor mais um pouco, sua abutre?”

“Ih, mas que mau perdedor. Na verdade, Mike, vim lhe fazer uma proposta, mas depois dessa...”

“Não, por favor, fale! Desculpe!” eu disse, pulando da cama.

Ela cruzou os braços e fez uma cara de dúvida.

“Por favor, maninha!”, eu disse, fazendo cara de coitadinho.

“Ok, ok. Certo, palhaço. Eis a proposta: você pode sair hoje...”

Eu já estava pronto pra comemorar, mas, conhecendo Lisa, sabia que haveria um "mas".

“... mas...”

Cara, eu ***detesto*** estar sempre certo.

“Vai ter que sair comigo e meus amigos.”

“O QUÊ?”

Uma rápida pausa para explicar-lhe o motivo de minha reação. Por ser gótica, minha irmã andava com um bando de outros góticos. Você sabe, aquelas pessoas que só se vestem de preto e abusam da maquiagem até ficarem pálidos como cadáveres. Pessoalzinho estranho.

“Por que isso?”

“Porque assim vou poder ficar de olho em você. E cuidar do meu irmãozinho.”

“Ah, para com isso!”

“É pegar ou largar, Mikey.”

Conferenciei comigo mesmo por alguns momentos. Se eu ficasse em casa, provavelmente teria que conversar com meus pais. Se saísse com Liz e seus amigos, certamente seria gozado pelo resto da vida.

“E então?”

Ah, que se dane. Eu já tinha andado com o pessoal da avenida Fordham. Eles tomam banho 2 vezes por mês e só escovam os dentes para o natal. Um bando de esquisitos usando maquiagem seria fichinha.

“Ok, eu vou.”

”Ótimo! Esteja pronto em vinte minutos.”

“Já estou pronto.”, disse. A maioria das pessoas acharia essa afirmação, no mínimo, estranha. Afinal estava trajando calças de pijama, uma jaqueta de imitação de couro que parecia ter passado duas vezes por um moedor de carne e um par de luvas sem dedos. Estilo, ou você tem, ou não tem.

“De qualquer forma, eu estarei pronta em vinte minutos. Ah, e Mike?”

“Sim?”

“Eu esqueci de te falar antes... Depois que o Vic te trouxe pra cama e me ajudou a cuidar de você, papai e mamãe acordaram, e bem, ele não pôde sair...”

“E então?”

“Então ele se escondeu debaixo da sua cama.”

“Maravilha! Eu passo um álcool lá antes de sair.”

“Não, não...”, ela disse, sorrindo “Ele ainda está aí. Depois você vai ter que me ajudar a tirá-lo de casa sem nossos pais verem.”

“Está me dizendo que eu me masturbei enquanto tinha um norueguês pelado de 2 metros embaixo da minha cama?

Lisa fez cara de nojo.

“Quero dizer, **se** eu tivesse me masturbado.”

Eu definitivamente não consigo pensar sob pressão.

“Ele é dinamarquês. Bem, Mike... 20 minutos.”, ela disse, antes de sair e fechar a porta.

“Ei Mich-ael, quem é Annette?”, perguntou a voz vinda debaixo da cama.

“Cale a boca, Vic.”

Você, como eu, sabe que o tempo flui de uma forma diferente para as mulheres. Os vinte minutos de Lisa estenderam-se por uma hora e meia.

Mais uns vinte minutos para bolarmos um plano para tirar o Vic dali. E então estávamos prontos.

“Eu desço e digo pro pai que tem um tarado debaixo da minha cama. Ele sobe e arrebenta o Vic com o taco de beisebol. E, pronto, Vic sai de casa numa maca.”

“Muito engraçado! Você desce e distrai mamãe e papai, enquanto eu ajudo o Vic a sair pela janela.”

“Ahh, não pode ser o contrário? Por que eu que tenho que conversar com eles? Sabe que eu detesto isso! Vá você conversar com eles!”

“Devo te lembrar que Vic está pelado?”

“Ei pai, ei mãe, tudo bem?”

Masculinidade frágil idiota.

“O que quer, garoto? Estou sem dinheiro.”, meu pai retrucou.

“O quê? Não, não... Eu só queria... Sabe como é, conversar. Gosto de conversar.”

Eles se entreolharam.

“Você está bem, Mike?”, mamãe disse, pousando a mão sobre minha testa.

“Estou, mas ach—” Vi um grande vulto passando pela janela. ”Na verdade, estou com pouco de dor no estômago, tem algum antiácido?”

“Vou pegar pra você, querido.”

Vic tropeçou em algo e caiu no chão, produzindo um pesado 'TUM'.

“Que porra foi isso?”, perguntou meu pai, quase pulando da poltrona com o susto.

“Foi o Tommy Hoffner, eu o vi passando pela janela. Na certa procurando pela bola dele. Malditas crianças. Bem, eu vou indo nessa, tchau pai, tchau mãe.”

No caminho, passei por minha mãe, o copo com antiácido efervescendo em sua mão. Tenho certeza de que ela e meu pai trocaram ‘o’ olhar. Você sabe, aquele olhar onde um acusa o outro silenciosamente de ser o responsável pela forma como o filho se comporta.

Como é, você nunca viu esse olhar? FDP sortudo.

Fiquei do lado de fora esperando por Lisa.

Ela saiu, usando um vestido longo preto e com a pele praticamente brilhando no escuro de tão branca. Vic logo juntou-se a nós.

“Demoraram um bocado, hein?”

“Ah, desculpa, Mike… É que, como o Vic já estava pelado, resolvemos aproveitar pra uma rapidinha.”

“Ah, merda no meu quarto? Na minha cama?!”

“Calma, Mikey… Não maculamos a santidade do seu recanto. Caiu um pouco de porra no seu travesseiro, mas foi só isso.”

“Oh, maravilhoso!”

Eles riram. “Brincadeirinha, Mike.”

Por via das dúvidas, joguei o travesseiro fora assim que voltei pra casa.

“E então, o que faremos? Assustar as criancinhas?”, perguntei.

Lisa me olhou de cara feia, e fui eu que quase fiquei assustado.

“Não, sério Liz. O que vocês esquisitos fazem pra se divertir?”

“Sacrificamos punks idiotas. “, ela disse, e mostrou-me os dentes.

“Ha-ha.”

Lisa soltou a mão de Vic, veio até mim e passou um dos braços por trás de mim.

”Nós vamos encontrar uns amigos e encher a cara, apenas isso.”

“E você vai me deixar beber? Ou, além de tudo, ainda vou ter que ficar sóbrio olhando você e seus amigos estranhos?”

“Bem, isso vai depender de como você vai se comportar.”

Fomos até o clube Masquerade. Ficava um bocado longe, mas os amigos de Lisa tinham carro. Lembrava um rabecão, o que não deixava se ser apropriado.

Era um local bacana, não vou negar. Mas, eu era a pessoa mais normal ali dentro. Para começar, eu era a única pessoa no recinto que não estava usando maquiagem.

E isso me assustava.

Eu fiquei sentado no bar. Devo ter sido "bonzinho", já que Lisa me deixara tomar algumas cervejas. Eu queria levar, dançar, fazer e acontecer. Mas cara, aquele tipo de música que tocavam lá era absolutamente broxante.

“Curtindo muito, Mikey?”, Lisa quis saber. Sentou-se ao meu lado.

“Exaspero-me de tanta diversão. E não me chame de Mikey.”, retruquei, e terminei minha cerveja.

“Por que não vai pra pista um pouco?”

“Nah. Talvez mais tarde.”

“Certo, Mike.”

Então ela pediu mais uma cerveja pra mim, uma tequila para si.

“Liz.”, chamei. Ela parou.

“Sim?”

“Hã… Uma amiga minha mora aqui perto. Eu tava pensando se não dava pra eu dar uma escapadinha até lá.”

“Por quê?

“Bem… Você sabe… Não só de bronha vive o homem.”

“Eca. Mas não precisa ir até sua ‘amiga’ pra isso. Aqui está cheio de garotas.”

“Sim, e todas elas riem de mim.”

Lisa soltou uma bufada. “Ah, Mike. Deixa disso. Viu alguma que te interessou?”

“Várias. São as que riem mais alto.”

Lisa balançou a cabeça. “Está bem, Mike. Vou deixar você ir. Mas é pra ir direto pra lá, botar o pintinho pra trabalhar e depois voltar pra cá. Entendido?”

“Sim, senhora.”, disse, batendo continência.

“Agora, vá logo, antes que eu me arrependa.”

Eu bebi minha cerveja.

“Ah, e Mike?”

“Sim?”

“Se você me sacanear… Eu corto suas bolas fora.”, ela disse, fazendo um movimento simulando o abrir e fechar de uma tesoura com o indicador e o dedo médio.

Gozando de liberdade, ainda que condicional, fui até a cabine telefônica mais próxima. Depois de me certificar de que o Super-Homem não estava lá dentro se trocando, entrei e disquei o número da minha amiga Fran. Tocou, tocou, tocou e nada de atenderem. Tentei mais duas vezes antes de me dar por satisfeito. Ela não estava em casa (ou estava ocupada). E agora? Voltaria para aquele covil de esquisitões? Ou daria um perdido, pagando pra ver a ameaça que Lisa fizera contra minha integridade escrotal?

Pense, cretino, pense!

“Bloody Mary!”, exclamei, em triunfo.

‘Bloody’ Mary Thorpe. Se não estivesse muito enganado, ela morava ali por perto também. E era do tipo que, digamos, dá fácil. Seu apelido (que ela odiava) vinha do fato dela ser ridiculamente propensa a ter sangramentos nasais.

Mas, não tinha o número dela. Liguei pro Lenny, que ligou pro Gerry, que ligou pro Fred que tinha um amigo que tinha comido a Bloody Mary na semana passada. O amigo, que estava falando de uma forma estranha, quase codificada, talvez por estar próximo da esposa ou namorada, passou o número da Bloody Mary pro Fred. Que passou pro Gerry, que—Ah, você já entendeu.

Disquei o número e atenderam no primeiro toque.

“Alô?”, disse uma voz feminina.

“Alô, Blo—”, consegui me deter a tempo. “Mary?”

“Sim.”

“Eu sou amigo do… William.”, menti. Ela certamente conhecia algum William.

“Você quer me comer.”, ela retrucou, direta.

“Bom… Sim.”

“Então, venha.”, disse, e desligou.

Botei o telefone no gancho.

“Hum. Isso foi fácil.”

A caminhada até a casa de ‘Bloody’ Mary levou uns bons trinta minutos.

Eu só sabia que ela morava no segundo andar, mas não sabia o número do apartamento.

Havia apenas dois, lado a lado no esquálido corredor, ambos com a pintura da porta, de uma tonalidade salmão pra lá de duvidosa, descascando.

Antes que eu pudesse escolher em qual bater, a porta de um deles se abriu.

Era Mary.

“Oi, eu—”

Ela me agarrou e me puxou pra dentro.

Vendo minha confusão, tratou de se explicar: “Aí do lado mora um transformista que gosta de se vestir de Margaret Thatcher e esfaquear as pessoas, especialmente se forem *tories*”.

“Jesus. E por que não está na cadeia?”

“Ah, quase todo mundo que ela esfaqueia são clientes. Imagino que eles não devem se sentir à vontade de contar onde estavam e o que estavam fazendo quando foram esfaqueados.”

“Que coisa zoada.”

Ela riu.

“Qual é seu nome?”

“Mike.”

“Oi, Mike. Você é bem bonitinho, sabia?”

Ela se inclinou para me beijar.

Era como beijar um cinzeiro. E eu falo por experiência. Uma vez, numa aposta, eu lambi um cinzeiro. Fiquei sem sentir o gosto de coisa alguma por quase uma semana. Mas, ei, ganhei 15 libras.

Sem cerimônias, Mary colocou a mão em meu pau, por sobre a calça. Acariciou, mexeu, apertou.

“Está gostoso?”

“Muito.”, respondi. E era verdade. Ela sabia como mexer num pinto.

Ela me beijou novamente e ajoelhou-se na minha frente.

“Bota ele pra fora, vai.”

Obedeci, claro. Ainda bem que eu tinha lavado o pau na pia do banheiro do Masquerade antes de vir.

Mary começou um senhor boquete.

O boquete estava muito bom, mas eu tinha ido ali pra fazer outra coisa.

“Vamos transar.”, eu disse.

Mary deitou-se na cama e me chamou.

Fiquei como vim ao mundo e pulei na cama com ela.

Comecei por cima, metendo com força. De perto, seus olhos esverdeados eram ainda mais bonitos.

“Deita, gato, deixa eu cavalgar em você.”, ela pediu

Veio por cima, se encaixou e começou a quicar.

Eu fechei os olhos e comecei a imaginar Annette ali. Estiquei os braços até seus seios e dei uma boa apalpada neles.

“Você sabe algo em francês?”, perguntei.

“Tipo, o idioma?”

“Sim.”

“Não. Quero dizer, sei o básico. Merci. Au revoir. Oui. Hã... De Gaulle."

“Esse último é um nome!”

“Um nome francês!”

”Apenas… Não fale nada, ok?”

Ela deu de ombros e continuou cavalgando, e eu, imaginando.

Imaginei eu e Annette envoltos em um apaixonado beijo numa praia, como naquela cena de A Um Passo da Eternidade.

E então senti algo molhado no meu peito. Não podia ser a água do mar, claro. ‘Deve ser suor.’, pensei. Mas aí veio outra gota. E outra. Eu abri os olhos.

Uns quatro dedos acima do meu umbigo, uma pequena lagoa vermelha.

“Puta merda!”

“O que foi, querido?”

Apontei pro nariz dela. Como diabos ela não tinha percebido? Talvez fosse tão comum que ela nem sentisse mais.

“Oh.”, ela disse, de forma blasé. “Me dá um lenço. Na mesinha ao lado da cama, na gaveta.”

Peguei um lenço e passei pra ela. Ela dobrou-o e botou embaixo do nariz, segurando com a mão esquerda.

“'Bosso' continuar? Estou bem 'berto' de gozar.”, ela pediu. Ela estava apertando o nariz para tentar estancar o sangramento. Isso deixava suas voz anasalada e prejudicava a pronúncia de certos sons.

“Hã… Claro.”, respondi, sem muita firmeza.

Ela voltou a quicar em mim, mas minha cabeça já estava fora da transa. Não conseguia desviar o olhar do lenço sob o nariz dela, que ia ficando mais e mais vermelho e encharcado.

“Qual o problema?”, ela perguntou?

‘Além da catarata de sangue saindo do seu nariz, você diz?’, pensei.

Mas não falei isso. “Hã... Por que pergunta?”

“Seu 'binto'. Está amolecendo.”

“Oh. Foi mal. É que tomei umas cervejas antes de vir pra cá. Sabe como é.”, menti.

Fechei novamente os olhos e tentei imaginar algo que pudesse fazer minha ereção recrudescer.

Até consegui, por algum tempo. Os gemidos de Mary ajudaram. Mas aí abri os olhos. O lenço estava agora completamente vermelho, como se nunca houvesse sido de outra cor. Um pouco do sangue escapou do lenço encharcado e, sob meu olhar horrorizado, foi escorrendo pela sua mão e braço até chegar ao cotovelo, formando uma gota grossa.

Mary devia mesmo estar perto do orgasmo, pois aumentou o ritmo da cavalgada. Isso fazia a gota de sangue pendendo de seu cotovelo tremular, fato que eu acompanhava com muita atenção. Até que a trepidação mostrou-se demasiada, e ela alçou voo, indo pousar na minha bocheca.

Aquilo foi demais. Soltei um grito agudo e ridículo e a empurrei de cima de mim.

“O que foi?”, ela perguntou.

“O que foi? O que foi!? Você sangrando em cima de mim!”

“Ah, deixa de frescura, foram só umas gotinhas.”, minimizou.

“Uma gota já é demais, Bloody Mary!”

Ih, rapaz.

Ela fechou a cara.

“O que você disse?”, seu corpo tenso, como um tigre armando o bote.

“Hã… Nada.”

“'Nada' o caralho! Do que você me chamou, seu 'bunkzinho' de 'bau' mole?”

Aí foi minha vez de fechar a cara.

“Bloody Mary. Bloody ‘fuckin’ Mary.”, rosnei cheio de despeito, por entre dentes cerrados.

A carranca dela ficou assustadora. Ela ergueu o dedo em riste (e sujo de sangue) na minha direção.

“Fora! Cai fora daqui antes que eu corte suas 'polas' fora, seu inútil!”

Rapaz, e essa coisa de todo mundo ameaçar cortar meu saco fora? Eu tenho dedos, sabem.

“Com prazer!", retruquei.

Agarrei minhas roupas e saí batendo a porta.

Parado no corredor mal iluminado, apenas de cueca, segurando minhas roupas, não sabia se ria ou se sentava no chão e chorava. Antes que pudesse decidir, ouvi alguém se aproximando.

“Você é 'tory'*?”, a pessoa disse, me dando um puta de um susto.

(*membro ou eleitor do Partido Conservador inglês)

Era o transformista, vestido de Margaret Thatcher. A lâmina brilhava em sua mão.

Deus do céu, não consigo um minuto de sossego.

Ela encostou a faca em minha barriga, como que instando minha resposta.

“Quantos tories você conhece que usam a porra de um moicano?!”, gritei.

Ele considerou minha resposta. Encolheu a faca e voltou pro seu apartamento, não sem antes me dar um beijo na testa.

"Se cuide. Maggie ama você.", disse, enquanto fechava a porta.

Enjoado, traumatizado e derrotado, retornei ao Masquerade

“Aqui está sua cerveja.”, disse o barman.

“Me traz um uísque, pode ser?”, pedi. Pra aguentar aquela noite, precisaria de algo mais forte.

“Sua irmã me pediu para não aceitar pedidos seus.”

Piranha maldita.

“Te dou cinquinho.”

“Alguma marca em especial?”

Ah, o capitalismo.

Vi Lisa se aproximando. Tomei o uísque numa rápida golada e empurrei o copo pra longe.

“Já voltou, Mike?”, ela perguntou. Vic estava ao seu lado.

“Sim.”

“Como foi?”

“Uma merda. Tive que sair fugido de lá e quase fui esfaqueado pela Maggie Thatcher.”

Lisa e Vic se entreolharam.

“Você… Você fumou alguma coisa?”, ela perguntou.

“Infelizmente, não.”

“Então—”, Liza ia dizendo, mas reparou no sangue na minha camisa.

Fechou a cara.

“O que é isso, Mike? Arrumou confusão outra vez?!”

“O quê?”, perguntei. Aí entendi o que estava acontecendo. “Não, não.”

“E que sangue é esse aí? Se cortou barbeando?”, perguntou, sarcástica.

“É da garota!”

“Que porra, Mike? Virou Jack o Estripador, agora?”

“É da Mary! Da arrombada da Bloody Mary!”

Acho que falei aquilo mais alto do que precisava, porque virei o centro das atenções de todos nas proximidades.

Lisa, que conhecia a reputação de Mary, riu e me fez um cafuné, antes de voltar pra pista de dança.

Três doses de uísque mandadas pra dentro em menos de dez minutos, e então eu estava no ponto. Era hora de mostrar a esses esquisitos como se zoava.

Fui pra pista e comecei a dançar, mas não àquele som maçante e catatônico que eles ali chamavam de música. Em minha cabeça, os Dead Boys tocavam três acordes furiosos.

Por algum motivo, todos se afastaram de mim. Bem, azar o deles. Minha desvairada dança continuou, fechei os olhos e comecei a balançar a cabeça o mais rápido que podia. Talvez tenha balançado muito rápido, ou demais, pois quando voltei a abrir os olhos, estava deitado no chão. Uma garota me ajudou a levantar.

“Você está bem?”, ela perguntou.

”Sim, sim. Fazia parte da dança.”

Ela riu. Era bem bonita. Eu não a tinha visto antes. Usava uma jaqueta, um camisa da Siouxsie and the Banshees, shortinho jeans, meia arrastão e botinas.

“Eu sou Mike.”

“Prazer, sou Cristal.”

Então as coisas aconteceram um pouco rápido. Eu e Cristal estávamos nos agarrando num canto. Eu já tinha ouvido bastante sobre garotas góticas. E era tudo verdade! Ela me beijava, apertava minha bunda, enfiava a mão por dentro da minha calça...

“Mike, preciso ir ao banheiro. Não fuja, hein!”, ela disse, e riu.

“Pode deixar gata.”

Aproveitei para voltar pra pista.

“Que sorriso é esse, Mike? Tem algo a ver com a garota que você estava amassando ali no canto?”

“Possível.”

“Quem é ela?”

“Disse que se chama Cristal.”

Eu tenho que admitir, já estava começando a ficar irritado com o azar todo que eu estava tendo. Mas parece que finalmente a vagabunda da minha sorte ensaiava um tímido retorno.

“Mike... Cristal é uma travesti.”

Ok, calado! Nem sequer pense!

“Minha bunda que é.”

“Não estou brincando, Mike. Cristal é uma travesti.”

“Não pode ser!”

“Sua irmã não brinca, Mike. Ela é homem. E dos grandes, se é que me entende.”

É muita... Peraí, o quê?

“Ouvi dizer.”, defendeu-se Vic.

Eu e Lisa continuamos olhando pra ele.

“Preciso pegar cerveja.”

“Sua caneca ainda está cheia.”, apontei.

Vic bebeu a caneca numa única golada, de uma forma que faria até o mais contumaz dos alcoólatras ficar ruborizado.

“Viu?”, ele disse, apontando pra caneca vazia, “Precisa cerveja.”, completou, e foi até o bar. Lisa balançou a cabeça negativamente.

“Enfim... Mike, sinto lhe dizer, mas Cristal é uma travesti.”

Eu ainda não acreditava naquilo. Vi Cristal saindo do banheiro e fui até ela. Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, a encostei na parede e enfiei a mão em sua calça.

“Nossa Mike, que vontade toda é essa?”

Conforme meus dedos deslizavam cada vez mais pro sul do ventre de Cristal, ainda achava - rezava, na verdade - que tudo fosse uma brincadeira de Lisa. Que, a qualquer momento minha mão chegaria numa vagina quente e molhada.

Então minha mão encostou naquela coisa roliça, grande e cabeluda. E aquilo pulsou na minha mão. Nietzsche estava errado. Deus está vivo, bem e me odiando com toda a Sua força.

De volta ao bar, eu tentava me recompor. Ou seja: mais álcool.

Então eu beijei um homem. Grande coisa. Foi por engano, afinal de contas. Já deve ter acontecido com vários homens. Isso não fazia de mim gay.

Certo?

Certo??

“Mike...”, ouvi Lisa dizer, descarrilhando completamente meu trem de pensamento.

“Nem. Pense. Em. Me. Gozar.”

“Relaxe, garanhão, estou aqui para confortar você.”

“Oh.”

“Aliás, onde você estava na última hora? Não te vi em lugar algum.”

“Estava esfregando minha mão com álcool.”

“Hm. Eu realmente não quero saber o motivo.”

“Garota esperta.”

“Bem Mike, você quer ir embora?”

“Nah. Estou bem. Só preciso pensar um pouco. E beber bastante.”

“Oi, Mike.”

Levantei a cabeça do balcão para ver quem era.

Era Cristal.

“Posso?”, perguntou, apontando para o banco ao lado do meu.

Gesticulei que sim.

Ela sentou e chamou o barman.

“Quer algo?”

“Uma morte rápida.”, respondi.

Ela riu. “Para beber, digo.”

“Oh. Pode ser um uísque.”

“Por favor, um brandy e um uísque.”, ela pediu pro barman.

“Então… Hã… Está muito bravo comigo?”

“Eu estou bêbado demais pra ficar com raiva.”

“Desculpa. Eu sou bem conhecida por aqui. Achei que soubesse.”, disse, baixando o olhar.

“É a primeira vez que venho aqui. Minha irmã—”

“Lisa, eu conheço.”

“É, ela. Lisa meio que me obrigou a vir.”

“Ué, por quê?”

Contei a ela minhas desventuras de dias antes. Contei até mesmo sobre minha (meia) transa com Bloody Mary.

Ela riu bastante.

“Nossa, que aventura!”, Cristal disse.

“Você é legal.”, eu disse.

Ela sorriu.

“Sem mágoas, então?”

“De minha parte, não.”

Ergueu seu copo. Fiz o mesmo e brindamos.

Ela me deu um beijo na bochecha e voltou pro meio da multidão.

Botei o copo sobre o balcão. Minha atenção foi para meu antebraço. Arregacei a manga da minha jaqueta e vi o endereço de Annette, que eu havia escrito ali dias antes. Ainda estava legível. Viram, ter uma higiene pessoal de homem das cavernas tem lá suas vantagens.

Tinha decidido, ia escapulir dali e ir até Annette. Sentia-me um pouco mal por sacanear a Lisa assim, mas... Bem, que se foda. A vida é dura.

Saí do Masquerade, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, senti uma mão pesada em meu ombro. Era Vic.

“Indo embora, Mich-ael?”

“Eu? Não, estava só respirando um ar puro.”, disse, e para dar ênfase à mentira, respirei fundo.

Tossi.

“Não, está querendo fugir. Tem algo a ver com a tal de Annette, que mencionou enquanto estava se mast—”

“Sim!”

Tirei do bolso o maço de Camel e puxei dele o último cigarro. Resolvi jogar limpo com Vic.

“Você está certo Vic, estou fugindo. E sim, tem a ver com a Annette. Será que você pode me dar uma força?”

“Não.”

Digo e repito, honestidade é extremamente supervalorizada.

“O quê? Por que não?”

“Isso seria uma grande sacanagem com sua irmã.”

“Sim, mas... Annette..”

“Ora Mike, sua irmã gosta muito de você. Fazer isso não seria justo com ela, entende?”

“Eu prometo que depois compenso de alguma forma. Até mais, Vic.”

Preparei-me para partir.

“Mike. Eu tentei apelar para o seu lado decente, mas já vi que não adiantou.”, disse Vic.

Claro que não. Decência, o que é isso?

“Peço então para que note que sou bem maior e mais forte que você.”

Espere, espere... O namorado gigante da minha irmã acabou de me ameaçar?

“Sim, isso é uma ameaça.”

Hm. Hora de tentar uma abordagem mais psicológica.

“Acredito que minha irmã não iria gostar se você me batesse, Vic.”

“Ela me autorizou a fazer isso.”

Maldita! Maldita! Maldita!

Bem, de volta ao Masquerade então.

Por volta de quatro da manhã, Lisa e os amigos resolveram ir para outro lugar.

“Aonde vamos?”, quis saber.

“Highgate.”

“Highgate? Porra, lá só tem velhos e religiosos.”

Eles se entreolharam.

“Você não contou pra ele, Lisa?”

“Me contou o quê? Falem, porra!”

“O cemitério de Highgate, Mike.”, explicaram.

Oh, fantástico. Absolutamente fantástico.

Góticos num cemitério? Rapaz, eu devia ter previsto isso.

Mas, numa segunda análise, até que podia ser divertido.

“O que vão fazer lá? Violar os túmulos? Cara, e eu que achava que a noite seria um desperdício!”

“Não somos vândalos! Vamos beber um pouco mais, escutar música, ler poesias.”, um amigo de Lisa disse. Era alto e magro e usava batom preto.

Eu ri.

“Não, sério, pessoal. Qual de vocês trouxe pá?”

Por algum motivo, aquilo os deixou irritados.

“Oh, vocês falavam sério?”

“Não liguem pro Mike, pessoal. Ele é... Bem, um idiota.”, disse Lisa.

Para Highgate partimos.

Continua...?

'The bats have left the bell tower

The victims have been bled

Red velvet lines the black box

Bela Lugosi's dead'

- Bela Lugosi's Dead, Bauhaus (1979)

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