Edson, sobrinho de Janjão, voltou do banheiro, me levou lá pra fora e praticamente me obrigou virar um copo grande de cerveja. Ele disse que aquilo me faria relaxar.
Bebi, odiei o gosto - como não gosto até hoje - mas bebi pra ver se fazia efeito... e fez, lá pelo terceiro copo: tudo pareceu ficar mais leve, fiquei mais solto, eu conseguia rir de verdade e conversar tranquilamente, eu nem via mais aquela galera aqui na porta como uma coisa chata. Mas depois que fiquei tonto, eu passei somente beliscar a cerveja para não me embriagar - até hoje eu tenho esse controle, não com cerveja porque eu parei, mas com o vinho, coquetéis, batidas, rosca, etc.
Janjão estava no outro grupo, numa roda de amigos conversando, rindo bastante. Num dado momento ele olhou pra cá e me deu um sorriso alegre, e eu senti uma imensa gratidão por dentro, senti quanto ele era importante, maravilhoso, agradável. Eu não o observei com tesão, sim com um sentimento nobre, e isso me fez muito bem porque minha luta era pra sentir algo puro, não ter maldades sexuais com meu único amigo que estava deixando de ser o único, mas ele era o meu melhor.
Aquela minha leveza na mente, na alma, aquela alegria daquele momento, aquele entusiasmo e aquele meu encaixe no meio deles, abriu espaço para umas situações que eu, mesmo alterado por causa do álcool, não queria aquilo na minha casa.
As bibas que estavam solteiras estavam afoitas porque os lekes da rua ficavam ali circulando, vinham de bicicleta e faziam a volta na minha porta, olhavam pra gente, voltavam pra porta da casa onde eles estavam reunidos - a terceira casa do outro lado da rua; ficavam empinando bicicleta passando pela gente de um lado a outro. O sobrinho de Janjão, que até então era "durinho", começou soltar a franga, sentar de pernas cruzadinhas, quando partia pra dança, dava uma de gay, e ele chama muito atenção pela beleza e pelo porte físico. E os dois começaram soltar piada para os rapazes quando eles passavam.
Eles olhavam pra gente, davam risada, voltavam pro grupinho, ficavam comentando, olhando pra cá e rindo. Eu comecei ficar constrangido com a situação, mesmo sob efeito de álcool.
Eu já estava querendo sair dali, mas preferi não decepcionar Janjão que estava tentando me enturmar. Foi quando a biba negra - ela se chama Pota - falou:
- Esses boys precisam de um incentivo.
Um dos rapazes havia tirado a camiseta, posto no ombro e parecia estar tentando exibir o corpo (estou falando isso sem certeza, as vezes pode ter sido apenas impressão minha). E foi pra esse rapaz que Pota gritou:
- Hei! Menino do boné branco... vem aqui. (o rapaz que parecia estar se exibindo estava de boné).
Ele prontamente pedalou e veio até nós.
Ela tinha uma carteira feminina, dessas pequenas, de mão, que mulheres usam para colocar documentos, cartões. O dela é super cheguei, todo trabalhado em miçangas amarelas, bem gay - kkkkk. Pota abriu a bolsa, tirou uma nota de 50 e deu ao rapaz.
- Por favor, gatinho, pega ali 3 skol em garrafa pra gente. (Ela chamou ele realmente de gatinho).
Ele foi, trouxe as cervejas. A garrafa "era" 6,00. Lembro porque ele abriu a mão e foi entregar o troco pra ela: uma nota de 20, uma de 10 e uma de 2,00. E ela disse:
- O troco é seu, gatinho.
Eu fiquei com uma mistura de vergonha, porque estava em minha casa, e de admiração pela cara de pau dela.
Ele voltou para a turma, eu vi ele mostrando o dinheiro, dando risada e enfiando no bolso. Os outros rapazes começaram zoar com ele na brincadeira, tipo insinuando que ele era o gostosão da turma.
Gente, e veio a parte triste da história.
Outro rapaz que estava na turma veio até nós, parou a bicicleta na nossa frente e falou cor ar de graça:
- Kéu falou que se tu der 50 "reau" pra ele, ele te come.
Kéu é o rapaz que foi comprar a cerveja. O menino deu o recado pro sobrinho de Janjão. E Pota estava muito afim dele. Era o melhor da turma, na verdade.
Pota pareceu não se importar, e disfarçou muito bem. Eu teria ficado arrasado se fosse comigo. E a própria Pota falou:
- Arruma um daqueles amigos pra mim também. Pode ser você mesmo.
Edson perguntou:
- E por que ele mesmo não veio falar comigo?
O rapaz respondeu:
- Acho que ele tá com vergonha.
Edson disse:
- Manda ele vim falar comigo.
O rapaz deu risada e saiu de volta pra turma. E voltou com outro recado: que outro rapaz também disse que comereia Pota se desse 50 reais, e tinha um outro querendo me comer também por 50,00.
Eu não pagaria por sexo, mas também não respondi com estupidez, gosto de tratar bem para depois eu não ser maltratado. Apenas respondi:
- Hoje estou muito cansado. Não dá. - Desculpa sem nexo, mas só queria mesmo dar uma desculpa.
Os outros dois vieram aqui na porta. A conversa entre eles foi rápida. O rapaz que ia pegar Pota disse que o pai tava no bar, e ele não podia entrar naquele momento; e o que ia ficar com Edson, entraram os dois. Eu fiquei pra morrer. Eu não queria aquilo na minha casa, porque depois os rapazes aqui da rua poderiam viciar em ficar vindo aqui pra casa.
Janjão estava de costas pra nós. Uns minutos depois ele veio, entrou e foi ao banheiro. Daqui a pouco tô ouvindo os gritos, olhei pra dentro e tô vendo Janjão puxando o sobrinho do quintal pra dentro de casa, e puxou pra fora, pelos cabelos, e o sobrinho gritando e dando risada. Eu acho que Janjão havia lido minha mente. E E ele falou:
- Cabra-safado, minha casa é motel não. Vai fuder em outro lugar.
Edson:
- Poxa, tio, que é que tem?
Janjão voltou pra turma dele.
Atrás deles veio o Kéu, com uma marca de pênis duro dentro da bermuda tactel, parecendo que tinha uma calabresa curva dentro da cueca.
Pota percebeu que Janjão não ia deixar ela também fazer sexo aqui em casa.
Kéu foi pra turma dele, e eles tome risada.
Pota e Edson chamaram os meninos e perguntaram se poderiam ir pra outro lugar. Kéu respondeu que sim, mas tinha que arrumar transporte pra eles, e eles tinham que sair ali da rua pro pai do outro não ver.
Eles deram ideia de mototáxi, eles toparam, e assim acabou eles dois indo embora encontrar os lekes. O outro casal de gay foram embora depois.
Daí começou minha socialização, graças a Janjão. Eles sempre marcavam algo aqui em casa, na casa de algum deles, marcavam um passeio e me levava, conheci mais dois sobrinhos de Janjão que são gays; assim como conheci outros gays, um mais maluco do que o outro mas ninguém comparado à barraqueira Pota, e fui me soltando aos poucos.
Não rolou com Edson por motivos óbvios - somos sexualmente incompatíveis porque somos passivos - como também não rolou com nenhum outro sobrinho nem com nenhum daqueles que fiz amizade.
Tudo ia caminhando bem na minha vida até que um dia chega alguém nos fundos me chamando. Era a dona da casa que Janjão alugou antes de vim morar aqui.
Ela é uma velha chata, rabugenta, cara de encrenqueira, e falou com um tom forte:
- Bom dia! João está aí?
Eu:
- Não! Ele tá no trabalho. Só chega umas 5 horas.
Ela nem agradeceu e respondeu:
- Tá bom.
Lá na varanda do quintal dela havia um homem com aparência de uns 40 anos, mas charmoso. Me deu uma vontade de dar uns pegas. Mas foi só vontade mesmo.
Janjão chegou 5 e pouca, arrancou a camisa e jogou no braço do sofá, e foi para o quintal pra, como também de costume, lavar as mãos na pia de roupa. Eu peguei a camisa e levei pro quarto dele, pra jogar no balde de roupa suja (não era mais caixa), quando ouvi a mulher chamar ele e daqui a pouco o bate-boca. Ali descobri que Janjão devia 4 meses de aluguel a ela, e ele já estava com quase 6 meses morando comigo. Por isso que eu via as vezes ele fugindo dela, e eu achava que era raiva.
Corri até eles, peguei Janjão pelo braço e puxei pra dentro de casa. O mesmo homem que vi mais cedo também encostou, abraçou ela pra puxar dentro de casa, ele com um tom super calmo, e ela saiu gritando que ela ia tomar providências.
Janjão estava muito nervoso, não era hora, mas perguntei:
- Janjão, tu está aqui há uns 6 meses, e deve 4 meses a ela?
Ele se sentou no chão como ele gostava, e respondeu:
- Eu fiquei todo enrolado pra pagar minhas contas depois que Fulana (a ex dele) me largou e tive que pagar pensão.
Eu achei uma desculpa fraca, mas fiquei na minha, e só falei assim:
- Olha, Janjão, a única coisa de bom que minha família me ensinou foi manter o nome sempre limpo... pagar tudo o que devemos, mesmo que para isso tenhamos de abrir mão de algumas coisas.
Ele ficou calado.
Quase uma semana depois eu estava no quintal lavando nossa roupa, e ouvi zoada de porta abrindo na casa dela. Era o mesmo homem. Ele me deu "bom dia", e eu respondi. E me bateu um revertério. Chamei ele e ele veio até aqui a cerca me encontrar. Perguntei:
- Quanto João deve pra tua mãe.
- Ele respondeu:
- "X". E nem multa a gente cobraria se não precisar a gente procurar a justiça.
Eu quando vim morar sozinho não tinha amigos, não saía, só viajei uma vez a Capital, então não tinha muitos gastos. Meu dinheiro ia uma boa quantidade pra conta. Depois que Janjão veio morar comigo, melhorou mais ainda porque dividíamos aluguel e todas as outras contas e despesas, então sobrou mais dinheiro ainda. Eu já tinha um bom tempo trabalhando e tinha uma boa reserva na poupança. Eu pensava em fazer curso superior, mas minha depressão e minha indisposição não permitiam, então eu não tinha em que gastar. A dívida de Janjão eu podeira pagar à vista e mexeria pouco na minha reserva.
E perguntei a ele:
- Vocês aceitam se eu pagar?
Ele respondeu:
- Vou perguntar à minha mãe... só um minuto.
Ele ligou pra ela e conversou. Ela falava tão alto no celular que de cá eu ouvia ela xingando Janjão. O filho falou pra ela:
- Pronto, mãe! Tá certo. Não precisa falar bobagens não. - Ele parecia calmo. Eu gostei muito dele, um coroa charmoso, todo bem arrumado, ele todo sério, chama bem atenção, mas, óbvio, controlei meus ânimos (risos).
Eu exigi que eu fizesse transferência ou depósito pra guardar o comprovante, e que eles me dessem garantia que liquidei a dívida.
E cometi o pecado de pagar a dívida de Janjão.
Continuo.