O homem sem voz
A festa de aniversário dos meus trinta anos havia sido organizada pela Julia, minha noiva. Há três semanas ela vinha se empenhando nos preparativos com o entusiasmo de uma adolescente debutante. Ela sabia que eu não era muito propenso a festas, mas exigiu que eu cedesse, pois trinta anos, segundo ela, era uma data cheia de simbolismo, marcando definitivamente a entrada na idade adulta, e isso não podia passar incólume.
- Podíamos aproveitar que todos os nossos amigos estarão reunidos e anunciar a data do casamento, seria uma comemoração dubla. – sugeriu ela, quando veio me comunicar as etapas dos preparativos que já estavam contratadas.
- Não acha que é um pouco precipitado? Faltam menos de três semanas, acho que está muito em cima da hora para tantas comemorações. – argumentei
- Precipitado? Estamos noivos há quase quatro anos, estamos namorando desde antes da faculdade, onde está a precipitação? O Carlos e a Anne se conheceram bem depois de nós e estão casados. O Roberto e a Simone estão juntos há menos de dois anos e se casam no mês que vem. Não entendo por que você fica adiando o nosso compromisso. Talvez você não me ame o bastante para se casar comigo. – devolveu ela, voltando a esse assunto que já tinha terminado em discussão outras vezes e, o qual eu não estava nem um pouco disposto a encarar.
- Você sabe que não é nada disso, amor! Só acho que deveríamos sentar e conversar um pouco mais sobre o casamento, ainda temos muito tempo para isso, podemos aproveitar nossa juventude, afinal ela acontece apenas uma vez na vida. – ponderei.
- O estranho nisso tudo é que não costuma adiar nada, sempre defende que não se deve deixar nada para o dia seguinte, mas quando se trata do nosso casamento, a sua opinião muda. Como devo interpretar esse adiamento? Chegando à conclusão de que não me ama, só pode ser isso! – retrucou ela
- Eu te amo Julia! Não há porque você duvidar disso. Estou sempre aqui, não estou? – questionei, tentando convencê-la de uma coisa que nem eu acreditava.
Me envolvi com a Julia ainda nos tempos do colégio, quando começava a me destacar nos campeonatos de natação. Todos rapazes atléticos que participavam de algum esporte tinham namoradas ou, pelos menos, garotas com as quais apareciam nas festas e trocavam uns amassos pelos cantos ermos do colégio. O fato de eu ser um dos garotos mais populares do colégio e não ter nenhuma namorada começou a gerar comentários e, para calar as línguas maledicentes, eu aproveitei o assédio da Julia para lhe propor algo mais do que aquela amizade que vinha rolando entre nós. Ela topou na hora, eufórica, e saiu espalhando a notícia aos quatro ventos, exatamente como eu precisava que fosse.
Os anos foram passando, na faculdade fui campeão nacional de natação, e ela sempre aparecia ao meu lado nas fotografias tiradas durante os campeonatos, consolidando uma imagem que não deixava dúvidas quanto à minha condição sexual; um esportista de corpão sarado, bonito, desejado pelas mulheres e, com uma namorada linda que fazia de nós um casal invejável. Depois da faculdade ingressei num banco multinacional, na área financeira, vestia diariamente ternos alinhados que se amoldavam sobre o meu corpo como uma luva, destacando os ombros largos, as coxas grossas, uma bunda saliente que causava inveja nos homens e um desejo quase irreprimível de beliscá-la por parte das mulheres. O rosto angulado no qual se destacavam olhos expressivos de um verde citrino intenso, apesar de imberbe, completava a imagem máscula que eu tentava transmitir, e na qual todos acreditavam piamente.
No meu íntimo, eu travava uma luta comigo mesmo, querendo acreditar e provar ao mundo aquilo que não era. Tinha me conscientizado que era gay aos treze anos, que gostava de homens, que me sentia atraído e fascinado por eles. Porém, esse era um segredo a ser guardado a sete chaves. Ninguém podia ficar sabendo desse gosto pelo proibido, pelo abominável. Eu seria massacrado por todos se viessem a saber que eu sentia meu coração disparar, minhas pernas tremerem e, um desejo de me sentir abraçado por outro homem, toda vez que via um cara de aparência máscula e viril. A minha carreira esportiva me obrigava a estar no meio de homens assim. Tinha começado nos vestiários do colégio, continuado nos dormitórios e vestiários dos atletas nos ginásios de esportes, sempre recheados de rapazes e homens nus, desfilando com seus caralhos expostos me ensandecendo com sua sensualidade, ávido por tocá-los, por sentir suas bocas coladas na minha, seus falos excitados deslizando para dentro do meu cuzinho. Educado numa família religiosa, e sempre estudando em colégios vinculados à religião, eu rezava todas as noites para que o Todo Poderoso me livrasse daquele pecado, me fizesse heterossexual, me fizesse sentir atração por mulheres. O sofrimento nalguns dias chegava a ser tão intenso que a ideia do suicídio vinha como uma opção recorrente para acabar com aquele tormento de uma vez por todas.
O ambiente dos vestiários chegava a ser cruel, nele imperava a masculinidade, debochava-se dos menos dotados, dava-se tapas nas bundas peladas para fazer brincadeiras, contava-se piadas sobre homossexuais, repudiava-se essa espécie que simbolizava a fraqueza, a imoralidade, a profanação dos valores da sociedade. A homofobia é considerada uma virtude a ser desenvolvida, e eu, na tentativa de me tornar um macho, ria das piadas homofóbicas, me calava diante das agressões e deboches aos gays, tudo para que ninguém suspeitasse que eu também era um deles. Esse conflito interno me arrasava enquanto ser humano. À medida que os anos passavam, eu ia chegando à conclusão que não havia uma cura para a minha condição, que eu teria que conviver com ela e salvaguardá-la do conhecimento de todos que me cercavam.
Durante um importante campeonato nacional, longe de casa, me deparei com um atleta que correspondia a todos os meus ideais de homem, a empatia foi instantânea, dividimos o mesmo quarto nos dormitórios, fazíamos as refeições juntos, passeávamos pela cidade e pelo centro olímpico durante as folgas. Aquele desejo de tocá-lo, fazia minhas mãos coçarem, minha respiração falhar, meu peito se encher de esperanças. A maneira como ele olhava para mim me fazia saber que aquela empatia ia muito além do que as frases que trocávamos, que havia coisas e sentimentos que não podiam ser pronunciados, e isso estava me matando. Mas, não era isso que esperavam de mim, nem meu treinador, nem minha família, nem meus companheiros de time, nem a Julia. Todos queriam ver o campeão subir mais uma vez ao alto do pódio, conquistar mais um troféu que se juntaria aos demais, enfeitando uma estante da minha casa que servia de orgulho a ser exibido sobre as proezas do filho certinho e ajuizado. A pressão psicológica era tão grande que eu precisei procurar o centro médico do evento para conseguir uns ansiolíticos. Consegui uma prescrição de Xanax e tomei logo duas cápsulas assim que saí da farmácia. Porém, aquela opressão não saia do meu peito. Não era complicado conseguir alguma droga que aliviasse todas as dores que os treinos físicos intensos deixavam pelos nossos corpos, uma vez que sempre havia alguém circulando pelos bastidores nos oferecendo a ilusão de alívio e aumento do desempenho para as provas. Abordei o sujeito que as oferecia discretamente, e consegui um frasco de comprimidos de Oxicodona. Não me preocupei em saber dos efeitos colaterais, eu queria apenas sumir, deixar esse mundo e acabar com todo aquele sofrimento. No desespero e na solidão do dormitório, ingeri todos os comprimidos do frasco de Xanax junto com todos os comprimidos do frasco de Oxicodona, na esperança de não ver o amanhecer do dia seguinte, o da competição, e do meu aniversário de vinte e dois anos. No entanto, a luz do sol batia no meu rosto na manhã seguinte, embora eu mal conseguisse sentir as partes do meu corpo. Chorei convulsivamente, eu tinha que continuar atuando, fingindo, assumindo ser aquilo que não era.
A pressão que a Julia estava exercendo sobre mim para nos casarmos, me fez relembrar aquele dia. Isso jamais ia terminar, ora seria pressionado por isso, ora por aquilo, mas sempre tendo que me esconder, enganar, disfarçar para que ninguém soubesse que era gay. Numa coisa ela estava certa, eu sempre protelava as decisões importantes e, o único que podia acabar com tudo aquilo era eu, me assumindo, saindo do armário, revelando ser gay. Todos iam me odiar, meus pais sofreriam a maior decepção de suas vidas, meu irmão com quem quase nunca me abri passaria a ter vergonha de mim, o mesmo ia acontecer com meus amigos, com os parentes, a Julia ia me odiar por tê-la enganado por tantos anos. O mundo ia desabar sobre mim, e talvez não restasse muita coisa a ser resgatada depois disso.
O famigerado dia havia chegado, a festa estava lotada de pessoas, comprovando a minha popularidade. A Julia tinha caprichado nos detalhes e a comemoração dos meus trinta anos se transformou num evento badalado. Embora estivesse cercado por centenas de pessoas, eu sentia uma solidão imensa, algo tão forte e profundo que mal conseguia retribuir os sorrisos, os elogios, as declarações de afeto e amizade. Aquela dor não me abandonava.
- Fiquem todos à postos! Daqui a três meses, o Kevin e eu queremos todos novamente aqui para o nosso casamento! – anunciou a Julia, assim que terminaram de cantar os parabéns, e ela veio se pendurar no meu pescoço e me beijar provocantemente diante de todos. Tomando uma resolução unilateral que acabou com o restante de paciência que tinha para aquela festa.
Ouviam-se vivas e saudações vindos de todos os lados, comentários e observações indicavam que aquela espera já tinha durado demais. Eu lançava um sorriso amarelo a qualquer um que viesse me cumprimentar, como se fosse um robô programado a aceitar os comandos de seu criador.
- Por que você tomou essa decisão sem me consultar, Julia? Não tínhamos ficado de conversar a respeito com mais calma? – questionei, assim que encontrei uma oportunidade de abordá-la longe das vistas das pessoas.
- Íamos ficar falando por horas e não chegaríamos a resultado algum, Kevin! Por isso resolvi deixar todos cientes. Agora só precisamos confirmar a data. Eu estive pensando no dia ..... – deixei-a falando sozinha, eu precisa de ar, precisava respirar para não explodir e, no meio daquela gente toda, isso era impossível.
Meus pais haviam se separado pouco depois do casamento do meu irmão, após vinte e cinco anos de um casamento que eu tinha como indissolúvel. Pensei na coragem que precisaram ter para tomar essa resolução, e concluí que eu teria que fazer o mesmo, se quisesse conquistar a minha liberdade e ser feliz.
Quando tomei a resolução, minha mãe foi a primeira pessoa que procurei. Ela estranhou um pouco a minha visita repentina, bem como meu semblante taciturno, fazia algum tempo que não nos víamos.
- Está tudo bem? Não te esperava tão cedo! – disse ela assim que me viu.
- Sim, está! Eu precisava conversar com você! – respondi.
Enquanto ela preparava um café, eu a observava falando sobre coisas corriqueiras, enquanto estudava como abordar o que tinha vindo lhe dizer. Ia ser bem mais difícil do que eu havia pensado. Quando ela terminou de preparar o café e veio se sentar comigo à mesa da cozinha, não tive coragem de encará-la.
- Bem, então me diga o que te trouxe para cá a essa hora! – exclamou ela curiosa.
- É um assunto difícil. Para ser sincero, e é isso que quero ser, não sei bem como te dizer isso. – minhas mãos suavam, parecia que alguém estava pisando no meu peito e, a tudo isso, juntou-se uma súbita vontade de chorar, que eu controlei o quanto pude.
- Você sabe que eu estou aqui para te ajudar no que for preciso, que sempre pode contar comigo. Diga o que está te deixando tão aflito. – pediu insistente
- Preciso te dizer que sou gay! – soltei de uma vez
- O que você quer dizer com isso?
- Que estou escondendo isso de mim e de todos há muitos anos, e que não estou mais suportando enganar a todos fingindo ser quem eu não sou. – afirmei.
- Desde quando você ... quero dizer, quando foi que se deu conta de que era ... – ela nem tinha coragem de pronunciar a palavra.
- Desde os nove, talvez dez anos. Sempre lutei contra, tive medo e vergonha de que me pontassem como viado, de envergonhar a você e ao papai. – revelei, sentindo as lágrimas escorrendo pelo rosto.
- Por que nunca me contou nada? Eu sou sua mãe, estou me sentindo traída, meu próprio filho não confiando seus problemas para mim. Uma mãe precisa proteger e ajudar os filhos, você me privou dessa tarefa, por quê? - eu não a havia procurado para acusá-la de nada, queria apenas que soubesse quem seu filho realmente era, mas me pareceu que não foi assim que ela interpretou minha revelação.
- Não estou te acusando e nem cobrando nada, mãe! Eu só queria que você fosse a primeira pessoa a saber quem eu realmente sou. – afirmei.
- É triste saber que não confiou em mim! Fico imaginando tudo pelo que você deve ter passado guardando esse segredo, sofrendo calado, enquanto nós poderíamos tê-lo ajudado. Você é meu filho, eu sempre estarei ao seu lado, seja lá em que situações. – devolveu ela.
- Também nessa? – questionei
- Claro que sim! Eu te amo, você sempre será meu filho. Isso não vai mudar nunca. – disse ela ao vir me abraçar.
- Bem, agora você sabe!
- Como fica a sua situação com a Julia?
- Vou contar a ela no devido tempo, antes quero falar com o papai e o Doug. – afirmei
- Ok! Só não demore muito, ela tem o direito de saber!
- Não, claro! Depois da família, ela será a primeira.
Saí da casa da minha mãe como se tivesse tirado um fardo de cima dos meus ombros, ao menos mais leve do que aquele com que cheguei. Poucos dias depois, fui ter com meu pai. Ele havia se juntado com uma mulher que tinha dois filhos adolescentes, depois da separação, e morava numa cidade próxima. Quando crianças, ele gostava de levar a mim e a meu irmão para pescar e foi o que propus para poder ter aquela conversa num ambiente neutro. Por muitos anos eu o idolatrei, tinha orgulho de dizer aos meus amigos que meu pai era um general, que tinha participado de missões humanitárias nas forças militares da Organização das Nações Unidas em diversos países. Mas, agora, era justamente isso que estava me deixando mais preocupado, ele era um homem de ação, líder, justo e também bastante inflexível em suas posições.
- Fazia tempo que não tínhamos um dia tão próximos, não é filhão? Fico feliz que tenha me proposto essa pescaria, mesmo você obtendo mais sucesso do que eu, até agora não pesquei nenhum, e você já está no quinto. – disse ele, enquanto eu tirava o anzol da boca do peixe e o juntava aos outros.
- Estou dando sorte hoje, geralmente era você quem nos vencia. – relembrei.
- Como estão as coisas com a Julia? Tudo pronto para o casamento? – perguntou ele
- É sobre isso que quero conversar com você. Bem, não exatamente sobre o casamento, mas algo ligado a ele. – a mesma dificuldade que senti diante da minha mãe estava se repetindo agora.
- Não vá me dizer que um homão feito você veio me pedir conselhos para a lua-de-mel! – exclamou ele, rindo.
- Eu sou gay, pai! Não vai haver casamento, não vai haver lua-de-mel.
- Que absurdo é esse, Kevin? Se isso for uma das tuas brincadeiras, não pense que estou gostando do rumo que essa conversa está tomando! – sentenciou ele, fazendo desaparecer o sorriso de seu rosto. Eu já devia ter previsto essa reação.
- Não é nenhuma brincadeira! Eu sou gay, sei disso desde os dez anos, e vim me escondendo atrás de uma imagem que foi se criando, mas que não diz quem eu sou de verdade. Eu precisava te contar, precisava que você soubesse quem seu filho é. Já contei para a mamãe e vou contar ao Doug. – retruquei
- Quer dizer que enquanto pensávamos que você estava competindo nos campeonatos você estava na realidade se deitando com outros homens! – exclamou irritado
- Eu nunca me deitei com nenhum homem, pai! Eu participava dos campeonatos para ser vencedor, para trazer todos aqueles troféus que ficavam na estante da sala, para fazer com que você sentisse orgulho de mim. – respondi
- E por que quer começar com isso agora? Você nasceu homem, deve agir como tal! Case-se, assuma suas responsabilidades de marido e pai. Não nos faça sentir vergonha de você! – devolveu ele.
- É com isso que você está preocupado? Com quem eu vou para a cama? E, não com o dilema com o qual venho lutando em silêncio desde criança? – questionei
- Não é minha culpa que você não saiba quem é, e o que quer! Eu sempre dei bons exemplos e conselhos a você e seu irmão.
- Não estamos falando de culpa, eu não estou culpando ninguém. Estou apenas te revelando quem sou. Não consigo mais viver mentindo para mim mesmo e para os outros. É isso que eu quero que todos entendam, nada mais. – afirmei
- Quer que todos te apontem como pederasta, como um transviado! – revidou ele.
Bastou eu ser sincero com ele pela primeira vez, abrindo meu coração, para que, de repente, nenhum daqueles esforços que eu fazia para ser o melhor nas piscinas, ser o filho que só se preocupava em deixa-lo orgulhoso de mim, deixasse de ter importância, como se fossem coisas sem valor, como se por trás delas, não houvesse um enorme sacrifício da minha parte. Tudo o que importava, era a questão de quem eu levava para cama. O retorno da pescaria para a casa dele foi feito em completo silêncio. Ele em nenhum momento quis saber como eu tinha enfrentado sozinho e calado todos aqueles anos de angustia, tentando provar ao mundo que eu era heterossexual. Despedimo-nos na rampa da garagem da casa dele com um – até breve – seco e distante, sem nenhum contato físico, quando tudo que eu queria era receber um abraço dele e uma frase que me dissesse que ele continuava a ser meu pai.
Visitei-o poucas semanas depois, era o aniversário dele. Rodei 140 quilômetros para cumprimentá-lo e presenteá-lo com um Bordeaux de que gostava.
- Você não avisou que vinha! Estamos com convidados, é melhor você voltar outra hora, assim posso te dar mais atenção. – disse ele na porta da casa, sem me deixar entrar.
Eu não precisei de nenhum outro sinal mais claro de que não era mais bem-vindo àquela casa e ao seu convívio. Pisei fundo no acelerador, percorrendo cada quilômetro daquela estrada com uma fúria desatada, por não conseguir ser o homem que ele quis que eu fosse, por tê-lo decepcionado com a minha revelação.
Meu irmão Doug e eu nunca fomos confidentes, minha relação com ele era fria e distante. Ao procurá-lo, me senti desconfortável de abordar um assunto tão íntimo, uma vez que sempre guardávamos nossa intimidade um do outro.
- Sou gay! – revelei em meio ao que estávamos falando. Ele se interrompeu e ficou me encarando.
- Gay? Como chegou a essa conclusão? Você não está para se casar? – parecia que todos iam agir daquela maneira, surpresos por nunca terem desconfiado de nada, por não me conhecerem de verdade.
- Sei que sou gay faz muito tempo, mas nunca me aceitei. Fiz de tudo para me transformar num homem heterossexual, mas percebi que não é assim que a coisa funciona. Agora quero que todos conheçam o verdadeiro Kevin, não o que ele fingiu ser todos esses anos. – confessei.
- Isso é, no mínimo, uma loucura! Não sei o que você quer que eu diga. – devolveu ele estarrecido
- Sei lá! Nem eu sei o que espero que diga, talvez que me compreenda, só isso!
- Como foi a reação do papai e da mamãe? Eles devem ter ficado sem palavras, como eu.
- Sim, foi mais ou menos assim. A mãe se culpa por não ter percebido nada, o pai não me deixou entrar na casa dele quando fui cumprimentá-lo pelo aniversário, o que já diz tudo sobre como encarou a coisa. – contei
- Vindo dele, não se pode esperar outra coisa! E você, como está se sentindo?
- Acho que um pouco mais aliviado à medida que vou contando para as pessoas e, ao mesmo tempo, mais assustado com a reação delas. Vejo que vai ser bem mais complicado do que imaginei. – revelei
- Talvez você esteja certo, deve ser complicado fingir ser o que não se é. Você está se relacionando com algum homem?
- Não! Na verdade, nunca me relacionei com nenhum. Como eu disse, procurei sufocar isso dentro de mim, mas sinto que não consigo mais.
- Entendo! – disse ele, muito embora eu desconfiasse que ele não estava conseguindo assimilar aquilo, que talvez com o tempo, não se sentiria tão impactado pela notícia. – Se precisar, podemos conversar sobre isso, conte comigo.
- Obrigado, Doug! Você não faz ideia do quanto é bom ouvir isso! Tem sido um caminho solitário e doloroso.
- Faço ideia! – devolveu ele. Não foi uma reação de acolhimento, mas por ser a primeira vez que falávamos tão abertamente, foi um passo importante para uma relação mais fraternal dali para a frente.
O maior desafio seria o seguinte, acabar com o noivado com a Julia e explicar o porquê. Para piorar tudo, ela não parava de tagarelar sobre os preparativos do casamento toda vez que fui procurá-la para me abrir. No terceiro encontro que propus, eu estava tão empenhado na maneira como ia lhe contar que não consegui prestar atenção no que ela dizia. Cheguei ao meu limite, mandei que se calasse e focasse em mim, no que eu tentava há dias lhe contar sem que ela me desse uma chance.
- Não vou me casar com você, Julia! Nem com você, nem com nenhuma outra mulher! Eu sou gay! Está me ouvindo, eu sou gay! Para de planejar e me pressionar com esse casamento que nunca vai acontecer! Eu gosto de você, gosto de verdade, mas não te amo! Não vou me casar com você e estragar a sua vida, a minha e de quem mais seja! – despejei, num acesso de insurreição, por sempre ter minha vida conduzida pela vontade dos outros.
- Você ficou louco! Isso quer dizer que você me enganou todos esses anos? Não pode ser! Você não pode ser esse ser desprezível que fez isso comigo todo esse tempo! Sempre estive ao seu lado, Kevin! Sempre! Por que só agora está me contando isso? Eu não merecia tanta falsidade! Você sabe que eu sempre te amei. – revoltou-se ela furiosa.
- Se sempre me amou, vai me entender! Vai saber que eu não consigo mais esconder isso de você. Eu preciso ser sincero, não sou o homem que vai te fazer feliz, Julia! E eu quero que você seja feliz, muito feliz! – afirmei
- Eu quero que você vá à merda, Kevin! Está me ouvindo, eu quero que vá a merda! Que se foda você e o fato de ser gay! Você me iludiu, desperdiçou meu tempo e minhas energias me dedicando a você! Você não vale nada! – revidava ela enfurecida, antes de me mandar sumir da vida dela.
Passei dois dias remoendo aquela conversa, me sentindo a pior das criaturas, me culpando por ser homossexual e ter me deixado levar por essa certeza. Ninguém ia me aceitar, isso ficava cada vez mais claro. Comecei a sentir os sintomas da depressão voltando, talvez fosse o caso de voltar à terapia, de voltar a tomar aqueles medicamentos que me ajudavam a ser aquele homem que a sociedade queria.
Pouco depois daquela tentativa frustrada de suicídio, eu fui levado por um colega da equipe de natação para a igreja que ele frequentava. Tinha sido um período bom, fiz três bons amigos por lá e a vida tinha voltado aos eixos. Desde então, eu nutria essas amizades, estávamos sempre juntos e eu acompanhei dois deles constituindo suas famílias, o que me pareceu saudável, tanto que eu achava que a minha com a Julia também seria como a deles. Eu encontrava paz durante as missas, nas palavras do sermão, naquela vida comunitária onde parecia reinar a confiança e a ajuda mutua e solidária. Nunca me abri com nenhum deles, nem procurei ajuda com o pároco, mas estava na hora de tentar. Reuni esses três amigos na minha casa, fazíamos isso regularmente, um encontro só de homens, sempre cheios de piadas e muitos risos. Em dado momento, fiz a revelação. A primeira reação foi o silêncio desconfortável. Depois, o que tinha me levado para a igreja, e se sentia mais próximo de mim, sugeriu que voltasse a me abrir com o pároco, como estava fazendo naquele momento com eles. Nenhum deles me condenou verbalizando sua opinião, mas dava para perceber que tinham suas reservas quanto a eu ser gay. Eu já não era mais o amigo Kevin de cinco minutos atrás.
- Continuamos amigos, é isso que quero que saiba, pelo menos da minha arte! – disse um deles, embora o estivesse fazendo sem nenhuma espontaneidade. Acrescentando que também achava que uma conversa com o padre poderia me ajudar naquele momento difícil.
Segui a sugestão deles, por perceber que estavam sendo sinceros e se mostrando preocupados comigo e com toda aquela situação. E também, por que, de certo modo, havia encontrado na religião e na fé em Deus, um pilar de sustentação que me ajudou a superar aquela tumultuada fase depois da tentativa de suicídio. Não podia ter cometido erro maior.
Quando fui ter com o padre para me abrir, aquele acolhimento fingido logo se dissipou às primeiras palavras que pronunciei dizendo que era gay. Ele se impôs como senhor da verdade e me fez sentir uma criatura de segunda classe que precisava ser guiada por alguém mais santo. Nunca havia me sentido tão humilhado, à medida que ele ia despejando suas verdades sobre mim, um reles mortal.
- As escrituras dizem que ter um relacionamento homossexual é pecado, que o casamento e o relacionamento sexual foram feitos por Deus para acontecerem entre um homem e uma mulher visando a procriação. Toda outra forma de relacionamento sexual deve ser abominada, pois configura pecado. – proclamava ele.
Em seguida, foi me recitando um rosário de versículos da Bíblia que condenavam a homossexualidade. Citou Levítico 18:22, “Não se deite com um homem como se deita com uma mulher – é repugnante”, citou Romanos 1:26-27, “Por causa disso, Deus os entregou a paixões vergonhosas. Até as mulheres trocaram suas relações sexuais naturais, por outras contrárias à natureza. Da mesma forma, também os homens abandonaram suas relações naturais com as mulheres e se inflamaram de paixão uns pelos outros. Começaram a cometer atos indecentes homens com homens, e receberam em si mesmos o castigo merecido por sua perversão”. O discurso dele continuava, me apontando como um pecador imoral, me sugerindo abandonar esse pecado se quisesse entrar no reino de Deus. Eu já não o escutava, era um homem que havia sido programado para doutrinar pessoas, não para se sensibilizar com suas dores, sofrimentos e aflições, mas para condená-las segundo suas regras. Saí arrasado daquele encontro que jamais deveria ter procurado. Eu não via aquele Deus no qual acreditava como sendo algo vingativo e destruidor, pois se existiam pessoas como eu, que foram criadas por Ele, não seria para serem a expiação do mundo, mas para mostrar que o amor tem inúmeras facetas e que é esse amor que deve reger a humanidade. Pensei que talvez tivesse procurado na religião errada, que outras tinham uma visão diferente dessa visão católica, e fui procurar pareceres entre os adventistas e os batistas. O mesmo acolhimento fingido se repetiu, a semelhança nos discursos de repúdio idem, a incompreensão também. O que me sobrou dessa experiência, foi que aqueles homens não tinham preparo algum para lidar com as aflições humanas, que as religiões pregavam em prol de si mesmas; sem considerar que, a bíblia na qual se apoiavam, tinha sido escrita por homens igualmente pecadores com a finalidade de controlar e dominar outros homens, num uso puro de poder ditatorial a quem se submetesse aos seus desígnios. Continuei com a minha fé, e percebi que a única relação que tinha valor era a minha diretamente com Deus, sem intermediários. E foi isso que passei a praticar.
Sair do armário depois de tantos anos, foi muito complicado, por que ninguém queria um Kevin viado, tendo conhecido o outro. Reações semelhantes aconteceram com os colegas do trabalho que, de uma hora para outra, perderam a espontaneidade, achando que talvez eu os fosse seduzir ou mesmo tentar algum assédio mais explícito. As mulheres deixaram de me ver como um símbolo sexual, e algumas se afastaram, enquanto outras, devido a sua natureza, passaram a me ver como um coitado que merecia seus bons grados. Estava muito difícil conviver com tudo aquilo. As pessoas não querem saber quem você realmente é, elas querem que você seja quem elas imaginam. Contudo, eu queria ser livre, ter uma liberdade que nunca tive, de ser quem sou, de não precisar esconder isso dos outros, de talvez encontrar alguém que pensasse como eu e se dispusesse a compartilhar a vida comigo.
Minha relação com minha avó paterna sempre foi muito boa, ela nunca escondeu que eu era seu neto preferido, talvez isso também mudasse depois de eu contar a ela que era gay. Mas, de certa forma, achei que devia essa explicação a ela também. Fui à casa dela sem nenhuma expectativa, afinal ela era de uma geração onde não se falava abertamente sobre sexo, quanto mais sobre homossexualidade. Contudo, abordei o assunto com cautela, evitando usar palavras que poderiam chocá-la e criar um bloqueio definitivo. Qual não foi a minha surpresa quando ela me devolveu.
- Fico feliz que tenha se encontrado consigo mesmo, meu querido! Há anos venho tentando adivinhar a causa desse seu olhar triste e retraído que você tentava camuflar. Agora está explicado. Ninguém pode viver uma mentira eternamente, isso corrói o coração e a alma. Você é um bom filho, querido, um bom irmão, nem preciso dizer que o melhor neto que a vida me presenteou. Você é leal, é amigo, é doce, tem um coração gigantesco, merece ser feliz, seja ao lado da Julia ou de um homem, isso não importa. – eu comecei a chorar e a abracei, foi a primeira pessoa que, de fato, e sem nenhuma reserva me aceitou e me compreendeu.
Ela se sentia solitária depois que meu avô morreu, e me pediu para dormir na casa dela naquela noite, queria que eu soubesse que aquela casa sempre me acolheria, em qualquer circunstância. Eu precisava daquele colo mais do nunca, e fiquei. O engraçado da minha relação com ela, era que podíamos ficar um bom tempo sem nos vermos e, mesmo assim, quando nos encontrávamos era como se tivéssemos conversado há pouco, sempre havia assuntos para horas de conversa. Naquela noite perguntei-lhe sobre uma sequência de quatro desenhos feitos à carvão que estavam emoldurados sobre a cornija da lareira. Aqueles quadros sempre me intrigaram, eram de uma perfeição absoluta retratando uma da casa de pedras no alto de um caminho que conduzia até ela cercado por árvores. A perfeição era tamanha, que parecia que se podia sentir as ranhuras nas pedras, a trama das folhas das árvores.
- É a casa da minha mãe, desenhada pelo pai dela, seu tataravô. Ela viveu nessa casa até se casar com meu pai e vir morar no continente. – esclareceu ela
-É linda! O que foi feito dela, a senhora sabe?
- Não sei se ainda existe, ficou abandonada depois que seu tataravô morreu, ninguém mais da família foi morar na ilha. Se o governo não a confiscou por falta do pagamento dos impostos, deve estar lá, em ruínas. – afirmou ela
- É uma pena! Por que ninguém quis morar lá, ou a venderam?
- Ela ficava isolada da aldeia, no extremo sul da ilha. Era de difícil acesso, numa região cercada de propriedades campestres onde a vida foi se tornando muito difícil à medida que o progresso e a falta de oportunidades, levou as pessoas a irem abandonando a ilha aos poucos, e viver com mais comodidades no continente. – esclareceu ela
- Eu gostaria de tê-la conhecido. Não sei o que me levava a sentir uma conexão com ela através desses desenhos. – devolvi.
Na manhã seguinte, ao lado do lugar que ela havia me preparado à mesa, estava uma caixa de madeira com o tampo marchetado. Dentro dela, uma papelada amarelada pelo tempo que confirmava a posse da propriedade ao meu tataravô.
- São seus! Se você se interessar por eles e ainda tiverem algum valor, são seus. – disse ela, me presenteando com a caixa.
Li-os sem muita empolgação, minha cabeça estava ocupada pelos meus problemas mais recentes e, como ela mesmo havia afirmado, muito provavelmente o governo já tinha confiscado a propriedade depois de anos de abandono. Guardei a caixa no fundo de um armário, como se fosse uma relíquia, embora sem valor.
Depois que revelei ser gay, o banco no qual trabalhava passou a dar prioridade a outros colegas e até a pessoas contratadas mais recentemente. Meu desempenho conseguindo novos clientes e batendo mensalmente as metas propostas já não eram mais suficientes para eu receber os elogios da diretoria. A hipocrisia sempre fez parte da condição humana, e devem ter achado que um gay podia denegrir a imagem de confiabilidade do banco. Passei a sentir que só estava ali por conta dos altos rendimentos que trazia ao banco, não porque achassem que eu tinha algum valor. Meu pedido de demissão foi aceito de pronto. Meu diretor parecia estar aliviado por não mais precisar conviver com um gay em sua equipe. Minhas últimas esperanças no ser humano terminaram ali. Animais selvagens se mostravam mais solidários com seus semelhantes, mas o homem era incapaz de tamanho desprendimento. Minha depressão se acentuou, voltei a depender de medicações para levantar todas as manhãs, pois minha vontade era a de dormir para todo o sempre.
Já estava uns quatro meses em casa, sem uma ocupação fixa, procurando um novo emprego, mas quando era convocado para as entrevistas, logo deixava claro que era gay. Esconder-me nunca mais, passou a ser meu lema. Obviamente, nunca recebi nenhum telefonema de retorno depois das entrevistas. Alguns poucos amigos que ainda conversavam comigo me aconselharam a omitir o fato.
- Afinal ninguém precisava saber com quem você vai para a cama! – disse-me um deles. – É sua vida privada, se você vai para a cama com outros homens, isso não interfere no seu trabalho. Guarde isso só para si. – sugeriu ele.
- Aí é que está, eu não vou para a cama com outros homens. Eu nunca me deitei com outro homem! Será que essa é a única preocupação das pessoas em relação a um gay, com quem ele está fodendo? Por que ninguém pergunta a um heterossexual com quem ele está fodendo, se é com a esposa que ele mantém dentro de casa, ou se é com a amante que arranjou na rua, ou se é com um garoto de programa que conheceu nos sites de encontros? Isso não é pecado, não é recriminável! Porém, o que um gay faz na cama é abominável, é sujo, é errado, por mais amor que possa estar envolvido nessa relação. – ponderei.
Se fosse possível sair do planeta eu o faria, deixando tudo para trás sem me voltar para nada. A porra da medicação que estava tomando me deixava grogue, uma lesma ambulante, um corpo entorpecido e uma mente preguiçosa. Esse ciclo precisava ter um fim, pensei comigo mesmo.
Me desfazendo de algumas roupas velhas, me deparei com a caixa que minha avó havia me dado. Voltei a examinar aqueles papeis rotos e gastos pelo tempo, e decidi verificar se aquela casa ainda existia. Deixei minha casa nas mãos de um primo que tinha voltado à cidade e estava à procura de um lugar para morar, e parti sem data para voltar. Segui por quatro horas rumo à costa, um Ferry Boat fazia a ligação com a ilha, à uma hora e meia da costa, quatro vezes ao dia. Era praticamente o único meio de comunicação dos insulares com o continente. Por ser a última viagem do dia, o Ferry estava lotado, carros embarcados, pessoas que vieram trabalhar ou resolver questões no continente, voltavam para a pequena aldeia que concentrava toda a atividade da ilha. Quando o Ferry aportou no cais da ilha estava escuro. Dirigi pela rodovia estreita que levava à aldeia sem noção de onde queria chegar. O pequeno centro comercial que se espalhava ao redor da praça principal e de algumas ruas laterais estava todo fechado. Perguntei a um transeunte sobre hospedagem e ele me indicou a única pensão da ilha. Os proprietários moravam numa ala do antigo casarão que já tinha sido um convento em tempos longínquos. Quem me recebeu foi um senhor sexagenário, dono da pensão com sua esposa. Por estarmos no meio da semana, eu era o único hóspede, o que me deu a oportunidade de saber um pouco mais sobre o lugar, de perguntar se sabia onde ficava a casa que lhe mostrei na tela do celular, depois de ter fotografado os quatro quadros na casa da minha avó. Ele me disse que havia muitas propriedades abandonadas na ilha.
- As pessoas já não conseguem mais viver decentemente por aqui, os tempos estão difíceis! – asseverou ele, dizendo que não reconhecia a casa.
Durante o jantar que compartilhei com eles na cozinha da casa, dispensando qualquer formalidade, eles foram me contando um pouco sobre a história da ilha, dos seus cerca de oito mil moradores, quase todos anciãos que conseguiam sobreviver devido às aposentadorias, e do declínio que ela estava passando, apesar de alguns pequenos proprietários ainda cultivarem frutas e legumes em suas propriedades, ou criarem algumas cabeças de gado, caprinos e ovelhas, do leite das quais produziam queijos.
- A vida corre tranquila por aqui! É preciso aprender a viver num lugar como esse, esquecido pelo mundo. – disse-me a mulher, pouco antes de que perguntar o que me levara até ali. Expliquei-lhe por alto o que pretendia, resgatar a propriedade se ainda fosse possível.
- Há uma representação administrativa do governo provincial na praça central, ao lado da agência bancária. Lá eles poderão lhe informar sobre a situação da propriedade. – esclareceu o marido.
Foi a primeira coisa que fui procurar na manhã seguinte, após o desjejum e de uma noite bem dormida, algo raro nos últimos tempos. Uma senhora de ancas largas, cabelos grisalhos amarrados num coque na nuca e óculos veio me atender. Ela me pareceu surpresa, como se os visitantes por ali fossem coisa rara.
- Vou verificar os livros, se quiser fazer uma caminhada, dentro de meia hora devo ter alguma informação para o senhor. – disse ela quando lhe entreguei a papelada.
Segui a sugestão dela, a manhã estava ensolarada e fresca, uma brisa do mar trazia um cheiro salgado que se misturava ao perfume de rosmarinho, manjericão e lavanda plantados nos quintais das casas, por trás das janelas das quais iam surgindo rostos curiosos com a minha passagem. Quando voltei à sede da representação administrativa, a senhora já me aguardava.
- A propriedade continua registrada em nome da pessoa que aparece nos documentos que o senhor me apresentou. Não há nenhum registro de que tenha sido vendida. O senhor conhece o proprietário?
- Ele foi meu tataravô, nunca o vi. Foi minha avó, neta dele que me deu esses papeis. – respondi. – A senhora sabe me dizer se posso tomar posse da propriedade, e o que teria que fazer para isso? – indaguei
- Constam alguns impostos atrasados, muito antigos. O senhor teria que quitá-los, me apresentar seus documentos e um vínculo que comprove seu parentesco com o proprietário. – disse ela.
- De quanto seria essa dívida dos impostos atrasados?
- Posso lhe fazer os cálculos e apresentá-los amanhã.
Concordei e pedi se podia me ajudar com a localização da propriedade.
- Sim, fica no sul da ilha, a uns dezoito, talvez vinte quilômetros daqui. É só seguir esta rua, ao final dela se inicia uma estrada, a propriedade fica às margens dessa estrada, não sei se será possível avistar a casa que me mostrou, se ela ainda estiver de pé.
Subitamente eu estava com pressa de chegar na casa, de me ver diante dela para conferir se os desenhos faziam jus à realidade. Dirigi por entre as elevações que se erguiam na forma de paredões rochosos e vulcânicos, seguindo as orientações que ela havia me passado. Cerca de vinte e cinco minutos depois, cheguei ao fim da estrada que acabava num enorme portão de ferro forjado ladeado por duas colunas de pedra. Não vi nenhum sinal da casa, mas resolvi chamar um senhor que, de longe, me viu estacionando junto ao portão.
- O senhor já passou por ela. Não dá para ver da rua, está toda encoberta pelas árvores e o mato, precisa voltar uns oitocentos metros mais ou menos, vai notar a entrada de uma trilha, é só subir por ela e chegar à casa. – explicou ele.
Estacionei na entrada da trilha, respirei fundo e fui pisando sobre as gramíneas altas seguindo a trilha fechada, meu coração batia forte, não sei porque. Uns duzentos metros da estrada, a casa surgiu parcialmente encoberta pelas árvores, tal qual meu tataravô a desenhara. Fui acometido de uma palpitação inexplicável. Circundei-a com cuidado, com o mato na altura do peito. Parte do telhado havia sido destruído por enorme galho que se desfazia sobre ele pela ação do tempo. A porta de entrada estava apodrecida e só as dobradiças de ferro ainda estavam incrustadas no batente de pedra. Uma ou outra janela havia resistido à ação do tempo e trazia alguma luminosidade para os ambientes, uma sala espaçosa com uma enorme lareira que ocupava toda uma parede e seguia até o teto, três cômodos que deviam ter sido os quartos da casa, dois banheiros rudimentares dos quais tudo havia sido depredado, uma cozinha grande, cercada de janelas com um fogão a lenha num dos cantos e um alpendre que saia dela e, do qual só restava uma das colunas de madeira de sustentação. Uma raposa saiu em disparada quando entrei na cozinha e quase me mata de susto. Restos do que fora um dia uma escada levava a um sótão, mas ao pisar nos degraus eles se desmancharam e não ousei me arriscar subindo os demais. Todas as paredes eram de pedra, tinham pelo menos meio metro de espessura, conferindo um aspecto robusto à construção, mesmo decrépita como estava. Todo piso de lajotões talhados estava intacto, sustentado por uma sólida base de pedras que se assentava sobre o terreno. Me vislumbrei sentado diante daquela lareira numa noite chuvosa tomando uma taça de vinho e sentindo uma paz que nunca havia sentido, talvez isso ainda fosse possível, pensei comigo mesmo.
De volta a aldeia, fiz meu relato do que encontrei aos donos da hospedaria. Eles me perguntaram se eu pretendia vir morar nela, e começaram a me incentivar a me mudar para a ilha, com inúmeros argumentos. No dia seguinte voltei a procurar a senhora da representação administrativa e ela me apresentou a dívida acumulada. A soma acumulada de impostos atrasados com sua devida correção, era de um valor irrisório.
- Sim, pode quitá-los comigo mesma. Vou lhe dar o recibo e fico aguardando o comprovante que o vincule ao dono atual da propriedade. – disse ela, esclarecendo também, que fazia décadas que os impostos das propriedades da ilha tinham sido suspensos, a fim de evitar a evasão de moradores, o que não se mostrou muito eficaz. Por essa razão o valor devido era tão baixo.
Pelos restantes dias daquela semana voltei à casa todos os dias, passava horas sentado nos degraus do alpendre fazendo croquis para uma eventual reforma, avaliando a possibilidade de vir me instalar nela e começar uma nova vida, começar uma vida como o verdadeiro Kevin e, enterrando definitivamente o outro.
Precisei ir ao continente para contratar mão-de-obra para os consertos e reforma. Havia dois meses que as obras tinham começado e o telhado destruído fora substituído, as esquadrias das novas janelas, mais amplas, instaladas, sistemas elétrico e hidráulico renovados, além de uma completa reformulação do terreno, eliminando o matagal e cortando e podando as árvores mais próximas da casa que podiam danificá-la durante uma tempestade, uma vez que elas eram comuns na ilha. Em meados do terceiro mês de reforma já consegui me mudar, apesar de muitas coisas ainda estarem por fazer, e nisso eu queria economizar fazendo eu mesmo muitas dessas pequenas coisas, já que tempo para tal não me faltava.
Duas a três vezes por semana eu seguia para a aldeia afim de comprar os materiais de que necessitava. Deixava para fazê-lo no período da tarde, sempre me demorando um pouco mais por conta das visitas que fazia ao casal da hospedaria que acabou se tornando minha primeira amizade na ilha. Eles gostavam das minhas visitas, do meu entusiasmo pela reforma, dos jantares que preparava em conjunto com a esposa e que depois degustávamos com uma garrafa de vinho antes de eu voltar para casa.
Excepcionalmente naquela semana estava indo para a aldeia todos os dias. O outono estava sendo marcado por fortes chuvas e ventos alísios soprando de nordeste, que costumavam ocorrer do meio para o final da tarde e início da noite, caracterizando a meteorologia insular. Não raro as precipitações vinham acompanhadas de raios e trovões que, ao cessarem durante as madrugadas, deixavam o amanhecer envolto em um nevoeiro baixo permeado entre os picos mais altos da ilha. Ainda não eram nove horas quando me despedi do casal na frente da hospedaria sob uma chuva torrencial. O limpador de para-brisa mal dava conta de remover a água que batia contra ele, o que me obrigou a seguir com cautela por aquela estrada sinuosa. Tinha percorrido uns 3 ou 4 quilômetros fora da cidade quando vi um homem abrigado sob o telhado da parada de ônibus. Àquela hora eles já tinham parado de circular fazia tempo, o que me levou a pensar tratar-se de algum sem-teto, pois todos os habitantes da ilha conheciam os horários dos ônibus. Pensei em parar e oferecer uma carona de volta à aldeia, mas ao chamá-lo ele, que estava deitado todo encolhido e de costas para a estrada sobre o banco de madeira, não me respondeu. Segui adiante, pensando que na manhã seguinte, ele acordaria todo encharcado, uma vez que o vento lançava a chuva para dentro do abrigo.
No início da noite do dia seguinte, encontrei-o novamente enrolado num cobertor surrado deitado sobre o banco, enquanto outro temporal desabava sobre a ilha. Como não o tinha visto ali quando me dirigi à aldeia, pouco depois do almoço, concluí que talvez fosse um trabalhador temporário que tinha vindo do continente, trabalhava durante o dia e não tinha onde se abrigar durante a noite.
- Ei, moço! Posso lhe oferecer uma carona até a aldeia ou outro lugar que queira? Você não pode apanhar toda essa chuva. Percebi que ontem estava todo molhado. Passou a noite toda debaixo do abrigo? – indaguei ao descer do carro e me aproximar dele.
Ele me respondeu com um aceno negativo de cabeça e se preparava para deitar novamente no banco. Era um sujeito parrudo, cabelo e barba crescidos emolduravam seu rosto como se fosse uma juba, no fundo do qual brilhava um olhar mortiço. Ofereci-me a levá-lo até a hospedaria quando lhe perguntei se havia jantado e ele novamente negado com um aceno de cabeça. Como não me respondia, concluí que fosse mudo e, ao questioná-lo, não obtive resposta.
- Você não pode passar mais uma noite aqui debaixo desse temporal e do frio, vai ficar doente, pegar uma pneumonia, ou coisa que o valha! Posso lhe pagar um pernoite na hospedaria se for o caso. – afirmei, ele me encarava sem esboçar reação alguma. Talvez seja alguém com problemas mentais, pensei, ante a indiferença dele às minhas palavras. – Venha comigo, entre no carro, não vou deixá-lo aqui por mais uma noite! – exclamei resoluto, pegando-o pelo braço. Ele não se moveu, e como era grande e pesado demais, não consegui erguê-lo para que caminhasse até o carro, embora ele não esboçasse nenhuma reação. – Está sentindo alguma dor que o impeça de andar? – eu já não sabia mais o que pensar, nem como agir. Ele não me respondeu. – Nem que eu tenha que chamar um guindaste, você vai entrar nesse carro e sair dessa chuva, está me entendendo? – afirmei, já sem paciência.
Depois de relutar mais um pouco, ele finalmente me deixou conduzi-lo até o carro. Ante o silêncio dele comecei a ficar nervoso, fazia uma pergunta atrás da outra para ver se descobria alguma coisa sobre ele, mas não obtive resposta alguma, apenas olhar perdido e a mesma resignação com a qual se deixara instalar no carro. Só posso estar maluco, pensei comigo mesmo. Nem sei quem é esse sujeito, pode ser um pobre coitado que não tem onde ficar, mas também pode ser um criminoso, talvez um assassino, e eu estou prestes a enfiá-lo debaixo do meu teto. Ao chegarmos em casa, ele examinava tudo ao seu redor, sem dizer uma palavra sequer. Eu tentava adivinhar o que significava aquela expressão em seu rosto, se era de um esquizofrênico, se era de alguém doente, se era de alguém sem eira nem beira ou se era um serial killer, e não chegava à conclusão alguma.
Estávamos ambos com as roupas encharcadas. Vasculhei pelas mais folgadas que tinha, caso contrário não caberiam naquele corpão imenso, e as coloquei em suas mãos, indicando-lhe o banheiro onde pudesse tomar uma ducha. Ele voltou a relutar por alguns minutos, mas ante a obstinação do meu olhar ele seguiu minha sugestão. Fiquei preparando uma janta rápida e improvisada enquanto ele se banhava. Ao reaparecer na cozinha, precisei segurar o riso, minhas roupas tinham ficado tão justas e curtas sobre aquele corpo musculoso que ele se parecia com o Hulk após a transformação. Me contive, pois receei a reação que poderia ter, caso me visse caçoando dele. Eu tagarelava feito uma matraca, de tão tenso diante daquele estranho que não falava, que me encarava com um olhar suspeito e que parecia não ter expressões na face, pois não sorria, não se mostrava zangado, nada, absolutamente nada. Era como se ele estivesse escondendo suas emoções por trás de uma fisionomia impassível e irrevogável. Contudo, ele avançou sobre as sobras do rosbife que eu tinha preparado no almoço, e sobre o purê de batatas e legumes cozidos com uma voracidade leonina.
- Quer mais? – perguntei, ao vê-lo degustando a comida com tanto empenho. Ele acenou positivamente com a cabeça. Sorri na direção dele e servi mais uma generosa porção de tudo.
A casa estava praticamente sem mobília, tive que instalá-lo num dos quartos sobre um colchão sem cama. Ele se recolheu enquanto eu terminava de lavar as louças e ajeitava a cozinha. Quando fui me deitar, passei pelo quarto e ele dormia profundamente. Deitado e meditando sobre aquele dia e, especialmente sobre aquele homem no quarto ao lado, eu pensei na loucura que havia cometido colocando um completo estranho dentro de casa. Por via das dúvidas, bloqueei a porta do meu quarto, com uma cômoda pesada, pois ainda não tinha instalado as fechaduras nas portas internas, caso o sujeito resolvesse dar cabo de mim durante a noite. Ele ainda dormia quando fui preparar o café, esperei um tempo achando que devia estar muito cansado, quem sabe tinha passado noites sem dormir decentemente. Com a mesa posta, fui ter ao quarto. Ele havia se livrado das roupas apertadas e jazia completamente nu sobre o colchão, com a coberta mal cobrindo suas pernas grossas e peludas do joelho para baixo. Como não sabia o nome dele para poder chamá-lo de onde estava, não me atrevi a entrar no quarto para acordá-lo.
Ele não tardou a aparecer na cozinha, tinha vestido aquelas roupas ridículas e percebia-se que se sentia tremendamente desconfortável dentro delas. Desejei-lhe – bom dia – ele tentou esboçar um sorriso em resposta, mas o que surgiu no semblante dele não foi mais do que um esgar.
- Dormiu bem? Lamento pela acomodação improvisada, ainda estou terminando a reforma e, por enquanto, só adquiri a mobília mais necessária. – fui logo dizendo, a presença dele me perturbava de um jeito inexplicável. Ele acenou positivamente com a cabeça. – Qual seu nome? – ele me encarou sem dizer nada. É mudo, não resta dúvida, concluí. – Sabe escrever? Vou lhe dar papel e caneta, assim pode responder as minhas perguntas, tudo bem? – indaguei, achando que tinha encontrado a solução para que nossas conversas não se restringissem a um monólogo. Apesar de ele não ter respondido, eu coloquei papel e caneta diante dele. Eles permaneceram intocados onde estavam. – Lavei suas roupas ontem à noite, mas ainda não devem estar secas, o ar é muito úmido nessa época do ano aqui na ilha. Ademais, elas estão bastante surradas, vou comprar outras para você esta tarde quando for à aldeia. Quer vir comigo, assim você mesmo escolhe as de sua preferência? – mais uma vez, eu não parava de falar de tão tenso que ele me deixava. E pior, nada do que eu disse mereceu uma resposta da parte dele. Será que as minhas perguntas o ofenderam? Ao lhe dar papel e caneta, ele não interpretou meu gesto como chamando-o de burro? Ao mencionar as roupas gastas, não deixei claro que o tinha por indigente? Não era nada disso que eu pensava, mas como explicar isso a um homem que simplesmente não responde a nada do que se pergunta a ele? Aquilo estava me deixando louco.
Após o desjejum, me pus a instalar umas prateleiras ao lado da lareira, dando continuidade aos pequenos serviços que fazia diariamente para concluir a casa. Ele veio me ajudar, embora eu inutilmente lhe tivesse dito que aquilo não era necessário, que ele não devia se sentir obrigado a retribuir nada do que eu tinha feito por ele. Mas, mais uma vez, nenhuma resposta, ele apenas continuou me ajudando como se eu não tivesse dito nada. Logo percebi que ele era tão desajeitado quanto eu, certamente nunca tinha feito qualquer trabalho manual, o que me fez voltar a pensar – quem é esse sujeito? Quando nos atrapalhávamos com a instalação, eu ria da situação, ele me encarava e, parecia também estar achando aquilo tudo engraçado. Contudo, o serviço rendeu bastante naquela manhã, o que me fez ver que uma ajuda era bem benvinda.
À tarde fui à aldeia, ele não quis me acompanhar quando, ao entrar no carro, tornei a insistir para que viesse comigo. De certo modo, acabei chegando à conclusão de que tinha sido melhor assim, pois isso me daria a chance de perguntar na cidade se alguém o tinha visto e se sabiam de quem se tratava. Comecei pelo casal da hospedaria, não sabiam de nada. Em todos os comércios que entrei, fazia a mesma pergunta. Ninguém sabia de quem se tratava, nem o tinham visto circulando pelas ruas. Lembrei-me do Ferry Boat e fui ter no cais. Se fosse alguém de fora da ilha, tinha que ter chegado por esse caminho.
- Só passam pelo caixa os automóveis e as mercadorias, que são taxados, passageiros comuns não precisam pagar pela travessia, portanto, não temos qualquer registro deles. – me informou o homem que controlava o acesso ao Ferry. Ele também não se lembrava de ninguém ter atravessado, nos últimos dias, do continente à ilha com as características que lhe descrevi.
Como o último Ferry aportava na ilha por volta das 19 horas trazendo os moradores que trabalhavam no continente, fiquei à espera da embarcação para ir questionando os passageiros se tinham visto alguém com aquelas características. Para variar, ninguém tinha visto aquele homem chegar à ilha. É impossível, pensei comigo, à nado é que ele não veio. Então deve ser alguém daqui mesmo. Com isso em mente, resolvi que começaria a vasculhar cada canto da ilha para descobrir a origem do meu hóspede.
Quando cheguei em casa, ele tinha preparado uma sopa, pois a chuva que tinha caído ao entardecer, tinha feito a temperatura cair bastante novamente. Elogiei-o pelo feito, agradeci e tive que admitir que a sopa tinha ficado muito saborosa. Ao menos uma coisa eu acabara de descobrir, ele sabia cozinhar. Também constatei que ele havia terminado de instalar todos os interruptores e tomadas que faltavam, e que eu havia deixado numa caixa para quanto tivesse tempo. Como suas roupas haviam secado, ele as estava usando.
- Comprei roupas novas, pode aposentar essas aí! Veja se te servem e se gosta delas, já deixei avisado de que as trocaria caso não sirvam. – informei.
Ele olhou na direção das sacolas e se voltou para mim, por uma fração de segundo achei que fosse me dizer alguma coisa, sei lá, agradecer, dizer que não tinha que fazer aquilo, mas tive que me contentar com aquele olhar impassível. Depois do jantar ele as provou, peça por peça, ali mesmo na cozinha e, toda vez que se despia para experimentar a outra, eu tratava de olhar para o teto o para as paredes ao redor, pois olhar para aquela nudez me deixava inquieto e vexado. Não sei se ele o percebeu, uma vez que ficar nu diante de mim parecia não o afetar.
As semanas iam passando, meu hóspede continuava a ocupar o quarto anexo ao meu e, apesar de todo meu empenho, não consegui descobrir mais nada sobre ele. A não ser, que em algumas noites ele tinha um sono bastante agitado, pois eu o escutava resmungando frases sem sentido, como se estivesse tendo um sonho ruim. Esse homem não pode ter caído do céu, de algum lugar ele veio, alguém deve tê-lo visto, isso não fazia sentido algum. Ademais, por que justamente comigo é que uma coisas dessas vai acontecer? O que vou fazer com ele agora, não posso simplesmente jogá-lo novamente na rua? Tomei a resolução de que ia esclarecer esse mistério a qualquer custo. Sentei-me uma noite com ele, depois de termos concluído diversos servicinhos naquele dia que fora bastante produtivo, disposto a extrair dele tudo que queria saber.
- Tenho te observado, quando estamos trabalhando juntos, que você não é uma pessoa sem instrução, pois tem mostrado que sabe encontrar soluções bastante criativas para as dificuldades que aparecem. Você está há quase dois meses morando comigo, e eu ainda não sei o seu nome, nem de onde veio, o que fazia debaixo daquele ponto de ônibus, por que não tem bagagem, como chegou à ilha, ou se é morador daqui e acho que eu mereço essas respostas, não acha? – questionei, pressionando-o.
Por alguns minutos, ele me encarou em silêncio, como das outras vezes, levantou-se e foi na direção do quarto. Pensei que ia me mostrar alguma coisa que estivesse entre seus parcos pertences numa sacola que havia trazido consigo. Porém, ao voltar, ele vestia suas roupas antigas, tinha a alça da sacola cruzada sobre o peito e começou a se dirigir à porta de saída. Quando ele ergueu uma das mãos num gesto de despedida, entrei em desespero. Não era isso que eu queria, eu só queria respostas, nada mais.
- Espere! Não quero que vá embora! Eu só não estou conseguindo lidar com essa situação, me desculpe se dei a impressão de estar te cobrando alguma coisa. – afirmei, correndo de encontro a ele e abraçando-o com força. Eu devia estar completamente fora do meu juízo perfeito, mas não podia deixá-lo partir, não daquela maneira. Ele permaneceu estático, aos poucos fui afrouxando meu abraço porque começava a me sentir ridículo. Tomei o rosto dele nas minhas mãos e o encarei. – Eu gosto de você, da sua companhia, não vá embora! – balbuciei, trazendo-o de volta ao lugar onde estivera sentado quando comecei aquela conversa.
Só um idiota carente como eu podia ter um gesto daquele, pedir para um estranho que não faz nenhum esforço para interagir comigo continuar morando sob meu teto. Mas, não foi nisso que pensei naquele momento, algo em mim me dizia que eu precisava ajudar aquela criatura, sem lhe pedir o impossível.
Voltamos a ficar ali sentados, na sala, mudos, pois até eu já estava me acostumando a não fazer perguntas, a não tagarelar como fazia antes, quando alguns ganidos no alpendre começaram a superar o barulho da chuva que caía lá fora. Intrigado, fui até a janela e não vi nada além da escuridão, embora os ganidos agudos continuassem. Abri a porta e me deparei com dois filhotes de cachorro magros e molhados até a raiz dos pelos. Assim que viram a brecha se abrindo e sentiram o calor que vinha do ambiente interno, eles correram na direção dos meus pés e ficaram me rodeando numa euforia sem tamanho, se esfregando nas minhas calças.
- Era só o que me faltava! Mais dois desabrigados dentro de casa! Devo ter muitas contas a acertar, só pode ser essa a explicação! – exclamei baixinho, para que meu hóspede humano não pensasse que as palavras eram dirigidas a ele, ao mesmo tempo em que fui providenciar toalhas secas para enxugar os novos inquilinos. Esses sim, se mostrando gratos pela acolhida, lambendo minhas mãos e ensaiando uns latidos agudos.
Depois daquela minha conversa com meu hóspede humano, na manhã seguinte, quando ele chegou à cozinha, colocou um pedaço de papel ao lado do meu prato – ALEX – estava escrito nele em letra de fôrma. Minhas mãos tremiam quando segurei o pedaço de papel, meu hóspede tinha um nome finalmente. Eu sorri na direção dele, achando que ele me devolveria qualquer expressão, mas ainda não foi dessa vez. De qualquer forma, eu estava grato e feliz, pois agora podia pronunciar seu nome quando preciso.
- Obrigado, Alex! E, mais uma vez, me desculpe por ontem! Gosto que esteja aqui comigo. – asseverei sorrindo.
A partir dali, pensei que íamos começar a nos comunicar através daqueles bilhetes, uma vez que ele era mudo, mas não analfabeto. Não foi bem isso que aconteceu. Houve algumas respostas nos bilhetes sim, mas tão somente em situações muito raras e específicas, quando uma resposta era imprescindível. Não insisti, dei-lhe o espaço de que precisava. Ele continuava a me ajudar com a reforma e, praticamente já não havia mais nada a fazer; a casa tinha voltado ao seu esplendor de antes do abandono, tinha ficado acolhedora e linda, e eu me sentia bem morando ali com meus inquilinos. Raríssimas vezes o Alex tinha me acompanhado até a aldeia, sua fobia por pessoas era evidente; o que o levou a isso, era mais um mistério que talvez eu nunca fosse desvendar. Contudo, no dia em que anunciei que ia finalmente comprar uma cama para colocar no quarto dele, ele me acompanhou. Opinou na escolha que, segundo ele, sempre recaía nos modelos mais baratos, mas que nem sempre condiziam com o meu gosto. Talvez não me quisesse ver gastando dinheiro com ele, por isso adiei a compra, convidando-o a me acompanhar até a hospedaria para almoçarmos com meu casal de amigos, aos quais eu já o havia apresentado na primeira vez em que ele foi comigo até a cidade.
Eles haviam me confessado nunca ter visto aquele homem antes na cidade, não era um morador da ilha, disso tinham plena certeza. Lembro-me de que naquele dia, o marido me chamou num canto, me prevenindo dos riscos de abrigar um estranho sob meu teto, eram os mesmos temores que eu tive de início. Depois de algumas visitas, ele chegou à mesma conclusão que eu, se não tinha feito mal algum até então, era porque devia ser alguém de bem, e o recebiam a cada visita com o mesmo carinho que dedicavam a mim. Naquela noite ele dormiu na cama nova, interpretei a maneira como encarou ao se ajeitar nela como um sorriso de agradecimento. Fui para o meu quarto sentindo as lágrimas descendo pelo rosto, que ninguém se atreva a me perguntar por quê. Afinal, todos haviam encontrado seu canto. Eu no meu quarto, ele no dele que agora se parecia mesmo com um quarto, e os dois filhotes em seus respectivos colchonetes, que o próprio Alex havia confeccionado com dois pedaços de espuma que adquirimos na cidade e um tecido grosso que os revestia, junto à saída da cozinha. De certa maneira era como se eu fosse me dando conta de que cada um tinha seu lugar no mundo, inclusive gays como eu, e isso me dava alguma esperança de um dia encontrar a felicidade, fosse lá por onde ela andava.
Acordei assustado no meio da madrugada, não era primeira vez; na verdade, era a terceira, com os sons graves e guturais que vinham do quarto do Alex. Fui ter com ele e, como das vezes anteriores, ele se debatia sob os lençóis, rugindo e se contorcendo como se quisesse afastar um pesadelo. Segurei aqueles braços fortes que se agitavam descontroladamente no ar, chamei seu nome, tentando acalmá-lo. Ele estava novamente empapado de suor, demorou um pouco a despertar quando sentiu que eu estava a seu lado e segurava a cabeça dele no meu colo. Ao abrir os olhos e perceber onde estava, tranquilizou-se, mas estava exausto, com a respiração acelerada.
- Ssshhh! Sssshhh! Está tudo bem, acalme-se! Você está em casa, está seguro! – exclamei, enquanto acariciava seu rosto barbudo. Ele me encarou e, lentamente, foi relaxando, até sua respiração se normalizar. – Estava tendo um pesadelo? Seja lá o que for, não precisa recear, estou aqui com você, nada de ruim vai te acontecer. – continuei, pois não fazia ideia da origem daqueles rompantes que o deixavam naquele estado. Fui à cozinha, preparei um chá e fiz com que o bebesse. Ele voltou a deitar a cabeça no meu colo e, minutos depois, dormia um sono tranquilo, enquanto eu afagava sua densa cabeleira que, aliás, constatei, precisava de um corte.
Na manhã seguinte, foi como se o episódio não tivesse acontecido. Questionei-o a respeito, mas não obtive resposta, bem ao estilo Alex. Já não me abalava mais com isso. Havia tanta coisa sobre aquele homem que eu desconhecia, mas mesmo assim, sentia haver uma forte conexão entre nós.
Esse último episódio aconteceu na véspera do meu aniversário, trinta e um anos. Há exato um ano eu estava enfrentando o dilema de sair do armário, revelando minha condição de gay. Depois desses doze meses não tinha nada a comemorar apesar da minha vida ter dado uma guinada. Porém, continuava mais solitário do que antes de perder quase todos os amigos, parentes e familiares. Começava a achar que tinha nascido para viver ou na obscuridão, ou no falso glamour de uma existência que não refletia minha verdadeira identidade. De modo que, não estava nos meus melhores dias naquela manhã, quando em meu peito imperava tão somente uma tristeza profunda.
Normalmente era eu quem preparava nosso café da manhã, apesar de nem sempre ser o primeiro a sair da cama. Porém, uma manhã fui surpreendido ao despertar, pelo aroma de café se espalhando pela casa. Quando fui ter com o Alex na cozinha, uma surpresa maior me aguardava. Ele havia cortado os cabelos bem curto e tirado a barba. Foi a primeira vez que o vi sem aquela juba que encobria todo seu rosto. A surpresa maior e que mais mexeu comigo, foi constatar que ele era um homem lindo, algo de que eu já desconfiava, mas que agora se mostrava abertamente. Os olhos verdes pareciam maiores e seu brilho mais penetrante. Os lábios mais bem delineados e sensuais por parecerem úmidos. O queixo anguloso era de uma virilidade exorbitante e instigadora. Eu podia me apaixonar por esse homem, foi o que passou na minha mente quando ele me encarou, esperando pela minha reação. Não escondi meu sentimento e, numa explosão de sinceridade expressei o que talvez tivesse que ter guardado para mim.
- Você ficou lindo, muito lindo, Alex! – deixei escapar de tão impressionado com a transformação. Ele imediatamente virou o rosto disfarçando, o que me fez concluir que tinha exagerado no elogio, num comportamento pouco masculino. – Me desculpe! Quero dizer, ficou ótimo sem aquela barba escondendo suas feições, e o cabelo curto também lhe caiu muito bem. – corrigi envergonhado.
Eu já o tinha flagrado outras vezes ou completamente nu ao sair do banho, ou ao se trocar em seu quarto com a porta entreaberta; com o torso exposto e suado quando trabalhava ao ar livre na propriedade, dormindo pelado e sem o lençol nas noites abafadas de verão, em todas essas ocasiões, meus instintos se inflamavam e um desejo incontrolável revolvia minhas entranhas. O Alex era inquestionavelmente um homem lindo, másculo, viril, ombros largos definiam seu tronco sólido, um abdômen trincado sensualmente coberto de pelos terminava num cacetão enorme e um saco cavalar. Seus braços exibiam bíceps musculosos, e as mãos potentes dedos grossos que davam a impressão de garras. Afastei-me dali correndo quando voltei a sentir um calor se incendiando nas minhas entranhas, como acontecia nos vestiários durante os campeonatos diante de outros competidores nus. Tive receio de dele suspeitar que eu era gay e resolver se afastar como fizeram quase todos, como se eu estivesse acometido de uma doença contagiosa e mortal.
O Alex era perspicaz, poucas coisas lhe passavam despercebidas e, ao vir ter comigo para o desjejum, logo notou minha tristeza. Desde que estava morando comigo, nunca o vi dando um sorriso genuíno, quanto menos uma risada com as bobagens que eu falava de vez em quando. Ele estava sério quando me questionou, gesticulando, se havia algo de errado comigo.
- Estou bem sim, é só uma tristeza passageira! – respondi, sem olhar para ele, temendo que se o fizesse, aquele nó na minha garganta se transformasse em choro. – Consequência de ter vivido uma vida que não era a minha – esclareci, ou pelo menos, tinha achado que esclareci, mas notei que ele não havia atinado com nada.
Os meses foram passando, os dois filhotes caninos se transformaram em dois gigantes destemidos que corriam pela propriedade atrás de qualquer lebre que invadisse o espaço, tentavam com saltos longos alcançar os passarinhos que se atreviam a voar diante de seus focinhos, e com seus corpanzis desajeitados, corriam pela casa deslocando móveis e derrubando cadeiras por onde passavam. À noite, ficavam enroscados aos nossos pés e, não raro, depois de se acomodarem em seus acolchoados por um tempo, vinham se enfiar sorrateiramente em nossas camas confiando não serem expulsos. Estava fazendo um ano que tirei o Alex daquela tempestade trazendo-o para dentro de casa. De uma maneira muito estranha tínhamos nos tornado amigos apesar daquela mudez que impedia de nos conhecermos melhor. A companhia dele me fazia bem, ele se mostrou, durante todo esse ano, um excelente faz tudo dentro de casa me ajudando a completar a reforma, a decorar a casa e, a concluir nosso mais novo projeto, aproveitar um galpão no fundo da propriedade, também em ruínas, para cultivar cogumelos, pois eles cresciam abundantes nos bosques da ilha e me inspiraram a cultivá-los para vendê-los a restaurantes do continente.
Fazia uma tarde quente e abafada, já prenunciando o temporal que certamente cairia ao anoitecer. Após o almoço, me pus a fazer um bolo, nunca tinha feito um, mas quis comemorar aquele dia que se tornara especial para mim e, eu supunha, para o Alex também. Segui uma receita ao pé da letra, pequenos deslizes aqui e acolá não impediram que ao final, aquilo que tinha diante dos meus olhos, se parecesse com um bolo apetitoso que eu havia recheado e coberto com os morangos que o Alex plantou numa horta que havia feito próximo ao alpendre da cozinha. No meio da tarde, chamei-o para contemplar minha obra.
- Já tinha te perguntado algumas vezes quando é o seu aniversário, e como você nunca me respondeu, resolvi adotar a data de hoje para comemorar. – comecei, enquanto ele admirava o bolo. – Faz um ano que você entrou na minha vida e quero que saiba que foi um dos anos mais felizes da minha vida, por isso quero compartilhar essa felicidade com você. Te agradecer por toda ajuda e companhia que me fez durante esses últimos doze meses e, te desejar muitas felicidades por ser a criatura gentil e companheira que demonstrou ser. Obrigado, Alex! – emendei. Quando o abracei, ele, pela primeira vez, me puxou com força contra seu tronco maciço e me apertou em seus braços. Seus olhos estavam marejados quando me soltou, dos meus escorriam lágrimas.
Não sei precisar a que horas ele entrou no meu quarto aquela noite, já era bem tarde quando fomos dormir naquele dia. Acordei com a porta se abrindo para dar passagem ao corpão dele, totalmente nu, diga-se de passagem e, acomodando-se ao meu lado.
- O que foi Alex, outro daqueles seus pesadelos? – perguntei, levantando o lençol para que ele se juntasse a mim. – Deita aqui no meu ombro, são só pesadelos, daqui a pouco passam e você consegue dormir. – continuei, acomodando a cabeça dele no meu ombro e afagando seu rosto. Ao contrário das vezes anteriores, ele não estava todo suado e tenso. – Quer que eu faça aquele chá de melissa, você sempre se tranquiliza depois de tomá-lo? – questionei, já esperando não obter nenhuma resposta. O que veio a seguir me tirou do prumo.
O Alex começou a roçar o rosto, com aquela barba de três dias, no meu pescoço, enquanto sua boca úmida percorria minha pele vindo gradativa e sutilmente na direção da minha, até seus lábios pousarem sobre os meus, comprimindo-os com sensualidade e uma pressão crescente. O corpo dele foi rolando sobre o meu, me fazendo sentir seu peso e a energia latente que extravasava dele. Comecei abrindo a boca e retribuindo aquele beijo cheio de cobiça, enquanto envolvia o torso sólido dele nos meus braços. O que estava acontecendo, seria eu a ter um pesadelo desta vez? Se fosse, não o classificaria como pesadelo, mas como um sonho, o mais maravilhoso sonho que já tivera. Será que preciso me beliscar para ter certeza? Não, não precisava, aquele homem viril, cheio de tesão, estava mesmo se apoderando de mim. O confirmavam o beijo lascivo que não deixava nossas bocas se desgrudarem, aquelas mãos vigorosas deslizando pelo meu corpo numa avidez crescente, aquele caralhão duro e babando se esfregando na minha coxa. Um calor sufocante se amplificava no meu peito, revolvendo minhas entranhas, contraindo meus esfíncteres anais. Comecei a arfar à procura de um ar que parecia não chegar na medida da minha necessidade. Isso excitou o Alex e, em pouco, ele também arfava; sem, contudo, parar de me beijar. Quando ele começou a descer pelo meu pescoço com aquela boca voraz lambendo e mordiscando minha pele e seguindo na direção dos meus mamilos, eu pensei que ia desfalecer de tanto tesão. Senti-o chupando e sugando meu mamilo, enquanto suas mãos se encarregavam de tirar a cueca de cima das minhas nádegas.
- Alex! Alex! – gemi, me contorcendo naquele êxtase lascivo.
Não sabia o que fazer com as minhas mãos, elas queriam agarrar aquele homem, acariciá-lo, sondar seu corpo quente, tocar aquela pele que a tempos vinha me atentando. Não as reprimi, agarrei seus bíceps musculosos, acariciei seus ombros espadaúdos, sondei suas costas largas, toquei naquela pele sensual de seus flancos e ventre. Nunca tinha ousado chegar a tanto, explorar tão livremente o corpo de outro homem, e sentindo ele se inflamando com meus toques. Vagarosamente, comecei a abrir minhas pernas deixando o Alex encaixado no meio delas. Ele as ergueu pelos joelhos até eles alcançarem seus ombros, deixando minha bunda carnuda aberta e vulnerável à predação sequiosa dele. Quando seus beijos úmidos tocavam meu ventre ao redor do umbigo, eu me contorcia, gania e só pensava em abrigar aquele macho no meu cuzinho virgem. Ele me virou de lado, lambeu e beijou minha coluna da nuca até o cóccix, enquanto suas mãos amassavam minhas nádegas e as apartava deixando livre o acesso ao cuzinho rosado que piscava no fundo do meu reguinho liso. Gemi alto o nome dele quando senti sua língua lambendo minhas preguinhas anais, meu corpo todo estava tomado por espasmos que eu já não conseguia controlar. Quando senti o hálito dele roçando a pele da minha nuca, e ele pincelando aquele caralhão ao longo do meu rego à procura da minha fenda anal, eu puxei a cabeça dele para perto do meu rosto e o beijei, me entregado incondicionalmente à sua volúpia. Os gemidos libidinosos que escapavam da minha boca se transformaram num grito agudo e pungente, quando senti minhas pregas se rasgando para permitir a entrada daquele colosso no meu cuzinho.
- Ai, eu não vou aguentar! – gani, logo após o grito que havia preenchido o quarto com a luxúria do sexo.
O Alex parou de forçar assim que a cabeçorra ficou travada pela contração dos meus esfíncteres. Ele me abraçava com carinho, sabendo que isso talvez atenuasse a dor que eu estava sentindo e me compensasse por sua gana desenfreada, esperando minha musculatura anal relaxar, para continuar enfiando seu falo taurino nas minhas entranhas. Eu me sentia completamente preenchido, aquele enorme vazio que sempre havia habitado dentro de mim estava finalmente ocupado por um macho fogoso que pulsava indômito alojado profundamente na minha carne. Naquele momento eu soube o real significado da palavra felicidade, pois era esse o sentimento que reinava em mim, e me fazia querer compartilhá-la com aquele homem que me completava. Envolto nesse frenesi, me esporrei todo, o prazer era tamanho que parecia não caber em mim. Naquele transe que me envolvia, comecei a distinguir o movimento de vaivém daquele caralhão deslizando no meu cu, era o Alex me possuindo, me devorando, me desejando como nenhum outro homem jamais havia demonstrado. Encarando seu olhar cobiçoso, eu me entregava devolvendo um olhar doce e cúmplice. A pelve dele se movia com agilidade, as estocadas potentes metiam o cacetão tão profundamente em mim que eu tinha a sensação de estar sendo empalado. Minhas forças minguavam à medida que ele me consumia. A respiração profunda dele vinha do fundo do peito, emergindo como um grunhido rouco, longo e contínuo. Gotas de suor começaram a aflorar de suas têmporas, e eu as afagava com as pontas dos dedos. A cadência do vaivém começou a truncar, percebi que toda musculatura do baixo ventre dele se contraía, o grunhido se transformou num único urro, forte, sonoro. O gozo abundante que ele ejaculava no meu cuzinho escorria pegajoso e quente sobre a minha mucosa anal esfolada, e eu a recebia com a mesma intensidade que receberia uma dádiva divina. Seu olhar apaixonado me encarava expondo toda sua alma.
- Eu te amo, Kevin! – balbuciou ele, nas primeiras palavras que ouvi saindo daquela boca. Segurei o rosto dele entre as minhas mãos e comecei a chorar. Aquilo só podia ser um sonho, e eu não queria mais acordar.
- Você não é mudo, meu amor! Não é mudo! Eu te amo tanto, Alex! – sussurrei entre lágrimas e soluços.
Ele voltou a pousar a cabeça no meu ombro e deixou seu corpo desabar sobre o meu, enquanto aquele caralhão continuava dando pinotes dentro do meu cuzinho, cada vez mais espaçados e menos rijos. O Alex adormeceu naquela posição, sentindo meus dedos contornando suavemente seu rosto. O calor que vinha do corpo dele e aqueles batimentos cardíacos compassados que reverberavam sobre o meu peito me transmitiam uma segurança que jamais havia sentido.
Acordei sozinho na cama na manhã seguinte, mas conseguia ouvir o Alex na cozinha. Como uma nuvem escura e densa que passa pelo céu antes da chuva, um pensamento atravessou minha mente. Por que esse homem mentiu para mim durante todo esse tempo, me fazendo crer que era mudo, me enganando? No que mais ele mentia? Por que me fez de otário enquanto eu me preocupava com o bem-estar dele, acolhendo-o e ajudando-o sem esperar nada em troca? Mas, assim que ele entrou no quarto, trazendo uma bandeja com o café da manhã, todas essas questões se dissiparam, naquele sorriso largo e genuíno que ele me dirigia e, naquele olhar que não conseguia disfarçar a paixão.
- Tenho muito a te contar e explicar! Mas, antes de tudo, quero um daqueles beijos que você me deu essa noite, a mais maravilhosa e surpreendente que já tive. – disse ele, aproximando-se até minhas mãos o alcançarem e minha boca se colar à dele.
Durante todo aquele dia, ele foi me relatando por etapas, o porquê de nunca ter respondido as minhas perguntas, de me deixar fazendo conjecturas sobre ele enquanto ele próprio se perguntava se valia à pena continuar vivendo, pois ele teria desistido se não fosse por mim. Ao se expressar tão abertamente, voltei a me lembrar de quando eu mesmo tinha desistido da vida, ingerindo dois frascos de medicamentos na esperança de nunca mais acordar. Eu não sabia qual era a dor que ele carregava para pensar em desistir da vida, isso à essa altura, não importava, o que importava é que ele estava ali comigo, e que foi o primeiro homem a me declarar seu amor, o primeiro homem a quem me entreguei de corpo e alma. Contentei-me com as explicações dele, sabia que ainda havia mais coisas que ele guardava sigilosamente dentro de si, não por que não confiasse em mim, mas por que elas ainda o machucavam profundamente. Não o forcei a nada, tudo viria a seu tempo. Por hora, me bastava a paixão e o amor sincero que ele demonstrava por mim e, o fato de ter elegido a minha cama para se aninhar todas as noites, o que nos levou a fazer amor com a frequência de um casal apaixonado.
Poucas semanas depois, recebi uma mensagem da minha mãe informando que minha avó precisou ser internada e não estava nada bem. Cogitaram os médicos que talvez precisasse de uma cirurgia para desobstruir alguns vasos do coração. Corri para o continente, de volta à minha cidade, a fim de vê-la e ficar ao lado dela.
- Venha comigo! Estou louco de vontade de te apresentar às pessoas que importam. – pedi, enquanto me preparava para a viagem.
- Prefiro ficar! Há muito o que fazer por aqui, os cães não podem ficar sozinhos, vou ficar bem, vá tranquilo! – respondeu ele, numa demonstração de que ainda não estava preparado para assumir nosso relacionamento em público, imaginei eu.
- Tenho medo de que você tenha uma de suas crises enquanto eu estiver longe, e ninguém para ficar com você. Fique ao menos na hospedaria na cidade, vou ficar menos preocupado. – argumentei.
- Não vou ter nenhuma crise, prometo! Só vou sentir muita saudade! – devolveu ele, junto com um beijo carinhoso e demorado.
- Como você pode prometer que não vai ter outra crise? Sem que você espere elas podem voltar.
- Porque agora sei que tenho você! – respondeu ele, com aquele olhar zeloso que fazia eu me estremecer todo.
- Me prometa ao menos que se tiver algum problema vai para a aldeia e vai procurar pelos nossos amigos, prometa! – insisti. Ele sorriu e acariciou meu rosto.
- Ah, Kevin! Eu não mereço um presente como você, meu amor! – retrucou ele, o que não diminuiu minha apreensão.
Parti, mas não sem antes passar pela hospedaria e pedir para o nosso casal de amigos darem uma passada em casa e checarem como o Alex estava bem.
Quando cheguei ao hospital, minha avó tinha acabado de ser operada, e os médicos estavam otimistas com o sucesso da cirurgia. Quando ela voltou ao quarto depois de três dias na UTI, eu não saí mais do lado dela. Ela me estendeu os braços abertos e beijou minha testa quando me viu.
- Que bom que está aqui! Não gosto de saber que você está tão longe agora, distante de tudo e de todos. – disse ela preocupada.
- Eu estou bem vovó! Teremos tempo para conversar bastante, estou cheio de novidades, e acho que você vai gostar delas. – devolvi, deixando-a animada e curiosa
- Então não percamos tempo, que novidades são essas?
- Terminei a reforma da casa, veja essas fotografias, não ficou linda? – mostrei orgulhoso as imagens que tinha no celular, que ela examinou meticulosamente.
- Você é muito talentoso, Kevin, ficou esplendida, melhor do que eu me lembrava. – elogiou ela, conferindo imagem por imagem. – Quem é esse rapagão lindo que aparece em algumas fotos? – a perspicácia dela ainda estava bem aguçada.
- Pois é, vovó! Essa é mais uma das novidades, a mais significativa e importante, eu acho. Este é o Alex. – respondi.
- E esse Alex vem a ser exatamente o que? Pela maneira como ele está olhando para você em algumas dessas fotografias, um mero ajudante da reforma é que não é. – observou ela, me dirigindo um risinho de cumplicidade.
- Sinceridade? Ainda não sei afirmar com toda a certeza! Deixei de ser virgem com ele, na mais maravilhosa experiência da minha vida. Ele é carinhoso, é cuidadoso comigo, é protetor, é tudo, vovó! – respondi feliz por compartilhar essa felicidade com ela
- Agora consigo entender o seu sumiço! Não te faltaram motivos, e isso me deixa imensamente feliz! Você merece, Kevin, merece alguém que te ame, que cuide de você. Faço questão de conhecer o Alex o mais brevemente possível. Ele veio com você, traga-o aqui. – retrucou ela
- Não, não veio! Ficou em casa, com nossos dois outros inquilinos, dois filhotes caninos que apareceram do nada numa noite de tempestade e viraram dois enormes monstrengos, você não faz ideia do tamanho que eles ficaram, são duas pestinhas que a gente ama muito. – revelei
- Que bom ver esse sorriso no seu rosto, Kevin! Essa alegria transbordando nas tuas palavras. Faz tempo que não te vejo tão animado! Afinal meu presente acabou sendo mais valioso do que eu imaginava. – disse ela
- Nem me fale, vovó! Teu presente me devolveu a vontade de viver, de ter esperanças em dias melhores. – asseverei agradecido. – Tem mais novidade! Veja esses desenhos, não são parecidos com os do seu avô? Foi o Alex quem os desenhou, usando a mesma técnica! – revelei, mostrando-lhe uma pasta com os desenhos que eu pretendia mandar emoldurar enquanto estivesse na cidade.
- São idênticos! – exclamou ela, espantada com a semelhança. – Não se consegue afirmar quem fez quais, não fosse o papel mais amarelado e grosseiro dos do seu tataravô. O Alex os copiou? – quis saber.
- Pois aí é que está, ele começou a desenhá-los sem nem mesmo saber da existência dos que a senhora me deu. Um belo dia o flagrei sentado no quintal desenhando a casa na mesma perspectiva que seu avô tinha desenhado. A semelhança me espantou, e então mostrei a ele todos os desenhos que tinha. Não é uma coincidência incrível? – indaguei
- Sem dúvida, sem dúvida! São muito parecidos e bem elaborados, veja os detalhes, até nisso eles focaram com a mesma sensibilidade. – observou minha avó. – Você está apaixonado pelo Alex, não está? Nem precisa responder, o brilho no seu olhar já diz tudo. – emendou ela
- Estou vovó! Isso nunca me aconteceu, não sei explicar. Só sinto que ele foi ocupando cada vez mais espaço aqui dentro, e acho que posso chamar esse sentimento de amor. Pareço um bobão, não é? Um cara com trinta e um anos que nunca teve uma paixão tão verdadeira e intensa, um trintão até a poucos meses virgem como um adolescente inexperiente, patético, não é?
- Claro que não, querido! Você lutou anos para se descobrir, enquanto todos exigiam que você fosse uma pessoa que não é. Ter deixado sua sexualidade se expressar um pouco mais tarde não é nenhum demérito, nenhuma bobagem, nada patético. É a sua história, só isso! Foi o tempo que precisou para acontecer, nada mais! O bom disso tudo, é que você ainda tem muito tempo pela frente para viver esse amor ao lado do Alex. – sentenciou ela, como se aquilo já fosse uma convicção.
- Eu gostaria de estar tão certo disso quanto você! Não sei quase nada dele. Eu o resgatei de um temporal, até a poucos meses achava que ele era mudo, pois nunca tinha pronunciado uma única palavra, não sei de onde veio, o que fazia antes de conhecê-lo, o que se passou em sua vida pregressa, embora suspeite que não tenham sido coisas muito boas. – fui enumerando no meu argumento.
- Mas vocês podem conversar sobre isso! Dê-lhe espaço e tempo para se abrir com você. Por que acha que o passado dele não teve bons momentos? Acha que pode se tratar de alguém que tenha cometido algo reprovável, ou até mais perigoso?
- Não, não é isso! Eu não sei explicar, mas sinto que ele é uma boa pessoa, que tem um coração enorme, mas que também carrega uma dor dentro de si da mesma proporção. Ele tem algumas crises que o atormentam, que o deixam arrasado, e não sei o que pode ser. – revelei.
Fiquei quase um mês no continente acompanhando a recuperação da minha avó que, felizmente, se deu por completo. Ela ia passar a depender de alguns medicamentos de uso contínuo, mas estava plenamente recuperada quando nos despedimos com a promessa de eu retornar em breve com o Alex.
O tempo que estive fora aproveitei para comprar algumas coisas para a casa, para o Alex, apesar de ele me censurar toda vez que o presenteava com alguma coisa, por mais singela que fosse. Não via a hora de chegar em casa, de me atirar nos braços dele e fazer amor até ficarmos exauridos. Conversávamos todos os dias pelo celular, e ele parecia sofrer da mesma ansiedade pelo meu retorno. Ao chegar ao cais do Ferry no lado continental, ventava muito inviabilizando a travessia com segurança. Precisei pernoitar na cidade e aguardar a melhora das condições climáticas. Aproveitei as horas livres para circular pela cidade, apesar de estar há um ano morando na ilha, praticamente não conhecia a cidade do continente. Havia escurecido rápido, passava pouco das 16 horas e já estava escurecendo, indicando que o inverno já batia às portas. Entrei numa loja para comprar coleiras novas para os cães, pois as deles já estavam bastante gastas. Quando o vendedor se preparava para embrulhá-las em uma folha de jornal velho, eu distingui uma fotografia do Alex numa reportagem de meia página. O jornal datava de dezesseis meses atrás, mencionava um acidente numa rodovia na província vizinha, onde duas pessoas perderam a vida numa colisão com um caminhão desgovernado que atingira um veículo onde estavam um casal com o filho de dois anos, a esposa e a criança. A notícia ainda informava que o carro fora lançado para fora da estrada e despencado numa ribanceira antes de pegar fogo. O motorista do caminhão e o marido não conseguiram resgatar as duas vítimas fatais. À medida que eu ia lendo a reportagem, minhas lágrimas pingavam do meu rosto.
- O senhor está bem? Está pálido, é melhor vir se sentar aqui um pouco. – ouvi o vendedor falando, com uma voz modulada e distante, enquanto ele me conduzia para uma cadeira sem que eu apresentasse qualquer reação.
- O segredo do Alex! – exclamei num sussurro para mim mesmo.
- Como, senhor? O que posso fazer para ajudá-lo, está sentindo alguma coisa? – questionava aflito o vendedor.
- Hã! Não, não obrigado! Está tudo bem! – respondi
- O senhor não está bem, não! Fique aí que vou providenciar um copo d’água. O senhor parece atordoado!
Sim, atordoado eu estava. Agora eu começava a entender o comportamento esquivo e reservado do Alex, começava a ter uma ideia da dor que ele passou ao ver sua família carbonizando no incêndio do carro sem que ele nada pudesse fazer para salvá-la.
Ao chegar no hotel onde precisei pernoitar à espera da melhora das condições climáticas, liguei imediatamente para o Alex, eu ainda segurava a folha do jornal com a reportagem na mão.
- Oi amor! – exclamou o Alex, assim que atendeu minha ligação. Assim que ouvi sua voz comecei a chorar.
- Oi, querido! Estou te ligando para avisar que terei que pernoitar no continente, os ventos no canal estão muito fortes e o translado do Ferry foi interrompido. – comuniquei, tentando disfarçar a voz embargada.
- O que foi Kevin, por que está chorando? Você está bem? O que aconteceu?
- Eu te amo! – consegui pronunciar a muito custo.
- Eu também te amo! Você está me deixando aflito! Me diga o que aconteceu! – pedia ele agoniado.
- Está tudo bem, juro, não se preocupe! – afirmei
- Então por que está chorando? – insistiu ele.
- Porque sou um bobão! Um bobão que te ama muito! Não vejo a hora de te abraçar. – respondi.
- Só me abraçar? Eu estou aqui cheio de ideias do que vou fazer com você ao te ter em meus braços. – eu gostava quando ele se mostrava atrevido e libertino, expressando o tesão que sentia por mim. – Estou com muita saudade! – finalizou.
- Eu também! Vou te deixar fazer tudo o que quiser comigo, depois vou te dar todo carinho que você merece. – asseverei
Tive uma noite insone, fui acometido por visões que remetiam ao acidente, mesmo eu não tendo presenciado nada. Eram imagens terríveis onde os personagens não tinham rosto, à exceção do Alex. Nelas a expressão dele aparecia distorcia por uma dor insuportável, por uma sensação de abandono e desesperança, que chegava a doer profundamente em mim, me fazendo despertar sentindo falta de ar e com o coração palpitando. Me senti aliviado quando vi que estava amanhecendo, e saltei da cama bem mais cedo que o necessário para pegar o primeiro Ferry para a ilha.
Na passagem pela cidade, deixei algumas coisas que havia trazido do continente para nosso casal de amigos da hospedaria e, por alto, contei-lhes a história do Alex, mostrando-lhes a folha do jornal.
- Por isso ninguém o conhecia por aqui! Ele deve ter cruzado o canal como simples passageiro do Ferry, quando não é preciso comprar o bilhete da travessia nem se identificar. – mencionou a esposa.
- Que destino cruel esse rapaz esteve vivendo todos esses meses. Por sorte os caminhos de vocês se cruzaram e ele pode contar com seu apoio. – ponderou o marido.
- Ele é uma pessoa tão boa, a despeito de tudo pelo que passou. Eu não podia ter encontrado alguém mais maravilhoso do que ele. – asseverei, sem esconder o amor que sentia pelo Alex, compreendessem e aceitassem eles esse fato, ou não.
- O importante é que vocês agora estão juntos, ele pode até demorar a superar tudo pelo que passou, mas não podia estar amparado por um amor tão forte e bonito quanto o seu. – continuou o marido.
- Vocês ainda serão muito felizes! – exclamou a esposa.
Ele me esperava sentado no alpendre da frente da casa, os dois cães estavam ao redor dos pés dele e, saíram em disparada ao meu encontro assim que avistaram o carro da estrada. Quase fui derrubado pela euforia deles saltando sobre mim, enquanto os afagava. Ele veio caminhando até o carro assim que estacionei, os passos largos e firmes, o sorriso afetuoso contornando sua boca emoldurada pelo rosto másculo, os braços musculosos se abrindo para que eu me lançasse neles, a saudade que aquelas semanas longe nos impuseram, tudo me fazia ter certeza de que aquele homem tinha sido predestinado a mim, a me fazer feliz.
Assim que me envolveu em seus braços, rodopiou comigo enquanto nos beijávamos sôfrega e sensualmente. Voltei a sentir as lágrimas brotando dos olhos, ao mesmo tempo que o calor do corpo dele fazia minha pele toda se arrepiar e incendiar de paixão.
- O que está acontecendo com você, está chorando outra vez? – questionou ele, quando sentiu seu rosto molhado com as minhas lágrimas.
- Eu já te disse, porque sou um bobão! E, ... porque eu descobri sobre o acidente. – respondi, com a voz hesitante, não sabendo se era prudente abordar aquele assunto delicado.
- Descobriu? – ele me apertou com mais força, como se repentinamente precisasse de uma baliza para se apoiar. – Não te contei nada por que achava que não o conseguiria. Não o fiz para te esconder nada. – continuou ele.
- Você não precisa se explicar, eu sei o quão doloroso deve ser para você falar sobre isso. Só quero que saiba que estou aqui ao seu lado, para tudo o que você precisar. – asseverei.
- Eu sei! Só sobrevivi a essa dor por sua causa, pelo amor que sente por mim. E, é isso que me faz te amar tanto. – devolveu ele, antes de voltarmos a nos beijar.
Mal tínhamos tirado todas as coisas do carro e trazido para dentro quando ele começou a me perseguir feito um garanhão perseguindo uma égua no cio, me enlaçando pela cintura, me encoxando e esfregando o cacetão priápico na minha bunda. Minutos depois, estávamos em nosso quarto, eu com aquele caralhão todo babado na boca chupando a cabeçorra que mal cabia dentro dela, por mais que me enforcasse em abri-la e, acariciando com as pontas dos dedos aqueles colhões globosos dentro do sacão peludo, o que o fazia emitir sons roucos do prazer que estava sentindo. Minhas mãos deslizavam sobre os pelos do abdômen rijo dele quando me preveniu de que ia gozar, querendo sacar o pauzão da minha boca; mas não o soltei, continuei sugando e movendo minha língua ao redor da chapeleta estufada e sensível até provocar aquela explosão de sabor que invadiu minha boca e escorria para a minha garganta quase me fazendo sufocar. Ele sorria quando meu olhar encontrou o dele, focado em mim num estado de jubilo. Ele acariciava meu rosto enquanto eu ia engolindo afoitamente aquele creme espesso e saboroso que ele ejaculava na minha boca.
- Ainda me questiono se você existe, Kevin, ou se é um anjo que veio só para me fazer feliz! – sussurrou ele, enquanto eu terminava de lamber toda a porra que estava espalhada pelo caralhão dele.
Ele não escondia o quanto aquelas minhas semanas de ausência tinham-no deixado insaciado. Eu mal tinha acabado o boquete e ele já voltava a se atirar sobre mim, faminto pelos beijos que eu lhe dava, também saudoso daquele corpão viril e das carícias daquelas mãos grandes, pesadas e libidinosas. Ele ia me subjugando aos poucos com o peso de seu corpo, com aqueles braços me envolvendo o tronco, com suas coxas grossas e peludas aprisionando as minhas entre as dele. Ele me apertava, me amassava, se apossava de mim com uma voracidade leonina. Chupões, beijos úmidos e mordidas iam descendo do meu cangote, passando pelas omoplatas, seguindo ao longo da coluna até a bunda, que ele atacou obstinada e lascivamente, apartando as nádegas e fazendo a língua deslizar dentro do reguinho exposto. Eu gania de tanto tesão e prazer, ia afrouxando a resistência numa languidez de entrega e rendição, sentindo meu ânus se revolvendo para tragar o caralhão dele. Minhas preguinhas piscavam quando ele começou a lambê-las afoitamente, enquanto só me restava gemer e pedir para que ele me penetrasse. Ele ajeitou a chapeleta sobre elas, forçou me fazendo ganir, esperou até elas relaxarem, forçou novamente até ouvir outro ganido mais crucial, aguardou eu inspirar profundamente, e meteu, enfiando o cacetão através dos meus esfíncteres que iam se rasgando para permitir a entrada daquele falo colossal, enquanto meu grito agudo preenchia de luxúria a atmosfera sensual do quarto. Depois de alguns coitos com o Alex, nos quais sangrei todas as vezes, eu já tinha me convencido e aceitado que eles sempre seriam assim, que o caralhão dele nunca deixaria de cobrar um tributo às minhas pregas anais estreitas e apertadas. Era algo que eu não me importava de pagar para ter aquele macho fogoso cuidando de mim.
Enquanto ele continuava a forçar, dando estocadas inicialmente leves e zelosas, até todo o cacetão estar alojado profundamente no meu cuzinho, eu ia mastigando e engolindo toda aquela tora musculosa e pulsante aninhando-a nas minhas entranhas, até nos tornarmos um único ser fundido pela paixão. O ímpeto e a força dos impulsos do vaivém aumentavam tanto na cadência quanto na voracidade, extraindo da minha boca gemidos intercalados com ganidos mais pungentes. A sede do Alex parecia não ter limites nesses momentos, era como se ele todo quisesse entrar em mim através de qualquer orifício disponível. Eu me mostrava receptivo a esse desejo e necessidade dele e, por isso, quando senti que seus dedos, indicador e médio, deslizavam sobre os meus lábios, eu abri a boca e comecei a chupá-los lasciva e sensualmente como tinha acabado de fazer com cabeçorra do pau dele. Ele arfava feito um touro no meu cangote, deitado em cima de mim e socando impulsivamente o pauzão no meu cuzinho. A maneira como esse macho revolvia minhas entranhas me deixava alucinado de prazer. Senti o gozo se aproximando, aquele prazer era único, era meu corpo sendo satisfeito, era como um delírio do qual eu não queria ser poupado, mesmo quando os espasmos na minha pelve começavam a ser tornar dolorosos, se preparando para expulsar toda aquela euforia. Um ganido longo acompanhava o gozo até eu terminar de ejacular, assinalando ao Alex que mais uma vez tinha me feito a mais feliz das criaturas. Ele continuou estocando meu cuzinho cada vez mais forte, eu apertava entre os dentes os dedos dele que estavam na minha boca e sufocavam meus gemidos. Ele suspendeu a respiração, seu corpo todo se contraiu, um urro escapou de seus lábios cerrados e ele gozou, despejando mais uma carga abundante de seu esperma denso no meu cuzinho esfolado. Todo o desejo reprimido por aqueles dias de ausência tinha sido suprido, nossos corpos continuavam entrelaçados esperando o tesão arrefecer, a respiração se normalizar, o cacetão do Alex ir murchando lentamente, meus esfíncteres anais relaxarem. Era sempre assim, ao final de cada coito eu me sentia realizado, como se tudo com o que tinha sonhado na vida tivesse se tornado realidade, cada sonho, cada necessidade era suprida por aquele homem aninhado a mim, satisfeito e feliz.
- Pensei que minha vida tinha acabado quando perdi minha família, até conhecer você. – começou ele, com o tórax colado às minhas costas. – A cada dia ao seu lado fui percebendo que uma nova chance ia se abrindo para mim. Eu te amo Kevin! Amo com todas as minhas forças, com todo o meu ser. – eu não podia esperar presente maior do que esse, e precisei me segurar para não chorar, pois ele também não fazia ideia de que no dia em que o conheci a vida também estava me dando uma nova chance, a primeira, aliás, de ser feliz da maneira como eu era, gay, passivo e disposto a dar todo aquele carinho que sufoquei e reprimi ao longo dos anos ao homem que o merecesse.
O Alex me contou tudo sobre seu casamento com a namorada que tinha conhecido durante a faculdade, a chegada do filho, o acidente em que os perdeu, o limbo que se abriu em sua mente deixando-o blindado para o mundo, o silêncio que se instalara em sua alma e o impedia de se expressar verbalmente, depois de ter gastado sua voz gritando de desespero e dor ao lado daquele carro queimando até as cinzas.
- Então veio você, como uma luz, iluminando e aquecendo a minha alma com seu jeito carinhoso e dedicado. Eu nunca me imaginei apaixonado por outro homem até conhecer você. Foi te observando nas coisas mais triviais, no jeito como você afasta a franja de cabelos que caiu sobre a sua testa, a maneira como segura a caneca do café entre seus dedos, ou como suas mãos costumam afagar os cães, o jeito doce com o qual se formam os sorrisos em seus lábios ou ainda, como o suor escorre pelas suas costas nos dias quentes em que estamos trabalhando no quintal e desliza para dentro do seu rego enchendo minha cabeça dos mais lascivos e primitivos instintos. Já não conseguia mais ser indiferente à beleza e sensualidade do seu corpo, sentia o tesão de apoderando de mim e uma vontade de te ter em meus braços, de me sentir homem e macho outra vez. Quando você se entregou para mim pela primeira vez, eu descobri que estava apaixonado por você e te quis só para mim. – confessou ele, me deixando em êxtase.
Parece que havia chegado o momento das revelações. Eu também lhe contei minha vida pregressa, a inconformidade em que vivia, me passando por alguém que não era, fingindo ser heterossexual para agradar aos que me cercavam, lutando tão desesperada e solitariamente contra mim mesmo que cheguei a tentar o suicídio, achando que jamais teria um lugar nesse mundo, que tinha sido fruto de um erro do destino.
Alguns meses depois, apresentei o Alex a minha família e amigos, como já esperava, alguns aceitaram a notícia com sincera alegria enquanto outros continuavam a me encarar como uma aberração da natureza. No entanto, nada mais me abalava depois da certeza que o amor do Alex me dava.
O Alex também me apresentou à sua família e amigos, reações de espanto por seu retorno também foram acompanhadas de alegria por alguns e reservas por outros, pois nunca tiveram notícias dele depois do acidente. Ele havia deixado tudo para trás, a sociedade numa grande empresa, uma sólida e bem-sucedida carreira de empresário, os pais que não simpatizavam com sua ex-esposa, amigos que se mostraram pouco solidários com sua dor, fazendo-o sentir que também não fazia mais parte de nada e desse mundo.
Ao final, descobrimos que nosso lugar era na ilha, cercados daquelas poucas pessoas de uma simplicidade que não cobrava respostas à minha sexualidade ou ao nosso relacionamento e, que foram se tornando amigas enquanto nosso pequeno negócio de cultivo de cogumelos ganhava força engajando outros produtores e diversificando a gama de produtos que íamos ofertando aos restaurantes do continente. Trabalhávamos muito é bem verdade, mas aquilo nos dava prazer, nos dava uma sensação de realização e, principalmente, nos unia cada vez mais. Longas caminhadas ao final das tardes acompanhados das corridas e estripulias dos cães, ao longo da faixa litorânea de mãos dadas, trocando beijos e carícias de quando em quando, enchiam nossos corações daquela felicidade que tanto havíamos procurado, e fazia com que aquele lugar quase esquecido se tornasse nosso lar.