Desligamos e achei o que eu queria, um vestido pretinho básico, curto, justo e com um decote generoso, mas não vulgar. Separei uma meia calça sete oitavos preta rendada, um sapato de salto alto preto e… Não! Sapato de salto alto, não. Revirei em busca de outra lembrança e achei uma botinha de salto alto preta. “Isso! Vai ficar show!”, pensei e sorri. Entrei para uma merecida ducha e saí rapidinho, já me maquiando, caprichando um tom terroso sobre os olhos e um vermelho biscate na boca. Prendi meu cabelo num rabo de cavalo alto, coloquei grandes brincos de argola dourados, uma pulseira também dourada e fui me vestir. A meia calça e o vestido caíram como uma luva e a botinha deu um “tchan” a mais. Me olhei no espelho e disse alto:
- Tu tá gostosa pra “carai”, mulher. Vai dar!
Capítulo 2 - Nada é ruim que não possa piorar
Saí quente em direção à portaria com uma bolsinha de ombro para celular, documentos e cartões, e lá embaixo me lembrei do óbvio, voltando fervendo para meu apartamento. “Camisinha, sua burra! Vai dar no pelo, ‘Jessica Tatu’!?”, falei e ri de mim mesma enquanto colocava um pacotinho dentro da minha bolsa. Eu estava animada, talvez mais disposta a esquecer através das bençãos de Baco, então, dirigir estava descartado. Pedi um Uber pelo aplicativo e, depois de uma espera de cinco minutos, mais trinta de deslocamento até eu chegar no barzinho indicado pela promotora Priscila, agora rebaixada a tão somente Priscila:
- Doutora Mineirinha!? É você? - Ouvi uma voz máscula e grave assim que pus os pés dentro do barzinho.
Olhei para meu lado e vi um moreno alto, forte, chamado Djalma, que fora meu cliente num processo criminal há uns dois anos atrás. Ele sorria surpreso, mas seu sorriso era genuíno e fiquei feliz em ser recebida assim:
- Djalma!? O que você faz aqui, homem?
- Trabalhando. Sou segurança no local.
- Beleza! Então, se alguém mexer comigo, já sei quem chamar.
- Pode chamar que eu despacho a criatura!
Nisso uma mulata troncuda, forte também, eu diria até que meio roliça e bastante mal encarada “chegou, chegando” no Djalma, esbarrando sem medo e o beliscando na costela ao vê-lo conversando animadamente comigo:
- “Qualé”, Djalma!? Tu tá perdendo o juízo, “mermão”?
- Ai! Cacete, Joelma! Ela é minha advogada, aliás, foi. Lembra aquele rolo que te contei, foi ela que me defendeu, mulher.
- Ah, sei! - Disse e me olhou de cima abaixo: - E tu!? Tá encarando o quê, hein, moreninha? Acha que pode me peitar?
Achar eu não achava, eu tinha certeza! Não sou de violência, mas também não fujo de uma boa briga. Meu pai, desde cedo, me educou para ser independente, valente e autossuficiente. Para isso, inclusive me matriculou num grupo de capoeira que se reunia numa praça perto de nossa casa no interior e hoje eu era graduada de 5º estágio, com um merecido cordão azul. Apesar disso, eu estava lá para me divertir, então seria melhor me explicar do que causar:
- Minha cara… - Comecei a responder tranquilamente, sempre a encarando no fundo dos olhos: - Na faculdade, nós, advogados, aprendemos que a melhor forma de brigar e “jogando bolinha de papel” em nossos adversários. Só que se eu te acertar, pode ser que você nunca mais se levante. Então, fica de boa e seja minha amiga, porque, como inimiga, você só tem a perder.
Ela se surpreendeu com minha postura e principalmente por eu não ter arregado um dedo de minha posição e se calou, pensativa. Depois abriu um sorrisão e começou a rir, passando gargalhar logo depois:
- Djalma, que filha da puta! Abusada do caralho... Adorei ela! - Disse para ele e se voltou para mim: - Sou Joelma, morena. Também tô na segurança. Se precisar de ajuda é só dar um toque.
Ela se virou e já ia se retirando quando eu a chamei de volta:
- Ei! Psiu! Joelma. - Ela se virou, surpresa.
Fui até ela e lhe dei dois beijinhos no rosto, um em cada face, fazendo com que arregalasse os olhos. Então, peguei em sua mão e, olhando em seus olhos, disse:
- Sou Annemarye. - Sorri: - Agora está sendo um prazer te conhecer. E, ó, agora digo o mesmo: se um dia precisar de ajuda, é só me dar um toque.
Ela ainda olhou para o Djalma surpresa, mas logo depois sorriu, me dando também dois beijos na face, se afastando logo após:
- Gente boa, Djalma. Gostei dela.
- E não é!? Só é ciumenta que dói. - Disse alisando a costela.
Me despedi dele e fui para dentro do bar, tentando identificar a Priscila. Ser morena, alta, gostosa e, modéstia à parte, bonita, é um cartão de apresentação e tanto! Assim que comecei a andar pelo ambiente, senti no ato que chamei a atenção dos “boys” e “men” presentes. Alguns me comiam com os olhos desavergonhadamente, outros, aparentemente acompanhados, de soslaio, outros ainda, claramente acompanhados e se lixando para a companheira, também encaravam embasbacados. “Cheguei, chegando! Agora cadê aquela bisca…”, pensei:
- Anne! Annemarye! - Ouvi uma voz feminina me gritando de uma mesa num canto interno do bar e logo vi a Priscila.
Aliás, ela e mais uma galerinha. Numa mesa, estavam ela, mais uma loira e quatro outros carinhas. Se eu não aparecesse, daria uma conta exata de dois para cada uma. Saquei que de Boba, ela não tinha nada! Assim que me aproximei fui apresentada a todos eles e, sinceramente, não me animei com nenhum deles. Estranhamente, a amiga loira dela, Aline, se alvoroçou para o meu lado, parecendo ter ficado mais interessada que eles próprios. Só que eu não jogava nesse time e não estava inspirada nem para fazer uma peladinha naquele dia. Respeito quem gosta de chupar uma manga, mas eu queria era me esbaldar numa banana, com bastante calda:
- Bebe com a gente, Annema… Ó! Só vou te chamar de Anne. Puta nome complicado que você tem, meu! - Priscila falou sorrindo e já me dando um copinho sem gelo com uma dose de um Johnnie Walker Blue Label.
Fiquei injuriada! “Cadê meu gelinho?”, pensei para mim e olhando todos os copos, vi que nenhum deles tinha gelo:
- Cês não bebem com gelo, não? - Perguntei, incrédula e saudosa do meu tilintar.
- Que é isso, morena! Seria um pecado por gelo num Blue Label. - Falou um moreno, cujo nome esqueci.
Dei uma cheirada naquele whisky, mania minha, feia eu sei, mas cheirei! Antes que eu pudesse experimentá-lo, ouvi alguém dizer “Vira, vira, vira… Vira, caralho!”. Virei! Depois de esperar uma queimação que não veio, falei:
- Uai! Esse não desceu queimando, não.
- Coisa boa não queima, criança. - Me falou a Aline: - Toma um gole de água depois para aliviar o paladar e, quando quiser, bota outra dose para dentro. Vai alternando que você vai ver como a noite vai longe.
Sorri e acho que ela entendeu como uma deixa, pois se encostou mais ainda em mim. Olhei meio preocupada para a Priscila que parecia se divertir com a minha falta de jeito com a minha provável “pretendente”. Passamos a conversar todos e, claro, que eu era o assunto principal da mesa. Novata, desconhecida, todos queriam saber um pouco mais daquela morena alta e caipira que acabara de chegar. Não sei que horas me deu uma baita vontade de mijar e obedeci a mãe natureza, sem pestanejar. Bambeei ao ficar de pé e vi que o efeito do whisky estava sendo mais forte que o da água. Respirei fundo, me equilibrei novamente no salto e saí em busca do meu santo graal sanitário. Trombei com a Joelma, perguntei do banheiro e ela me deu o caminho.
Depois de fazer o que tinha que fazer, lavar as mãos, retocar a maquiagem e prometer a mim mesma que não iria beber mais, saí. Na saída, um loiro mais alto que eu, forte e muito mal encarado, que parecia estar ali já a minha espera, me abordou:
- Agora que você já está pronta para mim, podemos ir.
- Ir pra onde!? Cê tá louco? Não te conheço, cara pálida! - Respondi, rispidamente: - Posso até ter bebido um pouco, mas tenho certeza que você não estava na minha mesa.
- Não. Eu não estava. - Ele concordou: - Mas eu não tirei os olhos de você e…
- Sorte sua! - O interrompi: - E azar o meu, porque sua abordagem não me agradou. Vou seguindo. Até mais…
Nesse momento, ele me segurou o braço e me puxou no contrapé para um canto estrategicamente mal iluminado do bar, ocupado por alguns casais que buscavam alguma privacidade para uns amassos mais fortes:
- Tira a mão do material, cara, ou vou gritar! - Falei, já me alterando.
- Quero ver como vai gritar com minha língua dentro da sua boca, morena. - Disse e já me apertou contra a parede, encostando sua boca na minha e tentando enfiar sua língua adentro:
- Não… - Balbuciei, mas foi pior porque ele não perdeu a chance e forçou o beijo que queria.
Prensada na parede e ainda com os braços seguros para trás de mim, acabei sendo um alvo fácil. Agora, com a boca dele colada na minha, também não conseguia falar nada. Eu apenas gemia e ainda assim meus gemidos eram abafados pela música alta daquele ambiente. Ele era muito mais forte que eu e não conseguia sequer me movimentar. Então, decidi que fingiria estar curtindo o beijo e passei a gemer suavemente de uma forma que ele acreditasse nisso. Ele relaxou um pouco na pegada, mas o suficiente para que eu fincasse o salto de minha bota em seu pé, fazendo-o gritar:
- Caralho, mulher! O que é isso?
Nesse momento de distração e aproveitando a proximidade ainda, mordi seu lábio inferior com raiva e ele me soltou, debatendo os braços como se quisesse decolar. Naturalmente, nesse momento chamamos a atenção de várias pessoas. Depois que eu senti um gosto de sangue na boca, o soltei. Ele ao colocar a mão na boca e notar que eu o havia machucado, ficou irado e me deu uma bofetada, quase me derrubando. Agora quem estava irada era eu e me voltei para ele, a fim de xingá-lo, mas sua mãe pesada me acertou novamente, derrubando-me como uma jaca no chão. Acabei ficando atordoada e a única coisa que pensei foi proteger minha cabeça porque já imaginava que viria mais pancada de onde saíra aquelas duas. Não veio! Depois de um tempinho e de ter ouvido sons de pancadaria, olhei por entre os dedos de minha mão e vi que um moreno também forte se digladiava com aquele animal loiro no chão. O moreno, apesar de um pouco menor, parecia estar levando a melhor, pois estava por cima e batia com uma vontade fora do normal no loiro. Logo, o casal de seguranças Djalma e Joelma chegou e ele apartou a briga, se colocando no meio dos dois. Joelma quando me viu caída, veio ao meu encontro:
- Putz, morena! Você tá bem? - Perguntou, realmente preocupada.
- Foi o loiro, Joelma! - Falei quase gritando: - Foi ele que me bateu.
- Deixa comigo. - Disse e foi para junto do Djalma: - Djalma, foi a “Sininho”, ele que bateu e na tua advogada.
Nisso ela me indicou no chão e quando o Djalma me viu caída no chão com a mão no rosto, se enfureceu, mas antes que pudesse partir para cima um tapão sibilou pelo ambiente da mão da Joelma para o rosto do loiro que tentava se levantar, jogando-o novamente no chão:
- Gosta de bater em mulher, né, machão!? Vamô vê se dá conta de uma com o meu tamanho. - Joelma gritou e pulou em cima dele, enchendo-o de socos.
Eu arregalei meus olhos. O moreno que me salvou arregalou os olhos. Djalma arregalou um sorriso e me deu uma piscadinha enquanto Joelma surrava o loiro no chão. Depois de um tempinho, Djalma suavemente pegou a Joelma pelos ombros, levantando-a como se fosse uma bonequinha, e nesse momento ela ainda deu um belo chute no saco do loiro:
- Uhhhhhhh! - Ele gritou alto, com um coro ecoando pelo bar pelos espectadores.
Djalma suave e pacientemente colocou Joelma no chão e falou, mimando-a:
- Já tá bom, amorzinho. Ele já aprendeu. Deixa o rapaz comigo agora, por favor.
Ela o encarou, apaixonada por um minuto e suspirou em seguida:
- Tá bom, amor. - Respondeu, ainda dando um chute na canela do loiro: - Agora você pode.
O loiro gemia no chão. Djalma o pegou pelo colarinho e pelos fundilhos da calça, e o arrastou até uma sala reservada à segurança do bar. Joelma veio até mim e me ajudou a levantar:
- Já vamos chamar a polícia, Ana.
- Annemarye, porra! Annemarye. Será que é tão difícil assim? - Falei chateada, talvez mais com a dor que estava sentido do que com ela própria.
- Difícil pra caralho! Você deve ter atrapalhado muito as trepadas de seus pais quando estava na barriga da sua mãe para eles te darem esse nome… - Joelma riu.
Acabei rindo com ela, afinal, eu tinha feito uma pergunta retórica. Não esperava que ela me respondesse e com tanta profundidade. Quando parei de rir, falei:
- Sem polícia, Joelma, senão vou ter que ir na delegacia, perder o resto da minha noite e aquele filho da puta não vai ficar preso. Joga ele na rua e vida que segue.
- Cê tem certeza, Anamaria?
- Porra, de novo, Joelma? É Annemarye! - Brinquei com ela e depois confirmei o que havia dito.
Ela deu de ombros e saiu em direção a sala da segurança. Acredito que ainda iria dar mais uns “corretivos” no loiro antes de jogá-lo porta afora, mas aí já era com ela. Instintivamente, comecei a massagear meu rosto cada vez mais dolorido e o moreno veio para perto de mim com um copo de whisky, cheio de gelinhos, me oferecendo:
- Mas que começo de noite, hein!?
Sequer olhei para o rosto dele quando vi aquele copinho de gelo. Aceitei de imediato e, ao invés de encostá-lo no rosto, dei duas deliciosas tilintadas, abrindo um sorriso em seguida:
- Pra que isso? - Ele me perguntou.
- Hã!? Ah, nada, não! É coisa minha. - Falei, agora encostando o copo gelado no rosto.
Só então levantei meu rosto, ainda que meio escondido na penumbra daquela parte do bar, e olhei pela primeira vez o rosto daquele moreno:
- Marcos!? É você?
- Ora, sou eu. Você me conhece?
Dei uma chegadinha para minha direita, me colocando sob uma luz tênue do bar e ele me encarou, com olhos arregalados e agora com um semblante ainda mais chateado:
- “Caipirinha”!? Não acredito. É você!? - Falou, tocando o outro lado do meu rosto: - Cara, agora fiquei triste de não ter matado aquele filho de uma puta! Eu vou lá.
Se virou e começou a caminhar em direção à sala da segurança, mas eu o segurei pelo braço:
- Para, Marcos! Não faz isso. Deixa que eles resolvem agora. Você já me ajudou e muito. - Eu falei, enquanto segurava sua mão, fazendo-o se virar para mim: - Olha pra mim! Se você não tivesse entrado no meio, eu teria apanhado feio. Você me salvou.
Ele me encarou ainda com sangue nos olhos, mas pouco a pouco foi se acalmando. Então, a Priscila apareceu, dizendo só ter se dado conta do meu sumiço naquele momento. Quando viu meu estado e eu expliquei o acontecido resumidamente, sua natureza de promotora aflorou e ela saiu correndo em direção à sala da segurança, enquanto eu a observava sem ter tido chance de dizer nada:
- Cara! Como isso tá doendo. - Falei para mim mesma.
- Vem cá. - Marcos falou.
Me levou até uma mesa próxima que estava ocupando com outros dois amigos e colocou algumas pedras de gelo num guardanapo, encostando-o no meu rosto. Estranhei porque ele me levou à altura do olho:
- Por que no olho? - Perguntei.
- Para não inchar. Só relaxa que eu seguro. - Disse me segurando o rosto entre uma mão e a trouxinha de gelo: - De tantos lugares, olha como e onde fomos nos reencontrar, hein?
Sorriu de uma forma acolhedora e, instintivamente, acabei colocando a minha própria mão sobre a dele, embalada por poucas boas lembranças de um passado em comum:
- Pois é, né! Você podia ter me abordado antes dele, né, senhor Marcos? - Brinquei, gemendo em seguida: - Ai, caralho! Devagar, está doendo.
- Desculpa. Desculpa…
- Porra, Annemarye! Que história é essa de liberar aquele animal? - Cortou nosso clima uma alterada e irada promotora, doutora Priscila: - Eu quero cadeia nele. Eu exijo cadeia para ele.
Respirei fundo e forcei meu rosto entre as mãos do Marcos em sua direção:
- Sem essa, Priscila! Você sabe como funciona: delegacia, IML, delegacia novamente, noite perdida e agressor na rua rindo da gente. Já liberei muita gente assim. Não vou entrar nessa…
- Deixa de ser burra, caramba. Ele vai ser preso! Eu garanto…
- Preso, Priscila!? - A interrompi: - Desde quando lesão corporal leve dá cadeia? Ele vai pagar uma cesta básica e vai rir da minha e da sua cara, sua boba. Esquece disso!
- Mas você pode ganhar uma boa indenização dele. - Ela ainda insistiu.
- Dinheiro em ganho trabalhando, não preciso de esmola de agressor. Joga ele na rua e vida que segue.
- Cacete de mulher teimosa do caralho! - Ela começou a xingar: - Vou ligar pra PM e…
- Priscila, não! - Voltei a interrompê-la, falando alto: - Esquece, caramba.
- Não é pra fazer BO. Vou cobrar um favor. Pedir para um conhecido levar o loirinho para casa…
- Para com isso, Priscila! Não faz besteira.
- Deixa comigo. Sei o que estou fazendo. - Falou, saindo em direção a sala da segurança novamente.
- Que bosta de vida eu tenho, Marcos. - Disse e tentei esboçar um sorriso que morreu quase tão rápido quanto não surgiu, pois meu rosto doía: - Ai…
- Vou te levar num hospital. - Ele disse.
- Não! Só quero ir embora. Preciso descansar. Só isso…
- Não, digo eu! Vou te levar. Você tira uma radiografia só para confirmar que não é nada sério. Depois eu te levo pra sua casa.
Eu o encarei pronta para negar, mas a dor realmente me incomodava e eu já imaginava que pudesse ter quebrado algo. Acabei concordando e, com ele, fui até a mesa dos amigos da Priscila, pedir que a avisassem que eu já tinha saído. Marcos voltou à mesa de seus amigos para deixar o pagamento de sua parte e voltou para onde eu estava, chegando praticamente junto da Priscila. Expliquei tudo e ela, mesmo discordando de minha decisão, aceitou. Quando estávamos saindo, uma viatura da Polícia Militar chegou e Priscila foi falar com um sargento, ele balançou afirmativamente a cabeça e foi até a sala da segurança com outros policiais militares. Logo depois saíram levando o loiro junto. Saí em seguida com o Marcos. Fomos dali diretamente para o Albert Einstein e eu, claro, protestei:
- Marcos, eu não quero nada disso! Não preciso, estou bem. Olha. Ai… - Senti novamente uma fisgada no rosto: - Caramba!
- Tá vendo!? Vai sim! Eu fico com você, se for necessário.
Dei entrada no hospital com cara de poucos amigos, aliás, minha cara já começava a inchar, doendo ainda mais e acredito que pudesse estar ficando roxa. O Marcos quis arcar com os custos do atendimento, mas, como eu tinha um ótimo plano de saúde, não haveria necessidade. Fui atendida e, feita uma radiografia, foi constatada uma longa fissura no osso zigomático, mas sem ruptura e deslocamento. Seria, então, o caso apenas de repouso e uso de medicamento para dor:
- Tá vendo? Falei que não precisava ter vindo e... - Insisti, olhando para o Marcos que não saía do meu lado.
- Na verdade, você ficará de observação aqui hoje. - Disse o doutor Gonçalo, me interrompendo e eu o encarei surpresa, aliás, chateada: - A fissura em si até não é realmente preocupante, mas a pancada que você levou, ocasionando até mesmo uma queda merece cuidados. Então, é praxe que a vítima fique de observação por vinte e quatro horas.
- Vinte e quatro horas!? Nem sonhando vocês me seguram aqui. - Falei já me levantando da maca em que estava: - Vou embora! Tenho que trabalhar amanhã, cuidar da minha vida…
- Annemarye. Pelo menos hoje, você precisa ficar de observação e calma, por favor. Além disso, teremos que administrar um analgésico injetável bastante forte para controlar a dor do nervo zigomaticotemporal. - O médico começou a falar aqueles nomes que ninguém consegue entender: - Para você ter ideia, o medicamento é tão forte que não é raro pacientes terem episódios de tontura ou perda da localização espacial e uma queda na sua condição, poderia lesionar ainda mais o local, acarretando a necessidade de uma cirurgia no rosto para reparar o dano.
- Não quero ficar! Eu tomo a injeção e ele me leva pra casa. - Olhei e pedi para o Marcos: - Por favor, Marcos, me tira daqui!
O médico olhou preocupado para o Marcos e ele, sorrindo e balançando negativamente a cabeça, pediu:
- Só me dê um minutinho para conversar com ela, doutor, por favor.
Assim que o médico saiu e, antes que ele abrisse a boca, eu já havia descido da maca:
- Pode parar, mocinha. Você não vai para lugar algum!
- Marcos, eu não quero ficar. Estou bem. Só tenho que… Ai! - Levei a mão ao rosto novamente e suspirei fundo: - Porra! Como isso dói.
- Espera! Me escuta. - Pediu e eu o encarei apesar da dor: - Você teve uma quase fratura. Você ouviu, não ouviu?
- Sim.
- Entendeu?
- Sim.
- Acho que não…
- Como assim, acho que não?
- Se, por qualquer motivo, você cair e quebrar o osso de vez ou houver um deslocamento, você terá que fazer uma cirurgia no rosto para corrigir. Quer correr esse risco? Ficar com uma cicatriz no rosto?
- Mas não vai acontecer nada! Vou pra casa, tomo meu remédio e durmo. Só isso.
- E se te der vontade de usar um banheiro? Ou fome? Ou ficar desnorteada como o doutor falou? Fique aqui só hoje. Eu durmo aqui do seu ladinho, nem vou roncar…
Eu estava inconformada com aquilo. Não quis perder minha noite na delegacia e iria perdê-la no hospital. Respirei fundo, aliás, funguei brava ainda encarando o Marcos enquanto ele me olhava amistosamente:
- Poxa! Que saco! - Falei e comecei a subir na maca novamente.
Ele veio me ajudar, mas eu recusei, porque eu não estava inválida e aquilo era um despropósito. Na verdade, eu estava brava mesmo e não queria ninguém encostando em mim, nem mesmo ele naquele momento. Assim que me sentei na cama e cruzei os braços, irada, ele foi até a porta e o médico voltou, tentando me explicar tudo o que ainda seria feito, os procedimentos, os remédios, etc. Eu não ouvi nada! Eu estava com sangue nos olhos e fiquei tal qual uma criança emburrada, literalmente. Acabei escutando apenas o final quando ele disse que uma enfermeira iria me ajudar. Assim que ele saiu, a curiosidade me impeliu:
- Ajudar a fazer o quê? - Perguntei para o Marcos.
- Trocar de roupa, higiene, etc… Você não ouviu?
- Eu não vou trocar de roupa. Vou embora amanhã!
- Olha, Anne… Sei que você está chateada, eu também ficaria, mas as pessoas só estão cumprindo protocolos do hospital. Além disso, eles só querem te ajudar e eu tam…
Bem nesse momento, ele foi interrompido pela entrada do médico novamente e de uma enfermeira que já entrou me olhando assustada. Acredito que o médico já a tinha alertado que eu seria uma paciente nada paciente. Entretanto, as palavras do Marcos haviam me atingido fundo e eu precisava mudar o conceito deles comigo:
- Doutora Annemarye, esta é a Fernanda e ela irá te aju…
- Doutor… - O interrompi, pois eu já não me aguentava mais calada: - Eu queria te pedir desculpas. Sei que só querem me ajudar e peço desculpas se me excedi em algum momento. É que realmente eu não gosto de hospitais, me sinto mal aqui.
Ele me olhou surpreso com a mudança repentina, mas sorriu de encontro às minhas palavras e preocupações:
- Fique tranquila, doutora. Eu entendo seu desconforto, fico exatamente assim no Fórum…
- Por favor, só Annemarye. - Interrompi novamente: - E não sei por que ficaria assim no Fórum? É tudo relativamente tranquilo lá.
- É!? Nem te conto minhas experiências… Bem, enfim… Quero que você fique bem tranquila. Você praticamente só ficará neste quarto. Quero que encare isto como uma estadia num hotel. Só relaxe, descanse, assista uma televisão, seu namorado poderá ficar te acompanhando, então, curta o momento.
- Difícil curtir, doutor. - Falei e olhei para o Marcos pensando se deveria ou não explicar que ele não era meu namorado, mas preferi me calar naquele momento.
- Então, como eu dizia, esta é a Fernanda e ela irá te ajudar enquanto estiver aqui. Quando seu namorado não puder, ela estará a sua disposição, basta chamá-la. Por uma questão de protocolo, preciso que troque suas roupas e depois ela irá pesá-la, medi-la e então a levará até o laboratório para colher sangue.
- Sangue!? - Perguntei, curiosa.
- Apenas para verificarmos se você não tem alergia ou sensibilidade a algum medicamento. Pura praxe.
- Certo.
- Depois ela irá passar um cateter para ministrarmos soro e os medicamentos em sua estadia.
- Que belo hotel, hein, doutor!? Agora, posso realmente ficar relaxada… - Resmunguei, sorrindo, mas claramente nervosa: - Preciso mesmo trocar de roupa? Se vou sair amanhã, para que isso?
- Protocolos, minha cara, apenas isso. Além do mais, desculpe a sinceridade, você andando de salto alto com esse vestido pelos corredores do hospital irá tirar a tranquilidade dos nossos pacientes, não concorda?
Nesse momento, sorri e Marcos riu ao nosso lado. Não me contive:
- Para, palhaço!... - Falei para o Marcos que ainda ria: - Tudo bem, então. Vamos lá, né!? Fazer o quê?
- Vou deixá-los, então. Qualquer coisa é só me chamar, mas sempre haverá um médico e enfermeiros pelo corredor.
- Ok, doutor. Obrigada, por enquanto. Ah, doutor! - Falei quando já me dava as costas para sair: - Eu vou sair amanhã, né!?
- Claro! Provavelmente, sim. É quase certo…
Eu o encarei ao receber aquela resposta vaga e virei as duas palmas de minhas mãos para cima, flexionando o ombro, como dizendo “que resposta é essa, mermão!”:
- Vamos subir um degrau por vez. Sua situação não é complicada, mas vamos aguardar sua evolução até amanhã, ok?
- Tá bom, doutor. Tá bom.
Assim que ele saiu, Fernanda me encarou e perguntou já bastante mais calma:
- Quer que eu te ajude a se trocar?
- Não há necessidade. Eu faço.
- Eu espero no corredor… - Marcos se adiantou e ela o olhou curiosa, depois a mim.
- Ele não é meu namorado. Só um grande amigo. - Respondi.
- Ah… Então, é melhor esperar lá fora, sim.
- Pode ficar, Marcos. Troco no banheiro. - Eu falei.
- Não! Você troca aqui para evitar riscos de acidente. - Ela disse e eu a encarei: - Normas do hospital, moça.
Então, ele saiu e comecei a me despir na frente dela. Tirei as botinhas e quando levantava meu vestido…
- Opa! Estou sem calcinha. - Falei para a enfermeira.
- Não há problemas. Você estará com o traje do hospital e ele é bem maior que seu vestido. - Eu a encarei pela crítica espontânea, fazendo ela corar e sorrir constrangida: - Desculpa, moça. Escapou.
Acabei rindo de seu comentário também e tirei meu vestido, seguido de minhas meias calça. Vesti então aquele camisolão azul clarinho sem graça e ainda levei uma bronca:
- Precisa tirar também brincos, pulseiras, etc.
Eu a encarei e antes que ela dissesse eu mesma emendei:
- Normas do hospital, não é?
- Sim. Desculpa.
- Tá tudo bem.
Agora estava eu ali, desmontada e sem graça naquele camisolão e chinelos simples. Me sentei numa poltrona, enquanto ela acondicionava com o máximo cuidado e carinho minhas coisas numa malinha, colocando-a num armário do quarto. Depois disse que iria buscar os apetrechos para me colocar o cateter. Assim que saiu, Marcos entrou e me encarou:
- Você fica bem de azul. - Disse, zombando da minha cara.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.