Ele me sorriu inconformado e, digo sem dúvidas, que se a mãe dele não estivesse ali, ele teria me pegado e beijado, ou eu o teria pegado e beijado, tamanha era a vontade entre a gente disso acontecer. Voltei para junto da dona Eugênia que tentava conter um sorriso bobo e entramos em seu carro:
- Para o Morumbi, Jaime. - Ela pediu.
[...]
Capítulo 6 - A vida nua e crua
Saber que a Annemarye estaria com minha mãe, me deixava tranquilo, pois ela estaria segura. Difícil foi me afastar do doce perfume que senti ela usar ao se despedir de mim. Talvez fosse o perfume, talvez fosse o contato com sua pele macia, mas a única certeza que tive foi lamentar minha mãe estar ali ao nosso lado naquele momento, porque minha vontade era de tê-la tomado em meus braços e lhe dado o melhor beijo que eu poderia dar numa mulher, mesmo que custasse uns gemidos de dor por seus ainda recentes ferimentos. Não consegui desviar meu olhar dela e vi que ela, antes de entrar no carro com minha mãe, também me olhou com um olhar de saudade e um sorriso consternado por também estar se afastando de mim. “Minha! Ela será minha!”, decidi naquele momento.
Entrei em meu carro e fui até o escritório da empresa. Tinha algumas decisões importantes para tomar naquele dia, mas minha mente não conseguia focar no que era preciso. Annemarye era uma constante para mim! Aliás, uma constante, uma permanente lembrança que me adoçava o dia e turbava a mente:
- Doutor Marcos! - Ouvi uma voz insistente falar meu nome e só aí me toquei que minha secretária estava à porta de minha sala.
- Oi, Cíntia. Diga. - Falei e olhei para meu relógio: - Não está na hora da reunião.
- Não. Seu pai ligou e pediu para avisar que irá participar da reunião por videoconferência.
- Ora, que boa surpresa! Prepare tudo, por favor.
- Já providenciei. - Ela falou e entrou na sala, trazendo uma agenda na altura do peito: - Podemos repassar os pontos?
- Claro. Por favor.
Ao descer sua agenda e apoiá-la na mesa pude ter um vislumbre claro de seus mamilos ocultados apenas por uma fina camisa de seda que parecia mais transparente naquele dia. Ela não usava sutiã e, certamente, sabia o que estava fazendo. Estranhamente até para mim, não foquei em seus seios, nem nos pontos da reunião que ela repassava, em minha mente havia espaço apenas para a Annemarye. Quando terminou de repassar os pontos, vi que ela me encarou, mas eu estava perdido em meus pensamentos, sem me dar conta de que ela ficou chateada por não ter chamado minha atenção:
- Por favor, Cíntia. Ligue para meu pai. - Pedi: - Preciso conversar urgentemente com ele.
- Sim, senhor. - Resmungou com um semblante chateado e saiu da sala.
Pouco depois anunciou minha ligação que atendi, ansioso:
- Oi, Marcos. Já está tudo pronto aí?
- Sim, pai, mas não liguei por isso. Aliás, até foi para isso também…
- Não estou entendendo…
- O senhor poderia presidir a reunião de hoje para mim? Eu preciso sair e resolver um assunto urgente…
- Marcos, eu só iria participar por videoconferência. Estar presente para receber nossos clientes é fundamental. Aconteceu alguma coisa?
- Eu sei, pai, e não, não aconteceu nada, mas eu preciso cuidar de um assunto da máxima importância…
- Chamado Annemarye. - Ele me interrompeu e se calou.
- Pai!? O que é isso?
- Marcos, não me enrola? É ou não é?
Eu não sabia o que responder. Aliás, eu sabia, mas fiquei constrangido em assumir isso, principalmente porque estaria colocando meus assuntos profissionais de lado por uma “paixonite” que eu ainda não sabia se seria correspondida. Eu até desconfiava que ela sentisse o mesmo, mas não tinha certeza:
- Marcos! - Meu pai me chamou na ligação: - Ainda está aí?
- Estou, pai. Eu faço a reunião. Pode deixar. - Preferi abortar meu pedido.
- Eu prefiro assim! - Ele continuou: - Não sei o que você pretendia fazer, mas acredito que pode esperar até o final da tarde. Além disso, pelo que sua mãe me contou sobre essa moça, ela não gostaria nada que você abandonasse suas obrigações para ficar de “trê-lê-lê” com ela.
- É… Acho que não.
- Então, era por ela mesmo, não é, seu safado? - Disse e deu uma gostosa risada: - Malandro. Você já estava querendo sair correndo atrás da moça.
- Ah, pai… Vamos parar, ok? A gente se fala depois, tudo bem?
- Claro, Quinho. - Falou ainda rindo: - Ah, e filho…
- Oi, pai…
- Vai devagar para não assustá-la. Leva uma flor, um buquê, um jantar, etc, etc.
- Tá bom, pai. Tá bom. A gente se fala. Tchau.
- Esse é meu garoto. Sempre arrasando corações.
- Tchau, pai! - Frisei novamente.
Comecei a rir também e me despedi uma vez mais antes de desligar a chamada. Depois repassei os pontos da reunião. “Uma flor, um buquê”, comecei a me lembrar de suas palavras e conclui que ele estava certo: eu compraria um buquê para a Annemarye e uma orquídea para minha mãe, afinal, que mulher não gosta de ganhar flores.
[...]
O carro seguiu valente pela Avenida Rebouças que, naquela hora, até que mostrava um trânsito fluindo bem. Eu acabei me perdendo em pensamentos, tentando entender tudo o que estava acontecendo entre mim e Marcos. Não cheguei à conclusão alguma, aliás, cheguei a uma sim: de que a dona Eugênia devia estar me encarando desde que saímos de seu apartamento. Batata! Quando a olhei de soslaio, vi que ela estava mesmo e sorrindo feito uma boba:
- Ah, dona Eugênia, eu… eu acho que… eu… eu… - Comecei a gaguejar: - Não é nada do que a senhora está pensando.
- Não. Claro que não. - Zombou de mim e riu, mas depois falou séria, colocando sua mão sobre a minha: - Mas se fosse, eu ficaria muito feliz, porque há tempos não vejo meu filho tão feliz assim! Ele está sorrindo para as paredes.
Eu a encarei surpresa e ela, ainda sorrindo, veio me dar um beijo na testa:
- Desejo o melhor para vocês dois, juntos ou não. - Riu novamente de si e se corrigiu: - Aliás, juntos e muito misturados! Ai, ai… Seriam netos lindos…
Agora fiquei estupefata e boquiaberta com sua indireta, aliás, fora um verdadeiro gancho de direita direto no meu rosto. Fiquei sem palavras enquanto ela se acabava numa risada gostosa e me voltei para a janela oposta a ela. Minutos depois chegamos a um luxuoso prédio e, anunciadas, fomos autorizadas a entrar, logo, sendo recepcionadas por uma senhora de idade aproximada a da dona Eugênia, que se me apresentou como Isaura. Ela me olhou de baixo a cima, prendendo sua atenção no meu rosto por um bom tempo, depois retirou meus óculos e afastou meus cabelos:
- Annemarye, Annemarye… Passou maquiagem para vir numa dermatologista, menina?
- Ah, tá roxo. Feio demais… - Tentei justificar.
- Vem cá. Vou ter que tirar isso. Depois você retoca, ok?
- Tá.
Ela nos acomodou numa mesa imensa com cadeiras a perder de vista e chamou por alguém que não respondeu, saindo em seguida para dentro de seu apartamento ainda chamando por esse alguém. Voltou depois de um tempinho com uma maletinha. Tirou toda a minha maquiagem com calma e um cuidado que nem eu seria capaz de ter. Depois, segurando meu queixo, passou a movimentar minha cabeça para cima, para baixo, esquerda e direita. Então, olhou triste para a dona Eugênia e depois para mim mesma:
- Eu… Eu… - Gaguejou e, sem saber o que falar, se aproximou e me beijou a outra face, com os olhos marejados, abraçando-me em seguida.
Eu fiquei sem saber o que dizer e olhei para a dona Eugênia que se aproximou e a recolheu, acolhendo-a num abraço carinhoso. Ficou um tempo a acariciando e acalmando, até que disse:
- Eu sei que dói, mas você foi a primeira pessoa que me veio à mente para ajudarmos essa menina.
- Fez bem, Eugênia. - Ela respondeu, enxugando a face com as próprias mãos: - Fez muito bem! Obrigada pela lembrança e oportunidade.
Eu as encarava sem entender nada, mas logo ela se pôs a tocar meu rosto para colher as impressões de minha dor e ter uma ideia do que fazer comigo. Realmente ainda doía, mas já era uma dor bem suportável. Aliás, tirando o roxo, o inchaço já era quase imperceptível:
- Luíza! Por favor, Luíza! - Ela chamou novamente e uma moça loira, bem mais nova que eu, entrou correndo para atendê-la: - Traga minha outra maleta, querida. Aquela com os produtos.
Ela se foi e voltou logo com uma grande maleta de produtos que dona Isaura passou a fuçar para encontrar um manipulado específico:
- Veja... - Chamou minha atenção: - É um manipulado, receita minha mesmo, que contém um princípio ativo contra processos inflamatórios e ao mesmo tempo disfarça a mancha como se fosse uma base. É praticamente da cor da sua pele, mas ainda assim te aconselho a usar no rosto todo para não dar diferença entre os lados a depender da iluminação.
- E como uso isso?
- Como uma base mesmo! Aplique na pele de duas a três vezes por dia. Importante também usar compressas mornas sempre que possível para ajudar na ativação da circulação. - Dizia sempre me encarando: - Mas fica tranquila. Logo, logo você estará linda novamente. Aliás, você é linda de qualquer forma, menina. Não é um roxinho desses que irá apagar seu brilho.
Sorri timidamente para ela olhando aquele produto e ela mesma se dispôs a passá-lo em mim. Permiti e ela o fez rapidinho, com uma agilidade e facilidade incríveis até para mim que me achava boa em fazer uma maquiagem rápida. Quando terminou me mostrou o resultado num espelho e realmente a diferença para a cor da minha pele era mínima. Sorri satisfeita e ela correspondeu:
- Ainda não está pronta, querida. - Disse: - Agora vamos à maquiagem.
Passou um blush dando uma cor em minhas bochechas, seguido de um batom de um vermelho mais vivo e uma leve sombra em meus olhos. Por fim, retocou as maçãs e meu nariz. Curiosa, ao ser permitida, passei a me olhar no espelho e sorri extremamente satisfeita com o resultado:
- Uai! Gostei demais da conta… - Soltei mineiramente, mas interrompi envergonhada de meus trejeitos e sotaque pois ela me encarava, surpresa: - Sô!?
- Mineirinha!? - Perguntou, rindo de mim e continuou: - Uma graça sua nora, Eugênia.
Agora quem havia ficado surpresa era eu! E curiosa encarei a dona Eugênia que desviou o olhar de mim para encarar sua amiga:
- Não é minha nora, Isaura. É apenas uma “graaaaande” amiga do Marcos, se é que você me entende… - Disse e piscou.
- Ah! Amiga, não é!? Sei, sei… Claro. - Rebateu também sorrindo.
- Credo, gente… - Resmunguei, fazendo com que rissem.
- Querida, aqui entre nós mulheres: o Marcos é um moço muito bonito, não é? Elegante, charmoso, inteligente… O que te impede se até a mãe dele parece ter aprovado?
Inadvertidamente, acabei escondendo minha mão direita sob a esquerda, e fiquei cabisbaixa, desviando o olhar. Elas se entreolharam e a dona Eugênia falou:
- Ela acabou de terminar um noivado, Isaura. Ainda está no período de luto.
- Querida… - Ela colocou sua mão sobre as minhas e chamou minha atenção: - Eugênia já deve ter te falado, mas se não falou eu falo: não se feche para a vida! Você é nova e logo encontrará alguém que te valorize de verdade. Quem sabe não é o Marcos?
Sorri constrangida para ela e não dei sequência aquela conversa, porque eu não queria tê-la com ninguém ainda, principalmente com uma senhora que havia conhecido há tão pouco tempo. Ela entendendo meu constrangimento, mudou de assunto, repassando a forma de usar o produto e depois me deu o pote. Quando falei em pagar, ouvi uma sonora risada, acompanhada de um “é um presente, querida!”. Dona Eugênia também confirmou e agradeci o gesto.
Levou-nos então até uma varanda, onde nos serviu um chá que, apesar de eu não gostar muito, tomei para agradá-la. As bolachinhas que o acompanharam, que pareciam um sequilhinho, essas sim, fizeram meu paladar vibrar, feliz. Ficamos conversando, sempre eu tendo que saciar a curiosidade agora dela sobre mim e depois de um tempo, quando elas foram ver alguma coisa em sua suíte, fiquei passeando pelo seu apartamento. Notei várias fotos de uma moça bonita, loirinha, desde sua infância até sua juventude. Estranhamente, a evolução dela parava quando ela aparentava ter seus vinte e poucos anos e isso me deixou encucada. Preferi não perguntar nada, pois vi um grande risco de ser indelicada.
No final da tarde, já à caminho do apartamento da dona Eugênia, a maldita curiosidade me impeliu e não consegui mais me conter, perguntando sobre aquela moça para ela:
- Letícia, querida, filha da Isaura.
- Eu estranhei porque parece que as fotos dela…
- Faleceu! - Me interrompeu e depois de um tempinho, me olhando com lágrimas nos olhos, continuou: - Aliás, foi morta, brutalmente morta, espancada por um rapaz, num show, só porque recusou suas investidas.
- Mas eles parecem ser tão… ricos… - Falei sem saber bem o que dizer.
- Violência não observa classe social, Anne. Infelizmente há bandidos em todos os lugares, circunstâncias, ocasiões. - Retrucou.
Vi nesse momento que a minha história não era tão incomum. Aliás, pela minha própria experiência profissional, eu sabia disso, eu só não tinha passado por ela como um dos atores. Eu me calei, naturalmente, porque acabei me conscientizando que meu destino poderia ter sido muito pior do que o que estava enfrentando naquele momento se o Marcos não tivesse aparecido para me salvar, talvez até o mesmo destino da pobre Letícia. Meus olhos marejaram também e comecei a me abanar para não chorar. Dona Eugênia notou e colocou sua mão sobre a minha:
- Eu… Eu… queria cozinhar. - Falei, mesmo sem saber se era exatamente isso o que eu queria dizer naquele momento.
- Como, querida!? Cozinhar? - Me perguntou dona Eugênia, enxugando uma lágrima.
- É. Eu gosto! Deixa eu fazer alguma coisa, retribuir um pouquinho do que estão fazendo por mim?
- Querida, a gente tem a Fátima, então… - Mas ela própria se interrompeu, pois entendeu minha intenção: - Certo! O que você tem em mente?
- Então… Eu gosto muito de carne. Gostam de costela bovina?
- O Balthazar e os meninos adoram! Eu acho meio gorda…
- Do jeito que eu faço, não fica, não! Bem… Fica, mas ela derrete toda.
- Agora fiquei curiosa… E do que precisa?
- Costela, cebola, alho, sal, panela de pressão e meu toque especial. - Respondi, sorrindo, tentando afastar aquele pensamento nublado de mim: - Tem algum supermercado bom aqui por perto?
- Tem, Jaime? - Ela perguntou ao motorista.
- Tem, sim, senhora.
- Vamos para lá, então.
Dez minutos depois chegamos num supermercado de franquia bastante conhecida. O Jaime abriu a porta para a dona Eugênia, mas eu, como não gosto dessas frescuras, me virei sozinha. Entramos as duas no estabelecimento e ele atrás da gente com um carrinho. Eu o encarei curiosa e incomodada, e ela, me entendendo, o dispensou. Peguei o carrinho e ela veio andando ao meu lado. Ela parecia deslocada naquele lugar, mas bastante curiosa com tudo. Fui direto ao açougue e escolhi uma costela, cortada numa ripa grossa, ao estilo gaúcho, com três quilos e pouco, carnuda e com pouca gordura, pedindo para picá-la em pedaços:
- Estás louca, guria!? É quase um pecado cortar uma ripa bonita desta! - Me disse um senhor grisalho e bigodudo, com um sotaque tipicamente gaúcho.
- Vou fazê-la na panela de pressão, com cebola. - Justifiquei.
- Ainda assim é um pecado. Faça assada!
- Não quero fazer assada. Será cozida.
- Faça assada! É muito melhor.
- Deixa a menina fazer como ela quiser, homem. Que coisa mais chata! - Retrucou a dona Eugênia, cansada da insistência dele.
Ele emburrou do meu lado e não disse mais nada. O atendente não sabia se me obedecia ou a ele. Fui incisiva e mandei que cortasse a costela como já havia pedido e o gaúcho saiu bufando de perto da gente. Depois de cortada, peguei a costela e fui escolher uns dois quilos de cebola, uma boa cabeça de alho que, na falta de um legítimo caipira acabou sendo um Chonan, sal de parrilla e ainda peguei um fardinho de cerveja pilsen puro malte:
- Menina! Você sabe mesmo o que quer, não sabe? - Disse dona Eugênia ao me ver fazer a compra: - Eu mal frito um ovo.
- Gosto também! Devo saber fazer ovo de umas seis formas diferentes: frito, cozido, poché, mexido, farofa, omelete, quente… - Fui falando enquanto contava nos dedos e ri: - Uai! Já deu sete. Humm… Sabe que faz tempo que não faço ovo quente pra comer com pão?
Ela ria de minhas tiradas e passeamos mais um pouco pelo supermercado. Uma coisa não se podia negar, eu gostava da companhia dela e ela parecia gostar da minha:
- Estamos parecendo mãe e filha mesmo, não é? - Perguntei, após uma piada que contei e a fiz rir de montão.
- Ou sogra e nora? - Ela retrucou.
- Uai! Não dizem que sogra é tudo carrasca de nora e genro? Então, prefiro mãe e filha.
- Acho que sou uma sogra muito boa, mocinha. Quem sabe você ainda não descobre esse meu lado mais rápido do que imagina. - Disse e me fez corar.
No caixa, ela quis pagar, mas não deixei. Começamos a discutir novamente como se fôssemos mãe e filha ou nora e sogra, sei lá, e ela quis se impor sobre mim, agora parecendo mais sogra que mãe:
- Tá vendo? Já tá agindo como uma legítima sogra. - Brinquei e ri gostoso da cara que ele me fez.
Por fim, finalizei a discussão sabiamente:
- Eu quero retribuir! Me deixa pagar, por favor. - Pedi com o biquinho típico de um bebê carente.
Ela me encarou, incomodada, mas guardou sua carteira na bolsa de mão e fiz o pagamento, levando-a comigo em direção ao carro. De lá, chegamos em seu apartamento em menos de vinte minutos, tempo em que ela teve que me aguentar tirando um sarro da cara emburrada dela por não tê-la deixado pagar:
- Se a senhora faz tanta questão, te mando uns boletos depois. É só me passar seu e-mail. - Falei sorrindo.
- Tá ficando abusadinha, já, né!? - Retrucou, sorrindo um sorriso que evolui para uma risada gostosa na sequência: - É assim que eu quero te ver, Anne. Você tem um sorriso lindo!
Chegamos no prédio e Jaime subiu conosco para nos ajudar a levar as compras para o apartamento, onde Marcos já se encontrava, sentado no sofá da sala. Quando nos viu chegando com aquelas sacolas de compra, se levantou e veio curioso em nossa direção. Assim que eu deixei as que eu carregava sobre a ilha da cozinha, fui até ele, encarando-o, tudo sob o olhar curioso da Fátima e da própria dona Eugênia, fazendo-o parar no meio do caminho. Sem pensar duas vezes, segurei seu rosto com ambas as mãos e lhe dei um selinho caprichado, deixando-o atônito e sem saber onde colocar as suas próprias. Depois o abracei, carinhosamente, mas forte, apertado, sendo agora acolhida completamente por seus próprios braços fortes:
- Obrigada! - Falei encostada em seu ouvido, com os olhos marejados.
- Mas por que? - Ele me perguntou assustado, olhando para a própria mãe.
- Por ter me salvado. - Beijei sua bochecha, depois o encarei por alguns segundos e me afastei, indo para minha suíte.
[...]
Assim que a Annemarye saiu em direção a sua suíte, enxugando uma lágrima, e estando o Marcos atordoado por aquele simples, mas tão significativo beijo, eu sabia que precisava falar alguma coisa. Bem… Precisando ou não, eu queria e falaria. Eu sou a mãe e tenho meus direitos:
- Fomos na Isaura e ela soube da história da Letícia, Marcos.
- Ah… - Ele falou, aparentemente ficando meio chateado.
- Não fique assim! Eu tenho certeza de que esse beijo não foi apenas de gratidão. Essa moça gosta de você e muito. Muito mesmo…
Ele me encarou, sorriu e ouvi uma confissão que me surpreendeu muito, mas muito positivamente:
- Então, acho que somos dois!
- Marcos!?
- Ah, mãe… - Ele olhou para o corredor para não correr o risco de ser flagrado e depois de um longo suspiro, confessou: - Poxa! Ela é tão… tão… Eu estou até sem jeito. Tenho medo de fazer algo errado…
- Marcos, você está me dizendo que…
- Acho que sim, mãe. - Me interrompeu e sorriu envergonhado: - Eu nunca fiquei tão confuso assim antes. Nunca!
Dei-lhe um abraço apertado, um beijo no rosto e passei a encará-lo, enquanto acariciava seus cabelos:
- Ela é uma pessoa linda! Adorei conhecê-la e adoro cada momento que ficamos juntas. - Sorri feito uma boba, mas fazendo uma baita torcida interna: - E se for da vontade de Deus, se for para vocês dois serem muito felizes juntos, já têm minha benção.
Vi meu filho sorrir com os olhos, embora estivessem levemente marejados por uma emoção que eu nunca havia visto com tanta intensidade nele. Sua emoção me atingiu e eu lhe dei um beijo no rosto para entender que o ajudaria no que fosse possível para que seu coração se encontrasse com o da Annemarye. Ele, ainda sorrindo, me pediu licença e foi até uma mesinha próxima pegando uma linda orquídea negra que me entregou:
- Marcos, que linda!? - Olhei surpresa e feliz: - Sabe o que é isso?
- Uma orquídea, mãe. Sei que a senhora gosta.
- Essa parece ser uma “fredclarkeara after dark”, uma das mais raras que existem. Há tempos tenho procurado e não a encontrava.
- Ora! Então, acertei!?
- Acertou!? Muito! Muito mesmo… - Respondi, saltitante de felicidade: - Vou levá-la para casa depois e colocá-la no meu orquidário.
Fiquei deslumbrada no sofá e notei que Marcos fixou sua visão em direção ao corredor. Annemarye voltava vestida numa roupa simples, uma bermudinha, camiseta, sandália, cabelos presos num simples rabo, mas ainda assim linda, radiante. Ela me olhava com carinho, mas para ele havia uma paixão, um querer estar junto. Eu estava vivendo uma linda história de amor que, apesar de não ser a minha, me rejuvenescia o espírito. Ela, ao se aproximar da gente, vendo que eu era só sorrisos com minha nova plantinha, sorriu também, iluminando ainda mais o ambiente, e, dona de um senso de humor delicioso, ainda brincou:
- Poxa! E eu não ganhei nada. - E se voltando para o Marcos, com as mãos na cintura, brincou: - Vai comer só arroz hoje, mocinho!
- Acho que não vou, não! - Ele falou e foi até um canto da sala.
Nós nos entreolhamos por alguns segundos e logo ele retornou com um imenso buquê de rosas vermelhas, entregando-o para ela que agora ficou boquiaberta, surpresa, praticamente caindo sentada no sofá. Ela olhava para o buquê e havia perdido o dom da fala. Só depois de um tempinho, ela balbuciou:
- Ai, Marcos, eu estava brincando. - Falou, sem tirar os olhos do buquê: - Nossa, gente…
Sentada ao meu lado, parecia não saber mais o que dizer. Vi um cartãozinho e dei a deixa:
- Olha! - Indiquei com o dedo: - Tem um envelopinho.
Me afastei um pouco para colocar minha linda orquídea sobre uma mesa lateral, dando-lhe também um pouco de privacidade e vi que começou a ler o cartão. Não sei o que estava escrito. Eu até imaginava alguma brincadeira entre os dois, ou talvez a declaração de amor definitiva de meu filho, mas o certo é que o efeito foi imediato e ela corou. Olhava para o Marcos e voltava para o cartãozinho, olhava para mim e voltava para o cartãozinho, mas sempre com um imenso sorriso no rosto. Depois, apertou levemente os lábios, guardou o cartãozinho no envelopinho e se levantou, aproximando-se do Marcos e lhe dando um beijo no rosto:
- Obrigada. - Disse, inclinando a cabeça como se estivesse encabulada, e bateu o cartãozinho duas vezes na própria testa enquanto o encarava: - Vou pensar com carinho. Prometo. Já o outro, ah, Marcos... - E deu uma gostosa risada.
Eu os encarava feliz por ver aquele lindo sentimento desabrochar. Também estava um pouquinho curiosa, aliás, muito curiosa, e não escondia minha vontade de saber o que estava escrito naquele cartãozinho. Cheguei a roer uma unha de aflição. Acho que o encarei demais e a Annemarye, ao ver meu interesse, brincou:
- Que coisa mais feia, dona Eugênia! Curiosidade mata, viu!? - Disse e riu.
- Ah, querida, não vai me deixar ler?
- Nã, na, ni, na, NÃO! - Falou e deu um lindo sorriso: - Não tenho coragem! O Marcos foi muito… Ah, deixa pra lá. A senhora tem algum vaso para eu colocar meu buquê?
- Tenho, querida. Tenho. - Sorri de seu jeitinho meigo e a peguei pelo braço: - Vem comigo.
[...]
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.