***CAPÍTULO QUATRO***
Na porta da minha casa tem uma BMW preta, e um pouco mais afastados; dois SUVs de mesma tonalidade.
É claro que todos esses carros seriam fodões iguais a eles.
Os seguranças estão parados, feito estátuas, do lado de fora. Acho bastante esquisito, eles nem se mexem. Será que são de verdade?
— São humanos mesmo? — comento com a minha mãe, conseguindo tirar um sorriso dela, mesmo que essa demonstração não chegue aos olhos como normalmente acontece.
— Vou sentir sua falta, querido. — Seus olhos transbordam tristeza. — Nos perdoe por não ajudar, por falharmos como pais.
— Não pense assim. — Aliso seu rosto, limpando as lágrimas. — Sou muito grato por tudo que fizeram por mim, sentirei muita falta de vocês. Quem sabe um dia eu volte?
— Não conte com isso. — Daniel tinha que estragar tudo. — Vamos.
— Ele agarra meu braço e sai me arrastando atrás dele.
— Não! — Ouço minha mão gritar, mas ele não para.
— Você é um monstro — declaro, tentando me soltar do seu aperto.
— E você fala demais. Entre logo no carro. — Ele me solta e abre a porta do carro para eu entrar.
Hesito e, antes que ele me impeça, corro de volta para trás e dou um abraço forte nos meus pais.
O que sinto é semelhante à Bela e a Fera: o monstro fica com a mocinha em troca do pai. Nunca pensei que isso pudesse acontecer, não neste século, não fora dos livros. Uma versão gay.
— Amo vocês, para sempre — expresso meu sentimento tocando em cada ombro dos meus pais, olhando-os mais uma vez e tentando gravar o rosto deles na minha mente.
— Também amamos, querido. — Mamãe choraminga, me agarrando em seus braços.
Depois de me despedir, entro no carro com o coração apertado. Quando a porta se fecha, me sinto claustrofóbico.
Esse é o fim da minha vida e o começo da minha eterna tortura.
Daniel se senta no banco do motorista e olha para mim.
— Está pronto?
Negativo. Ainda estou indignado com sua falta de compaixão.
— Você nem deixou me despedir direito, queria pelo menos esperar minha mãe parar de chorar.
— Foi melhor assim. Sua mãe nunca pararia de chorar. — Ele revira os olhos, impaciente.
— Por que você é tão mau assim? — A pergunta sai antes que eu possa frear a minha língua.
— Não sou mau, apenas um bom jogador, e infelizmente nesse quesito o seu pai é péssimo. Está pronto para ir agora?
Noto a irritação em sua voz.
— Acho que nunca vou estar — digo a verdade, o que sinto no fundo do meu ser.
— Melhor ficar.
Ele bufa, se ajeitando no banco confortável, ligando o carro. Olho para trás até desaparecer da minha visão a imagem dos meus pais na frente da minha humilde casinha.
Ele pega a estrada para cidade de Rio Preto. O sono começa a me derrubar dez minutos depois. Não queria dormir, mas faz três dias que não durmo direito. Os olhos estão pesados, o carro não faz nenhum som. É tudo muito quieto; escuto apenas as nossas respirações e o meu coração se normalizando.
— Samuel, chegamos.
Acordo com a voz dele perto do meu ouvido. Me levanto assustado, batendo a cabeça com a dele.
O cinto me joga de volta para o banco.
— Merda! — Solto sem pensar, e ele começa a rir, saindo do carro.
Babaca.
Me desprendo do cinto e saio. Olho em volta e percebo que estou em um estacionamento subterrâneo de algum hotel de luxo. É enorme e só tem carros importados.
— Vai ficar só olhando ou vai entrar? — Daniel está indo em direção a um elevador a duas vagas de distância do carro.
Corro atrás dele, seguindo em silêncio até o elevador.
Estou morrendo de medo do que possa fazer comigo assim que chegarmos ao apartamento. Estou trêmulo, mal consigo respirar enquanto o elevador sobe, sobe e não para mais de subir.
— Fique calmo, estamos quase chegando. — Ele tenta me tranquilizar, mas não adianta nada.
Se acalme, Samuel! Penso comigo mesma, tentando buscar ar. O que ele pode fazer sem a minha vontade? Muita, muita coisa.
Saber disso não ajuda a aliviar o tremor em meu corpo.
— Tudo bem — Forço a responder, tentando demonstrar força, entretanto, as palavras saem em um fio de voz.
— Qual é o problema?
— Nada.
— Está com medo? — Os cantos de sua boca se elevam em um sorriso perverso.
— Não — rebato, sem conseguir esconder a fraqueza em minha voz.
Ele se aproxima.
Tento andar para trás, tento me desvencilhar, mas não consigo. Não tenho espaço suficiente. Então me encosto à parede fria do elevador no momento em que seu corpo — caloroso — cobre o meu.
— O... O que... O que está fazendo?
Estremeço vergonhosamente quando ele cheira o meu cabelo bem próximo da orelha.
— Fique tranquilo, não vou tocar em você até o casamento — garante ele, bem devagar, se endireitando e arrumando a gravata.
— Não vai? — pergunto sem frear meus pensamentos, ainda tentando controlar a respiração.
Droga! Por que eu não fico quieto?
— A não ser que queira. — Seu olhar recai em mim, analisando a minha reação, que com certeza deve estar mostrando o horror que estou sentindo agora.
— Não... Não, não eu... Eu não quero nunca — gaguejo, e ele ri.
Canalha!
O elevador se abre, me fazendo respirar aliviado. Entramos em um corredor com apenas uma porta. Nunca vi nada parecido. É tão lindo e sofisticado. Na parede tem um espelho com moldura moderna e dourada, com um aparador embaixo e um vaso de flor sobre ele. Estou maravilhada.
— Você mora sozinho neste andar? — pergunto curioso.
— Sim, estamos na cobertura — explica, indo em direção à porta.
— E comprou a cobertura toda só para você?
— Ainda não viu o lado de dentro. — Ele parece orgulhoso enquanto passa um cartão na porta. Fico realmente impressionado com o lugar assim que entramos. Dá umas três casas grandes, ou mais. A sala é escura devido às cortinas pretas distribuídas nas janelas de vidro, que pegam do chão ao teto.
Os sofás são de um tom marrom escuro, assim como o tapete. Há uma mesinha preta no centro, uma televisão que mais parece um cinema, e um videogame disponível a qualquer hora.
Ele não parece ser um cara que joga, quer dizer, não esse tipo de jogo.
Existe uma escada para o andar de cima, provavelmente onde ficam os quartos. No alto tem um lustre enorme e, aposto que são de cristais, só pelo brilho e elegância que transmitem — não que eu entenda a respeito.
— Gostou?
— Você mora sozinho mesmo?
Estou tão abismado com o tamanho do lugar que, por um momento, esqueço com quem estou lidando.
— Sim, mas não vivo aqui, só venho quando necessário.
— Você comprou um apartamento desses e não vive aqui?
Isso sim é sinônimo de gastar dinheiro.
Quantas pessoas ele deve ter subornado ou desviado dinheiro para ter o que tem? Não sei se gostaria de saber a resposta.
— Esse hotel é meu — diz ele, enquanto tira o terno e joga no sofá.
Abro a boca como se fosse um O, na tentativa de não ficar impressionado.
— Todo ele?
— Todinho — confirma, balançando a cabeça — Venha, vou mostrar o resto. Ficaremos aqui essa semana.
Vou atrás dele.
Depois de segui-lo, entro na cozinha. Ela é toda de inox: a pia fica no meio, tipo ilha, com um balcão de mármore, e a torneira parece de outro mundo. Todas as coisas que compõem o restante são simplesmente modernas.
— É lindo. Você tem bom gosto — digo, elogiando.
Ele me encara. Pela cara que está fazendo, acho que não ouve elogios com frequência.
Daniel continua com o tour pelo apartamento de luxo.
— Aqui é a lavanderia, e ali é a academia se precisar entrar em forma — afirma ele, com um tom malicioso.
Nojento.
Os dois ambientes ficam lado a lado, só que a academia é inteira de vidro até a janela, com uma vista incrível para a cidade.
Agora entendo como ele consegue ter tantos músculos.
Ele me mostra o banheiro da parte de baixo, que parece ser maior que o meu quarto, e o seu escritório, onde me fez prometer jamais entrar.
Ao seguirmos para as escadas, volto a sentir medo. Um tremor estranho. Sei que afirmou que não tocaria em mim até o casamento, mas não confio nele.
Na parte de cima, há três quartos com suítes. O principal é o dele, e os dois restantes são de hóspedes.
Para que tantos banheiros se ele é uma pessoa só? Nem tem cara de ter amigos que possam visitá-lo. Ele nem mora aqui!
O celular toca, ele se afasta um pouco para atender.
— Pronto? Sim, claro... Vamos fazer como combinamos. Não aceito atrasos. — Ele fica sério e, de repente, aquele Homem de negócios volta. — Você sabe o preço.
Desliga, e sua atenção está em mim novamente.
— Este vai ser o seu quarto. — Ele abre uma das portas do corredor e levemente me empurra para dentro. — Tudo o que precisa está no closet. Se algo estiver largo ou apertado, me avise, pois mandarei trocar. Essa semana virá uma estilista aqui para pegar suas medidas. Você terá muitas outras peças.
Pelo jeito ele realmente já sabia que eu viria.
— Não preciso disso — digo petulante, sentindo a raiva voltar.
— Vai ser do meu jeito. — Ele é curto e grosso. — Tenho que sair, volto apenas à noite. Se precisar de qualquer coisa, sabe onde achar. — Daniel continua me olhando e, do nada estende a mão. — Me entregue o seu celular.
— Não tenho.
— Não tem? — Sua expressão muda para indignação, mas é por pouco tempo — Todo mundo tem celular. Se não entregar agora, vou revistar você, e nem pense que não vou olhar as partes íntimas, porque não me importo nem um pouco — assegura ele, com desdém. Não duvido que possa fazer isso se achar que estou mentindo.
Minhas bochechas esquentam, trazendo rubor ao meu rosto.
Não tenho celular. Nunca gostei, na verdade. Era um gasto que não podíamos ter.
— Juro que não tenho. Meus pais não são do tipo que têm regalias como você. — Não perco a oportunidade de insultá-lo.
Ele me olha por um tempo, provavelmente tentando encontrar alguma mentira em minha expressão.
— Tudo bem, vou acreditar em você, mas se estiver mentindo, haverá consequências. Ah, e não grite nem tente fugir, será em vão.
Depois da evidente ameaça, ele fecha a porta, me deixando sozinho.
Suspiro fundo e começo a olhar ao redor.
O cômodo é enorme, possui uma cama gigante no centro, cortinas pesadas escurecendo o ambiente, além de uma poltrona no canto e uma mesinha ao lado, na companhia de um abajur decorativo.
O banheiro do quarto é maior que o andar de baixo, dentro dele tem uma banheira grande.
Estou morrendo de fome, então desço para a cozinha e abro a geladeira toda equipada. Há coisas que nunca vi na vida, além de muitas outras que sempre tive vontade de comer, mas não sobrava dinheiro para comprar. Os armários estão repletos de comida.
Para que tanta coisa se ele nem sequer mora aqui? Vai entender essas pessoas ricas...
Faço pão com presunto e muçarela. É mais rápido. Abro uma Coca-Cola em lata e depois como um sorvete de morango no potinho, o meu preferido.
Estou com a barriga cheia e, muito sono, porém, preciso urgentemente de um banho. Aquela banheira seria muito bem-vinda agora.
Se eu soubesse ao menos como funciona...
Olho em volta da banheira e só encontro uma torneira esquisita. Não tem como ligar. Tento fazer aquela coisa estranha se abrir, mas nada funciona.
Pego um baldinho da lavanderia e levo-o para cima.
Vou tomar banho de banheira de qualquer jeito! Ah, eu vou...
Abro o chuveiro e, com o auxílio do balde, começo a enchê-la. Pelo menos a tampinha do ralo funciona e mantém a água no lugar. Demora um tempão, nem consigo encher metade desse negócio.
Que ódio! Nem isso está a meu favor hoje.
Argh.
Desisto e entro nela assim mesmo. A água não está mais quente como gostaria e também não cobre meu corpo todo. Parece que estou tomando banho de bacia.
Me pego rindo da situação.
Saio rápido porque a água ficou gelada, e termino meu banho no chuveiro, que é muito melhor. O jato parece fazer massagem nas minhas costas. Devia ter vindo antes, mas a vontade de usar a maldita banheira foi maior.
Pobre que nunca viu uma banheira na vida... É isso que dá.
Acho que fiquei horas no chuveiro, deixando a água levar embora toda a minha angústia.
***
Coloco a bermuda e uma camiseta vermelha básica. Deito na cama macia e só percebo que dormi depois que acordo. Está escuro do lado de fora, devo ter dormido por horas.
Saio do quarto.
A casa toda está escura. Meu Deus, odeio o escuro. Na verdade, tenho pavor. Queria voltar para o quarto, mas estou com muita fome. Preciso ir até a cozinha.
Lanço as mãos na lateral da parede até achar um interruptor e a luz do corredor do andar de cima se acender.
— Menos mal — resmungo.
Vou até o quarto de Daniel e abro a porta devagar. Está tudo escuro aqui também.
Não ouso acender a luz, prefiro não ter surpresas. Melhor não acordar a fera, a não ser que tenha álcool e fósforo para botar fogo nele.
Samuel, esqueça, você não tem coragem para isso. Estou pegando raiva do meu subconsciente, ele sempre estraga o meu dia.
Chego à escada e desço um degrau de cada vez. Apesar de estar escuro,
a luz de cima clareia um pouco a escada. Acho outro interruptor e, quando o aperto, a parte de baixo se ilumina totalmente; é uma coisa linda de se ver.
Travo quando vejo roupas espalhadas pela sala e duas taças de vinho pela metade sobre a mesinha de centro. As roupas são de dois homens. Sigo as roupas lentamente, fazendo um percurso que me leva a uma porta embaixo da escada. Não há som algum vindo dela.
— O que é isso? — pergunto a mim mesmo, colocando a mão na maçaneta para abrir. A minha curiosidade é maior do que a simples vontade de abrir a porta.
Minha cabeça me manda sair imediatamente, porém, minha mão faz outra coisa: gira a maçaneta e empurra a porta. O som chega aos meus ouvidos antes de ter uma visão completa do que está acontecendo.
Os gemidos são altos. Meus olhos correm pela sala e param quando vejo Daniel sentado no meio de uma mesa de sinuca, completamente nu. Meu rosto esquenta na hora.
Ele tem as costas largas, os músculos dos braços estão saltados pelo esforço de segurar o homem — que também está nua — em movimento. O suor entre eles é evidente.
Devia ter corrido e saído sem fazer barulho, mas fico extasiado, petrificado no lugar, até os olhos do cara focarem em mim.
— Oh, Meu... Matheus! — Ele fala, o que faz Daniel olhar para trás, por cima dos ombros.
— Maldição! — Ele retira o homem do seu colo, e só assim meu corpo obedece. Viro e saio correndo de volta para o quarto, onde não deveria ter saído e nunca mais vou sair.
Ele é desagradável, repugnante, jamais deixarei que me toque daquela forma. Ele o chamou de Matheus. Será que esse é o seu verdadeiro nome ou é só mais um nome falso? Porque agora tenho certeza de que Daniel não é o nome dele.
Ouço batidas na porta, me assustando.
— Samuel, abra essa porta.
— Não!
— Samuel! — Sua voz tem um tom de ameaça, mas não será capaz de me fazer abrir.
— Me deixe em paz aqui na minha prisão.
Como ele consegue deixar outro cara lá embaixo para vir atrás de mim? Ou melhor: será que ainda está pelado?
Oh, por todos os deuses, como posso imaginar uma coisa dessas...
Fecho bem forte os olhos para apagar a imagem que está se formando em minha mente. Não funciona muito.
— Você não está preso. — Ele suaviza a voz.
Imbecil.
— Então me deixa ir embora.
— Não.
— Então estou preso — digo irônico.
— Se sinta como quiser, apenas abra essa porta. — Daniel aumenta o tom de voz novamente.
— Não!
Ele dá um tapa na porta e sai. Ouço seus passos se afastando.
Como minha vida foi acabar nisso? Era tão apaixonado, sempre fui bom com as pessoas e ajudava o próximo.
Por que esse maldito castigo?
Ele é um homem atraente, mas é babaca e egocêntrico na mesma proporção. Sua beleza não muda o fato de ser feio por dentro, horrendo até, depois do que fez comigo. Não tem alma e, se tiver, é bem escura. A sua arrogância é tão desagradável que me faz sentir nojo de olhá-lo.
Isso, Samuel, ofendê-lo é o único jeito de afastá-lo dos seus pensamentos. O meu subconsciente aparece outra vez.
Melhor pensar mal desse homem do que imaginá-lo fazendo aquelas coisas comigo. Um menino como eu, sem experiência nenhuma...
Oh, merda!
As imagens me atormentam, fazendo o sangue circular mais rápido pelas minhas veias. Um arrepio percorre a minha espinha, e levo isso como medo. Tenho apenas medo dele me tocar daquela forma. Isso não tem nada a ver com desejo, é totalmente o contrário.
Tem que ser.