***CAPÍTULO SEIS***
Ele estaciona na frente de um clube lotado.
Fico impressionado com o tanto de pessoas que existem do lado de fora — imagino como deve estar lá dentro.
Percebo um grandalhão se aproximando de nós, talvez seja o mesmo homem que estava em frente à minha casa, parecendo uma estátua. Ele usa um dispositivo na orelha, deve ser para se comunicar com os outros, porque está pressionando o aparelho e falando sozinho.
Assim que chega até nós, inclina-se na janela do carro.
— Boa noite, senhor Miller.
Miller? Será que é o sobrenome ou é mais um nome falso?
— Boa noite, Dennis. — O homem dá espaço para Daniel sair — Leve o carro no lugar de sempre, pegarei quando for embora. — Dando a volta no carro, ele abre a minha porta e faz o convite, com a mão estendida para mim. — Venha.
— Não vou sair com isso, tem muita gente aqui. — protesto.
— Já passamos dessa fase, Samuel. Apenas venha. — Bufa. — Se não vier por bem, vou te carregar até lá dentro.
— Você não faria isso.
Claro que ele faria.
— Quer apostar para ver? Lembre-se de que sou um ótimo jogador.
Aquele maldito sorriso debochado... Dá vontade de arrancá-lo com as unhas.
— Você é um maldito idiota! — Levanto.
Ouço o segurança rir baixinho.
— Algum problema, palhaço?
Não me importo com mais nada.
Se mamãe me visse agora, chamaria a minha atenção por ser grosseiro com as pessoas. Mas, como ela não está, então que se dane.
No que está se tornando, Samuel? Vá à merda pensamento estúpido!
— Não, senhor. — Esconde outro riso com a mão e entra no carro.
— “Não, senhor”. — Faço uma imitação e, é a vez de Daniel segurar o riso. — Não comece, estou puto com você por me obrigar a fazer isso.
— Se acalme. Precisa estar apaixonado por mim, lembra?
— Não vou fingir nada. — Arrumo a roupa, passando a mão no tecido, com raiva.
— Me deve essa. Ou você já se esqueceu de que te ajudei com o seu noivo?
Lucas! A dor da perda ainda me destrói por dentro. Eu o amo tanto que provavelmente nunca vou conseguir amar de novo.
— Não, você me arrancou do meu noivo, então não te devo nada.
— Anjo, você sabe com quem está lidando, certo? Se não colaborar, posso mudar de ideia, te devolver a sua família e matar o seu pai. O que acha?
As ameaças estão se tornando frequentes. Estou de saco cheio de tudo isso.
— Vá para o inferno, Daniel, e lembre-se de que toda vez que te chamar assim, vou estar te chamando de escroto.
Ele ri.
— Não me importa, apenas seja um bom garoto.
Argh.
— Aonde vamos? Não vou entrar nesse lugar lotado vestido desse jeito.
Apesar de que vi algumas pessoas por aí, e estou bem mais vestido que todas juntas...
— Está maravilhoso, devia se vestir assim mais vezes. Ou não, já que vai me matar de tesão — argumenta naturalmente.
Oh, merda!
Por que ele fala essas coisas? E por que meu corpo sempre reage às coisas que fala?
Ele segura o meu braço e me conduz para dentro do clube, passando por outro segurança.
— Senhor Miller. — O segurança faz um cumprimento com respeito.
— Boa noite. Como estão as coisas? — pergunta sem humor, sem nem ao menos dar um sorriso simpático.
— Estão calmas.
— Ok. Qualquer mudança me avise.
O segurança assente.
— Mal-educado — resmungo baixinho. Como o barulho da música nos envolve, acho que ele nem escuta.
— Esse clube é seu também? — pergunto, deduzindo pelo número de seguranças na porta sob seu comando.
Ele só pode ser o chefe.
— Sim, tenho outro em São Paulo.
Uau! Deve usar para lavar dinheiro do cassino.
Vários corpos se movem em sincronia, todos suados e felizes. A música é ensurdecedora e animada. Para falar qualquer coisa tem que ser bem pertinho do ouvido. Então, ironicamente, é o que ele faz: se inclina para sussurrar o que deseja, me arrepiando inteiro com sua voz grave.
Maldito corpo traidor!
— Quer beber alguma coisa?
Estou com sede, sim, muita sede. Depois de assentir, sigo-o até o balcão que fica do lado direito, no canto. Algumas pessoas conversam e outras se agarram.
Que horror!
Daniel faz o pedido das bebidas — nem sei o que pediu. Estou tão fascinado com a quantidade de pessoas dançando que nem prestei atenção. Ele me entrega uma bebida de líquido avermelhado, com algumas frutas no fundo da taça, e um morango decorando a borda.
Hum, amo morango. Como ele sabia? E essa decoração da taça?
Incrível!
— O que é isso?
— Beba, é um drink. — Ele está segurando um copo baixo com duas pedras de gelo e uns dois dedos de líquido amarelado.
Viro a taça cautelosamente na boca, gosto de provar as coisas primeiro.
Assim que o líquido toca minha garganta, quase cuspo tudo para fora.
— Isso é bebida alcoólica? — É doce, e queima.
— Vai me dizer que nunca bebeu também? — Ergue as sobrancelhas e seu rosto muda para incredulidade. — De onde você saiu, garoto?
— Já bebi sim, mas só vinho e champanhe. Sempre bebia apenas um pouquinho, não sou alcoólatra.
Ele ri.
Me sinto ofendido pela forma que fala e reage em relação a mim. Parece que sou ingênuo demais.
— Na segunda vez, arde menos. — Não sei por quê, mas pelo tom da sua voz não parece se referir ao drink.
Engulo em seco.
— O que mais você nunca fez?
Dou de ombros e degusto mais um gole do drink. Odeio ter que dizer isso, mas ele tem razão, não ardeu tanto na segunda vez. Posso sentir o sabor da bebida, e é uma delícia.
— Ela é saborosa. — Ergo a taça antes de tomar um gole maior. Não sinto mais a ardência, somente o sabor.
— Com certeza deve ser. — Mais uma vez parece não estar falando da bebida. Não estou gostando da forma como me olha, nem como meu estômago reage a isso.
O que está acontecendo com meu corpo?
Me sento em um banco alto na beirada do balcão, de frente para as pessoas dançando. A calça aperta um pouco.
Assim que a minha bebida acaba, Daniel pede outra.
O calor está em um grau elevado, começo a suar e minha voz não soa igual. Parece mais difícil pronunciar as palavras.
— Melhor parar de beber, ainda veremos meus amigos — diz ele, com a mesma autoridade de sempre.
— Está querendo mandar em mim, Senhor Mandão? — Dou risada.
— Vamos, está na hora de ir. — Coloca a taça no balcão e se afasta um pouco.
— Mas já? Só mais uma bebida dessas.
Estou gostando de beber. Isso me deixa leve.
— Depois pedimos.
— Chato, arrogante e autoritário. Ah, e não se esqueça: babaca também.
Minhas pernas estão um pouco dormentes, assim como meus braços, mas consigo andar tranquilamente.
Daniel envolve seu braço na minha cintura, me segurando de um jeito protetor; quer dizer, está mais para controlador — o chefão —, pois não me deixa beber, muito menos fazer o que tenho vontade.
Não afasto seu braço nem seu controle, seria perda de tempo.
Seguimos por um corredor com pouca luz, quase nada. Será que não tem luz nesse lugar?
— Está economizando energia? — Ironizo, segurando o braço dele bem firme.
— Assim fica tudo mais obscuro e mais interessante.
Sua voz transborda malícia.
— Para mim tudo fica aterrorizante e medonho.
Ele ri. Ultimamente tem feito muito isso, mas o pior é outra coisa: ele está rindo da minha cara.
Odeio escuro, odeio esse homem e odeio a minha vida.
— Serve para isso também. O que vou te mostrar agora, você nunca viu em lugar nenhum. Outra primeira vez! — Sorri de um jeito diabólico.
— É que você faz coisas pecaminosas, coisas que nunca na minha vida imaginei ver. — Abro um sorriso falso.
— Faço coisas pecaminosas? Você ainda não viu nada. Hoje vou te mostrar o meu inferno, mas prometo que logo te levarei ao céu.
Puta que pariu!
Caminhamos pelo corredor cheio de portas. No final dele, há um elevador. Parece estar quebrado.
— Não vou entrar aí, vá saber que tipo de bicho deve ter...
Ele levemente me empurra para continuar andando.
— Confie em mim, os bichos são o que menos deveria se preocupar. — diz ele, me comendo com os olhos.
Preciso me segurar nele para não cair.
A escuridão dentro do elevador começa a me apavorar, está muito escuro. Fecho os olhos seguindo-o para dentro. Se fosse me matar, ele conseguiria facilmente, já que eu não abriria os olhos de jeito nenhum.
— Você está tremendo. Está com frio? — pergunta, em um tom preocupado.
— Não. — Até minha voz treme.
Ele para e em seguida, me pergunta:
— Anjo, você está bem?
— Só vamos sair logo daqui, por favor.
— Está com medo?
Não pare! Eu imploro.
— Não.
— Está com medo, é sério? — Debocha.
— Daniel, só me tire daqui logo.
As minhas palavras são como súplica, e ele por fim entende a reclamação, voltando a andar. Ouço um barulho de algo se abrindo e fechando.
Uma luz me faz abrir os olhos.
— Onde estamos?
— Ainda em lugar nenhum, é apenas um elevador quebrado — declara ele, passando a mão pela parede de ferro e apertando um pequeno botão quase imperceptível.
Entre uma rachadura e outra, a porta se abre levando metade do chão. Daniel me puxa para o canto, mais perto dele, de modo que não seja possível me fazer cair.
— Nossa, isso é legal!
A luz não é forte, então não dá para ver aonde leva o buraco.
Tem uma escada, sei disso porque na borda dá para ver o começo dela.
Olho para Daniel. Percebo que está concentrado, retirando de si — de algum bolso do terno —, um pedaço de pano preto.
— Terá que usar isto por um momento. Esse lugar é confidencial, ninguém sabe a entrada, a não ser eu e os seguranças em que confio.
— Não coloque isso em mim, por favor. Juro que não vou contar nada a ninguém, só não me deixe no escuro. — Mais uma vez imploro, apesar de saber que ele não teria pena de mim.
Ele não se importa comigo.
— Venha logo, não podemos perder tempo, já estamos atrasados demais. — Me viro de costas, porque não vou mais implorar. Prefiro passar medo, ainda mais com toda essa grosseria.
Minha respiração acelera quando ele se aproxima por trás, passa os braços à minha volta e suavemente coloca a venda nos meus olhos.
Sinto um arrepio.
Claro que o arrepio que estou sentindo no corpo é pelo medo, não tem nada a ver com o calor do seu corpo. Nem deveria estar pensando nisso, aliás. Só pode ser a bebida, tenho certeza. Não vou mais beber.
Estou totalmente no escuro. Ele começa a me conduzir pela escada cuidadosamente, porém, como a minha sorte é “grande”, o salto enrosca em um dos degraus detrás.
Quase caio de cara, mas Daniel envolve a minha cintura com seus braços fortes e me segura.
— Uou, tome cuidado!
Sua voz está perto do meu ouvido e, o — maldito arrepio — eriça os pelos do meu corpo todo.
O calor do seu corpo, na companhia de seu perfume, me atinge como uma avalanche, me deixando tonto. Acho que esse homem me faz ficar doente. Ele me faz mal, só isso explicaria essas coisas estranhas.
Vá se convencendo disso, Samuel!
— Como vou tomar cuidado, idiota, se estou vendado? Quem tem que tomar cuidado é você — digo, empurrando-o. Como é mais forte que eu, não consigo me soltar do seu aperto.
— Só fique quieto, e vamos. — Me solta, mas não muito. Ainda está com a mão na minha cintura, me segurando.
Começa a esquentar de novo, deve ser porque estamos no subterrâneo.
— Não chega nunca esse lugar, estou ficando com dor nos pés...
Andamos por um tempo que mais me pareceu horas.
— Estamos chegando. — A voz dele está estranha, presa. Deve estar cansado de andar como eu, por isso está ofegante.
Depois de alguns minutos, paramos.
— Chegamos. Vou tirar a venda. — Ele vem atrás de mim outra vez e solta o tecido que ofuscava meus olhos. Pisco várias vezes para me ajustar perante a luz fraca do corredor. Ele é comprido e se perde na escuridão a seguir.
O que não entendo é a parede de tijolos a nossa frente.
— Mas... Isso é uma parede.
Só me falta ele ser piradão.
— Sim, mas quando faço isso... — demonstra ele, com um meio sorriso convencido, passando os dedos em um dos tijolos. De lá sai um feixe de luz verde.
— O que é isso? — questiono, assustado. Nunca tinha visto nada parecido.
— Um leitor digital.
Do nada, a parede começa a se mover, como acontece nos filmes.
Dentro da parede tem outra porta fechada de elevador.
— Outro elevador quebrado?
— Não, esse funciona. — O leitor digital aparece com o contato do seu dedo.
As portas se abrem, e nós entramos no elevador — pelo menos esse realmente funciona —, Daniel aperta para descer no andar de baixo.
Pelos deuses, isso é incrível.
Meu peito se aperta assim que as portas se fecham, me sinto trêmula, incomodada e sem ar. Nem olho em direção a ele, estou nervosa demais para isso e, quando digo nervosa, não é brava, são meus nervos que parecem estranhos. (Mais uma vez coloco a culpa na bebida).
As portas se abrem, mandando ar para os meus pulmões novamente.
À minha frente tem uma porta gigante de aço.
— Nossa!
— Vai gostar mais do lado de dentro. Aqui é onde rola o dinheiro alto, foi onde o seu pai perdeu você, e onde muitos ganham e perdem. — Sinto repulsa por ele achar isso fascinante. — Aqui não existe mais nem menos. Se tiver dinheiro, você joga, senão, melhor não aparecer.
Fico com medo do que posso encontrar atrás daquela porta. Se esse é o seu inferno, então ele é o próprio diabo, comandando algo ilegal e matando pessoas.
Deveria estar com medo até de ficar perto dele, mas não tenho. Parece que ele esconde algo, sinto isso, como se tudo fosse apenas uma fachada para proteger o que tem dentro.
O que tem dentro?