Eu a encarava e ela parecia agora ansiosa, tentando me convencer de todas as formas a topar aquela sandice:
- Sá, isso é coisa do seu namorado mesmo ou é ideia sua? Porque, desculpe a franqueza, mas eu me lembro de ter ouvido umas histórias suas na época da faculdade…
- Então, né, Anne… - Falou, novamente encabulada, mas depois parece ter apertado o famoso botão do “foda-se”: - Eu sou bi, sim, e se rolar com você será um prazer. Só não quero que isso estrague nossa amizade.
[...]
Capítulo 12 - Meu mundo caiu!
Depois de sua internação, minha mãe retornou para casa. Nossos cuidados com ela ainda eram necessários e os filhos se revezavam para acompanhá-la, apesar das enfermeiras contratadas para cuidar dela. Márcia, apesar de nossa última conversa, parecia não querer mais sair de seu lado, nem do meu e se mostrou uma pessoa muito importante em sua recuperação, primeiro porque já tinha uma certa intimidade e amizade com minha mãe, segundo porque era estudante de medicina e, dentre todos nós, era a que melhor poderia auxiliá-la.
Por mais que minha mãe estivesse bem e ela fazia questão de falar isso para mim todos os dias, todas as horas, sempre, vê-la quase sem vida no dia em que foi socorrida me causou um trauma tremendo e decidi que, enquanto ela não estivesse cem por cento recuperada, eu não sairia de seu lado. Além disso, meu trabalho acumulado conspirava por não me dar tempo algum para resolver outras questões. Por fim, a Annemarye não me atendia e comecei a duvidar que ela realmente pudesse querer alguma coisa comigo.
Numa dessas noites, inclusive, Márcia pernoitou na casa de meus pais. Depois do jantar e de minha mãe se recolher, sempre com os cuidados e orientações dela, ficamos conversando e bebendo um suave vinho chileno. Eu tentava manter o assunto focado na recuperação da minha mãe, mas ela insistia em permear nossa conversa com as melhores lembranças de nós dois. Bem… Nós transamos! Não resisti àquela mulher e foi uma transa muito quente, uma das melhores entre a gente, com direito a uma gozada caprichada dentro de sua buceta. No final, frisei que aquela transa não significava que estávamos voltando:
- Sou sua avulsa!? - Perguntou, sorrindo maliciosamente para mim, deitada ao meu lado com a bunda para cima: - Ora, então fode meu cu para valer a noitada!
Resultado: também fodi seu cu e gozei esplendidamente bem novamente. Não sei quantas vezes ela gozou, ou fingiu, mas foram várias. Ela dormiu comigo nessa noite e, na manhã seguinte, minha mãe já sabia do ocorrido porque os gemidos da Márcia nos denunciaram e ela queria me matar. Eu sai cedo para o escritório, inclusive, para não enfrentá-la, mas assim que a Márcia se certificou que ela estava bem e foi para a faculdade, dona Gegê me ligou irada, exigindo que eu voltasse para casa ou ela mesma iria a pé atrás de mim. Resignado, voltei para enfrentar a leoa:
- Quinho, você não vai atrás da Annemarye? Já fazem quase duas semanas que ela foi embora e você ainda está aqui! - Falou brava, decidida.
- Mãe, aconteceu tanta coisa que… Poxa, mãe, a senhora quase se foi. Eu acabei ficando sobrecarregado e não tive tempo de pensar nela.
- Mas pra dormir com sua ex você teve tempo, não teve? - Falou irada e continuou: - Marcos Antônio de Sá Pinheiro Pinto, eu estou viva! E mesmo que eu tivesse morrido, sua vida tem que continuar. Vai atrás daquela moça. Estou mandando!
- O que é isso, mãe? - Comecei a rir da forma como falava.
- Não estou brincando, Marcos! É muito sério o que estou te dizendo. - Ela me encarava, brava, séria e suas bochechas começaram a corar, me dando medo que pudesse passar mal: - Não pense que não estou vendo a Márcia te cercando pelos cantos, sendo prestativa, amiga, companheira… Ela quer ocupar um lugar que já não é mais dela e você está caindo como um patinho.
- Mãe, fica calma. Vamos conversar tranquilamente, ok? - Ela se acalmou um pouco e expliquei, chateado: - Olha só… Eu tentei entrar em contato com a Annemarye várias e várias vezes, e ela não me atende, não aceita minha solicitação de amizade no Facebook e Instagram… Eu simplesmente não consigo falar com ela! A impressão que eu tenho é que ela não quer falar comigo.
Pela primeira vez, vi que minha mãe me encarou com empatia e pareceu estar entendendo meu lado. Ela ficou em silêncio, aliás, ficamos os dois por algum tempo, só nos olhando e depois ela continuou:
- E se ela estiver esperando uma real demonstração de interesse da sua parte? E se ela estiver esperando seu cavaleiro chegar num cavalo branco para salvá-la do dragão? Ela é uma mulher que estava se apaixonando e ficou magoada de saber que o homem que a estava cortejando tinha outra, Quinho.
- Mas ainda assim, mãe, e…
- Poxa, filho… - Me interrompeu, colocando suas mãos sobre as minhas: - Ela só quer que você demonstre que a ama de verdade. Vai atrás dessa moça.
- Mãe, ainda tem o pai que está arrancando meu couro. Estou cheio de reuniões, trabalho, compromissos. Há vários atrasados e…
- Pro inferno com seus compromissos, Marcos! Eu me acerto com seu pai, mas vai atrás dela.
- Eu vou pensar, mãe.
[...]
Por que os jovens tem que complicar algo tão simples como o amor? Eu via no rosto do Marcos que ele queria ir atrás da Annemarye. Estava pintado na sua testa que ele a amava, então, por que não ir atrás dela? Pessoalmente, e com base em meus conhecimentos, eu conclui que ele poderia estar com medo de ser rejeitado, afinal, realmente ela não respondia aos contatos dele e, estranhamente, até aos meus. Sim, obviamente, eu também tentei ligar para aquela teimosa, mas realmente seu celular só retornava como “desligado ou fora de área”.
Entretanto, eu vi que precisaria dar um jeitinho de empurrá-lo para cima dela, ou veria a Márcia novamente tomar conta do meu filho. Ele poderia até não amar a Márcia, mas eu sabia que gostava muito dela e, além disso, agora nutria um sentimento muito forte de gratidão pela forma como ela estava cuidando de mim. Não que eu não fosse grata, eu sou e muito por tudo o que ela me fez, mas agora tratava-se de defender a felicidade de meu filho e eu agiria como uma leoa para proteger o que me parecia ser o melhor para ele.
Fiquei o encarando por um tempinho e decidi agir. Peguei meu celular e, sob o olhar curioso do Marcos, disquei para meu marido. Eu agora precisava da ajuda dele. Assim que ele me atendeu, fui bastante clara e categórica:
- Balthazar, o Marcos precisa do helicóptero.
- Oi! Boa tarde para a senhora também, dona Gegê. Como tem passado? - Brincou comigo.
- Eu estou bem, sim, e brava, muito brava.
- Mas por que? O que aconteceu? E pra que ele precisa do helicóptero… - Se calou por um momento e concluiu acertadamente: - É para ir atrás daquela moça?
- É. Isso mesmo. É para isso, sim, e você não vai impedi-lo.
- Mas quem disse que eu quero impedi-lo? Ele é que nunca mais tocou no assunto e pensei até que tivesse desistido. A questão é que estamos num momento meio delicado aqui na empresa, Gegê, e eu preciso dele ao meu lado. Já comentei com você que estamos ampliando nossas atividades e…
- Te vira! - Eu o interrompi, pois não queria saber de desculpas: - Você é o administrador mais competente que eu conheço. Impossível que não consiga cuidar da empresa sem ele por alguns dias. Chama o Aurélio para te ajudar, se for o caso.
- Ô, mulher, calma… Eu posso claro, mas ele é o responsável pelas mudanças que estão sendo implementadas. Então…
- Por favor, Balthazar. - O interrompi novamente e pedi com voz quase chorosa: - Me ajuda a ajudar nosso menino.
- Pode parar, Gegê, sem choro. Eu te conheço há muito tempo para saber que é uma tentativa de me fazer ficar com peso na consciência.
- Poxa… - Resmunguei e consegui forçar um leve choro para que ele ouvisse.
- Você está chorando de verdade!? Gegê!
Fiquei em silêncio, sem respondê-lo, só choramingando baixinho do meu lado e ele voltou a falar:
- Nossa, mulher. Tá bom, tá bom… Fala pra ele que o helicóptero estará disponível amanhã. - Falou e eu comemorei, até me esquecendo que estava “chorando” há poucos minutos: - Só pede para ele voltar logo porque realmente eu preciso dele na empresa.
- Tá bom, meu velho. Eu falo. Obrigada. - Respondi, feliz da vida e finalizei com chave de ouro: - Ah, eu te amo, viu!? Hoje vou estar usando aquela camisola que você tanto gosta.
- Tá louca, Gegê!? Você ainda está se recuperando. - Começou a rir do outro lado da linha: - Também te amo, mas não vai ter “nheco-nheco” de noite, não, ouviu?
- Ouvi, seu chato. - Comecei a rir: - Beijo.
- Beijo.
Assim que desliguei e encarei o Marcos, ele estava roxo. Eu não sabia se da minha intervenção para que ele pudesse ir atrás da Annemarye ou da minha “paquerada” em meu marido. Imaginei que fosse a última:
- O que foi? Ele é teu pai! Qual o problema da gente namorar?
- Problema algum! Só que da última vez, a coisa não deu muito certo…
- Deixa de ser bobo. Se eu tivesse morrido, seria com um baita sorriso no rosto. - Falei e ri gostoso, me controlando em seguida: - Está tudo certo. O helicóptero é seu amanhã e te ganhei alguns dias. Vai se arrumar!
- Só a senhora mesmo, mãe. - Falou feliz da vida para mim e veio me dar um delicioso beijo no rosto, saindo em seguida para seu quarto.
[...]
Não posso negar que minha mãe conseguiu algo que eu já havia tentado em vão antes com o meu pai. Agora eu teria a chance de ir atrás da Annemarye e me acertar com ela de vez. Liguei para o comandante Hamilton e informei nosso destino. Diferente de antes, decidi que nosso destino seria uma cidade polo próxima da cidade natal dela, onde eu alugaria um carro pelos dias que permaneceria lá. Dormi o sono dos justos e acordei logo cedinho para um necessário café da manhã antes de partir. Minha mãe já estava acordada e me aguardando à mesa com um sorriso de satisfação no rosto:
- Dormiu bem? - Me perguntou.
- Muito bem, mãe. Espero dormir ainda melhor hoje à noite.
- Acompanhado? - Ela insistiu, dando uma risadinha.
- Quem sabe? Eu pretendo, mas vamos ver se ela também concorda. - Disse e ri também.
Tomei meu café, conversando e rindo com ela. Nossa ansiedade era aparente. Só nós dois sabíamos como queríamos que aquilo acontecesse. Aliás, às vezes, parecia que ela queria mais que eu. Peguei minha mala e me despedi dela, indo para o heliporto de costume onde o comandante Hamilton já me aguardava. A viagem transcorreu tranquilamente e quase três horas depois eu chegava no meu destino, onde o dispensei e recebi meu carro, seguindo para a cidade natal da Annemarye. Fui diretamente para a casa dos pais dela, onde sua mãe me recebeu:
- Uai! Você não é o moço de São Paulo? Me desculpa esqueci seu nome…
- Marcos, dona Luíza. Me chamo Marcos. - Falei esboçando meu melhor sorriso: - A Annemarye está?
- Não tá, filho. Ela já voltou para São Paulo há dois dias.
- Mas ela não ia ficar quinze dias aqui?
- Pois é, mas a Annemarye é a Annemarye, né? Louca para voltar a trabalhar, não quis ficar de jeito algum e voltou um pouco antes. - Ela me respondeu, já me puxando para dentro de sua casa: - Entra! Vem tomar um café.
Não recusei a acolhida, afinal, eu queria causar uma boa impressão também para seus pais. Por azar ou sorte, o pai dela estava trabalhando no sítio da família e eu não teria que enfrentá-lo naquela oportunidade, não que a mãe dela fosse me facilitar:
- Então… - Ela começou a dizer enquanto colocava uma forma de um cheiroso bolo de fubá sobre a mesa ao lado de uma garrafa de café e depois se sentou de frente para mim: - Então?
- Oi!? - Perguntei, engolindo a seco, embora tenha salivado pouco antes por causa daquele bonito bolo.
- Sua visita não é surpresa para mim, mas seu atraso, sim. - Ela falou, calmamente, enquanto me servia uma xícara de café e já separava um pedaço do bolo num pratinho.
- É, eu sei. - Concordei, chateado e me expliquei: - Minha mãe teve um princípio de infarto e acabamos ficando ocupados com os cuidados para ela.
Ela me encarou surpresa, mas antes que falasse, continuei:
- Eu sei que parece que deixei a Annemarye para trás, mas não foi isso… Eu juro! Desculpa.
- Não precisa se desculpar, filho. Tá tudo explicado e muito bem explicado! - Ela falou colocando uma mão sobre a minha: - E sua mãe, como está?
- Está bem. Graças a Deus está se recuperando muito bem, aliás, praticamente já se recuperou.
- Graças a Deus! Fala que eu mandei um abraço, por favor. Gostei muito dela.
- Falo, sim, senhora.
De repente um silêncio surgiu na cozinha. Eu sabia que ela queria saber mais, mas não estava conseguindo entrar no assunto. Eu também queria falar mais, mostrar que minhas intenções eram nobres, que eu realmente amava sua filha, só que também não sabia por onde começar. Nesse instante, seu telefone tocou e ela me pediu licença para atendê-lo. Foi bom, pois assim eu poderia pensar em como abordar aquele assunto. Não tive como não ouvir sua conversa e notei que algum problema havia acontecido com o pai da Annemarye, mas que, por não ser algo grave, poderia até me dar uma chance de melhorar ainda mais minha imagem com eles. Assim que ela voltou a mesa, eu perguntei:
- Algum problema?
- Nada sério, filho. Meu marido ligou dizendo que não conseguia falar com nosso caçula e precisava falar com urgência para pedir que levasse um remédio para aplicar num bezerrinho nascido há alguns dias.
- Se a senhora quiser eu posso levar. Só preciso saber que remédio é esse e onde fica a fazenda de vocês?
- Fazenda!? - Ela riu e vi o mesmo brilho dos olhos da Annemarye nos dela, enchendo-me de saudades: - É só um sítio! Não somos ricos, não, Marcos. Só temos o necessário para viver sem apertos. A Annemarye é o que é e tem o que tem porque sempre se esforçou muito.
- Ela é realmente especial… - Concordei, deslumbrado com minhas lembranças, sem me dar conta de que ela me avaliava continuamente.
- Cê gosta dela, não gosta? - Perguntou, encarando-me no fundo dos olhos.
Mesmo constrangido, achei melhor ser honesto:
- Muito, dona Luíza. Demais mesmo. - Suspirei fundo.
- Que bom ouvir isso, porque eu acho que ela também gosta de você. - Ela sorriu e bebeu um bom gole de seu café, depois me olhando novamente: - Quer mesmo levar o remédio para o meu marido?
- Quero! Só não sei pra onde.
- Vou fechar a casa e irei com você. - Disse já se levantando: - Só que temos que passar na casa agropecuária antes.
Sorri de volta para ela e, enquanto ela se foi, peguei as xícaras, pratinhos, talheres e coloquei na pia de sua cozinha, cobrindo o bolo com o mesmo paninho branco de algodão que havia quando ela colocou a travessa na mesa. Quando ela retornou e viu sua cozinha organizada, deu um belo sorriso e me convidou para acompanhá-la. De lá para a casa agropecuária, onde ela própria comprou o remédio e então para o sítio da família, numa bonita encosta verdejante, típica do sul de Minas Gerais. Logo na entrada do sítio, havia um curralzinho onde o pai da Annemarye cuidava de alguns afazeres. Estacionei próximo a simples casa sede de tijolos aparentes e piso rústico, mas muito bem cuidada e limpíssima, de onde fomos em direção ao curral. Seu Vicente já vinha em nossa direção e se surpreendeu ao me ver:
- Bom dia. - Falei formalmente, estendendo minha mão.
- Bom dia, Marcos. - Falou me surpreendendo ao lembrar de meu nome: - Estou com a mão suja, rapaz. Vou te sujar todo.
Lembrei de meu pai nesse momento que, certa vez, numa situação semelhante em que me neguei a apertar a mão de um amigo seu num haras, justamente por estar com a mão suja, me ensinou: “Mãos se lavam. Amizades se criam.”. Insisti com a mão esticada, olhando-o nos olhos:
- Não há problema algum, seu Vicente. Apertar a mão de um trabalhador é sempre uma honra.
Ele me encarou surpreso e me apertou a mão com força, vontade e eu correspondi à altura. Depois a dona Luíza informou que estávamos em sua casa quando ele ligou e que eu teria proposto trazer o remédio para o bezerrinho, que agora ela lhe entregava:
- Obrigado, mas ainda assim não vou conseguir aplicá-lo sozinho. - Ele respondeu.
- Eu te ajudo, Cente. É só um bezerrinho. - A dona Luíza falou.
- Ele já é grandinho. Você não consegue. Venho outro dia e…
- Eu te ajudo. - O interrompi, chamando sua atenção e fazendo com que ele me olhasse de cima a baixo: - Se o senhor quiser, eu te ajudo.
Ele me olhou novamente de cima a baixo e falou:
- Desculpa, mas cê não tem cara de que dá conta, não.
- Vicente!? - Dona Luíza o repreendeu.
- O que foi, Lú? - Ele falou e completou num mineirês clássico: - Vai sujá ele inteirin!
- Se sujar, eu troco de roupas depois. - Insisti: - E realmente eu não sei o que fazer, mas posso aprender se não for algo tão difícil.
Ele me olhou novamente, ainda em dúvida, mas deu de ombros, convidando-me a segui-lo:
- Então, tá, então, né! Vem comigo.
Fomos e o serviço não era tão complicado assim. Ele próprio deitou o bezerrinho no chão de terra batida, segurando-o firme e pediu que eu aplicasse o remédio, uma espécie de aerossol roxo, sobre o umbigo do bezerrinho que havia sido contaminado com algumas larvas, “bernes” como ele me ensinou, se transformando numa “bicheira”. O trabalho nem era tão complicado, não fossem as pesadas que o bichinho deu, jogando terra para todo lado, inclusive, em cima de mim. Fizemos todo o procedimento e não pude me furtar a acariciar aquele bezerrinho ali deitado. Eu nunca tinha feito aquilo e gostei demais! O bichinho fungava, revoltado por estar dominado, mas se acalmou ao toque de minha mão. Depois de um tempo acariciando-o, notei que seu Vicente me encarava curioso, mas parecia satisfeito com minha ajuda. Soltamos o bezerrinho que saiu pulando e fomos para a casa sede.
Dona Luíza havia acabado de passar outro cafezinho. Aliás, eu não entendo essa fixação que os mineiros tem por café, mas, enfim… Sentamo-nos numa mesa localizada numa área externa e ele, diferente da dona Luíza, foi bastante objetivo comigo:
- Certo! Você não veio de São Paulo para cá ajudar a cuidar de um bezerrinho, né?
- Vicente!? Olha os modos! - Dona Luíza o repreendeu novamente, mas ele agora a encarou com um olhar sério e ela se calou.
- Não mesmo, seu Vicente! Eu moro no Rio de Janeiro. Vim de lá. - Respondi, sorrindo.
- Uai! Mas e aquele apartamento?
- É do meus pais, que também moram no Rio de Janeiro. Eu estava em São Paulo à negócios. Ah, e respondendo a sua pergunta, eu vim pela Annemarye, seu Vicente.
- Por que? - Ele insistiu.
- Porque eu… É! Eu… - Engasguei comigo mesmo.
- Eu o quê, rapaz!? - Ele insistiu, sério, firme, convicto, forte, me fazendo tremer ainda mais.
Dona Luíza passou a nos observar como se estivesse numa partida de ping-pong: ora olhava para ele, ora para mim, ora para ele, ora para mim. Decidi ser honesto:
- Eu gosto dela, seu Vicente, e acho que ela gosta de mim. Eu queria conversar com ela, sei lá, falar para ela tudo o que sinto e tentar me acertar com sua filha. - Falei com toda a sinceridade, encarando-o, mas sem que ele mudasse um milímetro de sua expressão: - Pode confiar. Minhas intenções são as melhores possíveis!
Nesse momento, ele deu um sorriso que evoluiu para uma gostosa risada e enxerguei a Annemarye naquele sorriso, naquela risada gostosa, debochada, que fizeram com que eu me apaixonasse por ela. Sorri também no embalo, mesmo sem entender o porquê, mas ele logo se explicou:
- Cê tava indo bem. - Disse e, ainda sorrindo, bebeu um gole do seu café: - Agora, “minhas intenções são as melhores possíveis” já tá muito passado, né? Isso é do tempo do meu avô.
- Então… - Entendi a piada e ri também, mas frisei: - Mas é verdade! Quero o melhor para ela e queria conversar com ela, mas a dona Luíza me disse que ela já voltou para São Paulo.
- E por que você demorou tanto para vir atrás dela? E aquela história de você ter namorada? Com isso, eu não concordo.
- A mãe dele quase infartou, Cente. - A própria dona Luíza se adiantou a explicar, fazendo-o se surpreender.
- Mas sua mãe…
- Está bem, muito bem. Fica tranquilo. - Acabei interrompendo-o sem querer: - E quanto a minha ex, hoje ela é somente isso, uma ex.
- Olha só, rapaz… Eu rezo todo dia, pedindo para Deus que minha filha seja feliz e, se for com você, ótimo! Mas deixa eu te falar uma coisa! - Agora, mesmo sorrindo, entendi que a conversa seria séria: - Se você, fizer ela sofrer, vai se ver comigo. Tá entendendo?
- Hã!? - Fiquei surpreso, mas sorri imediatamente: - Ah… Sim, sim... Claro que sim!
- Não há nada que me doa mais que ver um filho meu sofrer. Então, se vocês se acertarem, cuide muito bem dela e seremos ótimos amigos, mas se fizer ela sofrer… Ah, rapaz… - Ele me falou, mas entendi bem a ameaça, aliás, entendi bem sua preocupação de pai.
Passamos a conversar e eu acabei reclamando do fato dela não me atender, porque seu telefone retornava a informação de estar desligado ou fora de área. Eles não entenderam minha reclamação, haja vista que ela falou várias vezes com o escritório de São Paulo, sem problemas aparentes e isso me entristeceu bastante, pois ela poderia estar realmente me evitando. Mostrei minhas várias tentativas de ligação e o seu Vicente começou a rir, fazendo-me encará-lo sem entender:
- Você inverteu o número, Marcos. O final é sessenta e nove, não noventa e seis. - Explicou.
Eu o olhei encabulado e tentei, no mesmo momento, fazer uma ligação para ela, retornando novamente a mesma mensagem de “desligado ou fora de área”. Ele achou curioso e tentou fazer uma ligação de seu próprio aparelho, retornando a mesma mensagem. Depois me mostrou ter falado com ela ainda no dia anterior, então, conclui que provavelmente ela estivesse ocupada. Acabei ficando mais umas boas horas conversando com eles que se mostraram curiosos sobre mim e o pai dela, classicamente, querendo saber o que eu fazia, com quem morava, etc. Acredito que estivesse avaliando se eu poderia cuidar da sua filha, mas, perfeitamente compreensível, pois eu, na condição dele, faria o mesmo.
A convite, almocei com eles. A mãe dela cozinhava maravilhosamente bem e entendi de onde Anne havia herdado o dom. Ela preparou um delicioso frango caipira ensopado que comemos com uma típica polenta italiana. Eles ainda tomaram um vinho, mas eu recusei, justificando que iria ainda naquela tarde para São Paulo, pois queria conversar com ela o quanto antes. Depois do almoço, de um novo cafezinho e de um breve descanso, me despedi deles. A dona Luíza me deu um abraço apertado e um beijo mais que carinhoso. Seu Vicente foi quem me surpreendeu. Eu havia lhe esticado a mão e ele também me deu um abraço forte, apertado:
- Estou lhe dando um voto de confiança. Cuide muito bem do coração da minha filha, Marcos. É só o que eu te peço. - Falou com os olhos levemente marejados.
Fiz-me de forte para não chorar, mas foi quase. Saí rumo a São Paulo, chegando quase cinco horas depois porque o trânsito estava horrível, com vários acidentes atrasando o fluxo dos veículos. Pelo horário, imaginei que ela estivesse no escritório do doutor Gregório e para lá me dirigi, pois eu não queria ficar mais nenhum momento longe dela. Na recepção do escritório, me identifiquei e pedi para ser atendido pela doutora Costa Brasil. Antes que a atendente me dissesse algo, o doutor Gregório passou pela recepção e, ao me ver, me reconheceu de imediato:
- Marcos!? Não acredito… É você mesmo?
- Como vai, doutor? Sim, sou eu, só um pouquinho mais crescido.
- Pouquinho!? Você está maior que eu. - Começou a rir de si próprio: - Não que isso seja muito difícil, não é?
Rimos de seu comentário e passamos a conversar brevemente. Então, lhe expliquei que estava lá por causa da Annemarye e ele me jogou um balde de água fria:
- Rapaz, ela foi para Maceió cuidar de alguns assuntos de um inventário que estamos fazendo e fizemos ela tirar alguns dias de férias, porque aquela lá só sabe trabalhar, trabalhar, trabalhar e estava passando por uns problemas e… - Ele me encarou e perguntou, curioso: - Por que você quer falar com ela?
- É um assunto pendente, doutor. Prefiro tratar pessoalmente com ela.
- Sei. Bem… Ela volta daqui duas semanas, Marcos.
- Duas semanas!? Poxa… - Falei, desanimado.
O doutor Gregório me encarou com um sorriso sarcástico e pediu um papel para a secretária. Então, anotou alguma coisa e depois me entregou o papelzinho:
- O que é isso? - Perguntei, olhando suas anotações.
- O hotel em que a Annemarye está hospedada. Acha mesmo que sua mãe ia conseguir me esconder o que está acontecendo?
Sorri encabulado, mas, ao mesmo tempo, grato pela sua sagacidade. Conversamos mais um pouco e me despedi, indo para o apartamento de meus pais. De lá liguei e expliquei toda a situação para a dona Eugênia, a fim de não deixá-la ansiosa desnecessariamente:
- Mas o que você vai fazer? - Ela me perguntou.
- Já fiz! Fretei um táxi aéreo e vou atrás dela daqui uns dias.
- Muito bem, filho. Gostei de ver.
Por algum problema com as liberações de voo interestaduais que eu não entendi bem, só consegui marcar para quatro dias depois. Fiz minha reserva num hotel cinco estrelas, situado no mesmo bairro daquele em que Annemarye estava. Decidi que, naquela mesma tarde, eu iria encontrá-la. Fiquei plantado num sofá lateral do saguão de seu hotel com um bonito buquê de rosas vermelhas em mãos. Já passava das dezoito horas quando ela, como sempre linda, deslumbrante, esbanjando um belo bronzeado, entrou caminhabdo rápido pelo saguão, sorrindo para o além. Me levantei decidido a tê-la em meus braços, mas aí vi um rapaz forte, moreno e tatuado, entrar correndo atrás dela e a pegar por trás, num abraço apaixonado e, pior ainda, sendo correspondido por ela, que se voltou e lhe beijou ardentemente a boca. Meu mundo caiu naquele momento…
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.