***CAPÍTULO DEZESSETE***
A porta é enorme, de vidro refletivo, semelhante à casa toda. Por fora parece espelho. Olho o nosso reflexo e vejo como sou diferente de Gabriel, sou deslocado ao lado dele. Gabriel é alto, viril, exala inteligência e poder, ao passo que sou um cara simples do campo, com medo no semblante e os olhos cheios de dor.
As portas se abrem e, um senhor alto, magro, todo engomado num terno preto e gravata borboleta, de postura reta, nariz empinado, calvo e branquelo, sai. Lembro-me imediatamente do comercial de papel higiênico — Ele se parece muito com aquele homem. Qual é mesmo o nome dele? Ah, Alfredo!
Grito na minha mente como faz o comercial, seguro o riso.
— Senhor Miller, seja bem-vindo de volta a sua casa.
Casa? A minha é uma casa, isso aqui se parece mais com um castelo de princesa. Lá vou eu sonhando com contos de fadas de novo! Acho que leio livros demais.
— Obrigado, Osvaldo, peça para levarem as malas para o quarto, os seguranças podem ajudar.
O homem assente.
Vai chover canivetes, não é possível que ele tenha agradecido alguém.
— Muito prazer em conhecê-lo, senhor Samuel.
Oh! Ele sabe o meu nome.
— O prazer é todo meu — digo educado.
— Estou à sua disposição, com licença. — Com um cumprimento de cabeça, parecendo uma reverência, ele sai.
— Esse é meu mordomo, ele organiza tudo por aqui, junto com a Julia. Logo você vai conhecê-la também. Verá os dois com muita frequência pela casa.
Gostei dele.
O hall de entrada é grande e moderno, todo decorado com mobília fina. Tem um lustre pendurado entre duas escadas com corrimão dourado, que levam para o mesmo lugar, no andar de cima. O lugar tem um tom baixo de luz por causa dos vidros escuros, além das cortinas pretas, gigantes, que descem do teto até o chão. Embaixo da escada tem uma porta, e a seguir uma mesa de jantar com um vaso dourado enorme, com flores coloridas. Olho para a lateral, perto da escada, do lado direito e vejo algumas pessoas lado a lado.
— Venha, vou te apresentar os funcionários.
Funcionários? Isso é muito bom, porque para manter essa casa limpa obviamente precisa de várias trabalhadoras.
Assim que Gabriel diz os nomes das faxineiras, eu me esqueço na mesma hora, só sei que elas vêm três vezes na semana. O jardineiro é tão velhinho que fiquei com pena por ele cuidar daquele jardim sozinho. Por fim, me apresenta a Julia. Ela é a governanta, gosto dela de imediato; lembra um pouco a minha mãe. Seus cabelos são loiros, devem ser tingidos, e estão presos em um coque. O que me encanta nela é seu sorriso sincero. Como ela comanda a cozinha, presumo que faremos uma linda amizade, já que amo comer.
— Eles estarão à sua disposição quando necessitar — Gabriel fala em um tom autoritário, como sempre elevando seu ego, mostrando o comando.
— Prazer em conhecer todos vocês. — Abro um meio sorriso.
Eles abrem os sorrisinhos amarelos e nervosos.
— Podem voltar ao trabalho.
Reviro os olhos.
Ele sempre tem a necessidade de mandar nas pessoas, não é possível.
— Vou te mostrar o resto da casa.
Conduz-me para o lado direito, onde há pouco estavam os funcionários. Entramos em uma sala, não é tão escura igual ao apartamento, mas também não é clarinha como gostaria que fosse. Acabo de crer que ele gosta mesmo desse ar misterioso e fodão.
Aqui tem mais cortinas pretas, um sofá escuro com almofadas brancas espalhadas, porém de uma forma organizada. Provavelmente ele nem vem aqui, porque não consigo imaginar Gabriel deitado no sofá assistindo a Netflix numa televisão enorme.
A mesinha de centro me chama a atenção, ela é de vidro e tem um vaso de cacto, espinhoso igual ao dono, e um tapete que pega todo o cômodo grande. Parece ser tão fofinho que dá vontade de apertar os dedinhos do pé nos pelos.
Passamos por um corredor escuro antes de ir para cozinha.
— Aqui é proibido como no apartamento. Mais a frente fica o meu escritório. Por favor, não se atreva a tentar bisbilhotar.
O que será que ele esconde?
Fico mais curioso e com vontade de dar uma olhadinha. Outra hora, quando ele não estiver, talvez.
— Sim, senhor — digo, fazendo-o olhar para mim.
Balança a cabeça sem dizer nada, mostrando sua gloriosa mansão.
Chegamos à cozinha e nos deparamos com Julia e mais duas mulheres picando alguns legumes.
— Que bom vê-lo novamente, senhor.
Odeio esse negócio de senhor.
— Pode me chamar de Samuel.
— Samuel — Ela diz, com um belo sorriso. — Estas são as minhas ajudantes: Tamires e Ana. Estamos preparando o jantar.
— Oi — Faço um cumprimento, me direcionando as mulheres. Devem ter 30 a 35 anos.
— Olá — Elas dizem em uníssono, parecendo meio amedrontadas pelo homem ao meu lado. Até eu estaria se trabalhasse para ele.
— O cheiro está ótimo. — Gabriel elogia.
— Obrigada, senhor — Julia responde com a cara amarrada, enrugando o nariz.
Ela não faz ideia, mas já adorei sua existência.
— Venha, vou te mostrar o andar de cima. — Ele abaixa a cabeça e ri.
Subo as escadas, colocando os dedos pelo corrimão todo trabalhado.
— Vou apostar que é ouro. — Penso alto.
— Bela aposta. — Seu sorriso presunçoso volta.
Ele me mostra os quartos, são muitos, acho que seis do lado esquerdo.
Para quê? Melhor não saber, meu subconsciente responde.
Seguimos para o outro lado.
— Desse lado tem duas suítes principais, uma ao lado da outra. Essa primeira porta é a minha. — Aponta para porta fechada.
— Muito bonito — provoco, já que ele nem vai abrir o quarto.
Por que ia querer ver o quarto dele também?
— Quer conhecer o meu quarto? — Sua voz transborda malícia e sedução.
Um calor se espalha pelo meu corpo. Não digo nada, então continuamos andando até a outra porta.
— Este será o seu quarto.
— Meu quarto. — Penso alto outra vez, sentindo um alívio por não me obrigar a dormir com ele.
— Sim, a não ser que queira dormir comigo.
De novo há malícia em sua voz, fazendo meu corpo responder como se estivesse me tocando. Dessa vez não, dessa vez serei forte. Ele não vai me enganar com essas conversinhas sedutoras.
— Não, para mim está ótimo.
— As malas já devem estar aí dentro.
Ele abre a porta, e minha boca se escancara com o tamanho. Não consigo conter um suspiro de admiração.
É todo branco, dando um ar mais leve, com uma cama enorme — acho que dormiriam umas dez pessoas bem à vontade ali — encostada numa parede branca, com portas de vidro que levam a uma sacada, numa vista maravilhosa para o jardim.
O banheiro, nem se fala, é maior que o do apartamento, e é amplamente decorado com pedras brancas em volta da parede de vidro, iguais às de fora da mansão. No Box do chuveiro, há pedras marrons, e entre elas escorrem água, bem no estilo cascata.
Diferente e lindo; porém, o que mais me chama a atenção é o lado de fora.
— Uau, isso é perfeito — afirmo, olhando a paisagem.
— Eu gosto também.
— Não dá para ver nada aqui dentro, tipo, pelo lado de fora desse vidro? — Aponto para a parede de frente com a banheira. A paisagem é de tirar o fôlego.
— Não, pode tomar banho à vontade com a bela visão dos fundos, ou da noite.
Ainda não escureceu por completo, então consigo ver a copa das árvores e a pista ao longe.
— É sensacional. Nunca vi nada parecido.
— Se acostume, aqui será a sua casa. E este quarto, o lugar que mais passará seu tempo.
O quê?
— Como assim?
— Não poderá ficar zanzando pela casa. Aqui eu recebo muitas visitas, então é melhor que não o vejam por aí — fala como se isso fosse a coisa mais natural do mundo.
Queria estapeá-lo por ser tão ridículo. Queria que ele tivesse algumas verrugas ou sinais para ser feio.
Vá se convencendo disso, Samuel.
— Venha. — Ele sai do banheiro e abre uma porta ao lado. — Aqui é o closet, pode organizar como quiser. Em cima da penteadeira tem um sistema de som, é só escolher as músicas e tocará o que pedir. Peço apenas que não deixe alto, porque não gosto de músicas, já basta no clube.
Claro que não gosta, você é amargo.
— Acredito que o ar condicionado você já deve ter aprendido a utilizar no apartamento. Aqui pode fazer o que quiser, decorar como quiser, este será o seu lugar. Como eu disse: passará muito tempo aqui.
Sua voz está me dando nojo, assim como sua soberba, autoridade, a fachada intacta de homem durão e postura impecavelmente alinhada.
— Posso fazer o que eu quiser?
Ele percebe o meu tom de voz e responde cautelosamente:
— Sim.
— Quero que saia e me deixe em paz. Quero privacidade, quero que nunca entre sem a minha permissão — declaro, como se estivesse cuspindo as palavras em forma de veneno.
Ele abre seu sorriso diabólico.
— É justo. Será como está pedindo, mas quero que siga as minhas ordens. Só para relembrar: sem visitas ao meu escritório.
As palavras são letais, ele está nervoso novamente.
Se fosse para ter privacidade, teria que fingir que não estou curiosa, então sim, eu aceito, mesmo sabendo que a parte mais difícil será seguir as suas ordens.
— Tudo bem. Vai ser igual no apartamento, apenas homens como o Vinícius podem entrar. — Não consigo frear a língua. Já que comecei... — Por que ele pode entrar e eu não? — Deixo escapar o quanto estou amargurada.
Ele se aproxima, com um olhar duro e frio.
— Porque não quero você lá, não aguento a sua curiosidade. Lá é meu lugar, entra apenas quem eu quero, e você não é uma delas.
Sua voz corta como faca afiada, me dilacerando por dentro, e olha que pensei que ele já tinha feito o seu pior... Mas me enganei, ele pode ser mais cruel do que já é.
— Entendi. — Me afasto. — Agora saia.
— Se precisar de qualquer coisa, os empregados estarão à disposição. Só saia deste quarto se realmente for necessário.
— Obrigado, senhor — digo, irônica.
Ele ignora meu tom.
— Hoje você jantará no quarto, pois terei visitas daqui a pouco. Espero que me obedeça dessa vez.
Com isso ele sai, me deixando com tanta raiva que meu sangue ferve nas veias.
***
Depois do jantar, tomo um banho e me deito na cama, mas não consigo dormir. Vou até a penteadeira no canto do quarto, pego um papel e uma caneta. Preciso escrever para os meus pais. Como não quero preocupá-los, terei que omitir algumas coisas.
“Queridos papai e mamãe.
Estou com tantas saudades que chega a doer, a distância é terrível. Fico pensando em como vocês estão todos os dias, se já se acostumaram sem mim pela casa, sem a minha voz.
Tomara que não.
Aqui está tudo bem, tenho tudo o que preciso. Acho que nunca comi tanta coisa boa! Tenho roupas caras e um conforto sem igual. A casa é tão grande, o meu quarto nem se fala, acho que é maior que a casa da chácara. Lá fora tem um jardim incrível, gostaria que pudessem estar aqui para ver.
Podem ficar tranquilos, Gabriel não é tão ruim como parece, e nunca me forçou a nada, quase não nos vemos, ele trabalha bastante. Isso é uma coisa boa.
Conheci a família dele nesse fim de semana, são uns amores. Fiz amizade com a irmã dele, ela é incrível, e tem a Laurinha também, tão linda; é uma criança encantadora. Até que estou gostando dos novos ares. Sinto muito por tudo o que aconteceu, foi brutal e cruel, mas estou bem, e com saudades. Manterei vocês bem dentro do meu coração.
Amo vocês, e volto a escrever em breve. Estarei esperando uma resposta.
Com amor, Samuel.
Obs.: Me contem sobre o Lucas.”
Acho que não tem nada de incriminatório, então se ele ler não irá me fazer escrever outra, com mais mentiras do que eu já disse.
Coloco a carta num envelope e saio do quarto, parando bem na porta do quarto dele. Está tarde, ele deve estar aqui dentro. Bato algumas vezes e vejo a luz se acendendo pela fresta embaixo da porta.
— Samuel? Aconteceu alguma coisa? — Ele pergunta assim que me vê parado ali.
— Não, é que não consigo dormir, então escrevi uma carta para os meus pais. — Estendo a mão, com o envelope. — Você... O senhor poderia mandar entregar?
Ele suspira, parecendo cansado e pouco depois pega a carta da minha mão.
— Agora? Mas são três da manhã. — Está sonolento e um pouco perdido.
— Pode ser amanhã ou quando quiser, só gostaria que entregasse.
— Pode deixar, mandarei entregar. — Sua postura se alonga, acho que está começando a acordar.
— Obrigado, senhor — reitero, provocando mais uma vez.
Ele bufa.
— Dá para parar com isso?
Vejo um vislumbre do homem que passei a noite.
— Com o quê? — Me finjo de idiota.
— Esse negócio de senhor, está ficando irritante. Se as pessoas ouvirem, vão achar estranho.
— Mas é o que é. Você é meu dono, então o tratarei como tal. Você deixou bem claro que não temos qualquer relacionamento, esse será o único. — Viro as costas e volto para o quarto, sem deixar que tenha liberdade para conversar comigo.