- Sou prática, mamãe. Me trate bem e aja dentro do nosso combinado, que moverei mundos e fundos para te satisfazer. Pise na bola comigo e se prepare para o pior. - Insistiu, me olhando assustadoramente séria: - Ele errou, duvidou de mim e eu o fiz aprender, às duras penas, que não se brinca com Maria Eduarda Sá Pinheiro Pinto.
- Conta pra mim, vai? - Perguntei, curiosa: - Não vou te julgar. Juro, juradinho mesmo!
- Pra que você quer saber isso agora, mamãe?
- Pra te conhecer melhor, Duda. - Insisti: - Sei lá… Saber o tipo de mulher que eu criei.
- Criou uma mulher forte e decidida. Isso já não é o suficiente?
- Disso eu não tenho dúvida! Mas ainda assim… - Falei e me calei, dando a entender que minha curiosidade não iria acabar.
Capítulo 27 - Tal mãe, tal filha?
Duda ainda me encarava, analisando meu semblante, as minhas reações, a minha linguagem não verbal, parecia ela a terapeuta analisando uma paciente. Mordeu o canto da boca como sempre faz quando está pensando ou em dúvida. Depois tomou um belo gole de sua xícara de café e quando pensei que iria negar novamente, soltou em alto e bom som:
- Dei para três “amigos” do Felipe… - Fez o símbolo das aspas com os dedos, frisando a palavra amigos e continuou: - Filmei toda a suruba e mandei o filminho para ele num pendrive, com um lírio branco e um cartãozinho.
Disse isso e pegou seu celular para me mostrar uma imagem do mencionado cartão que ela dizia ter enviado:
“Você falhou comigo, eu falho com você agora!
Se quiser continuar comigo, terá que engolir seu orgulho e assistir esse vídeo até o final e não adianta pular, dizendo que o assistiu. Quero que você me mostre as seis palavras que serão mostradas no decorrer do vídeo para eu ter certeza que o assistiu todo.
A senha do arquivo é a mesma da nossa conta corrente.
Eu te amo e quero continuar com você, mas é a minha condição.”
Eu a encarava atônita, mas ela não mostrava o menor arrependimento. Além disso, passou a rir da minha cara:
- Tenho o vídeo aqui também. Quer assistir? - Me perguntou, pegando o celular de minhas mãos.
- Lógico que não, né, Duda! - Respondi, assustada e ainda incrédula: - E como ele reagiu?
- Bufou, xingou, discutiu, brigou e ficamos quase um mês sem nos tocarmos ou mesmo conversar. No final desse período, ele veio até mim e me disse as cinco palavras que eu exibi no vídeo durante a minha trepada.
- Cinco!? Mas não eram seis? - Perguntei.
- Eram cinco. Eu mencionei seis no cartãozinho para obrigá-lo a assistir o vídeo outras vezes para tentar encontrar a sexta palavra. - Disse e riu gostoso de sua travessura: - Ele me contou que depois da décima vez que assistia o vídeo, procurando a palavra, começou até a ficar excitado e…
- Para! Pode parar. - A interrompi: - Não preciso saber de mais nada! Esses detalhes você pode guardar para vocês.
- Credo, dona Gegê, foi a senhora que quis saber. Eu, hein!? - Disse e riu novamente.
- PIRANHA! - Disse Nana que nos ouvia pelas nossas costas, nos surpreendendo e fazendo Duda arregalar os olhos: - Você, toda certinha, chique, educada, falando… Como é mesmo? Ah, polidamente… É no fundo uma baita de uma PIRANHA!
- Nana, não é nada disso que você está…
- Para, mãe! - Ela me interrompeu e foi abraçar a irmã, fazendo-a arregalar ainda mais os olhos: - E é a minha mais nova heroína!
Nana então se sentou no colo da irmã e a abraçou mais forte ainda, passando também a lhe dar vários beijinhos no rosto com uma alegria genuína que contagiou a todas nós:
- Piranha, biscate, putinha safada... - Dizia e ria gostoso: - Mas é a minha irmã, a minha irmã, a minha irmã, mãe. Ai, que delícia de vingança! - Falou e depois soltou uma das dela, seguida de uma estridente gargalhada: - Não sou mais a ovelha negra da família. ADOREI!!
Depois de um gostoso momento em que rimos demais, ela saiu do colo da irmã e foi se sentar ao seu lado, colocando os cotovelos na mesa e amparando queixo enquanto a encarava:
- O que foi, pulga? - Duda lhe perguntou, ao ver sua cara curiosa.
- Eu quero mais, ué! Cadê os detalhes, a história toda? - Insistiu: - Você disse que tem vídeo, né? Deixa eu ver?
Duda caiu numa risada nervosa, constrangida, mas, conhecendo esse seu lado, eu não duvidava nada que ela contaria. Só que eu, mãe, não estava pronta para essa parte da história e intervi:
- Podem parar as duas! Não quero saber nada desses detalhes. Se a Duda quiser te contar, você que vão para outro lugar. Essa safadeza não me interessa em nada.
Elas se olharam e riram como nos tempos de infância, cúmplices de alguma arte que ainda sequer haviam cometido:
- Depois eu te conto, Pulga. - Duda falou, sorrindo: - Mas foi muito legal, viu!
- Mal posso esperar. - Nana respondeu, batendo palminhas com a expectativa.
- Gente, agora falando sério… - As chamei à razão: - Eu vou sozinha dessa vez. Vou deixar a Annemarye desabafar e vou orientá-la. Ela precisa de colo de mãe e…
- Sou mãe também! - Duda me interrompeu.
- Sim, é claro! - Concordei: - Mas ela precisa de minha experiência de vida…
- Eu, de novo! - Duda me interrompeu novamente: - Tenho algumas experiências que a senhora não tem.
- E tem mesmo, mãe! - Nana ratificou e caiu na risada: - Biscate do caralho, viu! Não tô acreditando até agora…
- Gente, para! Sem brincadeiras. Eu vou sozinha e acabou a discussão.
- Ahhh… - Resmungaram juntas.
[...]
Quando a Anne saiu do apartamento, triste, desolada, acabei me abatendo também. Eu não queria que nada daquilo tivesse acontecido, aliás, a nossa primeira tarde de amor eu queria muito, mas não deixá-la triste com aquela notícia. Entretanto, se tivéssemos a chance de começar algo, teria que ser com a máxima honestidade. Eu não poderia me furtar de contar tudo para ela, tudo, e foi o que eu fiz.
Ficar no apartamento estava fora de cogitação. Então, fui para o escritório da empresa. Apesar de eu não ser esperado, era um ambiente onde eu poderia me distrair ao menos um pouco. Não adiantou muito, pois a Annemarye não me saía da cabeça. Por volta das quatro e meia da tarde, decidi ir até seu escritório. Ela queria espaço, mas eu a queria perto de mim. Decidi arriscar e, se ela demonstrasse ficar incomodada com minha presença, eu respeitaria a distância.
Cheguei lá por volta das cinco e quinze. No saguão principal, a secretária me informou que ela não estava. Bobo, apaixonado e inseguro, insisti, dizendo se ela poderia ligar para informar que era o Marcos e novamente fui informado de que ela não estava. Perguntei, então, pelo doutor Gregório e ela, após me anunciar, pediu que o aguardasse.
Nem quinze minutos haviam se passado, quando vejo a Annemarye entrar no escritório, acompanhada por e de braços dados com uma senhora muito mal encarada. Naturalmente, me levantei, ansioso em recebê-la e por ser recebido. Ela me olhou em dúvida, talvez contrariada, mas logo abriu um sorriso que me tirou um baita peso dos ombros. Veio até onde eu estava e me beijou o rosto:
- Oi, Marcos. - Falou e me apresentou sua patroa: - Esta é a doutora Liliandra, uma das sócias do escritório e minha amiga. Liliandra este é o Marcos. Ele é…
- Ah… - A interrompeu: - Então, esse é o cara que fez essa bagunça toda na sua cabeça?
- Lili!? O que é isso? - Ela a repreendeu.
- Estou brincando, caipira. - Ela disse, riu e estendeu a mão para ele que a segurou: - É um prazer, Marcos. Melhor você cuidar bem da minha menina ou você tem grande chance de conhecer o meu pior lado. Entendeu?
- Si-Sim, senhora! - Respondi, assustado pela forma como falou e pela força que ela colocou no aperto de mão: - Agora, vão brincar, crianças. Os adultos têm que trabalhar, vocês precisam se divertir.
Ela então se dirigiu até a mesa da secretária, deixando-nos os dois, sem jeito um com o outro:
- Ainda tem bastante lasanha em casa… - Falei, tentando quebrar o gelo.
- Meio cedo para jantar, não acha? - Ela me rebateu.
- Bem, a gente podia procurar alguma outra atividade até termos fome. - Brinquei, esperançoso em obter um sorriso.
Consegui! Ela sorriu mesmo e riu depois. Olhei de soslaio para sua patroa e ela nos encarava. Não sei se a Anne viu, mas a tal Liliandra apontou dois dedos para os próprios olhos e depois para mim, encarando-me séria. Entendi o recado e fiz um sutil meneio de cabeça para ela:
- Não vai rolar, Marcos... - Me respondeu.
- O quê? A lasanha ou a brincadeira? - Perguntei, com medo de estar levando um fora.
- A brincadeira. - Ela explicou: - Olha, eu ainda não sei direito o que pensar ou o que fazer, então, por enquanto, eu… eu…
- Mas a lasanha, a gente pode comer juntos, não pode? Conversar, tomar um chope, pegar um cinema… essas coisas a gente pode, não pode?
- Uai! Poder, pode, mas eu…
- Escuta! - A interrompi e segurei em suas mãos: - Eu só não quero perder a chance de estar perto de você. Que você não me veja como seu namorado, eu aguento, mas não me peça para ficar longe. Não agora que eu te encontrei…
Ela me encarava, assustada, não sei se comigo ou consigo mesma. Chegava a morder os lábios inferiores ao ponto de tremê-los enquanto me olhava. Então, fechou os olhos e suspirou fundo:
- Lasanha, hoje à noite no seu apartamento, às oito da noite, então, ok? - Me falou e insistiu: - Só vamos comer e conversar, ok? Por favor…
- Tá! Oito horas, hoje, combinado. Vou te esperar e…
- E nada! - Fui interrompido por uma voz feminina e vi sua patroa se aproximar: - Leva ela pro shopping, Mário. Vão passear um pouco até a hora do jantar. Se distraiam, passeiem, vão viver um pouco suas vidas, pombinhos…
- É Marcos, Lili! - Anne a interrompeu.
- Tá que seja! - Ela engasgou e continuou: - Hoje, não quero te ver aqui dentro, “Jéssica”. Cai fora e vai viver um pouco.
- Mas…
- Sai daqui já! - Liliandra a interrompeu e lhe bateu de leve com sua bolsa de mão, se virando depois para mim: - E você, tira ela daqui agora, antes que eu bata em você também!
- É melhor a gente sair daqui. - Falei, já puxando a Annemarye pela mão.
- Mas… mas…
A Annemarye falou mais uns três ou quatro “mas” enquanto eu a puxava para fora do escritório. Lá fora, ela olhou para sua mão, presa pela minha e me olhou novamente, como se pedisse para soltá-la. Não soltei!
- A ideia é boa. Vamos passear no shopping. Eu não me lembro a última vez que fiz isso. - Falei, sinceramente.
Anne ainda olhou umas duas vezes para a porta do escritório e depois para seu celular, talvez para verificar as horas e se convencer que, pelo horário, pouco ou nada poderia trabalhar:
- Tá. Então, vamos. Continua à pé? - Me perguntou.
Confirmei e fomos até seu carro. Ela pegou as chaves e balançou para mim. Quando fui pegá-las, ela recusou entregá-las:
- Não! A última vez que te deixei dirigir, me lembro bem como terminou.
- Ora! Então… Seria um prazer repetir tudo novamente com você. - Falei, sorrindo.
- Repetir tudo mesmo!? Até a boa nova de que você vai ser pai de um filho com outra?
Senti a pancada! Pegou no baço, sem chance de uma esquiva e devo ter refletido no semblante. Ela viu que pegou pesado:
- Desculpa. É por isso que eu não queria sair com você. Saiu sem querer. Eu ainda preciso entender tudo isso e ver se consigo achar uma saída, Marcos. Eu acho melhor a gente deixar para outro dia.
- Não, não! Está tudo bem. Eu mereci. Sei que você não fez por mal. Vamos só sair, passear, ver vitrines, conversar fora desse assunto. - Insisti: - A gente merece relaxar um pouco, Anne.
Quando eu falei isso, a Anne olhou para cima e abriu um sorrisão malicioso, como se lembrasse de alguma coisa. Fiquei imaginando que fosse eu. Sorrindo ela estava e sorrindo continuou enquanto entrávamos em seu carro:
- O que foi? Que sorrisinho é esse? - Perguntei e, me achando senhor daquele sentimento, insisti: - Foi por causa do nosso almoço?
Ela me olhou de soslaio, ainda sorrindo e soltou:
- Ah, é, então… Não posso negar que aquilo foi muito bom, sim, mas eu estava sorrindo de outra coisa.
- Que coisa?
- A Liliandra pensou que eu estivesse tensa também e me levou num SPA só para moças. Ganhei umas massagens gostosas lá, tomei algumas taças de champanhe. Estou bem molinha, molinha…
- Então, deixa eu dirigir, cachaceira! - Brinquei, fazendo ela rir alto: - Estou falando sério, Anne. Deixa que eu dirijo.
Ela me olhou sorrindo e concordou. Trocamos de lugares e saí para o Iguatemi Shopping. Quando informei meu destino, ela me surpreendeu:
- Vamos no mercadão? Deu uma vontade de comer lanche de mortadela…
Eu já estava parado num sinal vermelho e me virei para ela que agora sorria para mim com uma carinha marota:
- Mas e a lasanha? - Perguntei.
- Uai! A gente deixa pra amanhã. Pensei que você pudesse querer um pouco mais da minha companhia. - Respondeu, ainda sorrindo, e se virou para a frente.
Não falei mais nada. O sinal abriu e fui direto para o destino proposto:
- Mas lá não fecha as seis? - Perguntei.
Ela pegou seu celular e foi verificar o horário de funcionamento, colocando o aparelho sobre o colo:
- Saco! Não vai dar tempo. Vou ficar só na vontade. - Resmungou: - Pior é seu eu estiver grávida. Desejo nunca faz bem para o bebê…
- Oi!? - Perguntei, olhando para ela no ato.
Ela me encarou com um olhar de desdém e sorriu. Entendi a pegadinha e comecei a rir:
- Tá. Eu mereci. - Resmunguei.
Minutos depois, chegamos ao Iguatemi. Mal entrei no estacionamento e a Annemarye começou a resmungar:
- Tem certeza que quer vir neste shopping? - Falava enquanto olhava os carros ao nosso redor: - É uma frescura só, além de ser caro pra cacete!
Estacionei entre um Porsche Panamera e um Lamborghini Huracan. Abri a porta para a Annemarye e ela desceu, ficando de boca aberta para os dois carros:
- Tadinho do meu C4, virou popular. Tá até acanhadinho ali no meio dos dois. - Falou e começou a rir.
- Nenhum deles se compara a você. - Elogiei, na brincadeira.
- Ui! Isso é verdade. - Ela retrucou e, alisando sutilmente seu corpo, brincou, caindo numa gostosa gargalhada: - Quem dá uma voltinha nesta máquina aqui, dificilmente troca por outro modelo ou marca.
Entramos rindo dela e passamos a passear pelos corredores, olhando as vitrines, os produtos, etc. A Annemarye olhava principalmente para os preços e não cansava de brincar:
- “Jesuis”! Estou me sentindo mais pobre do que já sou! A gente já pode ir embora, Marcos? Você já me humilhou demais. - Falava e ria.
Apesar de nunca ter me importado a condição financeira dela, passei a pensar que talvez ela estivesse realmente querendo me dizer algo com aquelas piadinhas:
- Se você não estiver curtindo, podemos ir para outro lugar, Anne.
- Agora você me chamou de pobre mesmo! - Falou séria, enquanto me encarava, com os olhos semicerrados.
Não aguentei aquela carinha invocada me encarando e a abracei. Ela se surpreendeu, porque pensava que fôssemos ficar só na amizade, passeando e brincando:
- Não me interessa se você é rica ou pobre. Amo você do jeitinho que você é - Falei, sendo o mais sedutor possível: - Caipirinha invocada!
Ela sorriu e, sem que eu esperasse, me correspondeu o abraço, envolvendo minha cintura com seus braços e deitando a cabeça no meu ombro. Depois de um tempinho assim, falou:
- Não sou rica, é óbvio. Você conheceu meus pais e viu de onde eu venho, mas também não sou pobre. Só estou brincando com você. Eu já tenho meu “pezinho de meia”. - Falou e me olhou, dando uma piscadinha: - Agora estou trabalhando para comprar o outro parzinho.
Tentei beijá-la, mas ela desviou o rosto, fazendo com que eu acertasse sua bochecha. Depois, ela voltou a encostar a cabeça no meu ombro, mas, para a minha surpresa, quase em seguida, voltou a me encarar e veio, ela própria, me dar um selinho bem caprichado. Até pensei que evoluiria para um beijo, mas afastou seus lábios dos meus e disse:
- Amigos!?
Antes que eu falasse algo, ouvi uma voz chamando meu nome. Ela também notou e começou a olhar para trás de mim, mas meu interlocutor estava a minha frente e insistiu:
- Ora, ora, ora, Marcos Antônio, é você mesmo?
Eu o encarei e logo reconheci um rosto que não via há muito tempo. Sorri para ele e a Anne me olhou, entendendo que a voz vinha na direção oposta a ela. Afrouxei meu abraço e ela se virou para ver, vindo em nosso encontro, o senhor Rubens Severo Silva da Cunha Barreto, um velho conhecido de meu pai, famoso agropecuarista no Mato Grosso do Sul:
- Como vai Marcos? - Me estendeu sua mão e eu a apertei firme: - Bom te ver bem e muito bem acompanhado, por sinal.
- Vou bem, obrigado, seu Rubens, e o senhor, como tem passado? - Respondi e me adiantei para apresentar a Annemarye: - Annemarye, este é o seu Rubens, um velho…
- Já nos conhecemos, Marcos. - Ela me interrompeu: - Como está, seu Rubens?
- Vou bem, querida, e você, como está? - Respondeu: - Não sabia que se conheciam?
[...]
Quando entrei no escritório e dei de cara com o Marcos, minha primeira vontade foi de colocá-lo para fora de lá imediatamente, afinal, eu havia pedido um tempo para pensar e ele não havia respeitado minha vontade. Entretanto, ao mesmo tempo, comecei a me lembrar das palavras da Liliandra e entendi que se fizesse isso, estaria sendo muito insensível e talvez até abusiva com ele. Então, decidi ser política e fui cumprimentá-lo, apresentando-o para a Liliandra em seguida. Após uma breve conversa e de ser praticamente expulsa do escritório por ela, decidimos passear um pouco antes do jantar, porque uma lasanha ainda nos esperava em seu apartamento.
Frustrada minha vontade de comer um sanduichão de mortadela no Mercadão Central, tive que me contentar com um passeio pelo Shopping Iguatemi. Pessoalmente, eu teria ficado muito mais satisfeita no mercadão, mas o horário não nos permitiria chegar lá antes de seu fechamento.
Ao estacionar no shopping, tive meu primeiro choque de realidade. Meu carro que não era sequer “inho” ficou nanico perto de dois carrões de pedigree. Brinquei com a situação porque isso pouco me importava: o meu era meu e conquistado com meu trabalho. Aqueles outros nem me interessavam, pois eu nunca pagaria o valor que eles valem, por serem absurdamente caros.
Passamos a passear pelo shopping e, que Deus me perdoe, vai ser caro assim na PQP! Vi uma jaquetinha de couro linda de viver, quis para mim, eu ia comprá-la, mas quando vi o preço na vitrine, meu queixo bateu no chão e só não rolou para longe porque eu estava de frente para a vitrine. Eram quase dez mil reais! Um absurdo, embora linda, era um absurdo, maravilhosa, mas absurdamente cara, ficaria deslumbrante em mim, mas… Affff!
Voltamos a passear pelo shopping e após várias brincadeiras entre nós, na qual fiz questão de reclamar dos absurdos preços daquele lugar, me fazendo de uma pobre vítima naquele ambiente de ostentação, ele me pegou num abraço apertado, que imobilizava, inclusive, os meus braços. Pessoalmente, eu acho que até queria aquele abraço e deitei a cabeça em seu ombro, fechando os olhos para curtir um pouco aquele contato. Talvez isso pudesse me ajudar a tomar uma decisão na vida. Aliás, mais que me recostar, eu o abracei também para que ele também se sentisse acolhido.
Fiz questão de explicar que tudo era só uma brincadeira, aliás, afinal eu já tinha minhas economias guardadas. Num ímpeto que surgiu sei lá de onde, ele tentou me beijar, mas, instintivamente, me desviei de seus lábios. Estranhamente, me senti mal com isso e imaginei que ele também tivesse se sentido assim. Então, o encarei e lhe dei um selinho, mas eu mesma me policiei e não deixei que se transformasse em algo mais. Foi aí que aconteceu algo que eu não queria, uma voz chamou seu nome, uma voz conhecida e que eu não queria encontrar tão cedo. Marcos educadamente o cumprimentou e me apresentou, mas eu já o conhecia e deixei claro. Ele também, mas em sua fala, a entonação me deixou preocupada. Não sei explicar bem o quê, mas alguma coisa não me agradou:
- Não sabia que se conheciam? - Me perguntou.
- Pois é, seu Rubens. Já nos conhecemos há algum tempo, mas só agora estamos nos conhecendo de verdade. - Respondi e me abracei ao braço do Marcos.
- Formam um lindo casal! - Disse e se voltou para o Marcos: - Mas e o seu pai, Marcos, como tem passado? Há tempos não o vejo… Aliás, por que não tomamos um vinho? Se não for desagradá-los a companhia de um velho, não é!?...
- Bem, seu Rubens é que…
Eu não queria! Quando notei que o Marcos titubeou, eu, aproveitando que já estava abraçada a seu braço, segurei sua mão e a apertei forte, uma, duas, três vezes e na última não cedi a pressão. Eu queria que ele entendesse que eu não estava a fim e ele entendeu bem:
- Então… É que eu e a Annemarye já temos um compromisso para logo mais. Infelizmente, acho que teremos que deixar esse vinho para outro dia. Espero que entenda… - Marcos justificou, dando-me também uma apertada de leve na mão.
- É claro, meus queridos. É claro… - Respondeu, se resignando, mas apenas aparentemente, porque não tirava os olhos de mim: - Teremos outras chances de beber e aproveitar muito juntos, não é?
Após isso nos despedimos e voltamos a passear pelo shopping. Um pouco adiante, Marcos nos parou em frente a vitrine de uma loja de moda social masculina e, antes de sairmos, olhou em direção ao Rubens. Quando já estávamos caminhando novamente, ele me perguntou:
- O que aconteceu? Você ficou tensa e não quis aceitar o convite dele.
- Não sei te explicar, Marcos. Eu só não gosto muito do jeito dele.
- Ele estava te olhando de um jeito estranho mesmo, também notei. Aliás, bem agora quando eu olhei para trás, vi que ele ainda estava nos olhando, ou te olhando, sei lá.
Passei a contar então da relação que tive com um filho dele e do jantar em que ele me pediu para acompanhá-lo como se fosse sua namorada, mesmo não sendo, quando senti que o Rubens e o outro filho me olharam de uma forma diferente e que não me agradou em nada. Desde então eu não me sentia à vontade na presença dele ou do outro filho:
- Entendi. - Falou: - E que relação foi essa? Namoro?
- Pensei que estivéssemos falando do Rubens…
- Tá, desculpa! Eu só não queria ser surpreendido por um namorado seu num corredor de shopping…
- Quer mesmo falar sobre surpresas nessa altura do campeonato depois de me falar que você vai ser pai?
- Não, não quero, mineirinha braba. Oxi, mulher braba! - Brincou e riu.
- Oxi!? Você está me confundindo, meu caro. - Desdenhei, também brincando: - Na minha terra falamos “uai!”, “ara!” e “sô!”. Oxi é coisa de baiano. Já tá pensando em outra, seu safado.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.