Minha vontade era de entrar lá e pegá-la no colo, mas esse era o momento do casal e preferi não meter minha colher. Fui até a sala, onde o Balthazar revia algumas anotações em sua agenda e me sentei ao seu lado:
- Ela está extremamente constrangida, Balthazar. Cuidado com o que vai falar para ela, por favor. - Pedi.
- A culpa é sua, Eugênia! Devia ter deixado o Marcos ter a liberdade dele na suíte dele. Por que foi inventar de liberar a nossa? - Me perguntou sério, chateado e começou a sorrir maliciosamente em seguida: - Agora nossa cama vai ficar com cheiro de motel, porque eles devem ter rolado a noite toda nela.
- Para, Balthazar! Sem brincadeiras. Não piora o que já não está bom. - Pedi e passei a me explicar: - Liberei a nossa suíte por causa da hidromassagem, meu velho. Eu queria que eles se curtissem mesmo.
- Ah, é… - Ele riu novamente: - Pelo que eu vi, deve ter dado certinho…
- Para, homem! Vou fazer um café pra gente, até eles saírem.
[...]
Capítulo 29 - A presença
- Dona Eugênia! - Gritei ao olhar em direção do som daquela batida de pé que eu tive impressão de ter ouvido e ver a figura da mãe do Marcos nos encarando, surpresa.
- Oi! Oi… O quê? - Marcos perguntou ao ser acordado com o meu grito e também olhando na direção daquela figura: - Mãe!? O que a senhora está fazendo aqui.
Eu não queria ver nada, nem ninguém e me escondi debaixo dos lençóis como se isso pudesse resolver alguma coisa naquele momento. Pior foi ter ouvido outra pessoa entrar no quarto e ouvir a dona Eugênia falar o nome do seu Balthazar, o pai do Marcos. Minha vergonha se transformou em pânico e comecei a chorar embaixo dos lençóis:
- O que foi? O que está acontecendo, Gegê?
- Nada, Balthazar. Nada! Vamos sair.
- O que o Marcos está fazendo na nossa cama? E o que… Ah!
Esse “Ah!”, falado de uma forma jocosa, desinibida, me doeu na alma, chegou a embrulhar meu estômago. Assim que eles saíram e ouvi a porta sendo fechada, baixei pouco o lençol e, ao nos ver só, comecei a discutir com o Marcos:
- Ah, Marcos, poxa! Eu não queria ter ficado aqui na cama da sua mãe. - Reclamei, entre lágrimas de um constrangimento que nunca havia sentido antes: - Como vou olhar pra cara dela agora? Dela!? E do seu pai? Ai, meu Deus!
Ele tentava me acalmar de todas as maneiras possíveis, mas eu só queria sair dali. O pior é que, para sair do apartamento, eu ainda teria que cruzar com eles, mas não queria falar com ninguém, ninguém mesmo!
- Deus do céu! Eu quero morrer…
- Não quer, não! Para de falar besteira.
- Besteira!? - Quase gritei e me controlei para não piorar o que já não estava bom: - Besteira foi o que a gente fez. Nós transamos e dormimos na cama dos seus pais, Marcos. Poxa!
- Eu já te contei que foi sugestão da minha mãe. Ela que bolou isso tudo.
- Isso tudo, o quê, o flagra? Então eu vou quebrar o pau com ela!
- Annemarye, para! Por favor, para. - Disse e me abraçou.
Aliás, ele foi esperto, porque não apenas me abraçou, mas literalmente travou meus braços em seu peito e braços, de modo que eu não poderia bater nele, porque era isso que eu queria e ia fazer se conseguisse. Depois de um tempo, vendo que eu não conseguia espancá-lo, comecei a chorar e chorei muito de vergonha em seu ombro. Nem sei quanto tempo ficamos ali, mas deve ter sido bastante, pois foi o suficiente para a dona Eugênia se achar no direito de nos interromper:
- Marcos, Anne, o café está na mesa. - Disse após dar duas batidas na porta.
- Já vamos, mãe.
- Não vamos, não! Eu vou embora. Não quero ninguém!
- Gente, estou entrando... - Ela disse, já abrindo a porta e colocando sua cabeça para dentro da suíte: - Está tudo bem aí?
- Só estamos conversando, mãe.
- Me solta, Marcos! Eu vou embora. - Pedi novamente: - Me solta ou vamos brigar feio.
- Annemarye, me desculpa, meu anjo. Juro que não sabia que vocês estavam aqui. Eu torcia para que ficassem juntos, mas não imaginei que seria ainda hoje. - Ela me disse, mas eu não a encarei.
- Para, dona Eugênia! A culpa não é sua. A gente que errou. - Disse e fui para o banheiro, me trancando.
Me vesti rapidamente sem conseguir me controlar. Eu chorava de vergonha de mim mesma, logo eu, que sempre fui tão controlada, me deixei fazer uma traquinagem dessas:
- Não acredito que eu fiz isso! Não acredito, não acredito… - Repeti sei lá quantas vezes enquanto tentava me arrumar: - Ai, Deus, que vergonha! Por que eu?
Saí do banheiro mais nervosa do que entrei. Eles me olhavam assustados e preocupados. Coloquei meu sapato sem olhar para ninguém e saí para ir embora:
- Annemarye, calma! Você não vai sair assim. - A dona Eugênia e o Marcos tentavam me segurar.
“Segurar!? Acho que só o pai me seguraria agora!”, pensei para mim. Estava tão nervosa que não conseguia achar minha bolsa, com os documentos, celular e chave do carro:
- Marcos, cadê minha bolsa? - Perguntei, chorosa, sem reparar que ela estava do meu lado.
Ele veio tentando me abraçar, mas recusei. De certa forma, eu o culpava e também à dona Eugênia pela vergonha que me fizeram passar. Eu só queria sair dali, mas não estava conseguindo. Ele me indicou a direção da minha bolsa e eu a peguei, rindo nervosa de mim mesma. Saí em direção à porta da entrada do apartamento e uma voz grave, forte e imponente soou pelo ambiente:
- Annemarye, para agora!
Olhei assustada para trás e vi o seu Balthazar vindo em minha direção com um semblante sério, mas, ao mesmo tempo, reconfortante, a típica cara de paizão. Ele veio para cima de mim, me fazendo arregalar ainda mais os olhos e, sem que eu esperasse, me deu um abraço forte, segurando-me em seus braços:
- Ai, por favor, seu Balthazar. Não…
- Fica calma, minha filha. - Disse e me deu um beijo na testa: - Ninguém está te julgando, te acusando, nada disso… Só fica calma.
- Mas eu… eu… - Comecei a choramingar e chorei em seguida.
Ele me apertou ainda mais em seus braços e me deixou descarregar toda a vergonha que ali me abatia. Chorei e só depois de um bom tempo, quando consegui me controlar, falei:
- Ai… Eu… eu já tô melhor. O senhor pode me soltar?
- Posso, mas você vem tomar café com a gente. - Disse e afrouxou o abraço, me olhando pela primeira vez nos olhos e me dando outro beijo na testa.
- Eu não quero. - Resisti, choramingando novamente: - Só me deixa ir embora.
- Café, pão de queijo, autocontrole e, depois, ir embora, ok? - Ele insistiu: - Que mineira negaria um café com pão de queijo, hein? Sei que “ocês” gostam “dimais da conta”!
Eu o encarei, torcendo “o bico” e não aguentei ficar sem brincar:
- Paulistano não sabe fazer pão de queijo, seu Balthazar.
- Nós somos cariocasss. - Brincou forçando o “s”: - Vem comigo, filha.
Acabei cedendo e o acompanhando até a mesa. No caminho, vi que a dona Eugênia e o Marcos o olhavam orgulhosos da forma como ele lidou com a situação. Aliás, acho que a velhinha iria dar um belo “chá” nele quando tivesse a primeira oportunidade, tamanha era a devoção, ou excitação, sei lá, em seu olhar. Ele me acomodou na mesa e se sentou com o Marcos vindo se sentar do meu lado. Apesar de tudo, eu ainda não conseguia encará-lo, apenas ao Marcos que eu continuava querendo esfolar. Logo, a dona Eugênia voltou com uma garrafa de café e uma travessa de pão de queijo, voltando para buscar outra com pães e bolinhos, e depois, novamente para buscar margarina, manteiga e algumas geléias. Só então se sentou. O silêncio era sepulcral:
- Sirva-se, filha. - Ela me disse e eu peguei um pãozinho de queijo.
E ele estava bom mesmo! Crocante por fora, macio, quase cremoso por dentro e com um gostinho de queijo curado da Serra da Canastra. Olhei novamente para aquele pãozinho, senti o aroma bastante marcante e experimentei novamente, agora fazendo um involuntário meneio de cabeça como que concordando com o seu Balthazar. Ele próprio quebrou o silêncio:
- Sabia que ia gostar. Esse eu comprei no mercadão e me disseram que veio direto de sua terra. Pela sua cara, acho que disseram a verdade.
- Bom mesmo! - Falei já pegando outro: - Aliás, muito bom!
- Café, Anne? - Me perguntou a dona Eugênia e eu assenti com a cabeça.
Marcos me olhava sem jeito com toda a situação, tentando aos poucos se reaproximar, me tocar, me reencontrar, mas eu ainda estava brava com ele, aliás, com ele e com a dona Eugênia, e, por isso, eu não retribuía o contato e o carinho. Aquele café da manhã seguia ainda bastante silencioso, ninguém praticamente conversava. Havia um medo que as palavras machucassem. Só que, depois de um tempo, eu concluí que o silêncio estava machucando mais que as próprias palavras, então decidi eu própria lavar a roupa suja. Acabei colocando meus cotovelos na mesa, escondendo meu rosto e falei:
- Gente, eu não acredito que isso tá acontecendo.
- Anne, a culpa foi minha! - Disse a dona Eugênia: - Eu havia combinado com o Marcos de vocês usarem a minha suíte, se por acaso chegasse a esse ponto, para poderem aproveitar a hidromassagem. Juro que não queria te constranger.
- Nó! Errou feio, dona Gegê. - Suspirei fundo, mais tranquila, mas ainda chateada pra caramba: - Ah, meu Deus. Eu não acredito nisso até agora.
Marcos puxou uma de minhas mãos e a beijou, chamando minha atenção. Eu já não o olhava com raiva, mas também não estava satisfeita:
- Você também errou feio, Marcos. Eu falei que não queria lá. Poxa! Tem motel, tem meu apartamento, tem a sua suíte… Por que na suíte da sua mãe, caramba!? E por que eu fui aceitar isso!? - Resmunguei agora comigo mesma: - Burra, burra, burra…
Senti falta do meu gelinho no copo naquele momento. Nas minhas mãos, ele iria tilintar bonitinho, bonitinho. Eu estava incomodada com a situação e decidi que já era hora de sair dali:
- Eu tenho que ir mesmo. Quero… Eu quero… - Suspirei fundo novamente: - Ah, sei lá… Eu quero sair daqui. Desculpa, mas… Eu não estou mais me sentindo à vontade aqui. - Falei com olhos querendo marejar novamente.
- Annemarye, ninguém está bravo com você. A Gegê já explicou tudo. Foi um erro dela termos vindo hoje. Se eu soubesse do plano deles, teria deixado para vir outro dia, mas Gegê é Gegê, né? Ficou ansiosa quando soube que vocês conversaram, mas não haviam se acertado e quis vir ajudar. - Disse o seu Balthazar, tentando melhorar o clima e aliviar a tensão.
- Tá! Eu… Tá, tá bom. Ainda assim eu tenho que ir. Já estou atrasada.
- Vou com você! - Marcos falou.
- Vai pra onde, cara pálida? - Ironizei: - Já terminou a faculdade de direito, tirou a OAB, foi contratado pelo escritório e eu não estou sabendo? Vou trabalhar, sim, e você não vai ficar atrás de mim, não, senhor!
- Anne…
- Para, Marcos! Amigos, amigos, negócios à parte. Eu vou embora e depois a gente se fala. - Insisti e me voltei para seus pais: - Eu ainda não sei como me desculpar com vocês. Eu só… Ah, gente, desculpa.
Me levantei, então, despedindo-me de todos sem praticamente encará-los e fui até a porta. A dona Gegê e o Marcos vieram comigo, ela ainda me abraçou e pediu imensas desculpas novamente. O Marcos desceu comigo no elevador e me abraçou, mas eu não retribui, também não neguei, só deixei rolar. Despedimo-nos com um selinho e saí para meu apartamento, onde tomei um banho, troquei de roupa, acertei uma maquiagem e fui para o escritório. Ruim, meu dia ficaria ainda pior.
[...]
- Será que ela ainda vai demorar muito? - Perguntei pela terceira ou quarta vez para a secretária.
- Ela já deveria ter chegado, senhora. Acredito que tenha ocorrido algum imprevisto. Vou tentar ligar novamente.
Vi que novamente tentou ligar, mas em vão, o que me informou em seguida. Voltei a me sentar, chateada por estar esperando há um bom tempo. Uns quinze minutos depois, ela entra pela porta principal, pisando alto, imponente, bela, mas com uma cara de poucos amigos. Quando me viu sentada, seus olhos brilharam de raiva e veio em minha direção:
- Oi, Renata, que bom que você está aqui. Eu queria mesmo falar com você. - Annemarye me disse, sem sequer me cumprimentar: - Vem comigo.
Antes que eu me levantasse, o Guto voltou do banheiro. Tentando cumprimentá-la amistosamente, mas recebendo um frio “oi”:
- Annemarye, eu gostaria de falar com você. - Ele começou.
- Depois! Agora eu quero falar com a Renata. - Ela retrucou, desviando o olhar para mim: - Vem comigo.
Entendi naquela hora que a tentativa besta dele se aproximar dela, tentando uma consulta profissional, já tinha ido por água abaixo. Ainda assim resolvi acompanhá-la. Entramos em sua sala e ela fechou a porta atrás de nós, trancando-a. Depois foi até sua cadeira, sentando-se, ligando seu computador e me indicou uma poltrona à sua frente para que eu sentasse. Assim que me sentei, ela me bombardeou:
- Qual é a sua relação com o Rubens?
- O que é isso, Annemarye!? Ele é o pai do Guto. Você sabe…
- Sei! Isso, eu sei. - Ela me interrompeu e continuou: - Mas eu sei também que vocês já vieram aqui no escritório na condição de “namorados”. Vai negar?
- Nossa… Não! É que… Deve ter sido um mal entendido. Só isso.
- Renata, eu não sei o que está acontecendo, mas não estou gostando nada dessa história. Se você estiver sendo ameaçada, constrangida, fala para mim que eu te ajudo, mas não vem me dizer que não está acontecendo nada, porque eu não sou boba. Eu estou vendo que algo está errado, só não consegui descobrir o quê, ainda. - Frisou a última palavra.
- Anne, realmente eu não sei do que você está falando. Não tem nada mesmo. - Falei, tentando ser convincente e expliquei: - É o Guto que queria falar com você. Ele está com algum problema de transferência na faculdade e queria uma orientação. Daí pensou que você pudesse dar uma luz.
- Sei… - Ela se recostou na sua cadeira, mas depois praticamente subiu sobre a mesa a sua frente: - Renata! Olha nos meus olhos e diga que não está acontecendo nada.
Não consegui. Fazer o que eu fazia com o Guto e sua família, era uma escolha minha, mas confrontar uma pessoa que parecia mais esperta que eu, estava fora de cogitação. Apenas abaixei minha cabeça e me calei, ficando nessa situação por um tempinho, até que notei que ela voltou a se sentar em sua cadeira. Ela me olhava, mas já tinha sacado algo. Em seguida se levantou e foi até a porta de sua sala, me chamando para acompanhá-la. Fomos até a sala de espera em que o Guto estava:
- Augusto, a Renata me falou que você está com um problema na totalização de suas notas na faculdade? - Ela falou, encarando-o.
- Notas!? Não, não é isso, não. A questão é que não estou conseguindo fazer minha transferência da UFMS para a UEL. Ela deve ter entendido errado. - Respondeu, olhando para mim e para ela.
- Entendi. - Ela falou e se voltou para a secretária: - O Paulo teria horário para atender o Augusto, Tereza?
Depois de verificar a tela de seu computador, a secretária retornou dizendo que poderia encaixá-lo. Então, ela se voltou para ele:
- O doutor Paulo, advogado especializado em direito educacional e relações administrativas educacionais irá atendê-lo, Augusto. Como é a área dele, certamente, ele irá resolver sua questão muito melhor que eu.
- Poxa, Anne, será que você não poderia, você mesma, me orientar e resolver essa questão?
- Não com a mesma eficiência que ele. Por isso, peço que aguarde e logo ele te atenderá. - Rebateu e voltou a se voltar para mim: - Quando quiser conversar, Renata, sabe que pode me procurar.
Depois se despediu da gente e voltou para sua sala, sem sequer olhar para trás. O Guto me olhou sem entender nada e eu expliquei o que se passou dentro da sala dela:
- Essa mulher vai dar trabalho. - Ele falou.
- Trabalho!? Já tô achando que pode ser uma roubada insistir nessa ideia de vocês. - Falei, sendo sincera: - Melhor esquecer isso.
[...]
- Você errou feio, Gegê! - Falei sem a menor dúvida do que dizia: - Como você me fala de vir para cá sabendo que eles poderiam estar no apartamento, mulher! Veja o estrago que você causou.
- Balthazar, eu juro que não imaginava que eles estariam aqui. - Tentava se justificar, com olhos marejados: - Quando falei com o Marcos, e com ela também, entendi que eles haviam conversado, mas não se acertado. Nunca imaginei que eles iriam se entender tão rápido assim.
Marcos voltava a entrar no apartamento nesse momento, claramente chateado, óbvio. Chamei-o para vir até onde conversávamos:
- Como ela está?
- Chateada pra caramba, pai, é claro, mas acho que dá pra contornar. - Respondeu e se voltou para a Eugênia: - Mas no que a senhora estava pensando em vir para cá e ainda entrar daquele jeito na suíte, mãe!?
- Marcos, eu vim para conversar com ela. Depois que falei com vocês e vi como ela ficou abalada com a história da gravidez da Márcia, decidi que viria o quanto antes para cá, para conversar com ela, sei lá, tentar ajudá-la a entender melhor e encontrar um caminho para vocês dois. Só isso. - Explicou e também o confrontou: - Mas você também, né!? Custava ter fechado a porta da suíte? Se ela estivesse fechada, eu não teria entrado.
Vi que se eles continuassem naquela conversa, poderiam acabar discutindo e agora isso era algo que não resolveria nada, nem ajudaria ninguém:
- Chega! Já aconteceu. Essa conversa não irá resolver nada. - Falei: - Vou me vestir e ir para o escritório. Tenho alguns assuntos para resolver.
- Eu vou atrás dela depois. - Eugênia falou: - Eu preciso me desculpar com ela. Eu preciso trazê-la pra gente outra vez.
- Não vai, não, Gegê! - Retruquei imediatamente e me voltei para o Marcos: - Quinho leva ela para almoçar fora e explica que sua mãe está se sentindo muito mal com tudo o que aconteceu. Se ela gosta da sua mãe como a sua mãe gosta dela, irá querer ajudar a resolver essa situação. Deixa ela tomar alguma iniciativa também. Ela não me parece o tipo de mulher que gosta de ser manipulada ou colocada de lado nas decisões.
- Boa ideia. - Me respondeu: - Vou fazer isso mesmo.
- Mas eu…
- Você vai ficar aqui, Gegê. - A interrompi: - Sossega um pouco. Deixa eles se acertarem sozinhos. Se o Marcos vir alguma abertura, pode até propor um jantar aqui e vocês conversam. Não force uma situação com a moça. Ela tem gênio forte e você pode desandar tudo se não respeitar o espaço dela.
Fui para minha suíte e não consegui evitar uma risada ao entrar no closet e ver que ela havia utilizado até mesmo as coisas da Eugênia. “Já tomou conta do apartamento mesmo. Menina danada!”, pensei. Me vesti e, antes de sair, dei um beijo nos dois que conversavam mais tranquilamente na mesa:
- Bota uma roupa bonita e vai atrás da sua morena, Marcos. Dê espaço, mas não a deixe solta demais. Não dê sorte para o azar. - Insisti.
[...]
Acordar sozinha e sem uma perspectiva clara de como seria meu futuro, estava me agoniando. Meus pais faziam de tudo para eu me sentir bem, mas nada aliviava a minha sensação de solidão. Nada, nem ninguém… Aliás, dois “alguéns” poderiam me aliviar, mas um estava arredio e distante. Não pensei duas vezes e liguei para o outro:
- Alô. - Falou uma voz já conhecida do outro lado da chamada.
- Sou eu, a Márcia. - Respondi: - Você disse que iria me ajudar e só me ferrando desde que topei a tua ideia.
- Tudo tem seu tempo, Márcia. Você precisa se acalmar e deixar as coisas se ajeitarem.
- “Coisas se ajeitarem”!? Tá de palhaçada comigo, né? - Me alterei de vez: - Minha vida está desmoronando, meu homem deve estar, nesse exato momento, com aquela outra lá, e você vem me pedir calma, paciência!? Vai se ferrar!
- Não adianta se estressar. - Disse e riu: - Isso não faz bem para o bebê.
- Vá para a puta que te pariu, cara! Estou onde estou por culpa desse seu planinho furado. Você tem até o final de semana para fazer alguma coisa ou vou te entregar para o Marcos. - Falei e agora o ameacei de verdade: - Ou, quem sabe, para o seu próprio pai. Isso! Acho que ele iria adorar conhecer esse lado da própria cria.
- Pode parar, Márcia. Eu já disse que vou te ajudar. Vou bolar alguma coisa aqui e te aviso.
- Final de semana é teu prazo. Se nada começar a acontecer, eu vou te foder e você não vai gostar nada!
Encerrei a chamada antes que ele pudesse continuar aquele papo furado. “Se você acha que me conhece, Aurélio, espera pra ver!”, pensei. Decidi não esperar nada. Eu precisava ir à luta e reconquistar o lugar que já fora meu. Coloquei um belo vestido, me maquiei, penteei o cabelo, me arrumei para marcar presença. Desci até a sala e minha mãe já me encarou estranha:
- Onde você vai, Márcia?
- Vou na casa do Marcos, mãe. Quero ver se a dona Gegê está melhor.
- Menina, a gente precisa conversar.
- Depois, mãe, eu…
- Senta. - Me interrompeu.
- Não.
- Senta agora, Márcia.
- Conversamos quando eu voltar. - Respondi e saí pela porta da sala.
Não queria desrespeitar minha mãe, mas eu precisava cuidar do que é meu, mesmo que fosse contra sua própria vontade. Ela que me perdoasse. Desci até a garagem e peguei o meu carro, indo direto para a mansão dos pais do Marcos. Conhecida, minha entrada no condomínio já havia sido autorizada há tempos. Cheguei em sua casa e fui atendida pela empregada e pela Duda:
- Duda, que surpresa te encontrar aqui! - Falei, dando-lhe dois beijos na face.
- Oi, Márcia. Surpresa alguma, sou filha dos proprietários, se lembra?
- Não, sim… Claro! - Respondi, constrangida com sua objetividade: - Sua mãe está aí?
- Não. Ela viajou com meu pai.
- Ah! O Marcos…
- Também está viajando. - Me respondeu, sem sequer dar chance de eu terminar a pergunta: - Mas a Nana e eu estamos aqui, e… a gente queria mesmo conversar com você. Olha que coincidência!
[...]
Assim que meu pai saiu para o escritório ainda fiquei conversando um bom tempo com a minha mãe. Ela se sentia péssima pelo constrangimento causado a nós, em especial à Anne, mas eu a conhecia bem e sabia que ela não o fez por mal, a questão era como fazer a Annemarye entender isso também.
Não foi fácil convencê-la a não ir atrás da Anne, mas ela acabou concordando, principalmente depois que meu pai se impôs. Próximo das onze, liguei no escritório da Annemarye apenas para saber se ela estava trabalhando e qual não foi a minha surpresa, aliás, nenhuma, ao descobrir que ela estava. Decidi me vestir formalmente, com terno e gravata para ir ao seu encontro. Eu já havia notado que ela gostava de me ver bem vestido, então seria assim que eu me apresentaria novamente. Despedi-me da minha mãe e, antes de sair, recebi um último pedido:
- Se ela não quiser vir aqui, mas aceitar conversar comigo, nem que seja por telefone, me liga, Quinho, por favor.
- Tá bom, mãe. Eu ligo.
Desci e peguei o meu carro reserva, chegando no seu escritório em trinta minutos. Ela ainda estava atendendo e pedi para a secretária me anunciar, assim que possível, nem foi necessário, pois, minutos depois, ela própria saía, acompanhando seu cliente até o hall de entrada do escritório. Levantei-me ao vê-la e ela, assim que se despediu de seu cliente, veio até mim, estendendo-me a mão, formalmente:
- Como vai, senhor Sá Pinheiro Pinto?
Peguei em sua mão e a cumprimentei, igualmente de maneira formal, mas sem deixar de ter um sorriso no rosto:
- Vou muito bem, doutora Annemarye. E a senhora, como tem passado desde nosso último encontro?
- Bem, né… - Disse, fazendo um biquinho invocado para mim, mas em seguida me dando um selinho, brincando e sorrindo: - Bobo.
- Almoço? Nós dois somente. Vamos?
- Ah, Marcos… - Falou constrangida: - Vem comigo.
Fomos até sua sala e nos sentamos num sofá lateral. Ela estava incomodada, mas parecia querer me falar algo:
- O que foi? Não me diga que desistiu da gente depois do que aconteceu hoje? - Perguntei.
- Não, nada disso. Lembra do Erick? Aquele que me ligou ontem. - Falou e eu assenti com a cabeça: - Então… Eu havia combinado de almoçar com ele hoje justamente para poder explicar que eu e ele só vamos manter a amizade. Eu devo uma explicação para ele.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.