Fomos até sua sala e nos sentamos num sofá lateral. Ela estava incomodada, mas parecia querer me falar algo:
- O que foi? Não me diga que desistiu da gente depois do que aconteceu hoje? - Perguntei.
- Não, nada disso. Lembra do Erick? Aquele que me ligou ontem. - Falou e eu assenti com a cabeça: - Então… Eu havia combinado de almoçar com ele hoje justamente para poder explicar que eu e ele só vamos manter a amizade. Eu devo uma explicação para ele.
Capítulo 30 - Até que enfim?
- Então, você estava namorando esse tal Erick?
- Não, Marcos, nós somos apenas amigos. Tá, amigos com alguns privilégios, mas apenas amigos, entende?
- Não! Não entendi, não.
- Ai! Como vou te explicar… - Olhou para o lado, pensando em alguma forma de falar o que certamente me incomodaria: - Olha, não tem um jeito fácil de falar... Ele era meu “PA”.
- “PA”!? - Repeti sem saber do que se tratava, levantando meus ombros em dúvida.
- É! “PA”... pau amigo… - Ela repetiu, constrangida e meio cabisbaixa.
Fiquei paralisado e boquiaberto com a naturalidade com que ela me contou aquilo. Juro que nunca imaginei que uma mineira do interior falaria de uma intimidade com tanta naturalidade assim, mas ela o fez e com maestria:
- E não me olha com essa cara, eu gosto de sexo. Vai dizer que você não gosta? - Ela insistiu: - Eu estava solteira, sozinha, ele se mostrou um bom amigo e um dia rolou, depois outro e mais outro. … e foi isso!
A calei imediatamente com um beijo surpresa e um abraço apertado, praticamente me deitando sobre ela naquele sofá de canto. Ela balançava os braços sem entender nada e tentava falar algo, mas eu abafei sua voz, não seus gemidos, principalmente aquele que ecoou quando nossas bocas se desgrudaram, deixando nossos olhos a uma distância suficiente apenas para que pudéssemos nos olhar reciprocamente:
- Ahhhh… - Gemeu, suavemente em meus braços quando a soltei: - O que foi isso?
- Adorei demais ouvir isso!
- O quê!? Saber que eu tinha um “PA”? - Perguntou assustada.
- Claro que não, sua boba. Adorei quando você disse que “estava solteira”. - Eu sorria como uma criança para ela: - Quer dizer que não está mais?
Ela abriu um sorriso ainda mais belo que antes e falou:
- Ai, Annemarye, que boca grande você tem, viu!? - Deu uma risada ainda mais gostosa e envolveu meu pescoço com seus braços: - Bem… Solteira ainda estou, mas, sozinha, eu espero que não.
Aquilo me encheu de uma alegria que me fez querer gritar aos quatro cantos para que todos partilhassem minha felicidade, mas, claro, que não poderia fazê-lo ali e agora. Fiquei tão feliz que as palavras me sumiram e a única coisa que consegui fazer foi encostar minha testa na dela e fechar os meus olhos. Não sei se ela entendeu o bem que me causara, mas eu precisava fazer ou falar algo:
- Vou te fazer a mulher mais feliz desse mundo. Pode acreditar.
- Só não deixe os teus pais me pegarem na cama deles de novo, pelo amor de Deus! - Brincou e riu.
- Almoça comigo hoje, por favor. Estou tão feliz que não quero sair do seu lado. Só hoje. Noutro dia, você conversa com esse seu amigo. Por favor, Anne, só hoje. - Insisti, dando-lhe um selinho: - Poxa, acabei de descobrir que estou namorando a mulher mais incrível da face da Terra. Eu preciso comemorar com ela.
Ela sorria também, mas um pouco encabulada ainda. Acho que minha felicidade a contagiou também, mas ela não espera me causar um efeito tão positivo assim. Ela me encarou por um segundo:
- Espera aqui.
Se levantou, então, e foi até sua mesa, onde se sentou em sua cadeira e ligou para um número em seu celular. A conversa foi amistosa e bastante rápida, e, pelo pouco que acompanhei, ele não recebeu bem a notícia de que ela não poderia encontrá-lo, apesar de que ela garantiu que iriam se encontrar em breve para conversarem “como bons amigos”. Depois de encerrada a chamada, guardou seu celular numa bolsa, e, com ela no ombro, veio até mim, estendendo sua mão:
- Então me leva pra almoçar num lugar bem legal, afinal, vamos comemorar o, como foi mesmo que você disse? Ah, sim, namoro, não é?
Levantei-me rápido e fui até ela. Eu não sabia o que fazer para agradá-la, mas sabia que queria fazê-la muito feliz. Dei-lhe um beijo, mais que merecido e fui retribuído à altura. Depois a olhei com ternura, acariciando seu rosto e ainda brinquei de uma forma bem esnobe:
- Retoque seu batom, mocinha. Você, borrada assim, não está à altura de onde vou te levar.
Ela me olhou curiosa e surpresa. Depois pegou um estojinho na bolsa e se olhou num espelhinho, semicerrando os olhos para mim como quem diz “a culpa é sua de eu estar assim, mocinho!”. Sentou-se então no sofá e começou a retocar o batom. Quando estava quase terminando, dei-lhe outro beijo e ouvi um gemido de inconformismo:
- Huuummm! - Me olhou inquieta, sorrindo e resmungou: - Como vou retocar o batom se você fica me beijando, Marcos!?
- Desculpa! Foi a última vez antes do almoço. Prometo. - Falei bem próximo a ela.
Ela começou a se retocar novamente, alternando sua atenção entre o espelhinho e mim, talvez pensando em escapar de outro beijo, mas, além de algumas ameaças que fiz para irritá-la, não a ataquei novamente. Quando se deu por satisfeita, me encarou e perguntou de uma forma e entonação esnobe:
- Estou à sua altura agora, “sir”!?
- Pois sim, minha cara. - Retribui, igualmente esnobe, e lhe estendi minha mão: - Dê-me o prazer de sua companhia, pois não?
Ela me deu sua mão, depois pegou meu braço e saímos pelo corredor até o hall do escritório. Coincidentemente, os doutores Gregório, Liliandra e outro a quem fui apresentando como sendo George, o terceiro sócio do escritório, também estavam saindo para almoçar. Fico feliz em contar que todos sorriram com uma alegria genuína quando nos viram juntos e felizes. A tal da Liliandra fez questão, inclusive, de vir até a Annemarye arrumar um cacho de seus cabelos que havia tombado para o lado de seu rosto:
- Melhor assim, menina. - Disse e a beijou no rosto.
- É… A gente está indo… - Annemarye começou a falar, mas foi interrompida.
- Claro que estão. Vão, vão. - Disse o doutor Gregório: - Só não esqueçam de mandar o convite do casamento.
- Casamento!? Que casamento? Tá louco, doutor Gregório? - Annemarye, rebateu em alto e bom som: - Ara! É cada ideia.
Eles riram da caipirice dela e se despediram de nós. Fomos para o estacionamento e Annemarye já ia pegando suas chaves na bolsa quando eu falei:
- Não estou à pé. Vamos no meu. - Indiquei meu carro e ela concordou.
- Mas você tem carro?
- Claro! Sempre tive, mas quis gastar a gasolina do seu.
Ah, que lindo rostinho de inconformismo que ela me fez, mordendo de leve seus lábios. Queria Da Vinci ali para imortalizar aquele rostinho. Minha Annemarye ficaria muito bem ao lado da sua Monalisa. Ela me acompanhou e, cavalheiro que sou, abri a porta do passageiro e ela entrou, afivelando o cinto. Fiz o mesmo e dei partida, saindo em seguida. Fiz uma chamada do carro para um amigo de longa data, mais de meu pai na verdade, proprietário de um famoso, senão o mais famoso, restaurante de São Paulo. Após uma breve conversa e troca de amenidades, expliquei que gostaria de almoçar em seu restaurante e ele se surpreendeu, pois não serviam almoço. Expliquei, então, que gostaria de comemorar um momento único com uma pessoa muito especial para mim:
- Pedido de casamento!? - Perguntou, fazendo a Annemarye arregalar os olhos.
- Não! Ainda não… - Ri da pergunta: - Começo de namoro. Ela acabou de dizer sim.
- Ah!... Não menos importante, ora. Vá para lá! Vou ligar e pedir que preparem um momento muito especial. Vocês irão gostar.
- Grato, meu amigo. Fico devendo um favor.
- Nos vemos, Marcos. Forte abraço.
- Outro.
Continuei meu caminho e a Annemarye, curiosa como ela só, me questionava a todo o momento onde estávamos indo, quem era aquele homem, etc., etc. Não respondi suas perguntas, pois eu queria surpreendê-la e me surpreender também. A minha intenção, coroada de êxito, seria reservar todo o restaurante apenas para nós e esperar o que ele nos prepararia. Poucos minutos depois, eu estacionava em frente a um famoso hotel situado na região central da cidade de São Paulo. Assim que descemos, um “valet” se apresentou para tomar as chaves de nosso carro, enquanto outro abria a porta para Annemarye descer:
- Ahamm, Marcos!... - Ela começou a zombar de mim: - Eles não servem almoço, meu namorado cabecinha de bagre! Vamos comer arroz de ontem com ovo frito e isso se a galinha tiver feito hora extra.
- Será!? Você me ouviu conversando com o proprietário. - Disse e lhe dei meu braço.
Entramos no hall do hotel, sendo recepcionados com a pompa esperada de um cinco estrelas. Informei ao atendente que tinha reserva para um almoço no restaurante e ele me olhou em dúvida, mas não recusou a informação, ligando para alguém que confirmou e lhe deu uma orientação:
- Queiram me acompanhar, por favor.
Fomos acompanhados até um lobby, onde nos serviram um drink e orientados a aguardar um breve momento enquanto preparavam a experiência única que estávamos prestes a desfrutar. Annemarye me encarava desconfiada, mas obviamente curiosa com o que estava por vir. Eu também estava, admito. Pouco depois, uma voz amistosa e já conhecida se aproximou de mim:
- Marquinhos, meu querido, há quanto tempo não nos vemos? - Me perguntou Roger, um dos proprietários do local, fazendo com que nos levantássemos para recebê-lo e, naturalmente voltando sua atenção para a Annemarye: - Mas e quem é esta bela senhorita?
- Esta é a Annemarye, Roger, minha perdição.
- Ma è un vero piacere conoscerti, mia cara! (Mas é um imenso prazer conhecê-la, minha cara!) - Falou num italiano impecável para impressioná-la e a beijou na face.
- È un piacere, signor Roger! (É um prazer, senhor Roger!) - Ela devolveu num italiano igualmente irretocável.
- Oh, non ci credo. Parla italiano? (Ah, não acredito. Fala italiano?)
- Si, signore. Sono figlia di un discendente. (Sim, senhor. Sou filha de um descendente.)
- È magnifico! (Mas que maravilha!) - Respondeu alegre e se voltou para nós: - Aguardem só mais um instante, meus amigos. Prometo uma experiência única e exclusivíssima.
Assim que ele se afastou, a Annemarye me encarou com um semblante preocupado e perguntou:
- Marcos, o que você está aprontando?
- Eu!? Nada. Eu só pedi um almoço. Ele que está fazendo tudo. Juro.
Ficamos conversando e, já estávamos no segundo drink, quando fomos convidados por um garçom, todo uniformizado e da forma mais formal possível, a acompanhá-lo até o “recinto principal”. Entramos, ela grudada a mim, e fomos conduzidos até uma mesa, em meio a diversas outras que estavam vazias naquele momento. Fomos assentados e uma música instrumental, soava suave pelo ambiente, ao fundo. Um funcionário se aproximou nesse momento:
- Senhor, senhorita, boa tarde. Meu nome é André e serei seu maître. Fui orientado pelo Sr. Roger e pelo chef Luiggi a não fornecer o cardápio, mas a prometer uma viagem gastronômica, se estiverem de acordo.
Ele nos olhou os dois, mas o sorriso da Annemarye respondeu a qualquer dúvida que ele pudesse ter:
- Magnifique! (Magnífico!) - Respondeu, em voz alta, num francês que soou meio falso para mim.
Pediu nossa licença e se retirou. Quase que em seguida, outro garçom se apresentou, trazendo uma garrafa de champanhe Dom Perignon que eu sabia, por experiência própria, custar na casa dos dez mil reais. Nem comentei com a Annemarye para não deixá-la assustada. Brindamos aquele início de relacionamento e, serei sincero, não imaginava como ela poderia ficar mais bela, mas ela ficou, pois um sorriso e uma felicidade autêntica se instalou em seu semblante que me encheu de satisfação estar lhe proporcionando aquele momento.
Após algum tempo, serviram-nos uma entrada, composta de um cogumelo recheado coberto de um molho adocicado. Estranhei o tamanho da porção e o André, vendo minha hesitação, se adiantou e me explicou que a experiência seria através de uma viagem pelo menu do restaurante, com uma degustação de todos os principais pratos do cardápio. Annemarye arregalou os olhos e abriu um sorrisão quando ouviu sua explicação. Assim que ele se afastou, ela disse:
- Ainda bem que estava sem apetite no café da manhã, Marcos. Depois tenho que agradecer à sua mãe.
- Não por isso. - Falei e fiz uma chamada de vídeo para ela no mesmo instante, que me atendeu quase imediatamente, ansiosa como se era de esperar.
- Marcos, o que foi!? Aconteceu alguma coisa? Não brigou com a Annemarye, né? - Ela perguntou sem sequer me cumprimentar.
- Não, mãe, calma. Ah, e oi pra senhora também. - Falei, já vendo meu pai aparecer na chamada também: - Estamos almoçando. Espera aí.
Fugindo ao habitual, levantei-me e fiquei ao lado da Annemarye que me deu uma piscadinha e fez um semblante sério, deixando-se ser enquadrada na chamada:
- Ai, Anne, você não tá brava comigo ainda, está? - Minha mãe perguntou de cara: - Pelo amor de Deus, não quero que você fique chateada comigo.
- Chateada, dona Eugênia!? Eu estou é muito fula com tudo o que aconteceu! - Annemarye falou, séria e com uma firmeza que faria até mesmo meu pai tremer.
Meu pai vendo o clima azedar, tentou iniciar uma intermediação conciliatória:
- Filha, eu queria dizer que…
- Estou brincando com vocês, gente! - Annemarye o interrompeu, rindo de suas caras preocupadas: - Já estou bem. Ainda estou meio sem jeito, mas já estou melhor.
Minha mãe abriu um sorrisão:
- Ah, Annemarye! Maldade fazer isso com a gente, viu!? Brincou e sugeriu em seguida: - Vem almoçar com a gente, então. Larga tudo aí e vem pra cá com o Marcos. Tem bastante comida aqui.
A Annemarye me olhou, surpresa com a proposta, depois a eles novamente e outra vez para mim. Então abriu um sorrisão que fluía entre o irônico e o malicioso para negar:
- Vamos não, dona Gegê! Só saio daqui depois de almoçar.
Expliquei então para eles onde estávamos, o que estávamos prestes a experimentar e o motivo de estarmos ali. Eles se surpreenderam e, naturalmente, não insistiram no convite, mas dona Gegê, sendo a dona Gegê, não se deu por satisfeita:
- Ai, meu Deus! Namoro!? - Minha mãe chegou a dar um gritinho de alegria, parecendo comemorar um gol da seleção, para só depois ser contida pelo meu pai: - Tá bom, então, vou deixar o almoço para os pombinhos, mas você vem jantar aqui hoje, tá certo? Faço questão de fazer um jantar bem gostoso para comemorar esse dia.
- Ah, dona Gegê… - Annemarye resmungou, ainda constrangida pela situação.
- Não! Não aceito um não, Annemarye! Você me perdoou, não perdoou? Por favor, vem… - Ela insistiu.
- Tá bom, dona Gegê, eu vou.
- Ótimo! - Gritou minha mãe, comemorando o segundo gol: - Oito horas, tá bom? Mas se quiser vir antes vou adorar receber você, me anjo.
Na afobação, ela encerrou a chamada sem sequer se despedir, fazendo-nos rir dela. Voltei ao meu lugar, sorrindo e, só então, André se aproximou, perguntando se poderíamos continuar, com o que concordei. Novas opções de entrada nos foram servidas, em sequência: uma espécie de ceviche, vieiras ao molho, mexilhões com aspargos e, por fim, uma saladinha com queijo de cabra:
- Você é magrinha, mas come bem, hein, Anne!? - Brinquei com ela.
- Vai se acostumando, amorrrr. - Ela brincou, puxando o “r” como uma caipira do interior: - Não queria me namorar? Então, tem que dar conta, uai! E em todos os sentidos... - Finalizou com uma piscadinha.
O André novamente se aproximou, trazendo consigo o sommelier da casa, que me apresentou uma carta de vinhos e sugeriu dois de sua escolha para acompanhar os pratos principais. Pedi que escolhesse o mais apropriado e ele se afastou. Pouco depois retornou, trazendo uma garrafa e passou a preparar a experiência de degustação em um decanter próprio. Após isso, me serviu um pouco numa taça e eu aprovei de imediato por ter gostado do aroma e sabor. Como a Annemarye o olhava curiosa, quase salivando, fugindo um pouco ao costume, ele serviu um pouco para ela também que, ao contrário de mim, girou o vinho na taça três vezes, sentiu o aroma e só então o degustou de olhos fechados, colhendo um sorriso de surpresa e satisfação do profissional. Após isso, abriu os olhos e soltou:
- Hummm… Amadeirado, envelhecido num barril de carvalho e eu diria que com notas de baunilha e… abacaxi? - Ela falou, perguntando em dúvida no final.
- Muito bem, senhorita, mas são notas de damasco. O abacaxi o deixaria por demasiado doce.
- Ah! - Ela respondeu e sorriu, também aprovando a escolha.
- Desde quando você entende de vinho? - Perguntei, curioso e naturalmente impressionado.
- Sou neta de italianos, Marcos, bebo vinho desde que usava fralda. - Ela disse tomando um novo gole: - Mas nada tão fino e sofisticado assim. Além disso, eu aprendi um pouco quando fiz uma viagem para a Itália. Tive chance de fazer um cursinho rápido por lá. - Começou a rir de si mesma e continuou: - Na verdade, o cursinho era uma desculpa para eu e umas amigas podermos beber de graça na vinícola, mas acabei aprendendo uma coisinha ou outra.
Brindamos e os pratos principais começaram a chegar. Literalmente como prometido, uma viagem gastronômica, porque os cinco pratos eram baseados nos cinco continentes: um prato de peixes, carnes e vegetais, preparados com e apresentados sob uma folha de bananeira, chamado Lovo, representando a Oceania; uma sopa de macarrão de arroz, com um mix de carnes cruas em cortes finos, bem temperada, quase picante, chamada Pho, representando a Ásia; uma espécie de cuscuz marroquino com frutos do mar, representando a África; uma deliciosa massa recheada com um molho de tomate com cogumelos, representando a Europa; e uma carne assada com um misto de purês de batata, mandioca e milho, representando as Américas:
- Eu não sei você, mas eu nunca comi tão bem em minha vida. - Falei para a Annemarye que enfrentava, valente, o corte bovino, assado ao ponto.
- Se com um namoro você já me fez uma surpresa dessas, fico imaginando o que vai aprontar quando me pedir em casamento. - Ela brincou, sorrindo, feliz da vida.
- Me dê a chance e prometo que não se arrependerá.
- Maaaarcos… - Me encarou e disse sorrindo: - Devagar com o andor, menino.
Roger surgiu novamente e nos perguntou se a experiência estava à altura do momento tão especial. A Anne repetiu para ele a piada sobre a surpresa que eu iria fazer quando do pedido de casamento e ele riu, depois, me encarando, disse que teria “duas ou três ideias para me ajudar nesse momento”, fazendo ela corar:
- Não deixe de me procurar, Marcos. Eu sou bom nisso! Acho que sou um romântico nato. - Falou e continuou: - Mas, então, meus queridos, essa deliciosa viagem ainda não acabou. Vamos adoçar um pouco esse momento?
- Ai, Roger, não sei se dou conta. - Annemarye reclamou pela primeira vez no dia e lhe fez um pedido, toda séria, quase formal: - Não dá pra fazer uma “quentinha” pra gente levar para casa?
Roger a encarou surpresa com o insólito pedido. Acredito que ele nunca deva ter recebido um pedido desses num restaurante cinco estrelas. Entretanto, eu já a conhecia um pouquinho e sabia que era uma pegadinha. Acertei em cheio, pois ela começou a sorrir e depois rir timidamente do efeito causado no Roger, se justificando:
- Ai, desculpa, Roger. Eu não resisti. - Disse, ainda sorrindo: - Você nem me conhece e eu já brincando com você.
- Anne, Marcos que me desculpe, mas… - Pegou em sua mão e a beijou suavemente: - Você é um raro brilho de luz numa noite escura. - Depois se voltou para mim: - Espero que sejam muito felizes, meu amigo, ela é espetacular. Meus parabéns, aliás, meus parabéns a ambos pelo momento. Agora, vamos comer, “mangiare” (comer), “mangiare” (comer), André!
Na sequência, nos trouxeram um tarte de coco cremoso, seguido de uma espécie de salame de chocolate com um molho agridoce que causava um efeito estranho no paladar, e, por fim, um cheesecake gelado de frutas vermelhas:
- Não vou conseguir voltar pro escritório hoje, Marcos. - Anne falou ao não conseguir terminar a última guloseima: - Estou triste demais da conta.
- Ótimo! Eu não queria sair do seu lado mesmo.
- Estou brincando! Eu tenho dois clientes para atender.
- Liga pra tua patroa. Pede um favor.
- Ah, não dá. Nunca fiz isso!
André se aproximou para perguntar se estávamos satisfeitos e perguntar se ainda poderia nos servir mais alguma coisa e a Annemarye:
- Tem um cafezinho?
Ele sorriu e disse que providenciaria. Eu pedi para cumprimentar o chef, afinal gostaria mesmo de parabenizá-lo pela ótima experiência proporcionada e ele voltou para dentro. Um garçom retornou com dois cafés e logo Roger voltou com Luiggi, o chef, que nos apresentou e a quem agradecemos, elogiando seus maravilhosos pratos. Depois de bebermos nosso café, pedi a conta, mas André disse que Roger já havia resolvido a questão. Pedi para falar com ele e ele retornou, todo sorridente:
- Sua namorada me cativou, Marcos! Fico feliz de ter participado desse momento tão especial. - Depois se voltou para a Annemarye e disse: - Inoltre, spero di essere invitata al matrimonio, ok, Annemarye? (Além disso, espero ser convidado para o casamento, ok, Annemarye?)
- Non mi hanno ancora proposto, Roger, e dopo tutto quello che ho mangiato oggi, non credo che lo farò mai. (Não fui pedida em casamento ainda, Roger, e depois do tanto que comi hoje, acho que nem serei.) - Ela respondeu e eles riram, cúmplices de uma piada que eu não entendi.
Saímos de lá acompanhados até a porta do hotel pelo Roger e, no meu carro, não consegui evitar a curiosidade, perguntando o que eles haviam conversado. A Anne me contou a brincadeira e sorriu:
- É verdade! Você come pra caramba, mesmo. Vou ter que pesar os prós e contras antes de te pedir em casamento… - Brinquei, sério.
- Ô! Vai reparar no tanto que eu como agora? - Ela perguntou e riu, aliás, rimos os dois.
Eu estava tão feliz, mas ela talvez até mais, porque inclinou seu corpo em minha direção e começou a acariciar meu braço com os dedos e as unhas, me arrepiando de imediato:
- Eu adorei a surpresa! Você se saiu muito bem, Marcos, mas corre o risco de me deixar mal acostumada se continuar me tratando assim.
- Você merece, caipirinha. Você merece. - Falei e brinquei depois, simulando estar chateado: - Mas, poxa, só “adorei”!? Imaginei que você tivesse amado, minha surpresa…
- Só adorei mesmo… Amor eu vou dar só para você, mas só se você merecer, mocinho.
[...]
Márcia entrou tímida e sem jeito na casa da mamãe, mas eu queria confrontá-la já há algum tempo, porque sabia que a gravidez havia sido proposital. Convidei-a a vir comigo até uma mesa e pedia para Isa nos servir um café e chamar a Nana, que tenho certeza, adoraria participar daquela interação entre moças. Nana logo apareceu com um semblante de poucas amigas, mas não se recusou a se juntar a nossa conversa:
- Aconteceu alguma coisa? - Márcia perguntou, incomodada com a forma como a encarávamos.
- Aconteceu, né! Tá na cara, aliás, tá na tua barriga. - Nana soltou.
- Nana, queremos ter uma conversa adulta e calma, ok? - Eu a repreendi e me voltei para a Márcia: - Que história é essa de gravidez? Conta pra mim, vai.
- Ora, só aconteceu. A gente transou e aconteceu.
- Olha, Márcia… - Me interrompi com a chegada da Isa que passou a nos servir um cafezinho com bolacha, saindo assim que terminou: - Essa história está bem mal contada. Nós sempre conversamos numa boa e você sempre me garantiu que tomava anticoncepcional injetável para não engravidar antes de terminar a faculdade e se estabelecer profissionalmente. Estou mentindo?
- Não. Não está.
- Então, que porra aconteceu, caralho!? - Perguntei dando um tapa na mesa e assustando as demais: - Você é uma mulher adulta, aliás, é uma estudante de medicina, sabe como essa merda funciona melhor que qualquer uma de nós aqui, então como é que foi engravidar? Fala!
As duas me olhavam assustadas. A Márcia chegou a ficar com os lábios brancos e pensei que pudesse ter exagerado. A própria Nana pareceu se compadecer da ex cunhada e pôs sua mão sobre a dela:
- Está acontecendo alguma coisa, não está, Márcia? Não queremos o seu mal, só queremos a verdade. - Disse com uma entonação calma que teria deixado mamãe orgulhosa.
- Gente, só aconteceu. - Márcia começou a choramingar: - Eu sei que não sou a preferida do Marcos desde que “aquelazinha” apareceu, mas eu não tenho culpa. Eu não fiquei grávida sozinha.
- Claro! Nós sabemos disso. - Eu insisti, ainda séria, mas mais controlada: - Só achamos muito estranho ter acontecido bem agora que vocês estavam se separando e eles prestes a se entender.
- Eu sei. Eu não devia ter aceitado… - Márcia começou a falar, mas se calou atrás de um gole de café.
- Aceitado o quê, Márcia? - Insisti.
- Márcia, o que você está escondendo? - Nana também a pressionou, suave, mas decidida.
- Gente, pelo amor de Deus, eu estou quase passando mal aqui. - Ela respondeu, se abanando.
Nós queríamos a resposta, mas ela realmente não estava bem. Balancei negativamente a cabeça para a Nana e passamos a abaná-la também. Seus lábios estavam brancos e, se continuássemos, ela certamente teria algum problema. Depois de um tempo, ela melhorou bastante, mas não o suficiente para dirigir. Como ela insistia em ir embora, eu me dispus a levá-la em seu carro e voltar depois de táxi. Na frente de seu prédio, após sua mãe descer para recebê-la, falei:
- Nossa conversa não terminou, ok? Voltaremos a nos encontrar, eu faço questão. - Disse.
- Que conversa? - Sua mãe perguntou.
- Ela irá explicar para senhora, dona Ana. - E me voltei para a Márcia: - A não ser que você prefira que eu explique, Márcia.
Ela abaixou sua cabeça e entrou no prédio, deixando-nos a sós. Não achei justo jogar minhas dúvidas naquela senhora e pedi que conversasse com a Márcia, porque havia alguma história muito mal contada nessa gravidez. Nos despedimos e voltei para casa tentando encaixar as poucas peças que eu tinha em mãos, mas não conseguia chegar a nenhuma conclusão, a não ser que essa gravidez não foi acidental.
[...]
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.