Num desses eventos inexplicáveis do destino, Liliandra apareceu e me reconheceu na mesa. Aliás, a mim e ao Rubens, vindo nos cumprimentar. Aproveitei a deixa e me levantei, ficando ao seu lado e segurando em seu braço. Ela, cobra criada, estranhou minha atitude, mas não recusou. Depois de uma breve conversa entre eles e deles terem tentado convencê-la a se sentar e a mim a permanecer, nos despedimos e saímos andando pelo shopping:
- Ai, Liliandra, obrigada. Eles não estavam querendo me deixar sair…
- E por que fariam isso?
- Não sei! Encanaram em mim, sei lá. Eu tive um relacionamento com o outro filho do Rubens, o Erick, e eu os conheci há alguns dias. Daí… sei lá… Ah, deixa pra lá.
- Tô te estranhando, “Jéssica”... Eu sei que o Rubens é o tipo canalha, que se deixarmos ele come todas as moças que passem na frente dele, acho até que ele já traçou a Tereza…
- A Tereza do escritório? - Perguntei, surpresa, interrompendo-a.
- Sim! Mas isso não interessa. A buceta é dela e ela enfia o que quiser dentro. Além disso, ele paga bem demais pelo nosso trabalho.
- É. Pode ser coisa da minha cabeça…
- Além disso, por que ele iria querer ficar com você, sendo uma ex do filho dele e se ele já namora aquela moça bonita lá? Regina, se não me engano.
- Aquela da mesa? A Renata?
- É. Isso. Renata... Ela mesma! Outro dia, inclusive, os dois foram juntos lá no escritório. Você ainda estava em Maceió…
Não ouvi mais nada do que ela dizia. Se eu já estranhava aquilo, agora tinha ainda mais motivos para desconfiar de que algo não cheirava bem.
[...]
Capítulo 21 - De pai pra filho
Enquanto dirigia até o hospital, minha consciência me martelava os princípios com os quais fui ensinado a ser um homem. Deveria o Marcos lutar por sua própria felicidade ou deveria ele relevar a sua própria e investir na do próprio filho, que por sinal era meu neto ou neta? Eu não tinha uma resposta pronta, nem achava o melhor argumento para entregar, mas sabia que teria que dizer alguma coisa assim que o encontrasse e isso não tardaria nada.
Aliás, não levei mais que quarenta minutos e cheguei ao hospital, onde me identifiquei e fui acompanhado até a sala da família. Apenas seu Jairo estava lá e ficou surpreso, mas feliz, ao me ver:
- Como ela está, Jairo? - Perguntei, ao abraçá-lo.
- Já está bem. Foi só um susto mesmo. Ela está acordada, consciente, conversando bastante. O Marcos está lá com ela agora. Se quiser entrar, eu peço para a Ana vir para cá, Balthazar.
- Não, de forma alguma. Deixe-a lá com a filha. - Falei e brinquei: - Então, fiquei sabendo que seremos avós?
- Pois é… Uma baita surpresa. A Ana já desconfiava porque a Márcia andou passando mal a uns dias atrás, mas eu pensava que fosse apenas um mal-estar. Daí hoje veio essa notícia.
- Neto é uma dádiva, homem! Vocês vão curtir muito. Eu já tenho dois, mas quanto mais, melhor, não é?
- Sim. Claro. Quem sabe agora eles não se animam e fazem mais alguns na sequência, não é?
- Quem sabe… - Precisei mudar a linha da conversa: - Deixa eu te pedir um favor? Será que você não poderia entrar e pedir para o Marcos sair um pouco? Preciso resolver umas questões da empresa com ele para então liberá-lo de vez para ficar aqui com a Márcia.
- Eu chamo ele sim, mas não precisa se preocupar. Ela vai sair amanhã e só terá que fazer repouso, em casa mesmo. Ela precisa apenas de descanso, melhorar a alimentação e começar o pré-natal o quanto antes.
- Ótimo, ótimo…
Seu Jairo entrou na área reservada dos quartos e, poucos minutos depois, o Marcos saía. Ele não ficou surpreso em me ver, mas ficou em não ver a mãe dele junto comigo. Fui claro do porquê eu estar ali sozinho:
- Precisamos ter uma conversa, de homem para homem.
- Ah, pai… Hoje!?
- Agora, Marcos! Vamos para a lanchonete.
Seguimos os dois, lado a lado até a lanchonete do hospital em que pedi dois cafés expressos bem fortes porque a conversa impunha o máximo de nossa atenção para a tomada de uma boa decisão. Ainda assim, quando vi seu abatimento, precisei moderar minhas palavras e começar devagar:
- Que situação, hein?
- Poxa, pai, parece que não é para ser…
- Está falando da Annemarye, da Márcia ou desse bebê?
- Tudo acaba estando relacionado. Se fico com a Anne, perco o dia a dia do meu filho. Se fico com a Márcia e meu filho, ou filha, né!? - Deu um sorriso amarelo, mas verdadeiro, da ansiedade própria de saber que seria pai: - Então… Daí, eu perco a Anne. Porra, que vida!
- Você também, né, Marcos, podia se divertir usando camisinha, cara!
- Pai, a gente já namorava há um tempão. Ela usava contraceptivo injetável. Como eu iria imaginar...
- Porra, Marcos, vocês tinham terminado! Um pouco de proteção da sua parte não teria sido nada mal…
- Eu sei, pai. Eu sei. Agora não adianta mais…
Ele estava abatido e decidi aliviar um pouco a pressão das minhas palavras:
- Você não ama a Márcia, não é?
- Acho que não, pai. Já conversei muito sobre isso com a mãe e ela me ajudou a ver que a Márcia não é a mulher que eu quero.
- E você ama a Annemarye?
- Acho que sim. Não sei…
- Que bosta de resposta é essa, Marcos!? Ama ou não ama, caralho? Estamos falando da tua vida, cara!
- Pai, eu nunca senti por alguém o que sinto por aquela caipira. Ela é diferente de todas as outras… Eu não sei explicar! Ela mexeu comigo de uma tal maneira que me deixou perdido. - Falou de uma forma acanhada, olhando para sua xícara de café: - E olha que a gente só trocou uns beijos até hoje.
- Tá… Bom, bem… Bem, bom… Bom não tá… Mas pode ficar bem! - Fiz um jogo de palavras que sempre me ajudava a pensar melhor, mas que eu esperava ajudar ele a pensar: - E o que você pensa em fazer?
- Eu não sei, pai, realmente eu estou meio perdido. - Falou, dando uma profunda suspirada e me encarou curioso: - O que o senhor faria?
Essa era a pergunta que eu não queria que ele me fizesse. Eu não tinha uma resposta, pois nunca passei por uma situação parecida. Além disso, eu tive a sorte de encontrar o meu amor na mesma mulher que se tornou a mãe de meus filhos. Então, não teria como dar uma resposta terminativa para sua situação. Preferi ser honesto:
- Marcos, eu não tenho uma resposta para te dar. Eu poderia até inventar uma, mas não acho que seria justo com você. Você terá que decidir o que é mais importante: ser feliz ao lado da mulher que você ama, ou ser feliz ao lado do filho ou filha que você amará com certeza.
Ele me olhava, consternado e com uma expressão derrotada. Eu continuei:
- Você sabe, não preciso te explicar, que, se você escolher a Anne, terá o seu direito de pai assegurado por lei. Aliás, advogada não vai te faltar! - Ri da feliz coincidência, mas logo continuei, sério: - Talvez consiga até a guarda compartilhada, mas, com certeza, a Márcia não poderá te afastar do bebê. Já se você escolher o bebê e a Márcia, com certeza perderá a Annemarye.
- O senhor acha que eu devo ficar com a Annemarye, então?
- Eu acho… não! Eu tenho certeza que você tem que buscar ser feliz, mas só você pode definir qual o formato de felicidade irá te realizar na vida. Essa escolha é sua e eu não vou me intrometer. - Coloquei então minha mão em seu ombro: - Mas estarei aqui para te ajudar e apoiar em qualquer decisão que tomar.
- Obrigado, pai.
- Vou te falar uma coisa, mas não é para te induzir, ok? Por que você não vai atrás da Annemarye? Explica o que está acontecendo, diga o que você sente, enfim, abre o coração de vez, rapaz… Seja honesto e colha os frutos. Ela talvez fique ao seu lado, talvez não fique, mas só assim você terá condição de tomar uma decisão definitiva e dar um rumo em sua vida.
- Eu já tinha decidido fazer isso, pai! Só vou esperar a Márcia receber alta e vou atrás da Anne. Já esperei demais.
- Ótimo! Então, tira uns dias para correr atrás disso. Vou cuidar da tua área enquanto isso. - Falei, sorrindo para ele e insisti: - Marcos, resolva de uma vez, filho! Dê um rumo na sua vida. Você pode não estar notando, mas essa sua instabilidade, está afetando inclusive seu rendimento no trabalho. Não quero isso, ok?
- Desculpa, pai. Vou resolver isso. Prometo!
- Não se esqueça de daqui a pouco vou me aposentar e vocês é que cuidarão da empresa, mas ainda assim um de vocês terá que assumir a presidência, o comando geral. - Precisei dar um choque de realidade nele: - E, me desculpa falar isso agora, mas o Lélio é quem está à frente para assumi-la hoje.
- Eu sei, pai. Desculpa.
Pouco depois, voltamos para a sala da família, onde a dona Ana já se encontrava e ela nos perguntou se gostaríamos de visitar a Márcia. Falei que sim e fomos os dois, rendendo o seu Jairo. Foi uma visita rápida. Como sempre, fui formal e comedido nas palavras, mas nem por isso menos objetivo e isso ficou bem claro quando, encarando a Márcia, com um semblante bastante sério, fiz uma pergunta que me incomodava desde que soube da gravidez:
- Uma quase médica ficar grávida sem planejar, Márcia?
Ela pigarreou, enrubesceu e, no final, a única desculpa que conseguiu me dar foi que errou a data de aplicação do contraceptivo e que, talvez por isso, ele tenha falhado. Não engoli a resposta e, sinceramente, parece que nem mesmo o Marcos. Faltava alguma coisa no semblante da Márcia que gerasse convencimento e isso ficou muito claro quando ela, depois de me responder, olhou para ele como que buscando apoio para uma versão em que ela própria não parecia acreditar.
[...]
A dona Ana pernoitou com a Márcia no hospital naquela noite. O seu Jairo foi para sua casa e, pela primeira vez em tempos, meu pai me convidou para tomarmos um chope num bar bem bacana e exclusivo no Leblon tão logo saímos do hospital. Bebemos vários, meu pai ficou bêbado e me confidenciou, enfim, sua preferência. Só não entendi se referente a futura nora ou ao filho:
- Pega logo a mineira, Quinho! O Lelinho zá tá di olhu.
- Eu acho que já notei isso, pai. - Respondi, rindo de seu pileque.
- Eli é zafadu! Deita logo ela na cama, dá um chá de cipó cabeludo bem concentrado nela, antes que o Lelinho faza izu! - Piscou desajeitadamente um olho para mim: - Ele é bom nissu, hein!? Eu já vi…
- Já viu como, pai? - Deixei que falasse, curioso com sua história.
- Numa casa de mas… mas… massagem! Uma vez fomos com uns clientes e eles aprontaram umas boas com as meninas.
- Pai, você já traiu minha mãe!?
- Não, mininu. Neze dia, não! - Falou, fazendo um imenso não com o dedo indicador: - Eu só bebi e ri um bocado, mas eu vi e ele tem um pinto bem grossão.
- Putz, pai! Acho que o senhor já bebeu demais.
- É!? - Ele tentou me encarar e riu: - Eu acho que zim.
Um serviço de “valet” do estabelecimento se encarregou de nos levar à mansão de nossa mãe que nos esperava acordada e deu aquela bronca ao nos ver chegando naquele estado. Eu ainda estava bem, consciente e firme, mas o meu pai teve que praticamente ser carregado para a cama. Eu a tranquilizei dizendo que havia sido uma das melhores noites da minha vida, porque, há muito tempo, meu pai não tirava uma noite só para mim. Ela acabou se resignando e depois riu da situação dele.
Dormi como um condenado nessa noite. Na manhã do dia seguinte, não consegui acordar para buscar a Márcia que teria alta logo pela manhã cedo. Fui depois do almoço até sua casa, intencionado em conversar, mas ela não se sentia bem e voltou ao hospital na tarde daquele mesmo dia. Eu não entendi bem, mas a médica que a atendeu chegou a cogitar a possibilidade dela ter alguma má formação uterina ou ter um estado de pré-eclâmpsia prematura e, em qualquer dos casos, exigiria o máximo cuidado. Ela precisou ficar cinco dias internada e acabei tendo que revezar com seus pais. Da mesma forma que ficou ruim, milagrosamente melhorou sem uma explicação clínica. Após sua alta, seguida de diversas orientações, tivemos, enfim, a chance de ter uma conversa a sós em seu quarto:
- Eu sei que você deve estar pensando que eu fiz isso de propósito… - Ela começou.
- Para falar a verdade, estou mesmo! - A interrompi: - Você sempre foi organizada. Nunca errou uma data de nada desde que eu te conheço. Agora veio com essa historinha de ter errado a data do contraceptivo!? Não consegui engolir...
- Marcos, olha pra mim! Acha mesmo que eu faria isso? - Disse, me encarando: - Acha que eu engravidaria de você só para te convencer a ficar comigo?
- Não sei, Márcia. Realmente, eu não sei o que pensar. - Respondi, também a encarando, sem trégua: - Mas que é estranho, é! E muito…
- Porra, cara! Se você gosta tanto daquela caipira lá, vai atrás de uma vez. Me deixa! Te garanto que consigo criar o bebê. Não preciso da tua ajuda.
- Não vou discutir e você sabe, melhor que eu, que estresse só irá fazer mal para você e o bebê. Então, fica calma. - Contemporizei, mas conclui: - Mas só para você saber, eu vou mesmo atrás dela. Só estava esperando você melhorar. Não vou te desamparar, muito menos a esse filho ou filha, né? Mas também não vou abrir mão dela.
Uma bela e desnecessária discussão se iniciou. Ela estava realmente alterada, eu diria até transtornada. Seus pais precisaram intervir e eu saí de lá para não piorar seu estado. Expliquei de forma resumida ao seu Jairo o que estava acontecendo e ele ficou surpreso ao saber que estávamos separados há um bom tempo, haja vista que ela vivia dormindo na casa da minha mãe. Enfim, uma situação bem chata ficou escancarada e ele me pediu que fosse embora, pelo menos até ela se acalmar.
Voltei para minha casa e expliquei tudo para minha mãe, sem querer me delongar muito. Quando ela se preparava para iniciar uma de suas análises “freudianas” sobre o caráter do ser humano, tive que intervir:
- Para, mãe! Não começa. Vou arrumar a minha mala que preciso viajar…
- Mas você vai pra onde, Marcos? Caramba! Nem com uma situação dessas você para de trabalhar!?
Comecei a rir sem parar, feliz comigo mesmo por fazer exatamente o que ela não imaginava que eu faria e não consegui me conter:
- Eu vou atrás da Annemarye, mãe. Depois a gente conversa mais.
Ela se calou, boquiaberta, mas logo abriu um sorrisão e disse:
- Vou te ajudar agora a arrumar a mala! Faço questão de te colocar no avião. - Disse, se levantando toda serelepe e me puxando pela mão.
Fomos até meu quarto e ela começou a me ajudar. Ela não parava de sorrir e falar:
- Para quantos dias, Marcos? Uma semana? Um mês? Um ano? Você volta, né?
- Pode ser pra uma semana, mãe. - Respondi, feliz com nossa própria felicidade: - Ah, e eu não vou de avião, não. O pai me emprestou o helicóptero. - Falei enquanto dobrava uma calça: - O capitão Hamilton já deve estar chegando.
- Então, seu pai está de conluio com você, não é? Escondendo fatos de suma importância da sua mãe, Marcos!? Que coisa mais feia… - Disse e riu gostoso.
Minha mala ficou pronta e descemos para tomar um café enquanto aguardávamos o helicóptero chegar. Não se passaram dez minutos e o ouvimos pousando no heliponto do condomínio. Despedi-me dela e fui rápido até ele. Não havia mais tempo a perder e esperava conseguir convencer a Annemarye disso.
[...]
Na manhã do dia seguinte ao encontro no shopping, cheguei no escritório e fui trabalhar como de costume. Por volta das dez e meia, precisei ir até a recepção principal solicitar o contato de um cliente e cópias de alguns documentos à Tereza, a secretária administrativa do escritório. Qual não foi minha surpresa ao encontrar o Rubens sentado lá, dedilhando a tela de seu celular. Ele me viu e abriu um sorriso, tentando ser simpático. Por educação e toda formalmente, fui cumprimentá-lo e perguntar o que desejava:
- Estou esperando o Gregório, Annemarye. Temos uma reunião.
- Ah, claro. - Me virei para a Tereza e perguntei: - O doutor Gregório já chegou?
- Já, sim. Está terminando um atendimento e o senhor Rubens é o próximo.
- É só aguardar um minutinho, seu Rubens, ele já vai…
- Rubens, Anne, só Rubens. - Insistiu, tentando criar mais intimidade comigo.
- Desculpa, mas não me sinto à vontade. Eu prefiro chamá-lo de seu Rubens, senhor Rubens ou até doutor Rubens, se o senhor tiver formação ou titulação. - Cortei na raiz suas sutis investidas: - Agora, se me dá licença, eu preciso voltar aos meus afazeres.
- Será que você teria um minutinho? Eu queria conversar com você sobre o Erick.
Eu não queria dar um segundo sequer para ele, mas minha curiosidade foi maior e, além disso, o Erick poderia estar precisando de minha ajuda. Mesmo brava, ele era um amigo e eu não podia me furtar. Então assenti com a cabeça e indiquei o caminho da minha sala, pedindo que Tereza me avisasse assim que o doutor Gregório estivesse desocupado.
Entramos em minha sala e eu deixei a porta aberta, mas ele a fechou. Depois viu o barzinho que eu havia acabado de instalar na minha sala e se convidou para tomar um whisky. Permiti e ele foi, trazendo uma dose pura para mim também. Levantei-me e fui pegar três pedrinhas de gelo, só que, para fazer isso, eu tive que me abaixar para pegá-las no frigobar e tive um arrepio no mesmo instante, algo me dizia que ele me encarava sem o menor pudor. Eu estava certa. Ao me virar vi que ele encarava minha bunda sem qualquer constrangimento. Entretanto, quando o encarei de volta, ele desviou o olhar para meus diplomas, pendurados na parede da minha sala:
- Quando você disse, no jantar, que fazia doutorado, eu cheguei a duvidar…
- E por que eu mentiria?
- Muitas fazem isso só para me impressionar.
- Eu não preciso usar esses artifícios. - Respondi, tilintando o gelo no meu copo: - E por que eu iria querer impressioná-lo?
- Por nada, não, querida, ou talvez por eu ser o pai do seu namorado, sei lá… - Ele disfarçou: - Foi só uma forma de falar. Peço que me desculpe se me expressei mal.
- Está tudo bem. - Respondi, encarando-o séria enquanto tilintava meu gelinho no copo: - Seu Rubens, posso te fazer uma pergunta?
- Claro, querida. Estou aqui para te satisfazer de todas as formas possíveis e imagináveis. Pode acreditar! - Falou, encarando-me no fundo dos olhos.
- O senhor tem um caso com a Renata, a namorada do seu filho?
Ele engasgou com o whisky e passou a tossir desesperadamente em busca de ar. Foi sério mesmo ao ponto de me ver obrigada a ir até ele, para lhe dar uns bons tapas nas costas. Quando ele recobrou a respiração, me encarou surpreso, eu diria até assustado. Quando eu ia insistir na pergunta, duas batidas ecoaram na porta da minha sala e eu a abri. Era o doutor Gregório em busca de seu cliente. Se cumprimentaram e ele, antes de sair da minha sala, se despediu de mim e disse:
- Querida, para tudo há explicação e eu gostaria imensamente de poder continuar essa conversa para desfazer qualquer mal-entendido.
- Sim. Eu gostaria de entender melhor…
- Posso te ligar depois?
Eu concordei e lhe passei meu cartão de visita. Ele saiu em seguida ao lado do doutor Gregório, deixando-me só.
Nem me sentei à mesa novamente e meu celular tocou. No visor, aparecia um número do código de área vinte e um. Não me lembrava de ter algum cliente daquela região e o atendi, curiosa:
- Alô?
- Annemarye? É o Marcos.
Um arrepio gostoso percorreu minha espinha no mesmo instante e minhas mãos começaram a tremer. Olhei para o meu copo de whisky com os gelinhos e não pensei duas vezes: tilintei o copo. O barulho não me acalmou, então, virei a dose de uma vez que desceu queimando pela minha falta de costume com aquela bebida:
- Annemarye!? Você está me ouvindo? - Ele insistiu.
- Ah, oi! Estou! Estou sim… - Nesse momento, imaginei que alguma coisa tivesse acontecido com a dona Gegê: - Aconteceu alguma coisa com sua mãe, Marcos?
- Não! Ela está bem, aliás, muito bem e feliz.
- Ah… Que bom! - Estranhei a ênfase que ele deu, mas não achei que seria oportuno perguntar por telefone: - Então… Em que posso te ajudar?
- Me ajudar!? - Riu, surpreso com a formalidade e continuou: - Nem parece você falando… Bem... Eu… eu queria falar com você, pessoalmente. Podemos nos encontrar?
- Uai! Podemos. Por que, não, sô!?
- Ótimo! Onde e a que horas?
- Estou no escritório agora. Saio daqui uma hora, uma hora e meia para almoçar.
- Tá bom, então. Tchau.
- Tchau. Tchau? Mas Marcos… - Não consegui completar e ele desligou, fazendo com que eu encarasse curiosa meu celular e reclamasse com ele: - Mas que bicho burro, nem deu tempo da gente combinar onde e quando.
Voltei aos meus afazeres, imaginando que ele apareceria no escritório apenas no final de meu turno. Aliás, não trabalhei mais por não conseguir me concentrar. Ainda assim me esforcei e, algum tempo depois, já dedilhava pelo meu teclado o parecer da análise do contrato bancário de um cliente quando Tereza, a secretária, ligou em meu ramal:
- Annemarye, um cliente gostaria de saber se você poderia atendê-lo agora, sem horário marcado?
- Minha agenda está livre, Tereza?
- Está sim. Apenas o doutor George perguntou se você poderia ir na sala dele no final do dia.
- Está bem, então. Peça para ele entrar. Ah, Tereza, quem é esse cliente?
Ela ficou em silêncio, provavelmente perguntando seu nome e me retornou:
- Senhor Sá Pinheiro Pinto.
- “Sá Pinheiro Pinto”!? Não conheço ninguém com esse sobrenome… - Resmunguei para mim mesma, mas completei em seguida: - Peça para ele entrar.
Não mais que um minuto depois ouvi dois toques na porta de minha sala e pedi que entrasse. Tereza abriu a porta e eu a recebi com um sorriso. Ela fez um movimento com o corpo, abrindo passagem e Marcos entrou, com um sorriso lindo, encantador. Meu sorriso murchou com a surpresa inesperada para aquele momento. Tereza fechou a porta atrás dele e eu voltei a sorrir quando vi que ele usava a mesma gravata de vários tons de azul, permeada com listras rosa, que eu lhe coloquei no apartamento da dona Eugênia quando lá estive. Além disso, trajava um belíssimo terno azul, combinando com sua camisa azul clara e sapatos pretos brilhando. Estava realmente muito charmoso.
Eu me aproximei dele, que me encarava sem cessar, apenas intencionada em cumprimentá-lo. Ninguém falava nada e eu já estava ficando constrangida. Olhei então sutilmente para um belo buquê de rosas vermelhas em sua mão e, embora não fosse exatamente correto para o ambiente de trabalho, usei como álibi para começarmos uma conversa:
- São para mim? - Indiquei o buquê, sorrindo.
- Hã!? Ah, são, sim. - Respondeu sem deixar de me encarar.
Pensei que ele fosse me entregá-lo, mas ele praticamente o jogou em cima de uma poltrona próxima, surpreendendo-me e me puxou pela cintura para ele, pegando-me em um abraço forte, apertado e colando imediatamente seus lábios nos meus. Não tive reação no momento, nem sei se queria ter. Amoleci em seus braços e o abracei também, acariciando sua nuca e suas costas fortes, curtindo aquele momento tão esperado por nós dois. Pelo menos, para mim era! Acho que para ele também, tamanha a vontade com que me apertava, beijava e chupava a minha língua:
- Para… Para, Marcos. Para! - Falei assim que consegui desgrudar minha boca da dele: - A gente precisa conversar, não acha?
Ele me encarou por um segundo, sorriu e, gentilmente, segurou meu queixo, aproximando seu rosto do meu:
- Vou te dizer algo que para mim resume tudo, por enquanto. - Seu olhar tinha uma ternura que mexiam comigo e ele não se furtou em continuar: Eu te amo! Eu te amo, Annemarye.
Fiquei boquiaberta, surpresa mesmo e ele afogou minha surpresa em outro beijo intenso:
- Aqui, não, Marcos! Aaai… - Gemi ao sentir sua boca em meu pescoço, me arrepiando toda: - Para!
- Vem comigo? Agora! Sem pensar em mais nada. Só eu e você. Vem… - Disse, encostando seus lábios em minha orelha.
- Marcos, estou trabalhando! - Resmunguei sem a menor convicção.
- Não! Não diz isso. Não agora. Não hoje. Vem comigo!? - Ele insistiu, ansioso: - Fala que vai almoçar, que seu gato morreu, qualquer coisa, mas vem comigo, Anne. Fica comigo hoje.
- Marcos…
- Eu quero você! - Insistiu e me deu um beijo novamente, mas curto agora, falando em seguida: - Eu não quero esperar nem mais um segundo.
Eu ainda titubeava, mas ele estava certo do que queria, aliás, de quem queria. Pegou-me pela mão e começou a me puxar em direção à porta:
- Tá bom, eu vou! - Falei, rindo: - Só deixa eu pegar minha bolsa.
- Não! - Disse e começou a me dar vários beijinhos curtos novamente: - Você não sairá mais dos meus braços.
- Marcos!? - Comecei a rir: - Para! Assim, não.
Ficamos naquele amasso gostoso por um tempinho. Parecíamos dois namorados que não se viam há semanas. Beijos não faltaram, abraços, carícias. Ele era outro! Havia uma decisão em seus olhos que eu nunca havia visto antes e isso me agradou demais. Comecei a pensar que talvez tivesse chegado a minha chance de ser feliz e eu sorria feito uma boba por isso. Quando nossos lábios se desgrudaram após um caprichado beijo, segurei seu rosto para que não me beijasse novamente e falei quase que didaticamente:
- Escuta! Vou pegar a minha bolsa ali, tá? É pertinho. Não vou sequer sair da sua visão. Fica aqui, quietinho, calminho, bonzinho, que eu já volto, tá?
Ele ainda custou um pouco a me soltar. Eu forçava seus braços e ele sorria como uma criança para mim. Aliás, ele para mim e eu para ele! Após forçar um biquinho de contrariedade, afrouxou os braços e consegui me soltar. Fui até minha mesa e peguei minha bolsa, colocando-a no ombro e voltando rapidinho até onde ele estava. Agora ele empunhava novamente o buquê e me entregou, sempre com um sorriso nos lábios:
- Espero que goste. - Disse me olhando nos olhos: - E tem um cartãozinho!
Aceitei o presente, segurando o buquê como num abraço e abri o cartãozinho:
“O seu sonho também tem sido o meu. Vamos uni-los num só?”
Comecei a rir, surpresa com a brincadeira e devo ter ficado vermelha. Ele também ria, satisfeito com o efeito causado:
- Ai, Marcos, só você para me fazer rir num ambiente como este. - Disse, enxugando uma lágrima de tanto rir.
- Mas e aí? Topa? - Perguntou, ansioso e sorridente.
- Uai! Quem sabe? Se você merecer…
Saímos da minha sala. Ele me pegou pela mão e saiu puxando pelo corredor do escritório como se fôssemos namorados. Na recepção, outra surpresa, Augusto, o filho de Rubens, aguardava sentado a saída de seu pai e me encarou, decepcionado, mas, o Marcos, encarou com um ódio quase mortal. Tremi e temi pelo pior.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.