Expliquei então nosso início acidental no meio liberal, a traição do Felipe, minha vingança e expliquei que, para a gente, sexo fora do casamento era apenas isso: sexo fora do casamento. Meu pai me olhava boquiaberto, assustado, surpreso e, às vezes, encarava minha mãe que tentava transparecer normalidade com a situação para não torná-la ainda mais constrangedora. Depois de um tempo, ele pareceu se resignar:
- Mas, por favor, sejam discretos. - Meu pai nos pediu: - Se não por vocês, pelos meninos.
- É claro, né, papai! Eles sempre vêm antes de tudo e todos. - Concordei.
Depois de um tempo, a conversa, até então constrangedora, começou a ficar engraçada, pois meu pai passou a fazer piada com o “chifre” do Felipe que rebatia divertindo-se com as piadas. O clima já era ótimo e decidimos voltar para a sala. Mal abrimos a porta e ouvimos uma breve discussão entre a Annemarye e o Marcos:
- Você não vai sozinha! - Marcos falava em alto e bom som, aparentemente bravo: - Vou com você e está decidido.
Capítulo 38 - As aparências enganam.
- Decidido por quem? Você!? - Eu rebatia ironicamente, mas brava com seu jeito machista de falar: - Eu vou sim! Ele quer conversar comigo e se você for junto poderá piorar uma situação que é, no mínimo, esquisita.
- Eu só quero te proteger. - Marcos insistia.
- Caramba, Marcos, ele deve só estar com ciúmes. Imagina se eu chego para conversar com ele com você a tiracolo, vai dar briga na certa e depois quem ainda vai acabar se ferrando sou eu. Você não vai.
- Eu vou e está decidido!
- Você não vai!
- Que coisa mais feia. Um casalzinho tão apaixonado como vocês discutindo. Ai, ai, ai, Anne e Marcos, podem parar já. - Disse dona Gegê pegando-nos pelos braços e levando para a cozinha.
- Mãe, eu não vou deixar a Anne ir sozinha para…
- Para, Marcos! - Eu o interrompi: - Te contei em confiança e não quero que conte para mais ninguém, pelo menos, não por enquanto.
- Eu não sou ninguém, Anne. - Ela insistiu.
- Eu sei, dona Gegê, mas é uma questão minha e que eu tenho que resolver, sozinha. - Falei, encarando o Marcos.
- Nossa, que mulher teimosa! - Ele resmungou, bufando.
- Sou mesmo! E ouse me contrariar para ver como posso passar de teimosa para brava em um segundo.
- Certo! Chega, crianças. Vocês não vão resolver nada agora, ainda mais com a cabeça quente. - Dona Gegê intermediou e me perguntou: - Você estava pensando em ir hoje?
- Não, dona Gegê, só vou depois da audiência do Marcos.
- Então pronto, gente! Há tempo para vocês conversarem e decidirem a melhor forma de resolver seu problema. - Nos falou e depois se voltou para mim: - Só lembrando, Anne, que num relacionamento é natural que nosso parceiro queira nos ajudar, nos proteger, e fico muito feliz que o Marcos esteja brigando por esse direito. Isso só indica que ele quer o melhor para você.
- Eu sei, dona Gegê. Eu não duvido das intenções dele, mas é que em certas situações, principalmente nessa e eu já expliquei para ele, se ele for comigo vai piorar muito mais que ajudar.
- Então, vamos fazer assim. - Ele insistiu novamente: - Eu vou com você para São Paulo e fico por perto. Daí se precisar de mim, já estarei lá.
- Mas você é teimoso, hein, sô? - Falei novamente irada.
- Sou! Teimoso e briguento, e vou brigar até com você se for preciso para te proteger, porque eu te amo, sua cabeça dura. - Ele falou, também bravo.
Pronto! Derrotada em minha própria área de atuação. Contra um argumento desses, fiquei sem ter o que falar, aliás, eu e a dona Gegê que o encarou com um baita sorriso no rosto e depois a mim que o olhava sem ação, boquiaberta e de olhos arregalados. Aquela raiva de ser contrariada sumiu como num passe de mágica e comecei a sorrir para ele feito uma boba:
- Dá licença, dona Gegê!? - Pedi e me levantei.
Fui então até o Marcos e me sentei em seu colo, abraçando-o e lhe dando um beijo forte, intenso e na frente de sua própria mãe. Depois cochichei no seu ouvido:
- Eu também te amo, seu bobo, e já faz um tempão. Uma pena que a gente tenha se desencontrado por tanto tempo…
- Como? Não ouvi… - Ele disse, baixinho.
- Para! Você ouviu sim.
- Tem vergonha de falar? Logo você, caipirinha, uma mulher adulta, empoderada, toda senhora de si! - Ele insistiu: - Já tá me decepcionando.
- Para, Marcos! - Falei novamente.
- Então, fala. - Me pediu, segurando meu rosto próximo ao dele: - Sem medo, fala.
- Eu te amo, bobo. - Falei, ainda baixinho: - Tá bom assim?
- Minha mãe ainda não ouviu…
- Mas ela não precisa ouvir. Eu não a amo, Marcos, eu amo você. - Insisti.
- Isso eu ouvi, sua chata. - Dona Gegê resmungou, rindo alto na sequência.
- Também amo a senhora, dona Gegê, mas só um pouquinho… - Falei sem sequer encará-la e ainda brinquei: - É que não se pode facilitar muito pra sogra senão elas abusam. A senhora sabe, né?...
Dona Gegê agora começou a gargalhar e veio até onde estávamos e nos abraçou, aos dois e bem apertado. Depois falou:
- Eu sempre soube que vocês se amavam, sempre soube. Eu via nos olhinhos de cada um o tanto que queria ficar juntos. - Depois nos beijou as faces e começou a se afastar, mas não sem antes brincar novamente: - E a primeira filha tem que ter meu nome, hein, Annemarye!? Não se esqueça.
[...]
No hospital, eu ainda tentava acalmar minha esposa, mas, com as poucas informações que os médicos liberavam sobre nossa filha, estava sendo muito difícil contê-la. Num pico de pressão, precisou ser medicada e agora, além da filha, tinha que me preocupar também com minha esposa. Por sorte, uma das médicas que atenderam minha esposa, nos disse que a Márcia estava evoluindo bem e que tinham esperança de que ela poderia acordar ainda naquele mesmo dia. Preferi guardar essa informação para mim naquele momento, pois poderia deixar minha esposa ainda mais ansiosa.
O tempo se arrastava. Minha esposa dormia a base de um calmante e decidi ir até a lanchonete comer alguma coisa, orientado por uma enfermeira que me falou que minha esposa ainda demoraria um pouco para acordar. Na lanchonete, pedi um pingado e um pão de batata recheado que não desciam muito bem apesar de muito saborosos:
- O senhor é o seu Jairo, pai da paciente Márcia? - Me perguntou um médico que eu não conhecia até então.
- Sim, sou eu mesmo. Algum problema com minha filha?
- Não, não! Fica tranquilo. - Disse e se sentou, fazendo um sinal para que lhe trouxessem também um café: - Sua filha já não está mais em risco de morte. Aliás, já diminuímos a sedação e ela começou a reagir aos estímulos. Acreditamos que ela deva acordar em breve.
- Eu posso vê-la, doutor?
- Pode. Inclusive, eu iria pedir isso. A voz dos parentes é um forte estímulo para trazer os pacientes à consciência…
- Mas, vamos lá então. - Acabei o interrompendo: - Desculpa, doutor. É a ansiedade.
- Está tudo bem. Ainda é um pouco cedo. Vou só tomar um cafezinho e acompanho o senhor até o quarto dela, tudo bem?
- Claro, claro… Eu aguardo.
Ficamos papeando por mais um breve tempo, somente enquanto ele bebia seu café e seguimos rumo ao quarto do setor em que Márcia estava. Fui paramentado devidamente para poder me aproximar. Quando entrei em seu local, vi que ela estava ligada a vários aparelhos, enfaixada, medicada… Era de dor o coração, ver minha filha naquela situação. Me aproximei de sua cama e comecei a falar:
- Oi, meu girassolzinho! Papai já está aqui, aliás, papai sempre esteve aqui. Só uns chatos que não queriam me deixar entrar, mas eu já resolvi isso. - Brinquei com ela: - Imagina, se alguém iria conseguir me manter longe da minha florzinha, né?
Ela continuava em silêncio, dormindo, sem reagir e isso me doía demais. Insisti:
- Acho que esse seu soninho de beleza já deu, né? Já passou da hora de acordar, bela adormecida. Quando você falou que passaria a sua vida num hospital, não era bem isso que eu tinha em mente, Márcia. - Eu disse e ri, mas acabou saindo uma risada nervosa, falsa.
Mas nesse momento, ela apertou seus olhos, como se tentasse acordar e gemeu alguma coisa que eu não entendi bem. Uma médica entrou em seu reservado e foi verificar uma leitura num instrumento ao lado da cama. Depois, me encarou e sorriu:
- Muito bom, pai. Nesse ritmo ela vai acordar rapidinho.
- Mas eu não fiz nada.
- Fez! Fez sim. - Disse e se voltou para a Márcia: - Seu pai não tem ideia de como é importante na sua vida, não é, Márcia? Por que não acorda um pouco e diz isso para ele?
Ela voltou a espremer seus olhos e logo em seguida os abriu um pouco, piscando várias vezes lentamente, como que incomodada com a claridade. Então, a médica se colocou acima dela:
- Oi, Márcia. Sou eu, a doutora Daniela. Está conseguindo me ouvir e entender?
A Márcia balançou a cabeça levemente de forma afirmativa, ainda fechando e abrindo os olhos:
- Ótimo, minha quase colega de profissão. Tem uma pessoa muito importante para você aqui que está nos ajudando um montão na sua recuperação. Você quer…
- Pai… - Ela a interrompeu, falando baixinho.
- Oi, amor. - Respondi, quase chorando de emoção de vê-la se recuperando: - Estou aqui.
Ela se esforçou piscando várias vezes os olhos, como tentando me focalizar e me encarou e sorriu suavemente, fechando os olhos novamente, pouco depois:
- Ela não consegue ficar acordada, doutora?
- Sono… Muito! - A própria Márcia falou ainda com os olhos fechados e completou: - Mas já estou bem, pai.
- Tá tudo bem, querida. Descansa. Eu vou ficar por aqui. Ah, e assim que melhorar a polícia quer falar com você se você se lembra de alguma coisa do dia…
- Lelin... - Ela me interrompeu, resmungando baixinho, mas audível o suficiente para eu e a médica entendermos.
[...]
Eu precisava de um plano B porque já estava sentindo que o Jaguará não daria conta do recado. Talvez alguém com contatos dentro do hospital que pudesse terminar o trabalho que aquele imbecil não conseguiu terminar. Lembrei-me então do responsável pela boca de uma favela com quem eu mantinha boas relações com o comando do morro e liguei no mesmo momento:
- Fala, chefia, precisando de aditivo pra uma festinha? Tenho de tudo, pó, erva, pedra, puta, é só falar. - Disse uma voz já conhecida.
- Estou precisando de mais que isso, Maizena. Eu preciso de gente disposta a ganhar uma grana fácil, mas tem que ser esperta e tem que ter acesso a um certo hospital.
- Qualé a bronca, chefia?
- Preciso de alguém para terminar um serviço que o imbecil do Jaguará não deu conta.
- Mas cê usa aquele animal ainda? Tú é muito inocente, chefia.
- Sem essa, Maizena. Você conhece alguém ou não?
- Eu tenho que bater uma linha pra uns mano aqui, mas acho que dá pra achar sim.
- Joia! Pago bem pelo serviço e ainda te dou uma caixinha por ter intermediado.
- Xá comigo, chefia. Vô dá uns corre aqui e te ligo.
- Para ontem, ok? Tem que ser no hospital universitário.
- Pra já, chefia.
Desligamos e passei a tomar um whisky enquanto sondava outras possibilidades de terminar o serviço deixado pela metade pelo idiota do Jaguará, mas já certo de que ele também teria que ser terminado. Eu não poderia deixar um ponta solta que chegasse em mim, porque fatalmente seria o meu fim também. Acabei me perdendo em pensamentos e, já na metade da garrafa, o Maizena me ligou:
- Chefia, tá podeno falá?
- Boas notícias, Maizena?
- Arrumei uma nóia que trabalha no universitário, aliás, nóia não, ela ainda é um pitéu, só vinte e alguma coisa, mas já tá deveno um tanto na boca e disse que topa uns esquema se a gente perdoar a dívida e der um crédito pra ela.
- Ela é de confiança, Maizena?
- Essa gente nunca é de confiança, né, chefia, mas se ela sair da linha, a gente resolve. Isso eu tô garantino.
- Vou te mandar a ficha da “de cujus” e...
- Oi!? - Me interrompeu, confuso.
- Da defunta, do alvo, da peste que você tem que dar cabo. - Insisti e complementei: - Resolve isso aí pra mim que o dinheiro tá garantido: eu pago a dívida da moça, dou um vale bem gordo pra ela na boca e te garanto ainda uma bela gratificação.
- Deixa comigo, chefia. Amanhã mesmo ela já vai tá comeno capim pela raiz.
[...]
Minha mãe não se tocava que estava sobrando, mas bastou duas ou três reboladas da Annemarye no meu colo e um olhar mais malicioso para ela entender. Meio constrangida, mas com um imenso sorriso no rosto, ela se levantou e foi se reunir a nossa família, deixando-me a sós com minha caipirinha:
- Você sabe que eu só quero te proteger, não é?
- Eu sei, Marcos, mas nessa situação pode pôr tudo a perder. Só me dá uma chance de conversar a sós com o Erick. Eu tenho certeza que consigo esclarecer tudo e me resolver com ele. Poxa, eu não acredito que tenha me enganado tanto a respeito dele, não acredito.
- Olha, então tá. Tudo bem. Eu concordo, mas com a condição de que vocês se encontrem num ambiente público e que eu possa pelo menos estar por perto, nem precisa ser no mesmo ambiente, mas perto o suficiente para intervir. Tudo bem assim?
- Tudo bem, meu protetor. - Disse e começou a dar beijinhos enquanto brincava comigo: - Meu príncipe, meu cavaleiro, meu herói. - E depois de dar uma olhada para trás para se certificar que estávamos sós, emendou: - Meu homem, meu machão, meu comedor, meu safadão…
- Vai… Vai brincando. Depois eu te pego de jeito e te dou uma boa esfolada, não quero ver ninguém reclamando, ouviu?
- Ah… Ui, adoro! - Disse e terminou numa gostosa gargalhada, fazendo com que meu pai apontasse a cabeça ao longe para se certificar que estava tudo bem, confirmado por mim com um “joinha” à distância.
Depois fomos nos reunir aos demais que conversavam animadamente na mesa, com uma garrafa de café e uma travessa de fumegantes pãezinhos de queijo. Naturalmente, Felipinho e Ricardinho tomavam um chocolate quente, mas o olhar que a Anne fez ao ver o pão de queijo foi delicioso de se ver: ela salivava. Aliás, sua atitude ao chegar na mesa, pegando o Ricardinho e o colocando em seu colo para se servir, mostrou que ela estava se enturmando de vez com minha família e o fato dele aceitar, mostrava também que a família já a aceitava. A Duda sorria. A mamãe sorria. Meu pai, sempre sério, sorria. O único que não sorria era o Felipe, acredito que ainda atordoado com a situação da descoberta de sua vida liberal:
- O quê? - A Anne ainda perguntou, já mordendo um pão de queijo.
Todos começaram a rir e a Duda lhe explicou que conseguir fazer o Ricardinho parar no seu colo já era uma vitória e tanta. Eu tentei pegar o Felipe também, mas ele, um pouco mais velho, não achou papel de homem ficar no colo de outro homem:
- Mas eu sou seu tio, caramba! - Brinquei enquanto ele passava para a cadeira ao lado.
- E deixou de ser homem por isso, boneca?
Foi uma gargalhada só de todos. Seu comentário foi a chave de ouro para aquela manhã. Vi que a Duda cochichou algo no ouvido do seu marido que encarou a Anne e a mim com um semblante sério, mas, em seguida, balançou afirmativamente a cabeça e sorriu:
- Mamãe, a gente ainda não batizou o Ricardinho, né?
- É! E já passou muito do tempo de fazer isso, né, Duda!?
- Pois é… - Duda resmungou, encarando a Anne e a mim: - Vocês bem que podiam fazer isso pra gente, né?
Abri um sorriso imediatamente para o convite e olhei para a Annemarye que não esboçou reação alguma, distraída em comer um pão de queijo que agora dividia com o Ricardinho. Tive que cutucá-la:
- O quê, Marcos!? Não vê que estamos curtindo um momento a dois aqui? - Disse, sorrindo e perguntou para o Ricardinho que me encarou, sério: - Acho que o seu tio está com ciúme da gente, Ricardinho…
- Você escutou o que a Duda falou?
- Não. Desculpa. O que você disse, Duda? - Perguntou, encarando minha irmã.
- A gente quer que você e o Marcos sejam os padrinhos de batismo do Ricardinho.
- Nú! Sério!? Eu, aliás, nós? Uai!… - Disse e começou a sorrir feito uma boba para complementar: - Será um prazer, sô! Eu topo “facin” e “ocê”, Marcos?
- Já topei!
- Escutou, Ricardinho? Vou ser sua dinda. - Falou e deu um abraço apertado para o Ricardinho que ficou sem entender nada, apenas descendo de seu colo e correndo para o colo da mãe: - Ahhhhh… Foi só um abraço. “Diculpa”!
Ricardinho deu um sorriso tímido, mas tranquilizador do outro lado da mesa e se sentou no colo da Duda. A Anne começou a brincar com um pão de queijo sobre a mesa, encarando-o com um sorriso e logo ele desceu do colo da sua mãe e voltou para o dela, sob o olhar impressionado de todos na mesa. Uma coisa não se podia negar, ela tinha um jeito de conquistar que fazia toda a diferença.
[...]
- Fala aí, maluco! Cê viu a Maria Morena por aí? - Perguntei impaciente para o gerente da boca.
- Que é essa, chefe?
- Aquela mulatinha bonita, que tem um piercing no nariz e outro na sobrancelha. Ela tá devendo uns dez papelote aí, maluco! Cê sabe quem é? Ela trabalha no hospital, caralho!
- A boquetera!? Ela tá ali atrás no quartinho dos fundo, dando um trato no Zé Pinguela que comprou uns pacotinho pra ela.
Entrei na casa e me esgueirei pela casa até chegar no quintal e de lá para um puxadinho nos fundos que estava com a porta aberta e onde realmente a Maria boqueteava com vontade o Zé Pinguela, um negão alto e forte, senhor de uma pica que mais parecia um mourão de cerca, que fazia parte da segurança da boca:
- Opa! Chefe? - Falou o Zé ao me ver na porta do cômodo e se virou para a Maria: - Tira a boca do meu pau, biscate.
- Relaxa, Zé. Quando você terminar aí com a Maria, traz ela para o escritório que eu quero trocar uma ideia com ela.
- Mas eu já disse que vou pagar. Só me dá mais uma semana, por favor… - Ela falou, já choramingando e certamente imaginando que eu iria dar cabo dela.
- Relaxa você também, Maria. Tenho um negócio para te propor que pode te interessar. Termina aí e vem falar comigo depois. - Respondi e já me virei para sair.
Dali fui para um quarto na casa principal, que funcionava como “escritório” da boca e fiquei aguardando a chegada da Maria. Não demorou mais de quinze minutos e ela entrava, acompanhada pelo Zé Pinguela:
- Deixa ela aí e cai fora, Zé. Fecha a porta e não deixa ninguém entrar. Quero ter uma conversa séria com a mocinha aí. - Ordenei e ele saiu no mesmo instante, mandei: - Senta aí, Maria.
- Pô, eu já disse que pago tudo. Só me dá mais uma semana, por favor!? - Me pediu, novamente com os olhos marejados: - Se quiser, posso fazer um boquete pra você também. Pro senhor, desculpa.
- Corta essa, Maria, minha conversa contigo é outra. É o seguinte: surgiu um trampo pra tu que paga seus débitos e ainda deixa um crédito legal para você se divertir depois.
- E que trampo seria esse? - Ela me perguntou curiosa, enquanto balançava dois pinos de cocaína na mão.
- Preciso que você desligue um paciente do hospital em que você trabalha.
- Como é que é? - Perguntou arregalando os olhos.
- É isso que você ouviu. Você desliga um paciente do hospital, ele apaga, você se dá bem e sobe no conceito aqui no morro.
- Mas eu nunca fiz isso, nem sei como fazer.
- A pessoa passou por uns cortado e tá perengando na maca. Desliga aparelho, usa travesseiro, sei lá. Você trabalha lá ou não trabalha, caraio. Dá um jeito, pô.
- Eu não sei se consigo…
- Beleza, então. Tu tem até a tarde pra pagar tudo que me deve e sumir daqui pra sempre. Senão vou te levá pra dá uma volta lá no alto, pegá uma corzinha no microondas…
- Não! Pelo amor de Deus, não.
- Então resolve a parada, caraio! Não vou pedir de novo. Aliás, da próxima vez que o Zé te pegar, pode ser que eu sugira para ele enterrar aquela jeba no teu rabo antes de te fritar.
- Quem é a pessoa? Eu vou ver o que dá pra fazer…
Passei então o nome do futuro defunto e ela se foi. Estava claramente nervosa e transtornada, mas não tinha outra saída a não ser se submeter. Era só questão de tempo agora…
[...]
O dia transcorreu maravilhosamente bem. Depois de um convite para ser padrinhos do Ricardinho, a dona Gegê não deixou que Duda e seu marido fossem embora de sua casa. Almoçaram, lancharam e só não dormiram porque o Felipe bateu o pé, querendo ir para a sua própria casa. À noite, após um gostoso chocolate quente preparado pelo próprio seu Balthazar que agora não escondia uma predileção por me mimar - o que eu estava adorando! -, fui me deitar com o Marcos para uma merecida noite de sono.
Mas que sono que nada! Mal entramos e fechamos a porta de sua suíte, ele me atacou igual um lobo faminto. Apesar de eu ter conseguido fugir dele, refugiando-me no banheiro, ele tinha uma cópia da chave e entrou em seguida. Derrotada, resignei-me aos caprichos daquele homem - como seu eu mesma não quisesse. Bom, resumo da ópera: fui usada e abusada naquela noite! Eu parecia uma boneca de pano nas suas mãos e ele me usou como bem quis. Gozei sei lá quantas vezes e duvido que a dona Gegê e o seu Balthazar não tenham nos ouvido, porque eu miava igual uma gata no cio e, em algumas das vezes, eu praticamente gritei de tanto tesão que senti.
Na manhã seguinte, eu estava até um pouco abatida e uma leve olheira que nem a água gelada conseguiu disfarçar, demonstrava que eu havia aproveitado bastante à noite anterior ou que fora aproveitada, sei lá. A dona Gegê, ao me ver chegando na área social de sua casa, abriu um imenso mas claramente malicioso sorriso:
- Dormiu bem, Anne? - Me perguntou, quase rindo da minha cara: - Acho que vou pedir para o Marcos trocar o colchão. Parece que você não consegue descansar direito nesse.
Devo ter ficado roxa nesse momento, mas não tinha muito o que fazer:
- Desculpa, dona Gegê, acho que exageramos mesmo ontem à noite.
- Relaxa, menina. Curtam mesmo. - Disse e me deu um tapa na bunda, recebendo uma gemida mais alto de minha parte, até maior que ela esperava: - Tá tudo bem mesmo?
- Ai, tá. Vai ficar… - Falei colocando a mão sobre a bunda.
Marcos chegou logo após dando um beijo na mãe e me abraçando por trás. Assim que ela saiu de perto, falei:
- Poxa, tô com a bunda toda dolorida. Acabei de tomar um tapinha da tua mãe, mas que pareceu uma porrada de tanto que dá doendo. Sacanagem isso, Marcos!
Ele riu alto e me deu outro tapa na bunda, fazendo eu quase gritar:
- Para, caramba! Tá doendo. - Falei e acabei rindo também.
Fomos até a mesa tomar nosso café e logo fomos avisados que alguns policiais estavam na porta, perguntando pelo Marcos. Ele foi até eles e eu o acompanhei:
- É o senhor Marcos Antônio de Sá Pinheiro Pinto? - Um dos policiais perguntou.
- Sim, sou eu. Algum problema.
- O senhor está preso. Queira nos acompanhar.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.