Foquei em quem importava e ele estava fora do meu círculo de importância. Namorei meu marido, brinquei com minhas filhas e depois voltamos para o hotel, onde poderíamos, enfim, ficar em paz. Ledo engano! Assim que chegamos, Aline veio correndo me avisar que o seu Paulo estava me procurando para tratar de uma denúncia feita pela Verônica e me entregou um bilhete com o telefone dele, pedindo que eu ligasse com urgência. Olhei para o Mark, assim que ela se retirou, e minha vontade de chorar estava estampada em meu rosto:
- Vou com você. - Ele falou, tentando me acalmar: - Não há nada que um cafezinho e uma boa conversa não consigam resolver.
Ainda assim, não havia muito o que fazer, pelo menos não naquele momento, pois ela também me informou que o seu Paulo havia saído e só retornaria à noite. Fui então com meu marido e as meninas para o salão de jogos do hotel, anexo à piscina, bar e restaurante, e lá ficamos boas horas curtindo os momentos em família. Bem, eles curtiam, na verdade elas, pois até o Mark ficou tenso com o que aquela cobra da Verônica poderia ter inventado ou contado para o seu Paulo. Mesmo assim, ele procurou me apoiar e tentou me distrair. Eu me deixei levar, mas sinceramente, não havia conseguido ficar tranquila.
Uma chuva chata caía sem trégua e nossos planos de turistar por Manaus tiveram que ser abortados definitivamente. O tempo passou e por ali ficamos. No final da tarde, quando estávamos voltando para o quarto, encontramos o seu Paulo também chegando, acompanhado pelo Gonzaga. Ele foi direto:
- Dona Fernanda, eu preciso ter um minuto de sua atenção em uma situação bastante peculiar. - Me disse sem rodeios, somente depois notando a presença do Mark e de minhas filhas, que lhes apresentei.
Mark, advogado liso como um bagre ensaboado, cumprimentou-o formalmente, mas com pitadas de bom humor, o que não era nada difícil para quem fala mineirês fluentemente. Acabou que eles começaram a trocar algumas ideias deixando-me e as minhas filhas um pouco de lado. Depois de algum tempo, amenidades, afagos e um convite para uma bebida mais à noite, seu Paulo voltou a insistir:
- É só um minuto, dona Fernanda. Gostaria de esclarecer uma situação e sua presença é imprescindível.
- Claro, seu Paulo, se o senhor quiser podemos falar agora. - Respondi com a Miriam agarrada a minha perna.
- De forma alguma! - Ela falou, levantando uma mão em negativa e continuou: - Se for possível, gostaria de lhe falar daqui uma hora na sala de reuniões do hotel.
- Se for algo que eu possa ajudar… - Mark falou, colocando-se a disposição.
- Na verdade, não é, doutor Mark. Talvez até seja… - Ele disse e parou por um minuto, como que analisando melhor a questão para concluir em seguida: - Mas de qualquer forma, agora é uma questão interna da empresa que deve ser resolvida em quatro paredes. Entretanto, fico grato com sua intenção.
- Tudo bem então, seu Paulo. - Falei, colocando minha mão no ombro do Mark, resignada e fazendo com que se resignar também: - Vou apenas encaminhar minhas filhas para o banho e daqui uma hora desço para a sala de reuniões.
- Combinado então para as dezenove horas, dona Fernanda. - Ela me respondeu e se virou para o Mark: - E doutor, nosso drink para as nove da noite, pode ser?
- Claro que sim, “cumpadi”. - Soltou inadvertida ou intencionalmente meu marido, fazendo com que o seu Paulo risse.
Nos despedimos e subimos os seis juntos no elevador. Descemos em nosso andar e o seu Paulo e o Gonzaga seguiram subindo. Já dentro de meu quarto, eu estava tensa, era visível e comecei a andar de um lado para o outro:
- Caralho, caralho, caralho… - Comecei a xingar preocupada, sendo interrompida pela minha caçula.
- O que, mãe?
- Carvalho, filha. Carvalho. - Falei, tentando despistar: - É o sobrenome do seu Paulo.
- Ahamm… Sei. - Falou a Maryeva com um sorriso cínico de onde estava, já se dirigindo para seu quarto pegar suas coisas para o banho.
- Leva e vigia sua irmã, Mary. - Pedi, encarando-a para entender que era uma ordem.
- Oxi! - Ela me respondeu e eu olhei irada para o Mark que começou a rir.
Assim que elas entraram no banheiro e fecharam a porta, voltei a encarar meu marido:
- Que porra de “oxi” é esse? De onde essa menina tirou isso, Mor?
- Então, né… - Ele começou a falar, ainda sorrindo: - Deve ser alguma lembrança de uma vida passada, ou talvez seja só a lembrança marcante de uma amizade presente, vai saber…
- Mark, Mark, Mark… Não brinca comigo hoje. - Falei irada e praticamente partindo para cima dele.
Ele me dominou facinho, segurando meus braços em minhas costas e me prensou na parede, dando-me um daqueles beijos que desmonta qualquer mulher. Apesar de eu estar brava com a situação, não era ele o causador da minha ira e fiquei curtindo ser dominada ali naquele momento. Depois que nossos lábios se desgrudaram e nossos olhos se fixaram nos do outro, sorri:
- Ai, ai… Machão e dominador era uma faceta sua que eu não via há muito tempo, Mor.
- Gostou não?
- Oxi, gostei demais da conta, sô!
Ele me encarou curioso e começou a gargalhar, deixando-me perplexa:
- O que foi agora, palhaço? - Perguntei, sem entender o porquê da gargalhada.
- “Oxi” e “sô” na mesma frase… - Ele começou a falar, entre suas risadas: - Adorei a ideia! Misturar você com a Iara numa mesma cama ia ser tudo de bom!
- Ah, filho da puta… - Falei.
Passei a tentar me livrar de seus braços “fula da vida”, mas logo em seguida parei e tive que dar razão a ele, pois eu havia mesmo falado daquela forma e não sabia sequer o porquê disso. Comecei a rir:
- Não foi um convite, pode parar! - Falei.
- Ahhh… - Ele soltou, fingindo ter ficado desanimado.
Depois fomos nos sentar num sofá da suíte e comecei a falar para ele do porquê de meu nervosismo:
- Eu tô ferrada, Mor. Aquela biscate da Verônica deve ter feito minha caveira para o seu Paulo. Nossa, se ela tiver contado das minhas saídas aqui então… - Falei, mordendo meus lábios de raiva: - Certamente ele vai me demitir.
- Cê é boba demais, Nanda. - Ele falou, sorrindo calmamente: - Presta atenção nos sinais, cabeção.
- Sinais!? Que sinais?
- Ô, caramba! “Ói” só, se ele quisesse realmente te demitir, ele não precisaria fazer isso pessoalmente, bastaria recorrer ao RH. Ele é chefe, para essa parte chata do trabalho, existem outros funcionários.
- E você acha que, só por isso, ele não vai me demitir? E se ele for do tipo que gosta de pôr a mão na massa?
- Nanda, ele te destratou ou tratou com frieza em algum momento agora há pouco?
- Não…
- Isso. - Falou e me deu um tapinha sobre a mão: - Você fez alguma coisa de errado durante seu trabalho ou aqui no treinamento?
- Não…
- Suas… - Falou e deu uma espiada na direção do banheiro para se certificar se as meninas ainda estavam lá e continuou: - Suas “saidinhas” foram durante o expediente ou colocaram o nome da empresa em alguma situação vexatória?
- Não, uai! Eu só saía à noite, fora do expediente e nunca fiz nada durante os eventos da empresa.
- Mas então, ô, caramba! Qual o motivo que ele teria para te demitir?
- É pensando dessa forma…
- Claro que é. - Ele me interrompeu e ainda brincou: - É mais fácil ele estar querendo sondar o terreno para ver a possibilidade de te pedir para fazer uma hora extra. - Frisou bastante a expressão “hora extra”, sinalizando-a com os dedos em aspas: - Acho que você está preocupada à toa.
Ele estava certo. Eu não tinha feito nada que justificasse uma demissão por justa causa. Se ele quisesse me demitir, seria sem razão alguma e se fosse ainda uma demissão arbitrária, eu já sabia que poderia recorrer à Justiça e revertê-la, afinal, advogado para isso eu já tinha:
- Tá certo, Mor, acho que você está certo. Vou apressar as meninas, tomar um banho e depois resolver isso de vez.
- Assim que se fala. - Ele falou e piscou para mim: - Aproveita e coloca um vestido bonito, casual, que encha os olhos, porque depois teremos que fazer uma social com seu patrão ainda.
- Uai, mas ele não convidou só você?
- Mas você não presta atenção nas coisas mesmo, né!? Ele convidou nós dois, na verdade, nós quatro para um “happy hour”. - Ele disse e parou, como que pensando, para concluir: - Tá mais parecendo “petit comité”. Aliás, esse é outro sinal, pois se ele quisesse te demitir, não teria porquê te convidar para um drink depois da reunião.
- Uai, e num é que é! - Concordei e lhe dei um beijo: - Vou me arrumar. Agora fiquei até curiosa para saber o que ele quer de mim.
Assim que me levantei e fui em direção ao banheiro, ele falou:
- Eu acho que sei o que ele quer…
- Ah vá! - Disse e entrei no banheiro para apressar minhas filhas.
Elas saíram pouco depois e lhes indiquei a roupa que deveriam usar para mais à noite. Entrei então e tomei um merecido banho, refrescante e relaxante. Depois passei a arrumar meu cabelo, num penteado solto atrás, mas preso nas laterais da cabeça e fiz uma maquiagem discreta, mas levemente marcante nas maçãs do rosto e nos olhos, mas usando um forte batom vermelho terroso nos lábios. Só notei que tinha perdido a noção do tempo quando o Mark bateu na porta do banheiro:
- Seis e meia, Nanda. Acelera aí!
Mas não precisava acelerar nada, pois já estava pronta. Abri a porta e o sorriso que ele me deu provava que eu havia acertado nas escolhas. Infelizmente, o vestido que eu pretendia usar estava no meu outro quarto, então vesti a roupa que usei durante o dia e me despedi deles, deixando para o Mark terminar de arrumá-las. Fui até meu quarto e coloquei um vestido sem mangas, sem decote, com a saia na altura de meus joelhos e com uma estampa geométrica que eu, pessoalmente, não gostava muito, mas o Mark adorava. Na realidade, decidi fazer isso por ele e pelo efeito que despertava nele, torcendo que também despertasse o mesmo no seu Paulo, mas sem terceiras intenções.
No horário combinado, desci até o saguão do hotel e, depois de perguntar na recepção onde ficava a sala de reuniões, me indicaram a direção e fui. Bati na porta duas vezes e, depois de um breve tempo, seu Paulo a abriu para mim, pedindo que eu entrasse com um gesto de mão. Entrei e a segunda pessoa que vi foi a Verônica sentada na primeira cadeira do lado esquerdo, próxima da cabeceira da mesa:
- Sente-se, dona Fernanda. - Disse o seu Paulo, tocando na cadeira do lado direito, bem de frente para a Verônica: - Precisamos conversar.
[...]
- Pai, por que a mãe teve que ir trabalhar hoje? Poxa, num domingo! - Maryeva me perguntou, brava, com a situação.
- Uai, e quantas vezes eu já não tive que sair fora de hora para atender um cliente? Às vezes, acontece.
- Sei lá, eu não gostei não. Já tô achando que não vou fazer administração ou direito no futuro.
- Isso são exceções na vida de qualquer adulto. Não pense que se fazer arquitetura, informática, engenharia, não poderá acontecer de surgir algo que te faça trabalhar fora de hora ou mesmo no final de semana.
- Já tô ficando com fome… - Veio Miriam resmungar junto de nós.
- A gente vai sair para lanchar daqui a pouco. Só estamos esperando sua mãe terminar a reunião para irmos e…
- Mas eu tô com fome! - Miriam bateu o pé, interrompendo-me.
Fui até o frigobar e, além de algumas bebidas, refrigerantes e água, havia uns salgadinhos industrializados que lhes dei para despistar a fome. Elas se sentaram de frente para a televisão, fazendo um mini piquenique, enquanto assistiam um programa qualquer. Entrei para o banho e me permiti relaxar um pouco, afinal, apesar de acreditar que a reunião correria bem, havia sempre um pequeno risco de desandar. Em pouco mais de trinta minutos, eu já estava vestido com um jeans, camisa polo e um sapatênis, pronto para nossa última noite em Manaus e agora já curioso sobre o andar da reunião da minha digníssima. Nisso ouvi um som de notificação de meu celular e, ao ver a tela, via que era a Nanda:
Ela - “Mor, o bicho pegou pra Verônica. Depois te conto.”
Eu - “?”
Ela - “Depois, depois…”
Minha curiosidade aumentou ainda mais. Apressei minhas filhas para que terminassem de se arrumar e elas foram se maquiar no banheiro. Maryeva, a mais velha, séria e já se sentindo uma adulta, não queria mais sair sem passar lápis nos olhos e um batom nos lábios. Miriam se espelhava na irmã e tentava fazer igual, mas devido a pouca idade, ainda não conseguia, fazendo com que Maryeva tivesse trabalho em dobro. Ficaram prontas quase às oito da noite e passamos a jogar Uno para matar o tempo e nos distrair. Por volta das oito e quinze, meu celular outro som de notificação em meu celular chama a minha atenção, era a Nanda:
Ela - “Mor, já estou com o Paulo no bar do hotel. Se quiserem descer…”
Eu - “Você não vai me contar o que aconteceu, caramba?”
Ela - “Depois eu te falo, mas deu tudo certo para mim, já para a Verônica…”
Eu - “Porra, Nanda, conta logo tudo de uma vez.”
Ela - “Depois, Mor. Depois eu conto tudinho.”
Eu - “E que história é essa de ‘Paulo’!? Cadê o respeito? Onde você enfiou o ‘seu Paulo’?”
Ela - “🤣🤣🤣!”
Ela - “Já estou ficando íntima. 😜”
Eu - “Então, acho que vou esperar um pouco mais por aqui, afinal, eu havia marcado com ele às nove…”
Ela - “Estou brincando, seu bobo. Desce aqui, já estamos tomando um drink, mas ele quer nos levar num restaurante que conheceu aqui e disse que é muito bom, inclusive, tem uma área para as crianças curtirem.”
Ela - “Ele quer mandar um áudio, espera aí!”
Fiquei curioso com aquilo e fiquei aguardando o áudio que chegou em seguida:
Ele - “MENSAGEM DE ÁUDIO - Doutor Mark, seu segredo está muito bem protegido comigo. Estamos aguardando ansiosos a presença do amigo e de suas lindas filhas para podermos aproveitar juntos uma noite muito agradável.”
Antes, levemente temeroso, agora eu estava extremamente curioso com o que teria acontecido na reunião. De qualquer forma, Nanda parecia ter contornado toda a situação de uma forma favorável, mas eu ainda queria saber muito como. Sacana, já subentendi em suas palavras que ele sabia de nossa vida liberal e decidi apimentar um pouco as coisas, mandando uma mensagem de áudio para a Nanda, já na intenção de que o seu Paulo também pudesse ouvi-la. Fui até o banheiro e caprichei na formalidade da resposta:
Eu - “MENSAGEM DE ÁUDIO - Seu Paulo, peço que faça minhas vezes com minha digníssima Fernanda Mariana por algum tempo ainda, pelo menos enquanto eu termino de ajudar nossas filhas a se arrumarem para descermos. Como havíamos combinado às nove, elas não se aprontaram ainda. Desceremos em breve.”
Era uma mentirinha leve, pois elas já estavam prontas, mas eu queria ver qual seria o procedimento da minha digníssima onça branca. Houve uma repentina interrupção na conversa, mas logo me retornou:
Ela - “🙄!”
Ela - “Você não presta!”
Eu - “Acha isso mesmo?”
Ela - “Claro que não, Mor. Amo você de montão, mas agora não tem jeito de 😈, então é melhor eu ser apenas uma 😇, mesmo porque nossas filhas estão no recinto, não é?”
Ela - “Mas vai dando corda pra mim, vai…”
Ela - “Depois não reclama.”
Eu - “Estou brincando, claro! Nós descemos daqui uns dez minutinhos. Juízo, crianças!”
Ela - “Ah vá tomar no meio do teu 👌!”
Ela - “🤣🤣🤣!”
Ela - “Palhaço! Beijos. Não demora.”
[...]
Assim que me sentei na cadeira, bem de frente para a Verônica, ela me cumprimentou como se não tivesse feito nada contra mim. Minha vontade era de pular sobre a mesa e esganar aquela lambisgóia, mas tive que me controlar, pois meu emprego e reputação estavam em jogo. Eu não respondi ao seu cumprimento e olhei para o seu Paulo assim que ele se sentou na cadeira da cabeceira da mesa:
- Qual seria o objetivo da reunião, seu Paulo?
Ele serviu um copo de água para cada um dos presentes e falou:
- Dona Fernanda, vou ser bem direto e objetivo. - Me olhou sério, mas com uma atitude tranquila: - Recebi uma denúncia contra a senhora e gostaria de saber se há fundamento.
- E que denúncia seria essa? Aliás, por que a Verônica está aqui? Ela foi denunciada também? - Falei, deixando claro saber o porquê de sua presença.
Seu Paulo a encarou e também foi bastante objetivo:
- Dona Verônica fez a denúncia.
- E que seria? - Insisti.
- Bem… - Ele parecia procurar agora as melhores palavras: - Ela me informou que a senhora teria uma vida fora dos regramentos sociais vigentes.
- Não entendi? - Falei porque queria que ele fosse bastante claro.
- Não!? Então… - Ele voltou a pensar em como falar: - Olha, não há uma forma fácil de falar isso, ela disse que a senhora sai com outros homens, trai seu marido vergonhosamente e que já teria ficado com, pelo menos, uns três diferentes aqui em Manaus. Inclusive, disse que um amante seu de São Paulo teria vindo para cá atrás da senhora, com quem a senhora tem mantido encontros regulares.
- Praticamente, tudo o que ela informou para o senhor é mentira. - Falei sem pestanejar, séria e compenetrada: - Primeiro, nunca trai meu marido. Nós temos um relacionamento liberal e eu posso manter encontros com parceiros externos ao nosso casamento, da mesma forma como ele também pode com outras mulheres.
Ele me encarava surpreso. Acho que não esperava que eu fosse tão franca, mas vi que, ali, naquele momento a honestidade faria toda a diferença e sua reação me provou que eu estava certa:
- Segundo, não tenho nenhum amante. O Rick é um homem com quem me relacionei em São Paulo e ele se achou no direito de vir para cá me encontrar. - Falei calmamente e tomei um pouco de água: - Realmente, eu saí com ele umas duas vezes aqui, mas não para encontros amorosos, apenas para turistar.
- Terceiro, não fiquei com três homens coisa alguma. Somente sai com o Rick para passear, como eu já falei para o senhor, e tive sim um encontro com o Andreas, um turista alemão que conheci aqui em Manaus. Ótima pessoa por sinal, muito educação, cavalheiro e boníssima pessoa. - Falei com uma vontade imensa de dizer que ele fora um ótimo amante, mas não achei que seria o momento.
- Entendo… - Disse o seu Paulo, recostando-se no encosto de sua cadeira, com uma mão no queixo.
- Eu gostaria de fazer uma pergunta, seu Paulo. - Pedi e ele assentiu com a cabeça: - Minha vida pessoal é da conta da empresa? Repercutiu negativamente de alguma forma contra a empresa? Se não fosse a “X9” da Verônica ter vindo me dedar aqui, a empresa teria tomado conhecimento da minha vida por outra forma?
Ele me encarou surpreso e, após refletir um pouco, falou:
- Não, não e não, dona Fernanda. Sua vida pessoal é sua e se não fosse pela dona Verônica, eu não teria tomado conhecimento de nada.
- Causei algum prejuízo para a empresa? - Insisti.
- Nenhum!
- Então, não estou entendendo o objetivo dessa reunião. O senhor poderia me explicar? - Insisti uma vez mais, tomando outro gole de meu copo de água.
- Seu Paulo, o que é isso? Não acredito que o senhor vai concordar que a Fernanda, sendo uma gerente da empresa, possa ter uma vida dessas? - Verônica falou.
Aliás, assim que ela terminou de falar, entendi sua intenção. Sua inveja havia transbordado e ela queria me prejudicar dentro da empresa, porque, com o Mark, já vira que não conseguiria nada:
- A sua inveja chega a me dar nojo, Verônica. - Falei, espumando de ódio.
- Eu com inveja de você, Fernanda? - Disse e riu debochada: - Se enxerga, mulher.
Coloquei as duas mãos na mesa e fiz menção de me levantar, mas seu Paulo foi mais rápido e falou:
- Parem as duas, agora mesmo! - Disse, dando um leve tapa na mesa e se voltou para a Verônica: - A senhora fez a denúncia, mas ainda não apresentou prova alguma. Tem como provar o que alegou? Da forma como alegou?
- Eu… Eu… Tem a Cíntia e a Aline. Elas sabem de tudo. - Ela falou.
Eu fiquei meio perdida nesse momento, pois não entendi sua intenção, já que as duas se mostravam mais amigas minhas que dela. Se elas fossem inquiridas, provavelmente ficariam ao meu lado, mas o ser humano é um bicho tão complexo que às vezes imaginamos conhecer uma pessoa só para nos decepcionarmos depois. “Será que elas estão mancomunadas com a Verônica?”, cheguei a pensar, antes de ser interrompida pelo seu Paulo:
- E a senhora, dona Fernanda, consegue provar o que disse?
- Meu marido está no hotel, seu Paulo, basta perguntar que ele vai lhe confirmar “tudin” que eu disse. Inclusive, ele sabia desses meus parceiros, porque somos transparentes um com o outro, da mesma forma, como eu sabia com quem ele saiu na minha ausência. - Falei séria, enquanto o encarava e já pegando meu celular, falei: - Ligo pra ele agora, se o senhor quiser?
- Não acredito que o senhor está pensando na possibilidade de dar ouvidos a essa… essa… - Verônica engasgou sem conseguir terminar a frase, mas deixando claro a intenção de me ofender.
- “Essa” o quê, Verônica? Seja mulher e fale na minha cara. - Falei.
- Essa sem vergonha, seu Paulo. A empresa não pode concordar com atitudes como as dela. Se for para ser assim, eu prefiro pedir demissão. - Ela insistiu.
- A porta da rua é serventia da casa… - Falei baixinho, mas alto o suficiente para que ambos escutassem e sem lhe dar o prazer de meu olhar.
- Cala a boca, sua biscate! - Verônica soltou em alto e bom som, surpreendendo a nós dois, até mesmo a ela própria, pois colocou a mão na boca assim que disse.
Houve um silêncio constrangedor nesse momento na sala, mas me lembrei do meu marido que vivia dizendo que é nas dificuldades que as melhores oportunidades surgem:
- Ela não tem prova alguma contra mim. - Falei para o seu Paulo: - Mas eu tenho prova dela ter me ofendido sem justificativa alguma porque foi feito na sua presença, seu Paulo.
Seu Paulo a encarou por um momento e falou:
- A senhora será punida, dona Verônica, só não sei ainda qual pena lhe dar ou pode pedir demissão e manter um pouco da sua dignidade incólume.
- Mas estamos aqui para resolver a questão da Nanda…
- É Fernanda para você, Verônica. - A interrompi.
- Eu só fiquei nervosa, saiu sem querer. - Disse já com olhos levemente marejados: - Seu Paulo, por favor…
- O que gostaria que fosse feito, dona Fernanda, suspensão, demissão?
- Eu!? - Perguntei, surpresa e respondi: - Não sou a superior imediata dela, seu Paulo. Além disso, eu não conseguiria ser imparcial para dar uma boa solução a ofensa que ela me fez. Eu fui a vítima.
- Ok. Boa resposta… - Falou para mim e se voltou para ela: - Dona Verônica, a senhora pode arrumar suas coisas. Pedirei para o Gonzaga providenciar seu retorno amanhã de manhã para São Paulo e, de lá, para sua cidade.
- Mas…
- Sem mas, dona Verônica. - Ele a interrompeu: - Mesmo que a dona Fernanda tenha errado, e eu ainda não vi qualquer falha profissional, nada justificaria sua ofensa. Agora, retorne ao seu quarto e aguarde instruções para o seu retorno.
Ela ainda tentou argumentar mais alguma coisa com ele, mas no final foi novamente rechaçada. Na saída, ainda me ameaçou, dizendo que acabaria comigo um dia e levou um “lava cara” do seu Paulo que deixaria até o meu marido orgulhoso. Resultado: saiu chorando porta afora. Seu Paulo foi até a porta, fechando-a e me pediu licença para fazer uma ligação. Aproveitei para trocar umas rápidas mensagens com o Mark e ouvi ele falando algo com o Gonzaga, já imaginando tratar-se da Verônica. Logo, ele voltou e se sentou:
- Dona Fernanda, ela errou e será punida por isso, mas isso não soluciona a sua questão. - Falou e me encarou: - Devo ou não punir a senhora?
- Eu fiz algo de errado? Prejudique a empresa? - Perguntei.
- A princípio, não…
- Então, não tenho que ser punida. Além disso, como o senhor mesmo disse, minha vida particular é minha. Se ela não prejudicar minha vida profissional… - Disse e levantei meus ombros.
Ele me encarou por mais um minuto, em silêncio, e disse:
- Tudo bem, como não houve nenhum prejuízo à empresa e eu fiquei sabendo apenas através da denúncia de uma “amiga sua”... - Disse e sorriu, fazendo o sinal de aspas com os dedos antes de continuar: - Vou dar a questão por resolvida.
- Obrigada, seu Paulo.
- Agora, acho que podemos ir até o bar do hotel tomar um drink, não é? Seu marido já deve, inclusive, estar nos esperando.
Levantamo-nos das cadeiras e fomos até a porta que ele me abriu todo solene. Seguimos então até o bar do hotel, mas o Mark não havia chegado ainda. Sentamos então numa mesa lateral e ele pediu um San Remi de maçã verde para mim e um whisky para ele próprio:
- É… - Disse e tomou um gole de seu whisky: - Seu marido não chegou ainda.
- Ele me disse que tinha marcado às nove com o senhor.
- O senhor está no céu, dona Fernanda… - Sorriu e continuou: - Acho que foi isso mesmo. É que eu imaginava que a reunião poderia se estender por mais tempo, mas, enfim…
- Pois é…
- Eu jantei num bom restaurante, com uma área infanto-juvenil espetacular, não muito longe daqui. Poderíamos ir para lá, assim a gente pode aproveitar e suas filhas também. O que acha?
- Uai! Me parece ser uma boa ideia.
- Ótimo! Então por que a senhora, aliás, você não liga ou manda uma mensagem para ele.
- Ah sim, claro.
Peguei meu celular e comecei a teclar com meu marido na presença do seu Paulo. Naturalmente, eu estava muito mais leve e tranquila, e isso refletiu nas mensagens que troquei com o Mark. Eu ria de suas brincadeiras e, certamente, ele das minhas. Numa dessas interações, notei que seu Paulo me encarava sorridente e curioso com o teor de nossas mensagens:
- Quer ver? - Perguntei.
Claro que ele queria e eu mostrei. Ele começou a sorrir de nossas mensagens e disse:
- Casamento bom é aquele no qual a gente pode se divertir, não é, dona Fernanda?
- Sim! Sem dúvida alguma, seu Paulo.
- Vamos melhor isso. - Ele me pediu e propôs: - Só Paulo, como já mencionou nas suas mensagens para seu marido e eu vou me dirigir a senhora como Fernanda, ok?
- Ok, mas Fernanda sem o “senhora”, pode ser?
- Pode ser. - Respondeu e tomou outro gole de seu whisky.
Voltei a insistir com meu marido:
Eu - “Estou brincando, seu bobo. Desce aqui, já estamos tomando um drink, mas ele quer nos levar num restaurante que conheceu aqui e disse que é muito bom, inclusive, tem uma área para as crianças curtirem.”
Nesse momento, o Paulo me perguntou se poderia mandar uma mensagem para o meu marido. Apesar de eu ter estranhado, não neguei e o deixei mandá-la. Apesar de curta, objetiva e bem educada, havia uma pitadinha de “segundas intenções” no seu teor, pois ele deixou claro ter entendido nossa relação e ter se colocado na condição de cúmplice nosso. Não tive como evitar um sorriso de satisfação ao ouvi-lo terminá-la, correspondido imediatamente por outro dele, mas com um tom malicioso.
Aliás, só nesse momento pude reparar um pouco melhor no Paulo. Ele não era exatamente o meu tipo de homem perfeito, se é que isso existe. Aliás, se existir eu já tenho um e não preciso de outro. “Chega de confusão, Nanda! Outro Rick não, mulher!”, me recriminei em silêncio. Paulo era um homem mediano, talvez quase da mesma altura que o Mark, com um corpo normal, nem gordo, nem magro, além de que seus cabelos já eram quase todos grisalhos. Tinha belos olhos e um sorriso formalmente malicioso quando queria, como naquele momento e isso me fez pensar um: “Será que ele teria algo pra me ensinar?”, afinal eu nunca havia ficado com alguém bem mais velho que eu e a curiosidade me atingiu em cheio.
Meus devaneios foram interrompidos pelo som de notificação de mensagem que chegava em meu celular: um áudio enviado pelo Mark. Um arrepio me percorreu a espinha, pois meu marido era um piadista nato, além de um safado inveterado, e não perdia a chance de me colocar em situações “peculiares”. Ainda assim, ativei o áudio:
Ele - “MENSAGEM DE ÁUDIO - Seu Paulo, peço que faça minhas vezes com minha digníssima Fernanda Mariana por algum tempo ainda, pelo menos enquanto eu termino de ajudar nossas filhas a se arrumarem para descermos. Como havíamos combinado às nove, elas não se aprontaram ainda. Desceremos em breve.”
“Safado!”, pensei, mas não consegui esconder um sorriso por ter entendido a “brincadeirinha” proposta por ele e resmunguei sem querer:
- Ara! Fernanda Mariana é o cara… - Me interrompi antes de completar a xingamento e olhei para o Paulo que sorria, divertindo-se com minhas mineirices: - Desculpa, Paulo. Odeio meu nome composto.
- Ah, eu adoro.
- Eu não e se não quiser brigar comigo, nunca me chame assim. O danado do meu marido faz isso só pra me irritar… - Falei.
Comecei a teclar com o Mark novamente e, apesar da vontade de xingá-lo, preferi respirar fundo e ser política, brincando mais um pouco até nos despedirmos com beijos:
- Muito bonito seu relacionamento com seu marido, Fernanda.
- Obrigada, Paulo. Amo meu carequinha de montão.
- E como é que faz para entrar num relacionamento desse?
- Uai, é só arrumar uma mulher de mentalidade liberal ou uma que esteja disposta a aprender, como é o meu caso. A ideia toda veio dele e estamos aprendendo ainda.
- Não. Não foi isso que eu perguntei. Desculpa. Eu queria saber como faço para entrar no seu relacionamento. Como eu faria para ter um momento só com você? - Encarou-me fundo nos olhos, gelando-me a alma.