A luz da lua não pedia licença ao invadir os vestíbulos e corredores por suas grandes janelas. Entre os objetos palidamente iluminados e as sombras duras, duas figuras percorriam os espaços até então preenchidos por luz, sombra e silêncio. O toque dos pés nos pisos de madeira e ladrilho eram tímidos e mesmo assim ecoavam por todos os lados. Dois corpos nus chegaram até a grande escadaria na entrada. Uma mulher com os cabelos longos, escuros subia degrau por degrau, sentindo-se admirada por quem a olhasse debaixo. Sentou-se no topo da escada e abriu as pernas. Com um gesto, convocou sua companhia a subir as escadas também, deixando seu corpo de portas abertas. A língua lentamente explorou sua intimidade, alcançando os lugares mais prazerosos e controlando suas contorções até uma última, carregada de seu mais alto, longo e poderoso gemido. Após se espalhar nos degraus, engatinhou até o patamar e lá permaneceu, de quatro. Olhou por cima do ombro com um sorriso levado, oferecendo o quadril. A ardência do primeiro tapa lhe arrancou um grito agudo. Aquele seria o primeiro de muitos.
Lembro-me de quando visitei meu amigo Sherlock Holmes após ele retornar de uma viagem aos trópicos. Há um ano antes, em 1889, a família Real daquele país havia sido deposta e o poder tomado pelo exército. O imperador foi mandado embora do país, o que é uma aberração. Aliás, mais uma. Já ouvi muito sobre aquele povo, que gosta de sofrer no calor dos trópicos, se vestindo como europeus e sua teimosia histórica em atrasar o fim da escravidão. Imagino que uma mistura de portugueses fugidos, escravos e nativos só poderia resultar em um povo selvagem, incapaz de respeitar a realeza e entregar o destino da nação a militares, como se estes conseguissem governar uma nação. Um homem erudito, como Holmes, certamente sofreu um grave choque cultural.
Quem teve um choque, de fato, fui eu, ao vê-lo com a pele tão queimada. Apesar disso, tinha o semblante mais leve que o habitual, em um sinal de ter sido uma viagem proveitosa.
— Então, amigo, me diga como foram as suas férias?
— Watson, preciso dizer, inicialmente, não foram férias.
— O que então seria, amigo?
— Antes de lhe responder, preciso pedir-lhe que não deixe a história sair deste escritório.
— Certamente, Holmes. Sabes que pode confiar qualquer segredo a mim.
— Deveras, meu caro Watson. Fui contratado por uma velha amiga para resolver um mistério, no Brasil.
— Que amiga?
— Elisabeth Brown. Ela, ao contrário das jovens daqui, não quis se casar e se dedicou a museografia. Se tornou curadora de vários museus, contratada pelo novo governo brasileiro para cuidar do acervo de um novo museu.
— É um museu importante?
— Watson, acredito que o maior das Américas abaixo do equador. Era o antigo palácio real e com a ascensão do poder militar, os símbolos monárquicos foram mascarados com outras funções. O antigo museu Real foi transferido para lá, se tornando o Museu Nacional.
— Não consigo conceber a ideia de derrubarem sua realeza. Que país primitivo!
— Você precisa observar o contexto, meu caro Watson. É uma realeza não nativa daquele país. Aliás, é um povo interessantíssimo formado da mistura de diversas etnias, sendo que alguns não foram para lá de boa vontade. Dá para imaginar como deve ser complicada a arte da política em uma nação tão grande com povo tão diferentes e desigual. Não são selvagens, meu amigo. São sobreviventes de uma tormenta que nós, ingleses, nunca passamos. Nos últimos anos me interessei muito por estudar a história daquele país, justamente para tentar entender o contexto tão peculiar. Não é comum uma colônia se libertar e se tornar maior do que sua metrópole.
— Estou impressionado como conhece tanto daquelas terras.
— Entre um caso e outro, tenho meus passatempos. Inclusive o de aprender português.
— Foi por isso que a Elisabeth lhe chamou?
— Sim, e por outro motivo que logo vai entender. Mas primeiro, comecemos do início. Quando meu navio chegou ao Porto do Rio de Janeiro, já havia uma carruagem me aguardando. Fiz um breve tour pela capital até chegar ao Paço de São Cristóvão, uma edificação esplêndida, outrora a residência de um mercador que se tornou a morada da família real, mas agora é o museu. Foi lá onde encontrei Elisabeth e ela me apresentou sua assistente, Dandara.
— Então, o que aconteceu no tal museu?
— A antiga família real havia criado um vasto acervo científico e recentemente estavam incorporando exposições de antropologia. Com a abolição da escravidão, surgiu a ideia de expor artefatos de cultura africana. Porém, recentemente uma coleção de máscaras haviam sido roubadas. Elizabeth era responsável pelo acervo e temia ser responsabilizada pela falha na segurança. A Dandara, sua assistente, suspeitava de monarquistas, saudosos da antiga família real.
— Ela tinha algum motivo para pensar assim? — perguntei
— Antigos nobres ligados ao Imperador perderam prestígio com a criação da república e, segundo ela, tal grupo foi contra a abolição da escravidão. É uma corrente política conservadora e poderia recorrer a pequenos vandalismos com a perda de poder e prestígios. Preciso lembrar que Dandara é ex escrava liberta. Então ela tem desenvoltura com essa questão em particular, além de se mostrar extremamente chateada por violarem uma representação do seu povo.
— Ex escravos trabalhando em museus. A abolição fez bem a ela.
— Ela teve sorte, meu amigo. A maioria dos libertos foi largada à própria sorte. Muitos se aglomeram nos morros, com uma qualidade de vida muito baixa. A verdade é que a abolição aconteceu de qualquer jeito, por pressões políticas externas e internas. É uma máscara para esconder a miséria ainda persistente com a maioria daquele povo. Hoje eles estão largados, agravando mais a triste desigualdade daquele país. Sinto-me pessimista ao estimar em quantos séculos essa questão será equacionada. Voltando a Dandara, ela foi contratada por Elisabeth, a quem já servia. Recebe um bom pagamento e aprendeu os ofícios de sua chefe. As duas trabalham juntas, formando uma boa dupla.
— Esperava ouvir histórias de férias e tenho um caso de roubo. Isso está interessante. O que fez para resolver?
— Caro Watson, a minha primeira atitude foi inquirir. Tinha muitas perguntas a Elizabeth e Dandara para entender como alguém entraria naquele museu. De fato, havia várias portas. Várias possibilidades de entrar significam maior dificuldade de controlar o acesso. Elizabeth me assegurou ter trocado todas as fechaduras, antecipando a possibilidade de algum monarquista ter a posse da chave. Havia uma exceção. Uma porta aos fundos não teve a fechadura trocada. Era uma porta já emperrada, nunca usadas, suas chaves já haviam sido perdidas. Segundo ela, o chaveiro havia esquecido de trocar essa fechadura. Ela me assegurou de que tal porta não possuía sinais de arrombamento.
— Então se não entraram pela porta, por onde mais?
— Esta é uma pergunta simples, porém perspicaz, meu amigo. Eu me fiz essa mesma pergunta e fiz questão de verificar tal porta quando fui inspecionar o edifício. De fato, parecia intacta, mas algo mais me chamou a atenção.
— O que seria?
— Durante a inspeção percebi marcas de pés apontando em direção aquela porta.
— Pegadas não seriam comuns? Qualquer pessoa poderia ter andado por ali.
— Meu caro Watson, preste atenção nas minhas palavras. Eu disse “marcas de pés”. Não sandálias, sapatos ou botas. Eram pés, nus. Alguém entrou naquele edifício e o fez descalço, provavelmente para não fazer barulho.
— Se precisou fazer silêncio, então não foi quando o museu estava vazio.
— Seu raciocínio está correto, Watson. O nosso ladrão entrou à luz do dia. O fez descalço para não ser ouvido e provavelmente se escondeu até o museu fechar. Roubou as máscaras e foi embora por aquela mesma porta.
— Deve ter sido o caso mais rápido que já resolveu.
— Quase, meu caro. Quase. Restava saber quem foi e por quais motivos. A inspeção do edifício me deu pistas interessantes, sendo um avanço. Porém, interrogar os demais funcionários do museu não me trouxe nenhuma revelação. Apenas Dandara relata situações peculiares, onde ouvia ofensas ao se deslocar pelas ruas. Mesmo assim, ela não conseguia reconhecer seu detratores.
— O que fez, então?
— Eu precisava descansar. Havia acabado de chegar de Londres e a viagem me cansava. Tinha certeza de raciocinar mais bem descansado e Elizabeth me ofereceu um quarto em sua casa para dormir.
— Já havia esquecido dessa questão. Havia chegado do porto e foi direto ao Museu. Devia estar esgotado.
— Estava. Elizabeth me levou a sua casa em um bairro nas redondezas do Paço. Era um casarão, de uma arquitetura peculiar, muito comum na capital que chamam de colonial. Parecia grande demais para uma mulher viver sozinha. Ela me mostrou o quarto de hóspedes, onde arrumei minha bagagem. Quando fui procurar Elizabeth, me perdi naquela casa até encontrá-la, em uma conversa pouco amistosa com Dandara. Segundo minha velha amiga, sua protegida era uma pessoa difícil às vezes, não me dando mais explicações. Pedi a ela para jantar mais cedo, pois sentia o cansaço tomava meu corpo cada vez mais. Apaguei assim que deitei em minha cama.
Sherlock Holmes olhou para os lados e inspirou profundamente. Seu semblante mudou, não era mais o homem sorridente que o recebeu e nem o frio investigador. Queria falar algo, mas hesitava. Nunca vi o Grande Sherlock Holmes inseguro.
— Watson, meu amigo. O que vou lhe falar agora é extremamente íntimo e preciso que jure que nada sairá daqui.
— Meu amigo, você já me pediu isso antes. Sabe que sou seu amigo, não precisa ter tanto medo.
Holmes respirou fundo.
— Sim, meu caro. Você tem razão, mas precisarei dividir com você detalhes muito peculiares, dos quais não compartilho com ninguém.
— Pode sempre compartilhar tudo comigo. Sou seu amigo, ninguém saberá de nada.
— Certo. Antes de mais nada, preciso lhe dizer que o segundo motivo de Elizabeth ter me chamado é o fato de nossa amizade ter extrapolado qualquer relação convencional de amigos entre homem e mulher. Fomos bem íntimos por um tempo antes de ela viajar o mundo.
— Ora, Holmes, por que não casou com ela?
— Watson, Elizabeth era um espírito livre. Ela jamais se manteria presa a um homem.
Ele tinha um sorriso, pouco comum a ele, ao falar de sua velha amiga.
— Voltando a minha história, havia ido dormir cedo pelo cansaço. Acordei no meio da madrugada com Elizabeth sobre meu corpo. Nua.
Eu mesmo respirei fundo nesse momento.
— Ela me beijou, Watson. A lascívia com a qual ela invadiu a minha boca com a sua língua fez meu corpo reagir imediatamente. Fiquei ereto na mesma hora e no segundo seguinte eu já apalpava todas as carnes do seu corpo. A excitação se misturava a saudade e o prazer apertar aquele seios macios enquanto chupava a língua deliciosa daquela mulher. Já não pensava por mim mesmo, apenas reagia a instintos, como um animal. Ela parou o beijo, se levantou, com um sorriso indecente no rosto e saiu correndo pela casa.
— Como assim, ela o fez apenas para lhe provocar?
— Mais do que isso, meu caro Watson. Elizabeth é uma exibicionista, sente prazer ao desfilar nua exibir o seu corpo. Perceber o desejo dos outros à sua volta mexe com a sua libido e a deixa ainda mais sedenta por sexo. Fez aquilo para que eu a seguisse, e obviamente não neguei. Corri atrás dela, como se tivesse uns vinte anos a menos, até chegar à varanda de seu casarão.
— A varanda? Com os vizinhos olhando? — perguntei, com os olhos arregalados.
— Sim, Watson, na varanda. Apesar do espaço aberto, aquele momento da madrugada não deveria ter ninguém olhando e, se tivesse, ela não se importaria. Ela estava me esperando e eu agarrei em meus braços. Nos beijamos ali, iluminados pela lua e me ajoelhei na sua frente. Ela se apoiou com os braços no parapeito e se contorceu quando usei minha língua. Gemia enquanto dizia ter saudade de como eu a chupava. De fato, ela sempre gostou de ter seu clitóris estimulado daquela forma e teve seu orgasmo assim, na minha boca.
Depois de toda essa narração, eu tive que por um travesseiro em meu colo.
— Se acalme Watson, a melhor parte está por vir. Quando levantei, a fiz se debruçar sobre o parapeito e pude admirar suas nádegas fartas com pequenas manchas vermelhas. Segurei seu cabelo e lhe dei alguns tapas até ela implorar ser penetrada.
— Que crueldade, Holmes!
— Watson, meu amigo, há mulheres e mulheres. Elizabeth nunca se submeteria a um homem na vida, mas na cama, se derrete com uma abordagem mais bruta. Sabendo disso, bati, sim, em suas nádegas e até ouvir suas súplica pela minha penetração. Estávamos há muito tempo sem nos vermos, mas ainda me lembrava do ritmo exato de vai e vem preferido dela. Ela gritava obscenidades para me estimular e assim alcancei o ápice. Urrei de felicidade de alegria naquele momento e provavelmente acordei alguns vizinhos.
— É um relato incrível, Holmes. Eu também me excedo nessas horas.
— Não gritei apenas pelo orgasmo, Watson. Resolvi o caso justamente nessa hora.
— Como? — perguntei, espantado.
— Antes de lhe explicar, preciso dizer que escolhi aproveitar o momento e declarar a solução do caso no dia seguinte. Convoquei uma reunião no museu com apenas Elizabeth e Dandara.
— Então, quem roubou as máscaras?
— Dandara.
— Mas isso não é possível! Como?
— Elementar, meu caro Watson. A discussão entre as duas no dia anterior não era uma briga entre chefe e funcionária. Uma discussão de sussurros só poderia ser entre amantes.
— Com outra mulher?
— Sim, Watson, como eu disse, ela é um espírito livre, uma mulher muito à frente do seu tempo. Conheço muito bem aquelas ancas e não me lembrava de manchas vermelhas. Provavelmente sua protegida tinha um desempenho bem agressiva entre quatro paredes. Dandara estava com ciúmes por eu dormir na casa de Elizabeth e não ela. Se as duas são tão íntimas, é mais fácil para Dandara ter acesso à chave da porta dos fundos.
— Então a Dandara roubou a chave?
— Não Watson, a própria Elizabeth abriu para ela entrar. Como eu disse, as duas eram amantes e Elizabeth tinha fortes tendências exibicionistas. Lembra-se das pegadas de pés descalços no chão próximas à porta?
— Lembro, com certeza.
— Não estavam descalças para entrar em silêncio. Estavam descalças por estarem nuas.
— Está me dizendo que elas faziam aquilo no museu?
— Eu e Elizabeth já fizemos no museu de Londres, certa vez.
Tais detalhes não paravam de me impressionar e não conseguia impedir o incômodo entre minhas pernas.
— Então Elizabeth era cúmplice?
— Watson, não poderia. Se ela estivesse envolvida nesse roubo, jamais teria me chamado, sabendo da minha capacidade de resolver casos complexos. Dandara provavelmente se aproveitou dos jogos sexuais de Elizabeth para roubar as máscaras.
— Holmes, se as duas estavam juntas, Elizabeth teria visto ela com as máscaras.
— Correto, meu amigo. Exceto se ela não o levou na mesma noite. Apenas a escondeu para retirar outro dia.
— Sua dedução é perfeita, mas algo ainda me incomoda. Por que uma funcionária do museu roubaria uma obra dele?
— Isso, Watson, eu também deduzi. Porém preferi dar a apalavra a Dandara para ela mesma se explicar. Acontece, meu amigo, que enquanto chamamos outros povos de selvagens, nossos museus têm acesso a artefatos de outras culturas de formas nada civilizadas. O povo de Dandara foi vítima de pilhagens e toda a sorte de violências. Aquelas máscaras não foram entregues ao museu de bom grado. Além disso, ela tem o mesmo nome de Dandara dos Palmares, indicando uma luta política começando no batismo. Por último, sua insistência em culpar monarquistas sem ter provas, indicava um revanchismo justificado com aquela classe política.
— Que história triste. Então você prendeu a Dandara?
— Meu caro Watson, eu jamais faria isso.
— Mas ela é uma criminosa, não?
— Ela é uma vítima de crimes contra a humanidade. As máscaras são um direito dela. Quando deixei Dandara explicar, foi para Elizabeth entender o seu lado.
Foi assim que foi resolvido o mistério, mas não o caso. Os artefatos continuaram desaparecidos, restando os boatos sobre monarquistas sabotadores. Holmes voltou mais vezes ao Brasil, pois havia mais museus para serem inspecionados junto a Elizabeth durante as madrugadas.