Devo ter ficado roxa nesse momento, mas não tinha muito o que fazer:
- Desculpa, dona Gegê, acho que exageramos mesmo ontem à noite.
- Relaxa, menina. Curtam mesmo. - Disse e me deu um tapa na bunda, recebendo uma gemida mais alto de minha parte, até maior que ela esperava: - Tá tudo bem mesmo?
- Ai, tá. Vai ficar… - Falei colocando a mão sobre a bunda.
Marcos chegou logo após dando um beijo na mãe e me abraçando por trás. Assim que ela saiu de perto, falei:
- Poxa, tô com a bunda toda dolorida. Acabei de tomar um tapinha da tua mãe, mas que pareceu uma porrada de tanto que dá doendo. Sacanagem isso, Marcos!
Ele riu alto e me deu outro tapa na bunda, fazendo eu quase gritar:
- Para, caramba! Tá doendo. - Falei e acabei rindo também.
Fomos até a mesa tomar nosso café e logo fomos avisados que alguns policiais estavam na porta, perguntando pelo Marcos. Ele foi até eles e eu o acompanhei:
- É o senhor Marcos Antônio de Sá Pinheiro Pinto? - Um dos policiais perguntou.
- Sim, sou eu. Algum problema.
- O senhor está preso. Queira nos acompanhar.
Capítulo 39 - Salvo pela mocinha
- Que história é essa? - Perguntei brava e ainda complementei: - Ele tem um depoimento marcado para amanhã, tem endereço fixo, emprego, bons antecedentes… O que justifica esse abuso?
- Quem você pensa que é para falar assim comigo, sua… sua…? - Confrontou-me o policial que o detinha, inclusive, levando a pousar sua mão sobre o coldre de sua arma: - Está querendo ir presa junto?
- Ela é a advogada dele, Fernandez, respeita a doutora! - Disse o mesmo delegado que havia nos atendido dias atrás e, depois de escorraçá-lo para perto de uma viatura, continuou: - Desculpe, doutora, mas estou executando a prisão em situação de flagrância, porque seu cliente foi expressamente mencionado pela pessoa que tentou executar a senhora Márcia ontem à noite.
Pedi que me aguardassem para acompanhá-lo, mas naturalmente não quiseram, dizendo que iriam levá-lo até o IML para fazer o auto de constatação de integridade física e que depois me aguardavam na delegacia para formalizar o Auto de Prisão em Flagrante. Como não sou boba, peguei meu celular e tirei algumas fotos do Marcos, fazendo também um vídeo com identificação do dia e horário da diligência e relacionando o nome dos agentes porque se algum deles fizesse algo contra ele, eu teria elementos para responsabilizá-los.
A dona Gegê, que a esse momento já havia chamado o seu Balthazar, voltava chorando, inconformada. Expliquei que iria me vestir para ir até a delegacia e lhe daria maiores informações depois. Foi o que fiz. Em minutos estava vestida de uma forma mais condizente para a ocasião e em menos de meia hora, o motorista da família já chegava comigo na delegacia. No caminho liguei para o doutor Gregório que me pediu para orientá-lo a negar todo e qualquer envolvimento nos episódios e se reservar o direito de falar apenas em juízo. Disse também que o seu júri havia sido cancelado e que ele daria um jeito de viajar imediatamente para o Rio de Janeiro para cuidar pessoalmente do caso. Quase terminando nossa ligação, tive um “insight”:
- Mas, doutor Gregório, não existe flagrante para mandante que não participou diretamente da execução do crime, não é?
- Muito bem, minha cara “Padawan”. Muito bem. - Falou, rindo, claramente satisfeito: - Tente essa linha de argumentação com o delegado. Caso ele insista, utilizaremos sua linha num pedido de relaxamento de prisão.
Desligamos bem na hora em que eu chegava na delegacia. O delegado realmente me aguardava para formalizar a prisão do Marcos. Pedi acesso ao inquérito novamente para me inteirar das novidades. Agora além daquelas informações tendenciosas, uma outra pessoa, enfermeira do hospital em que Márcia estava internada, também estava envolvida, acusada de tentar matá-la à noite, durante seu turno. Em seu depoimento, ela informou ter sido coagida a agir daquela forma pelo “dono da boca” onde comprava entorpecentes que, por sua vez, estaria a mando de um figurão, chamado Marcos, que lhe teria pagado pessoalmente e em dinheiro.
Aquilo me surpreendeu, aliás, me assustou porque ela se referiu expressamente ao Marcos com uma clareza de detalhes que chegou a me dar um calafrio. Pedi alguns minutos a sós com ele para orientá-lo. Fomos autorizados a conversar numa espécie de “parlatório” da delegacia, separados por um vidro e o instruí conforme as orientações do doutor Gregório. Um imprevisto qualquer com outra diligência fez com que seu procedimento fosse atrasado em mais de três horas, tempo em que ele ficou detido numa sala reservada a presos com ensino superior e eu cozinhando no corredor da delegacia. Ansiosa, precisei pressionar o delegado:
- Doutor, longe duvidar de sua capacidade, mas não existe prisão em flagrante contra mandante de crime que não participou diretamente do atos executórios. É o teor do artigo 302 do CPP. A prisão do meu cliente é claramente ilegal.
- Doutora, estamos nas vinte e quatro horas do estado de flagrância. Seu cliente foi expressamente mencionado e vou mantê-lo preso.
- O senhor está errado. A jurisprudência é clara e favorável a meu cliente. Eu diria até que, se o senhor insistir nessa linha, mantendo a prisão claramente ilegal, poderá estar cometendo uma forma de abuso de autoridade, que poderia até mesmo acarretar em uma punição contra o senhor e, sinceramente, eu não gostaria de ir por esse caminho, até mesmo porque o senhor sempre me tratou bem e eu não me sentiria à vontade em ferrar com a vida funcional do amigo. - Falei encarando-o séria.
Nesse momento, ele deu uma suspirada, vendo que, apesar de eu falar suave e com o sotaque típico do interior de Minas Gerais, sabia muito bem o que falava e que iria lhe dar uma baita dor de cabeça se ele insistisse naquele procedimento:
- Façamos assim, eu vou colher o depoimento do seu cliente depois do almoço e, dependendo da colaboração dele, analisarei suas considerações.
Fiquei satisfeita com o efeito causado, mas, mineira e desconfiada por criação, sabia que ele poderia estar tentando ganhar tempo para procurar embasamento jurídico para negar meu pedido. Insisti:
- Desculpe, doutor, mas não vou esperar, não, sô! Se ele não tem que estar preso, ele não tem que estar preso e ponto! Então, deve ser solto imediatamente, mesmo antes do almoço. Solte-o e eu o trago depois para depor. Tem a minha palavra.
- Doutora, eu não vou soltá-lo. Se eu fizer isso, ele foge. O homem é rico, pode muito bem sumir mundo afora e eu nunca mais conseguirei prendê-lo.
- Bem, o senhor é quem sabe… - Disse e peguei meu celular, fingindo fazer uma busca qualquer: - O senhor, por acaso, não teria o telefone da Corregedoria aí para me passar, teria?
- Doutora, depois do almoço eu solto ele, por favor…
- Não! - Disse e guardei meu celular na bolsa: - Ou o senhor o ouve agora ou o libera e eu o trago depois para depor. Se ele continuar preso, vou pedir o relaxamento da prisão e, me desculpe, vou denunciar o senhor por abuso de autoridade. Se ele é tão rico como o senhor diz, imagina só quantos advogados a família dele deve ter!? O senhor não vai mais ter sossego…
- Poxa, doutora… - Falou, me encarando, incomodado: - Tá bom. Vamos fazer assim. Eu libero ele, mas vocês serão escoltados até o restaurante aqui do lado e voltam logo em seguida para ele depor. Pode ser?
- Não! Isso é um cerceamento do direito constitucional dele de ir e vir, é uma prisão velada. Ou ele está preso, ou está livre, não aceito meio termo. - Insisti.
- Caramba, hein!? Ô doutorazinha complicada. - Resmungou baixinho, rindo de meu “check”, sei lá se imaginando que eu não estaria ouvindo.
- Como é que é!? Misoginia, machismo comigo, doutor?
- Não. Nada disso. Desculpa…
- Doutor, vamos ser objetivos, agora fiquei brava. - Falei, rindo amigavelmente para ele, apesar de estar realmente irada pela forma como falou comigo: - Vai soltá-lo ou não? Minha paciência acabou. Ou ele sai comigo para o restaurante, ou eu saio para a Corregedoria e vou transformar sua vida num inferno.
Ele me encarou e agora estava bravo, aliás, só nesse momento notei que dois investigadores, típicos lacaios, puxa-sacos dele, nos observavam prontos para me enxotar dali, mesmo com o risco de se foderem depois. Havia sangue nos olhos deles e a forma como o delegado olhou para um deles, me fez ficar temerosa pela minha integridade física. Entretanto, para minha surpresa, ele falou:
- Jota, traz o almofadinha na minha sala. - Falou se referindo ao Marcos e se voltou para mim: - Vamos aguardá-lo, doutora. Vou liberar seu cliente, de novo…
Alguns minutos depois, Marcos entrou na sala, algemado e totalmente perdido naquele ambiente inóspito para as almas mais fracas:
- Algemas, doutor!? - Perguntei, irada, literalmente rangendo os dentes para o delegado.
- Jota, tira as algemas do homem. - Ordenou.
Assim que foi feito, o delegado começou a falar com o Marcos:
- Senhor Marcos, sua advogada foi bastante incisiva em conseguir sua liberação agora. O senhor está sendo liberado em confiança. Após o almoço, por volta das treze e trinta, quero o senhor aqui para depor. Estamos entendidos?
Marcos não respondeu nada e me olhou, surpreso e satisfeito. Então, eu falei:
- Já me comprometi com o senhor, doutor. Ele virá.
O delegado então se recostou em sua cadeira e cruzou os dedos de suas mãos, sempre me encarando com cara de poucos amigos e disse:
- Então, estão liberados. Vão almoçar, se empanturrem e voltem logo. Vão, vão…
Saí de lá com o Marcos a tiracolo. Seu Bastião, o motorista da família que havia me levado, ficou surpreso e extremamente feliz em me ver voltar com o Marcos junto, ao ponto de abraçá-lo como se fosse um grande amigo. Pedi que nos levasse a algum bom restaurante e ele sugeriu um que o Marcos concordou, se colocando a caminho. Ali mesmo liguei para a família dele, para explicar toda a situação:
- Mas ele vai sair hoje, Anne? - Me perguntou uma aflita e chorosa dona Eugênia.
- Dona Gegê, ele está aqui comigo. Já não está mais preso. - Falei.
- Fica calma, mãe, arrumei a melhor mulher do mundo! - Falou em alto e bom som: - E uma baita advogada, ainda por cima.
Ouvimos vários gritos de alegria e comemoração do outro lado da ligação, mas eu precisei ser honesta:
- Gente, a história está cada vez mais complicada. Apesar de eu ter me comprometido a voltar com o Marcos, vou primeiro conversar com o doutor Gregório e depois volto a falar com vocês.
- Então, venham almoçar aqui, Anne. Vou mandar preparar um banquete.
- Não vamos, não, dona Gegê. Eu quero me manter focada e aí com vocês, vou me perder. Eu preciso ficar sozinha com ele apenas. Desculpa.
- Olha, que doutora brava, hein? - Ela ainda brincou na ligação, mas completou: - Tudo bem, querida, sei que fará o seu melhor. Traz meu filho pra casa depois, por favor.
- Farei o meu melhor. - Disse e desligamos.
Mal desliguei a ligação e meu celular toca novamente, mas desta vez era o doutor Gregório que me ligava:
- Onde você está, minha querida “Padawan”?
- Oi, doutor. Estou indo almoçar com o Marcos. E o senhor?
- Ah, então você conseguiu liberá-lo. Bom, muito bom, boníssimo… - Disse e deu uma gostosa risada: - E o depoimento dele?
Passei a explicar todo o acontecido, minha discussão com o delegado e o meu compromisso de levá-lo à delegacia novamente. Ele gargalhou alto de meu trabalho e disse:
- Bem se vê que você precisa amadurecer ainda, Annemarye. - Disse assim que parou de rir: - Some com ele, Anne! Desaparece! Estou indo agora para a delegacia e ele só vai depor se eu tiver garantias reais do delegado de que ele não será preso. Caso contrário, ele dará um depoimento por escrito, aliás, escrito por mim é claro, e não se apresentará até ter uma ordem judicial que garanta que responderá em liberdade.
- Mas, doutor…
- Some com ele, Anne! Obedece! Falo com você mais tarde, mas agora, sumam os dois.
Desligamos e eu olhei para o Marcos. Expliquei a nova orientação do doutor Gregório e ele falou de imediato:
- O Lelinho tem um apartamento que usa para seus encontros amorosos que ninguém em nossa família conhece, aliás, só eu e ele. Acho que é um lugar bom para ficar por um tempo. Eu inclusive estou autorizado a entrar nele a qualquer momento…
[...]
Pela primeira vez em muito tempo, acho até que na minha vida, eu sentia que devia fazer alguma coisa para proteger aquela moça. Eu havia me convencido de que não deixaria eles acabarem com a vida dela como estavam fazendo com a minha. Aliás, minha vida, a que eu partilhava com o Paulo, praticamente parecia me pertencer cada vez menos e, nesse momento, me bateu uma saudade imensa do meu marido. Liguei para ele, mas só consegui chorar e chorar, e chorar… Não sei quantas vezes ele tentou chamar minha atenção, mas só depois de um bom tempo, eu respondi para ele:
- Meu Deus do céu, o que tá acontecendo, Renata? - Me perguntou, aflito.
- Nada. Só estou com saudade.
- Isso não é só saudade. Não pode ser…
- É sim! Saudade de você, da minha filha, da nossa vidinha. - Suspirei novamente e bem alto dessa vez: - Poxa! Eu só queria estar aí.
- Então, vem pra cá. Larga tudo e vem pra cá. - Ele pediu e ainda tentava me convencer: - Eu vou com você outro dia e te ajudo a terminar as compras, mas volta pra cá agora. Deixa eu cuidar de você.
- Ai, Paulo, não dá… - Falei e comecei a chorar novamente.
Essa conversa ainda foi longe. Ele tentou diversas vezes me convencer a voltar e, sendo bem sincera, por mim, mesmo correndo o risco de ser denunciada pelo Rubens e seus filhos, eu voltaria. Entretanto, agora, eu sentia que precisava ficar para tentar ajudar a Annemarye. Sei que isso não redimiria todos os meus pecados, mas pelo menos eu me sentiria melhor comigo mesma por ter feito algo de bom nessa vida.
Após um tempo, eu já ria das brincadeiras e piadas do Paulo. Chegamos a fazer uma vídeo chamada para namorarmos virtualmente e minha aparência devia estar péssima, porque ele ficou ainda mais nervoso ao me ver, mas como eu já estava interagindo de uma forma mais leve, brincando com ele, acabou que o clima ficou mais ameno. Depois de um bom tempo, nos despedimos e eu lhe jurei meu amor eterno, mesmo sabendo que não era um amor puro.
Depois que desligamos, decidi tomar um banho e fazer um lanche num dos raros momentos de paz e tranquilidade que eu tive em dias ali em São Paulo. Comendo um simples sanduíche de mortadela decidi ligar para o Erick. Eu tentaria, uma vez mais, convencê-lo a desistir daquele plano macabro para se apossar da Annemarye. Aliás, se ele se mostrasse arrependido e realmente apaixonado, eu tentaria até mesmo ajudá-lo a conquistá-la, mas somente se ele concordasse em fazer tudo da melhor forma possível, sem ameaça, chantagem, drogas e principalmente preservando aquela doce moça:
- Erick? - Perguntei ao ser atendida.
- Olha, que surpresa! Se não é minha doce Renatinha… - Brincou da maneira leve que eu o conhecia: - O que manda, minha gostosa?
- Está sozinho?
- Estou. Por que? Quer fazer um showzinho para mim? - Falou e deu uma gostosa risada.
- Palhaço! - Disse e ri também de seu tom jocoso: - Não é nada disso. Eu queria falar com você sobre a Anne.
- Ah, tá. - Disse e deu uma silenciada, dizendo após: - Tá tudo em cima, né? Cê vai me ajudar, não vai?
- Vou mais que te ajudar, Erick. Eu estou disposta a conquistar a Anne para você, mas só se você desistir desse plano sujo do seu pai e companhia.
- O que é isso, Renatinha? Já não estava tudo acertado, esquematizado?
- Tá só nas cabeças doentes do seu pai e irmão, Erick. - Falei séria e continuei: - Poxa, Erick, você não é assim, nunca foi igual a eles. Não faz isso com a moça. Eu te ajudo a conquistá-la só para você. Pensa bem, um casal normal, feliz, puro…
Ele se calou do outro lado da ligação e pensei que tivesse acertado meu algo em cheio. Sem dar chance dele pensar em me rebater, continuei:
- Me ajuda a proteger essa moça, Erick. Não deixa seu pai fazer com ela o que fizeram comigo, por favor.
- Renata, eu…
- Caramba, não é possível que você não consiga ver que é errado o que seu pai quer fazer com ela, Erick! - Eu o interrompi e continuei: - Você ama essa moça, então proteja ela, cara. Eu te ajudo a conquistá-la. Eu prometo que te ajudo.
Um novo silêncio surgiu do outro lado da chamada e cada vez mais eu sentia que tinha conseguido alcançá-lo. Eu conseguia ouvir apenas uma respiração pesada do outro lado, sinal que ele considerava minhas palavras:
- Renatinha, eu… É… Quer jantar comigo? Eu passo aí mais tarde para te pegar.
“‘Touché!’ Consegui.”, pensei comigo e respondi:
- Claro! Vai ser um prazer. Vou me aprontar rapidinho e fico te esperando. Daí já te conto umas ideias que tive aqui para deixá-la caidinha por você. Você vai adorar e ainda vai me convidar para ser madrinha de seu casamento com ela no futuro. Vai ver só!
- Tá bom, Renatinha. Tá bom… - Disse e deu uma risada gostosa: - Passo aí por volta das oito da noite, ok? Fica pronta.
Desligamos e decidi me aprontar como há tempos não fazia. Eu queria ficar bonita para impressioná-lo e mais que isso, queria que ele confiasse em mim e na ajuda que eu poderia dar para ele se acertar com ela. Apesar de tudo que já havia acontecido, da ameaça feita a Anne, eu tinha certeza que podia contorná-la. Sei lá, talvez inventar que a culpa fosse do Guto, afinal a Anne não gostava dele mesmo. De qualquer forma, seria uma conversa definitiva.
[...]
- Balthazar, será que a Anne vai conseguir defender o nosso menino?
- Já conseguiu, Gegê! Você não viu que eles estavam juntos, indo almoçar? Isso é sinal de que ele não está preso, né, mulher! - Ele me respondeu e deu uma risada debochada.
- É, eu sei, mas ela mesma disse que a coisa ainda não terminou e parecia ficar cada vez mais complicada.
- É um processo criminal e pelo jeito está só no começo. - Voltou a me tranquilizar enquanto tomava um gole de um drink: - De qualquer forma, o Gregório está vindo ajudá-la e eu sei que ele é um dos melhores. Se os dois trabalharem juntos, dificilmente acontecerá algo ao Marcos.
Nesse momento, o celular do meu marido tocou e vi que sorriu ao ver o rosto de quem surgia, mostrando-me uma foto do Lelinho com um imenso sorriso. Atendeu de imediato, no viva voz:
- Diga, Lelinho. Estamos no viva voz com sua mãe nos ouvindo. - Ele falou, tentando ser simpático apesar da tensão do momento.
- Opa! Então, não vou poder falar que uma loira gostosona passou aqui no escritório te procurando, pai… - Lelinho respondeu e se calou, dando uma risada gostosa em seguida: - Brincadeira, mãe!
- Tá bom, palhaço. Acha que só porque está grandinho não toma umas cintadas ainda, né? Vai abusando… - Respondi, entrando na brincadeira.
- Pai, é o seguinte, estive com o Rubens há uns dias e ele queria saber se poderemos dar sequência naquela parceria que vínhamos estudando.
- Poxa, Lelinho, eu tinha até me esquecido daquilo. Aliás, tem acontecido tanta coisa que… - O próprio Balthazar se interrompeu, mas, depois de me olhar por um instante, abriu o jogo em seguida: - O Marcos tá meio enrolado. A polícia tá achando que ele pode ter sido o mandante das tentativas de assassinato da Márcia.
- Que história de tentativas é essa? - Ele perguntou, claramente preocupado com o irmão.
- É… Já estavam desconfiando que os tiros que ela levou não fossem apenas uma tentativa de assalto e agora, depois que tentaram matar ela no hospital, ficaram ainda mais desconfiados. - Balthazar explicou.
- Tentaram matar ela no hospital!? Então, ela está…
- Sim. Ela está viva, filho. - Eu o interrompi: - Graças a Deus não aconteceu o pior. Eu até ia falar para o Balthazar ligar para o seu Jair agora que o Marcos foi solto, mas você ligou.
- O Marcos foi solto!? Mas como? - Lelinho insistiu, curioso.
- A Annemarye deu um jeito… - Falei e me calei, porque estranhei uma situação que quis elucidar em sequência: - Por que a surpresa dele ter sido solto? Aliás, como você sabia que ele tinha sido preso?
- Então, é que vocês falaram…
- Não falamos, não! - Balthazar o interrompeu: - Também fiquei curioso…
- Sei lá… Acho que a forma como vocês falaram deu a concluir isso.
- Sei… - Balthazar falou, encarando-me com um semblante estranhamente perplexo.
- Bom, eu vou dar sequência a parceria com o Rubens e vou te informando, pai. - Ele falou e, após um breve silêncio de todos, continuou: - Depois passo aí para dar um abraço em vocês.
- Tá bom, filho. Passa sim. - Falei enquanto olhava meu marido encarar uma parede com a testa franzida.
Nos despedimos e desligaram a ligação. Balthazar agora tinha um semblante preocupado e parecia estar montando um complicado quebra cabeças mental:
- Tá tudo bem, meu velho? - Perguntei.
- Espero que sim, Gegê. Espero que sim.
[...]
- Porra! Essa filha da puta não morre! - Gritei, irado.
Aliás, irado era pouco. Eu estava tomado por um ódio que me corroía a alma. Eu estava cercado por incompetentes. Arremessei um copo de whisky com gelo que foi se espatifar na parede em frente à minha mesa e a secretária entrou porta adentro para ver o que estava acontecendo. Naturalmente eu não iria explicar o porquê de meu ódio e mandei que cancelasse todos os meus compromissos e ordenasse a faxineira que limpasse a bagunça.
Saí de minha sala e fui direto para a sala do Morais que, ao me ver entrando com cara de poucos amigos, adiantou o término de uma ligação:
- O que foi, doutor? Tá tudo bem?
- Bem!? Vá tomar no teu cu, Morais. A filha da puta da Márcia ainda está viva, seu desgraçado. - Falei, tentando me policiar para que ninguém ouvisse nossa conversa fora daquela sala: - Se aquela desgraçada abrir a boca, roda meio mundo…
Ele me encarou surpreso e pediu para fazer uma ligação. Vi que conversou rapidamente com um tal de Maizena e desligaram. Como eu o encarava sem cessar, ele me explicou:
- Maizena é um bom da boca de um morro, conhecido meu e de confiança. Ele que intermediou uma pessoa para dar cabo da Márcia no hospital.
- E já falhou! - Respondi, irado: - Porque aquela desgraça continua viva.
- Calma, doutor! Calma. Deixa o rapaz se informar do que aconteceu e me retornar.
- Retornar o quê, Morais? Eu já estou sabendo que ela está viva. O Marcos foi preso hoje de manhã porque agora as autoridades têm certeza que a tentativa de assassinato dela, mas a namoradinha dele já conseguiu tirar ele de lá. Porra! Caralho, meu! Acaba com aquela biscate antes que ela acabe comigo, cara!
- Com a namorada do Marcos?
- Não, seu idiota! Com a Márcia, caramba. - Explodi e, lembrando de onde estávamos, me virei para ter certeza que ninguém havia me flagrado.
- Calma, doutor, eu vou resolver, estou te dando minha palavra. - Ele tentava me acalmar, mas em vão: - Se for necessário, vou lá pessoalmente e dou cabo da moça.
- Só quero que resolva. - Insisti e lamentei enquanto já me levantava para sair de sua sala: - Maldita hora que fui inventar de me aliar aquela praga!
Quando cheguei na porta, o telefone dele tocou e ele atendeu. Ao ouvir o nome “Maisena”, suspeitei e preferi aguardar. Eles conversaram por alguns minutos e o semblante do Morais não me agradou em nada. Assim que eles desligaram, veio a bomba:
- Doutor… É… Então… - Ele tentava escolher as palavras, mas isso só aumentava meu ódio: - O negócio não deu certo mesmo. Parece que uma moça que o Maizena arrumou, uma empregada lá do hospital, tentou apagar a Márcia, mas foi flagrada e presa no ato.
- Porra… Que ótimo! Agora tem mais uma pra você apagar. Está ficando cada vez mais fácil. - Ironizei.
- Mas eu me adiantei, doutor. Quando fechei o esquema com o Maisena, mandei foto do Marcos e pedi para ele mostrar para a moça que faria o serviço. Daí, se fosse presa, ela acusaria seu irmão e o deixaria mais enrolado ainda…
- Certo. Isso ajuda, mas se a Márcia acordar e der com a língua no dentes, ME acusando, contando tudo o que armamos e porque fizemos isso. - Fiz questão de frisar o “me”: - Caralho, eles vão virar o canhão para mim, Morais. Para mim, porra!
- Doutor, relaxa! Se for preciso, mando um bonde entrar e arrasar com ela no hospital.
- Você tá louco, Morais!? A essa altura, ela deve estar sendo vigiada por um batalhão. Agora ninguém chega perto dela. - Considerei o óbvio: - Eu preciso pensar em outra saída.
[...]
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.