(para concluir)
Com o tempo, e naquela rotina de beijos e amassos infrutíferos, Vanessa começou a falar mal da minha namorada pra mim, na tentativa de me convencer a terminar com ela. Dizia que ela, Vanessa, tinha uma formação escolar melhor que minha namorada, que de fato, à época, não tinha ido longe nos estudos. Vanessa se julgava e dizia ser mais adequada pra mim. Eu não pensava assim. Queria muito uma aventura, satisfazer um desejo de macho, mas às custas de Vanessa ir se tornando uma pessoa chata e me cobrando uma atitude que eu julgava não poder atender, o tesão por ela foi esfriando. Entendia também que, se quisesse algo sério e duradouro, ser valorizado por uma pessoa, seria com minha namorada, não com Vanessa. Mais uma vez, o calhorda aqui, prezando por uma honestidade que eu mesmo não praticava. Vanessa insistia tanto nessa sua tese, que eu já estava começando a não achar mais prazer em nossos encontros. Passei até a querer que eles acabassem. Eu mesmo já não a procurava em seu trabalho; ela é que vinha até mim. E quando chegava, eu sentia era desgosto, não mais prazer.
Chegamos ao dia 20 de dezembro daquele ano que eu e Vanessa passamos a nos encontrar. Era mais ou menos quatro da tarde. Ameaçava cair uma forte chuva. Eu estava em minha sala, no trabalho, em minha mesa, quando Vanessa chegou. Não achei bom, como disse que estava me sentindo ultimamente. Cumprimentei-a friamente, mas com educação. Ela se sentou do outro lado da mesa e pôs-se a falar. Disse que estava apaixonada por mim; que não saberia viver sem mim; que me amava e que eu terminasse com minha namorada e ficasse com ela, que me faria muito feliz. E começou a chorar.
Meu sangue gelou. Nem pensei se podia ser armação dela. Fiquei desesperado. Agora a coisa tinha ficado séria, porque uma mulher obcecada era capaz de tudo, pensava eu. E agora? Se chegasse alguém ali e a visse chorando, seria fácil pensar que eu tinha feito algo de ruim com ela. Ela mesma poderia me acusar de ter feito algo ruim com ela. Todos acreditariam numa mulher chorando e condenariam o Don Juan perverso e conquistador. Minha namorada inclusive.
Desestabilizado, pedia que ela parasse de chorar para conversarmos melhor. Ela chorava e repetia o pedido para que eu ficasse com ela, pois me amava. Quando se recompôs, eu lhe expliquei minhas razões novamente. Não a amava ao ponto de tomá-la como namorada; ela mesma disse que não namorava, só ficava; e que eu não descartaria uma pessoa inocente para ficar com outra. Ela voltou a chorar e se desesperar, pedindo que eu a amasse, que ficasse com ela. Eu tentava dizer de uma forma que não a magoasse que gostava dela como amiga - mesmo beijando-a, amassando-a e deixando-a perceber minhas ereções - que se ela achasse melhor, eu deixaria de vê-la. Seu choro era sentido. Me cortou o coração, mas eu tinha que ser firme. Vanessa soluçava e repetia que me amava. Eu, preocupado com o sofrimento dela e das possíveis consequências disso, também repetia que não podia ficar com ela da forma que ela queria e não a usaria para satisfazer meus desejos sexuais. Era melhor a gente parar. Eu também sofreria.
A descrição em palavras não é capaz de expressar a intensidade do momento nem marcar exatamente quanto tempo durou. Depois dessa cena toda de drama que parecia não ter fim, Vanessa se levantou, enxugou os olhos com as mãos e, com uma expressão de mulher ferida em seu orgulho, saiu sem me dizer nada. Fiquei paralisado pensando o que poderia acontecer. Pensei em todo tipo de desgraça. Será que ela se mataria? Será que contaria pra alguém? Será que falaria pra minha namorada? Será que brigaria com alguém? Será que voltaria pra brigar comigo e fazer um escândalo? Minha cabeça girava num turbilhão de tragédias imaginárias. Fui pra casa no final do expediente apreensivo e triste ao mesmo tempo. Não podia dividir isso com ninguém, porque o vilão de tudo era eu. Pedir conselho pra quem? Fazer o quê? Só me restou deixar o tempo passar. Ele não conserta tudo? Sim. O tempo há de dar um jeito nisso. O problema é o tempo passar, porque parece que não passa.
Os dias seguintes foram de merda! Meu Natal foi de merda! Pensava que poderia ter magoado para sempre os sentimentos de uma pessoa. Pensava no que havia vivido com ela e sentia vergonha. Vergonha das coisas que fiz com ela, de onde pus a mão nela. Talvez eu a tivesse seduzido. Talvez eu a tivesse iludido. Não pensava no mal que havia feito à minha namorada. Se ela descobrisse e terminasse comigo, bem feito pra mim. Eu merecia. Sentia-me mal por Vanessa. Se pudesse, tiraria toda dor que ela estivesse sentindo. Não para amá-la; não para ficar com ela. Mas para reparar o mal que fiz. Mas não podia.
Vanessa sumiu de mim. Eu também não a procurei. Eu não ia mais onde ela trabalhava. Se as pessoas próximas repararam que nós havíamos nos distanciado, não ousaram me perguntar. Será que perguntaram a ela? Não sei.
Na medida que os dias foram passando, fui me acalmando. Mas ainda doía pensar que eu a tinha magoado. Mas eis que em meados de janeiro, quem entra sorridente e feliz em minha sala? Vanessa em pessoa. Confesso que senti alegria ao rever seus cabelos loiros, seus olhos pretos como jabuticaba e seu narizinho bem feito. Não pensava em retomar nossos amassos; o que eu queria era que ela me dissesse que tinha esquecido tudo, que seguiria em frente e seríamos apenas amigos. Mas não foi bem isso o que aconteceu…
Resumidamente, o que Vanessa me disse foi que havia superado a tristeza daquele dia. Não queria saber de sofrer, não queria saber de chorar; disse que continuaria me vendo e que continuava a querer que eu fosse só dela. Resumindo: ela não desistira de mim. Fiquei no meio do caminho: feliz por ela estar bem; preocupado porque não havia acabado. Disse isso a ela. Ela não ficou nem aí.
Eu tenho quase certeza que após essa "reconciliação" não nos pegamos mais. Podem ter rolado alguns beijinhos a contragosto meu, mas foi só. Tudo o que eu queria era não contrariá-la de início pra ver se ela ia largando de mim, até que o encanto dela por mim desaparecesse por completo. Que fique bem claro: mesmo quando estávamos numa boa, Vanessa me dizia que tinha seus casos, seus encontros onde rolava o sexo que ela não tinha comigo. Lembre-se que eu disse que ela era fogosa e em nenhum momento me prometeu exclusividade e fidelidade. Foi um dos motivos que não me animaram a pular de vez nessa aventura. Uma vez, uma pessoa me contou que, tendo Vanessa ido cobrir a falta de uma colega em uma outra unidade do estabelecimento que trabalhava e que ficava num distrito do nosso município, ela teria que dormir lá. E que ela teria ficado - entenda-se: transado - com um funcionário de lá, um rapaz moreno, mulato, forte e que tinha o nome de uma personalidade estrangeira já falecida. Isso aconteceu quando eu e ela já estávamos nos agarrando. Mas, como ela não era minha namorada, nem noiva, nem esposa, eu não pedi satisfações a ela. Nem perguntei como foi o trabalho no distrito, o que ela fez pra passar o tempo. Ela também não me contou nada. Pra mim estava tudo bem. Éramos dois sujos chafurdados na lama, de modo que, se reclamássemos, seria o sujo falando do mal lavado.
Manhã de sábado, 8 de fevereiro, sol e calor. Aos sábados eu trabalhava até o meio-dia. Eram onze horas e eu já preparava algumas tarefas para encerrar o expediente. Vanessa entrou em minha sala. Era seu horário de almoço. Ela trabalharia ainda naquela tarde. A primeira coisa que pensei foi que ela sacrificara minutos de seu intervalo de almoço pra vir me ver. Iria falar isso com ela, mais como um carinho de pai ou irmão. Ela veio e se sentou na cadeira em frente à minha mesa. Eu estava sentado à mesa. Conversamos sobre sei lá o que; não me lembro se falei sobre o horário de almoço dela. Aí, o diálogo que rolou foi mais ou menos assim:
"Me come? Aqui? Agora?
"Vanessa, nós já conversamos sobre isso!"
"Me come, vai? Só uma rapidinha! Prometo que não te importuno mais!…"
O tom de sua voz era de doçura e súplica, não de desespero e ameaça.
"Não. Você sabe que não vai rolar."
"Por que? Me come, vai!?"
"Não."
"Vai, me come! É rapidinho! Eu tô com vontade!"
"Você tá louca!? Aqui? Com esse movimento todo lá fora e podendo entrar alguém aqui a qualquer momento? Vanessa, por favor!"
Vanessa se levantou, circundou a mesa e ficou de pé ao meu lado, eu, sentado. Será que ela iria sacar uma arma e me matar? - pensei. Com seu corpo a um palmo de distância do meu rosto olhando para ela, Vanessa levantou a camiseta que usava e depois o sutiã. Seus seios desabaram sobre sua barriga. Não descrevo a cena com prazer nem com intenção de denegri-la. Seus seios estavam longe de serem bonitos. Eram caídos e muito afastados um do outro. Os bicos apontavam para baixo. A auréola não era definida; era apenas uma mancha quase imperceptível, misturada com a cor da pele das mamas. Os bicos, como falei, eram duas pequenas verrugas, de tão pequenos que eram. Eu olhava meio abobado para aquilo e nem sei se pensava no perigo de chegar alguém e ver uma mulher com seios expostos no meu trabalho. Vanessa fez menção de abaixar sua calça.
"Vanessa, por favor! Se você quiser ficar aqui comigo, vista sua roupa e sente onde estava!"
Ela se recompôs e voltou para a cadeira que estava. Estava contrariada, mas não descontrolada.
"Eu não te entendo! Você não gosta? Você não quer? Eu, aqui, oferecendo pra você…"
"Não é isso, Vanessa! Não é assim! Não pode ser aqui, agora, do jeito que você quer! Entenda, por favor!"
"Então, quando? Onde? Vamos combinar!..."
"Vanessa, não…"
Não me recordo de como continuamos a conversa. Posso afirmar que nada aconteceu. Nem naquela hora nem nunca. Resolvi fechar mais cedo, às 11:40, para me livrar daquela situação e ela poder ir almoçar. Eu juro que estava preocupado com o fato de ela não ter ido almoçar para se encontrar comigo. E em vão. No dia seguinte eu tinha uma viagem de um compromisso agendado bem anteriormente. Nos despedimos numa esquina falando disso. Na segunda-feira, seria aniversário dela. Não sei se haveria alguma comemoração. E se houvesse, eu não iria.
Não me recordo o que aconteceu naquela semana após esse acontecimento no sábado. Eu acho que estava tranquilo quanto a tudo isso porque Vanessa dava mostras de que estava encarando bem minhas recusas. Acho que, aos poucos, ela foi caindo na real de que do meu mato não sairia coelho algum, e que ela teria que caçar em outro lugar.
No sábado seguinte, onze horas, Vanessa de novo. Quando ela entrou, devo ter perguntado a Deus em pensamento: "Por que?". Mas dessa vez, ela veio diferente. A expressão no seu rosto era de uma alegria de libertação, alegria de quem conseguira algo melhor que a livrava de algo que não era tão bom assim. Depois de nos saudarmos, foi direta:
"Sabe aquela vez que te falei que homens afrodescendentes tem o pau enorme?" - disse isso fazendo um gesto com as mãos mostrando o suposto tamanho.
"É… parece que me lembro de você ter dito algo assim…" - mentira. Eu não lembrava de nada disso.
"Pois é. É verdade." - falou com um sorriso malicioso e praticamente confessando que comprovara pessoalmente o que dizia.
"Un-hum… Que bom pra você." - fiz eu com cara séria, esperando o que vinha pela frente.
"Quer saber mais? Não quero mais você! Eu achei o que estava procurando em uma outra pessoa." - disse isso e foi se levantando pra sair.
"E tem mais: já falei com o R**** (o chefe dela) e a partir do mês que vem vou trabalhar na unidade do outro bairro. Vim aqui só pra te contar isso. Tchau!" - e saiu. Aquele "tchau" tinha a entonação de "adeus".
Vanessa não viu porque me deu as costas e foi embora, mas eu fiquei ali chocado, paralisado, com a boca aberta. Não esperava por um desfecho tão repentino. Achava que isso ainda ia se arrastar e terminar mal pra mim. Do jeito que aconteceu, ficou foi bom demais!
Mas, ao mesmo tempo, confesso que uma variedade de sentimentos tomou conta de mim. Alívio, por ter terminado. Tristeza, por ter terminado. Arrependimento, por não a ter possuído - nunca tive uma mulher tão fácil! Vergonha, por ter sido humilhado em minha masculinidade. Pensei se não deveria ir atrás dela e brigar com ela pelo que me falou ou se me jogaria aos seus pés prometendo ficar com ela e fazer tudo o que me pedisse. Era tarde pra isso. No final, o sentimento que prevaleceu foi mesmo de alívio. Sentia que tinha terminado; que ela me deixaria em paz e que, dos males, o menor. Saímos nós dois no lucro.
Vanessa foi trabalhar na unidade do outro bairro. Engatou namoro com o tal rapaz, o de nome estrangeiro famoso, o mesmo que a comeu tempos atrás. Chegaram a morar juntos um tempo, depois se separaram. Vanessa estudou mais, se formou e conseguiu um ótimo emprego numa instituição de renome, com várias filiais no estado. Seu esforço e competência fizeram com que ela subisse na empresa e hoje ela nem mora mais aqui na cidade. Parece que toma conta de uma dessas filiais em outra cidade. Só vem de vez em quando para visitar a mãe.
Emagreceu. Uns dizem que por cirurgia; outros, que por medicamentos. Cheguei a vê-la magra. Vestida, até que estava bem. Não sei se fez plástica para colocar tudo no lugar. Vocês entendem. Mas depois engordou de novo. Já a vi depois disso. Estava quase igual quando a gente se encontrava. Enquanto morou aqui, eu a via de longe. Chegou a morar sozinha num prédio de kitchenettes aqui no centro da cidade. Nunca mais nos aproximamos e conversamos. Quando nos esbarrávamos cara a cara, nos cumprimentávamos apenas com um "oi". Acho que era eu quem sentia mais vergonha. No primeiro turno da última eleição, nos esbarramos na entrada da escola onde votamos. Ela me cumprimentou abrindo um largo e lindo sorriso. Estava bonita. Sorri timidamente e passei por ela, seguindo em frente. Da sua vida pessoal, sei pouco. Parece que ainda anda fogosa. Um dia ouvi uma conversa - não sei se é verdade - de que ela estava num barzinho dando o que tinha com dois rapazes de uma só vez.
Não me apaixonei por ela. Foi, sim, um arroubo que julgo que poderia acontecer com qualquer homem que uma mulher mais jovem e com muito gosto por sexo desse em cima. Não sofri nem sofro por ela. Costumo dizer que tudo que passamos nesta vida nos proporciona lições, boas e não tão boas, mas que muito nos ensinam se quisermos aprender. Às vezes acho que poderia ter arriscado mais e feito sexo com ela, sabendo que eu seria apenas mais um, uma camisinha a mais a ser descartada depois de usada. Pelo menos, como homem, como macho, colecionaria essa lembrança. Teria feito uma coisa de macho. Às vezes acho que foi bom não ter feito nada com ela. Se ela se apaixonasse e eu não ficasse com ela, talvez ela sofreria. Ou não. Também julgo que, dentro de certos limites, fui justo com minha namorada, não tendo um caso extra. Repito: dentro de certos limites. Fiz, a meu ver, uma coisa de homem.
Bem, essa foi minha história com Vanessa. Obrigado aos que leram e me desculpem aqueles a quem não agradei.
Algumas curiosidades sobre a "Vanessa" verdadeira que não coloquei no texto principal:
-Torcia para um time do Sul, embora fôssemos do Sudeste;
-Me deu de presente uma camiseta preta, lisa, que eu usei até que desbotasse, inclusive mesmo depois de tudo acabado. Minha namorada nunca suspeitou de onde veio essa camiseta;
-Quando fiz uma viagem ao Rio de Janeiro, ela pediu que eu lhe trouxesse um presente. Eu não trouxe. Não por avareza, mas porque tive medo que, o que eu lhe trouxesse, ela mostraria para os outros e diria que fui eu que lhe dei. Isso chegaria aos ouvidos da minha namorada e o caos estaria armado;
-Uma vez pensei em dar pra ela uma camisa do time que ela torcia com o nome dela nas costas. Não cheguei a concretizar isso;
-Ela e minha namorada nunca se deram bem, mesmo antes de eu estar na vida das duas. Era o típico caso de santos que não batem;
-Minha namorada não sabe de nada disso que contei. Apenas ameaçava de terminar o namoro quando ficava com a pulga atrás da orelha por Vanessa, por achar que ela vivia muito atrás de mim.
As perguntas sobre este texto serão respondidas, se eu julgar que possam ser respondidas, somente pelo e-mail menestrel2prazeres@proton.me