Todos os dias eu tinha que ajudar nos serviços domésticos da minha casa e escutar o meu pai falando para os outros o quanto a sua filha Ângela era um caso perdido. Eu não estudava nem trabalhava. Era uma “NEM, NEM”, uma preguiçosa.
Três anos de desemprego acabam com a estima de qualquer pessoa. Eu era jovem, bonita, estava na flor da idade, aos 25 anos, mas sem dinheiro nenhum. Eu possuía experiência como vendedora num Shopping do Recife: passei três anos trabalhando numa loja de roupas, até que a crise veio, a loja fechou suas portas, e eu fiquei desamparada, espalhando, sem sucesso, o meu currículo em dezenas de lugares.
Certo dia, veio uma proposta: fazer trabalhos domésticos na casa de um empresário do ramo varejista. O homem era solteiro e pagaria mais de um salário mínimo. No início, eu relutei, mas, depois, pensei que sendo um empresário de sucesso aquilo poderia ser uma porta para algo melhor. Depois, pensei nas humilhações pelas quais eu tinha que passar todas as vezes que precisava pedir uns trocados para os meus pais. Era doloroso ser vista como um caso perdido, como se eu não trabalhasse por ser preguiçosa ou por não ter lutado o suficiente.
Chegou o dia da entrevista de emprego, o dia em que eu conheceria seu Raimundo e a minha sorte poderia mudar. O homem era um senhor branco de mais de quarenta anos, com o físico bastante conservado e atlético. Aparentemente, era um homem sério, mas o seu olhar o denunciava. Olhos que não paravam quietos, desviavam, disfarçavam, sempre dissimulados.
Eu fui honesta com seu Raimundo, falei que só tinha experiência como vendedora de loja, que estava há três anos desempregada, e que precisava muito daquele serviço. O senhor segurava o meu currículo e parecia ter se interessado só pela minha foto e pelos meus atributos físicos: morena, magrinha, baixinha, menos de 1,60 de altura, cabelos ondulados, eu talvez fosse o tipo de mulher que aquele homem gostasse.
Depois de uma breve entrevista, o senhor Raimundo falou que gostava de funcionárias discretas, pontuais e sinceras. Em seguida, ele me apresentou aquele que seria o meu uniforme de trabalho: um vestido com avental, extremamente inadequado, e que deixava as minhas pernas completamente à mostra. Quando me vesti, pensei que aquela roupa, por si só, já poderia configurar um caso de assédio. O vestido, por ser muito curto e justo ao meu corpo, parecia ter sido comprado num sex shopping.
No banheiro, olhei-me no espelho uma e outra vez, e pensei em desistir. Deveria tirar foto daquele uniforme e processar aquele homem. Era uma indecência. Então, quando peguei meu celular, lembrei que a câmera do mesmo estava com defeito e que eu não tinha dinheiro para comprar um novo. Eu estava na fossa e, por isso, resolvi engolir o meu orgulho.
Ao me ver sair do banheiro, seu Raimundo perguntou-me o que eu tinha achado do uniforme de trabalho. Eu fui honesta com ele. Falei que tinha achado inadequado, curto demais, e perguntei se não poderia usar uma calça jeans com um jaleco. Ele falou que não, que a vestimenta era parte das regras daquele trabalho e que já tinha tido problema com outras funcionárias por aquele motivo e não queria mais nenhum tipo de dor de cabeça. Basicamente, ele estava dizendo que eu estava livre para desistir do emprego a hora que eu quisesse.
Perguntei quando eu deveria começar a trabalhar e seu Raimundo disse que naquele momento. Eu deveria arrumar toda a casa. Comecei na cozinha, depois no quarto de dormir, na sala e, por último, fui arrumar o escritório, onde seu Raimundo havia passado toda a tarde. Bati na parte duas vezes, e nada. Então, resolvi entrar devagarinho. Seu Raimundo estava desnudo, com um fone de ouvido lhe tapando os ouvidos, enquanto um filme pornô passava na tela do monitor e o homem se masturbava. O pau do homem era descomunal e ele parecia estar tão compenetrado na cena de sexo anal que não me viu entrando no quarto. Fechei devagar a porta e todas as ilusões também se fecharam dentro de mim.
Naquele momento, todas as dúvidas que eu poderia ter sobre aquele emprego se esvaíram. Aquele homem não queria uma doméstica. Ele queria uma puta. A porcaria do meu celular quebrado havia me impedido de filmar aquela cena: a prova de que meu patrão era um tarado. Fechei devagarinho a porta do escritório e fui para cozinhar preparar o jantar. Essa seria a minha última obrigação antes de ir embora.
Enquanto estou assando a carne, seu Raimundo chega na cozinha para pegar uma água. Eu me esforço para fingir normalidade. Mas o homem não facilita. Na cozinha estreita, ele passa se esfregando em mim, tocando nas minhas nádegas. Na hora, eu apenas fecho os olhos e peço paciência ao meu bom deus. Paciência para não quebrar a cara daquele sem vergonha.
Quando seu Raimundo saiu da cozinha, eu desliguei o fogão e fiquei dez minutos sentada, pensando se saia correndo daquele lugar ou se o melhor não seria dizer umas boas verdades para aquele ser nojento e desprezível.
Fui até o banheiro, tirei o uniforme, coloquei a minha roupa e respirei firme antes de entrar novamente no escritório daquele homem. Quando eu entrei, ele me atendeu com um sorriso, perguntando se estava tudo bem e se eu estava pronta para voltar no outro dia.
Agora, o seu Raimundo queria fingir ser educado? Agora era tarde. Eu tinha que despejar toda a minha fúria. Tinha que recuperar o que me restava de dignidade. Não sabia como começar e resolvi ser direta:
– Seu Raimundo, não está tudo bem e eu não vou ficar com o emprego.
– O que foi que aconteceu? – perguntou ele, fingindo desconhecimento.
– Aconteceu, seu Raimundo, que, no meu primeiro dia de trabalho, eu descubro que o meu uniforme é uma indecência, sou obrigada a ver o senhor se masturbando no escritório e ainda tenho que lidar com as suas mãos nojentas me tocando. O senhor me desculpe, mas ganhar uma salário mínimo é muito pouco para tão pouca vergonha.
Nesse momento, eu pego o uniforme de trabalho e jogo na cara do homem, dizendo que ele poderia vestir aquela roupa se achasse melhor.
Quando estou prestes a ir embora, o homem me segura pelo braço e me pede para sentar e escutá-lo. No momento, pensei que ele não merecia nada de mim. Pensei em me virar de ombros e deixá-lo falando sozinho. Mas a curiosidade me faz sentar e ouvir.
– Você está certa – ele começa dizendo. – Eu sou realmente incorrigível. Sou viciado em sexo. Realmente, um salário mínimo é muito pouco para trabalhar comigo. Eu proponho um pagamento de cinco salários mínimos, mas você teria que aceitar o meu jeito e fazer alguns serviços extras para mim.
– O senhor está propondo que é um tarado, nojento, e deseja que eu seja a sua puta? – perguntei, de forma bem direta.
– Eu gosto do seu jeito direto – ele respondeu. – Você será bem recompensada se aceitar. Os cinco salários seriam apenas iniciais. Eu sou muito rico e sei compensar quem me satisfaz.
Os cinco salários mínimos oferecidos ainda não eram suficientes para mim. Aquele homem achava que poderia me comprar. Respondi:
– Senhor, eu estou precisando muito de um emprego, mas não vou poder aceitar. Queria apenas que o senhor me tirasse uma dúvida: por que não contratou uma garota de programa se era isso que desejava?
– Seria muito fácil e artificial – falou ele. – Gosto de emoções reais. As prostitutas encenam. Elas são atrizes da noite.
– Se você deseja algo de verdade, precisa aprender a conquistar as mulheres, respeitá-las – respondi.
– A proposta está feita – disse ele. – Se quiser aceitar o emprego, venha amanhã pela manhã, às 8 horas. Não precisa sequer me ligar. Se você vier, sei que estará pronta para aceitar as minhas condições.
– E quais seriam essas condições? – perguntei.
– Venha amanhã e saberá – disse ele, encerrando a conversa e depositando um envelope nas minhas mãos.
Depois de sair daquele antro, abri o envelope e vi duas notas de duzentos reais. Poucas vezes havia tocado numa nota daquelas. Quatrocentos reais por ter lidado com as safadezas daquele homem. O seu Raimundo era uma mistura de lobo com raposa, assediador, dissimulado, ladino, um lobo-guará. Parei meus pensamentos por aqui, porque vi que estava sendo desrespeitosa com animais que estavam ameaçados de extinção.
Continuação...