Meu telefone começou a tocar e quando olhei a tela, vi o rosto do Marcos. Desliguei na hora. Ele insistiu mais três vezes e foi recusado nas três. Eu não ignorei simplesmente sua chamada, fiz questão de atender e desligar mesmo! Já estávamos rodando há uns dez minutos quando ele estacionou na frente de um vistoso hotel na orla carioca:
- Obrigada, Jonas. Agradeço de coração. - Disse e lhe dei um beijo no rosto.
- Vou entrar com você.
- Não vai não.
- Vou sim. Não sabemos se tem quarto vago. Se não tiver, vamos para outro.
- Ah tá…
Entramos e dei sorte, conseguindo uma suíte. Despedi-me dele em definitivo, com um abraço e um beijo no rosto, agradecendo sua ajuda. Enquanto fazia meu “check in”, meu celular voltou a tocar novamente. Agora, era a dona Gegê que surgia na tela, me doeu, mas recusei a chamada dela também. Mas dessa vez doeu mais que antes e eu própria liguei para ela:
- Oi, dona Gegê.
- Anne, onde você está? - Perguntou o Marcos com um estranho tom de voz.
Capítulo 43 - Atirando no próprio pé
Desliguei o telefone na cara dele! Se ele não havia entendido ainda que eu não queria conversa, iria tomar na cara até entender isso. Meu celular voltou a tocar com chamada do celular da dona Gegê, mas não atendi. Terminei meu “check in” sob o olhar curioso da atendente que não devia estar acostumada a ver alguém tão produzida assim chegar de madrugada em seu trabalho e subi para minha suíte. Quando entrei, sentei na cama, na verdade me encolhi junto a sua cabeceira tentando entender o que havia acontecido. Nada. Nenhuma ideia. Faltavam muitos fatos para eu chegar a uma conclusão. Olhei para meu celular e decidi ligar para a dona Gegê novamente. Com ela eu falaria. Talvez com o seu Balthazar também, quem sabe. Ela me atendeu:
- Anne, meu anjo, onde você está?
- Estou bem, dona Gegê, bem e segura. Pode ficar tranquila.
- Como eu posso ficar tranquila? Vi você sair daqui transtornada, filha.
Eu já estava chateada e decidi “descascar o abacaxi”, falar tudo o que o filho dela fez comigo naquela noite, sem poupar nada, nada! Ela me ouviu em silêncio por sei lá quantos minutos. Quando eu terminei de falar, pedi licença para buscar uma água no frigobar. Ao voltar, ela começou a falar:
- Ele sabe que errou, querida. Está tão desesperado ou mais que a gente com o seu sumiço. Sei que não deveria justificar, mas aconteceu algo muito chato com ele essa noite e infelizmente ele acabou descontando justamente em você. Mas ele vai te explicar tudo, só precisa de uma chance.
- Eu não sei, dona Gegê... Acho que a senhora está certa, aliás, eu sei que está, mas hoje eu não quero falar com ele. Não gostei nada da forma como ele me tratou. – Dei uma golada em minha água, uma longa suspirada e continuei: - Poxa, me senti um lixo e justo hoje que eu me produzi toda para ele! Para ele, a senhora entende? Eu queria que ele sentisse orgulho de mim. Eu estava parecendo uma princesa de contos de fada...
- Eu sei, querida, você estava linda realmente. Eu não tenho o que justificar. Ele errou, não você. Estou do seu lado até o fim nessa história e já dei uma bronca daquelas nele, na frente do pai e das irmãs, acho que se não foi a maior, foi uma das maiores que ele já tomou na vida.
Eu não sabia mais o que falar e fiquei quieta. Ela também se calou por alguns segundos, mas voltou a insistir:
- Vai lá pra casa. Eu já estou indo para lá e conversaremos com calma.
- Não! Não vou não. Hoje não.
- Ele não vai te incomodar, Anne…
- Eu não quero ver a cara dele, dona Gegê. - Acabei interrompendo-a: - Prefiro ficar aqui quietinha, esfriando a cabeça para não acabar falando merda para ele. Desculpa, desculpa...
Nesse momento, uma aparente discussão começou e, pelas vozes, notei que o Marcos, seu Balthazar e a dona Gegê conversavam entre si, quase em tom de briga: “Quero falar com ela, mãe.”, “Ela não quer falar com você agora, Marcos, não insista.”, “Mas eu tenho o direito de me explicar. Pedir desculpas…”, “Eu sei, mas não agora. Amanhã você fala com ela.”, “Mãe, me dá esse celular.”, “Marcos, para agora! Respeita sua mãe.”. Depois de um breve silêncio, voltaram a conversar, mas agora bem mais baixo, controlados, e seu Balthazar assumiu a ligação:
- Annemarye?
- O-oi, seu Balthazar. Desculpa ter saído assim. Espero não ter causado nenhum constrangimento para vocês.
- O que é isso, filha!? Claro que não! Só estamos preocupados com você. Se alguém pensou mal da gente ou da minha futura nora, quero mais é que se foda bem no olho do cu!
Não aguentei a forma como ele falou e comecei a rir no meu lado da chamada:
- O que é isso, seu Balthazar!? Que boca suja… - Brinquei, ainda rindo.
Ele começou a rir também e ficamos assim por um tempinho até que ele falou:
- Eu vou te buscar. Só me fala onde você está que eu vou aí.
- Não precisa, seu Balthazar. Eu estou bem e segura. Estou num quarto de hotel.
- Qual hotel?
- Não vou falar.
- Qual, Anne?
- Por favor, eu não quero falar.
- Para de ser teimosa, menina. - Pigarreou, deu uma nova risada e continuou: - É teu sogro que tá falando. Além do mais, o Marcos não está aqui perto. Só eu que vou aí conversar com você.
- Eu também vou! - Ouvi dona Gegê falando do lado.
- É… Acho que a Gegê vai também. Só queremos conversar com você. Dar um abraço, um beijo de boa noite e te deixaremos descansar em paz.
- Poxa…
- Anne, estamos pedindo.
Acabei me rendendo e lhe disse o nome do hotel. Ele disse que sabia mais ou menos o local e que em breve estaria ali. Desligamos e fui até a sacada da minha suíte, olhava o luar enquanto bebia minha aguinha e tentava me acalmar um pouco mais antes daquele encontro. Logo, o telefone da suíte tocou e me avisaram que me aguardavam no saguão. Estranhei a rapidez com que chegaram ali, mas, sendo eles da cidade, imaginei que deviam conhecer algum atalho, sei lá. Peguei o elevador e desci, mas ao chegar no salão, vi justamente quem eu não queria ver naquele momento:
- Marcos!? O que você está fazendo aqui?
[...]
Quando meu pai me informou que iríamos no aniversário do seu Julian, que faria uma recepção “daquelas”, imaginei de cara que a Annemarye iria refugar. Mas, apesar de ser um ambiente extremamente rebuscado e cheio de pessoas esnobes e interesseiras, eu faria de tudo para transformá-la numa das melhores noites da vida dela. Preparei-me como há muito tempo não fazia e tinha que ser assim, pois minha mãe me avisou que seria um evento de gala. Então, pedi que nossa empregada preparasse meu “smoking” e fui cuidar de mim. Depilei-me em todas as partes mais íntimas e que eu sabia que a Annemarye aprovaria, tomei o melhor banho que pude e me perfumei de acordo. Depois me vesti e estava bem apresentável.
Aliás, isso se revelou correto quando desci para a sala de casa e minha mãe me encarou, satisfeita com o que viu. Ainda assim, como uma típica mãe, veio até mim e ajeitou minha gravata novamente:
- Você tá tão bonito! - Disse.
- Para, mãe! A senhora é suspeita.
- Sou só uma mãe orgulhosa do filho que criou e orgulhosa por vê-lo se preparar com tanto carinho para impressionar uma moça maravilhosa.
Meu pai chegou logo atrás e depois de me conferir de cima a baixo, também sorriu, satisfeito, mas seu elogio foi outro:
- Puta merda, hein!? O que uma mulher não faz com um homem... O Quinho até tomou banho, Gegê! - Brincou e caímos os três numa gostosa gargalhada.
Fomos em dois carros para a recepção, eu em um, eles em outro. Talvez eu saísse com a Anne depois para passear, quem sabe... Na chegada, o primeiro perrengue: uma fila interminável de fotógrafos e jornalistas anunciava que aquela noite tinha potencial para se tornar “o acontecimento do ano”. Meus pais foram na frente, se deixaram fotografar e responderam algumas perguntas aos jornalistas. Na minha vez, fotos e mais fotos, e, logo após, aconteceu o que eu sequer imaginava:
- Marcos é verdade que você foi preso pela tentativa de assassinato de sua ex-namorada? - Perguntou-me um repórter que não consegui identificar por conta dos “flashes”.
- Não sei quem lhe passou essa informação, mas acho que sua fonte está bastante equivocada. - Respondi sem perder a pose.
- Mas temos imagens suas sendo conduzido até a delegacia e…
- E mais nada. - O interrompi: - Porque, com certeza, você também deve ter as imagens minhas saindo, caminhando livremente pela porta da frente, não tem?
- Sim, mas e as acusações?
- É só um mal entendido que será explicado em breve. Até mesmo por isso estou aqui hoje, não é? - Falei, sorrindo, com uma falsa confiança: - Grato pela atenção, amigos. Tenham todos uma boa noite.
Tentaram me fazer, aliás, fizeram mais um monte de perguntas, mas ignorei a todos e fui para dentro do saguão onde meus pais me aguardavam:
- Ótimas respostas, filho. - Meu pai me parabenizou.
- Isso logo vai passar, Marcos. - Completou a minha mãe.
- Claro, gente. Está tudo bem. - Respondi.
Mas não estava. Aquilo já havia me atingido e abalado bastante. Ainda assim eu precisava me acalmar, porque a noite mal havia começado e fazer a Annemarye feliz era o meu objetivo. Ela me faria esquecer de tudo. Tudo mesmo…
Subimos até o salão onde a recepção já havia se iniciado e lá encontramos vários conhecidos. Logo, fomos recebidos pelo seu Julian e Luíza que estava lindíssima, vestida com um modelo que doía o olho de tão excêntrico, mas, ainda assim, ela estava exuberante, radiante. Meu pai o presenteou com um Rolex lindo, cujo modelo eu conhecia bem e sabia que custava na casa dos milhões. Conversamos um bom tempo com eles e depois fomos para uma mesa reservada para nossa família.
A noite estava apenas começando quando minha mãe recebeu uma mensagem da Duda, avisando que já haviam chegado e estavam subindo. Meu coração acelerou e decidi esperar Annemarye aos pés da escada principal. Não estava sendo fácil chegar até lá, pois o salão já estava se enchendo com os convidados que não paravam de chegar. Quando eu estava praticamente no meio do caminho, ouvi um burburinho de alguns homens falando frases do tipo: “Cara, quem é aquela lá em cima?”. Eu já imaginava quem poderia ser e, ao olhar para o topo da escada, junto ao guarda-corpo, vi uma das imagens mais lindas e impactantes da minha vida toda. Annemarye estava lá, parada, deslumbrante num vestido longo vermelho escuro, além de lindamente produzida e maquiada. Não havia homem solteiro que não a estivesse olhando naquele momento, até mesmo alguns casados, para dizer a verdade até mulheres a admiravam. Eu fiquei embasbacado e acabei travando no meio do salão, admirando sua beleza.
Ela olhava para o salão como que procurando alguém e eu me enchi de orgulho, porque esse alguém era eu, óbvio. Ela começou a descer a escadaria e cada passo era um deleite para os olhos, principalmente quando a perna esquerda ousava atravessar uma longa fenda lateral de seu vestido, exibindo uma linda, torneada e esguia perna. Quando ela chegou a base da escada, olhou novamente ao redor e vários solteiros se alvoroçaram em sua direção. Jonas, uma amigo de minha época de colegial, foi o mais rápido e a alcançou primeiro, mas após tentar trocar algumas palavras com ela, eu os abordei, acabando com qualquer esperança dele. Ele me encarou surpreso, mas sorriu de volta, pois me conhecia e éramos bons amigos. Talvez ele até pudesse ser um candidato a padrinho de meu casamento no futuro. Ele ainda a olhou novamente, mas ela levantou suavemente seus ombros nus e lhe disse um tímido “meu namorado”, confirmando o que eu havia falado. Ele sorriu então, entregou-nos as duas taças de champanhe que trazia e ainda brincou conosco.
Sorrimos, gratos pela gentileza e assim que ele se afastou, passei a elogiá-la merecidamente porque, afinal, ela estava realmente deslumbrante. Aliás, acho que deslumbrante é pouco, pois ela transbordava uma aura, um brilho, um, ah... sei lá, não tenho palavras. Pra variar, minha caipirinha raiz resmungou do ambiente, assustada com toda aquele rebuscamento. Tratei de tranquilizá-la, mesmo porque, inteligente como ela é, tiraria de letra as situações que usualmente acontecem nesse tipo de recepção.
Bebemos e conversamos outros assuntos brevemente porque eu precisava integrá-la, relaxá-la. Além disso, eu estava orgulhoso, pois tinha a mais bela mulher do salão ao meu lado. Ofereci meu braço e ela o enlaçou, juntando-se a mim:
- Humm… Você tá cheiroso. - Brincou.
- E você está perfeita. - Rebati e lhe dei um beijo suave no rosto.
- Não podemos nos beijar aqui?
- Por mim, eu te comeria aqui e agora, mas acho que não seria apropriado. - Cochichei em seu ouvido.
Ela deu uma gostosa risada, mais alta que o usual para aquele tipo de ambiente e ainda completou:
- É, eu acho que não, né!
Voltamos a passear pelo salão e eu fazia questão de explicar tudo o que sabia dali para ela, bem como de apresenta-la as pessoas que conhecia conforme nos encontrávamos, conversando um pouco mais com aquelas com quem eu tinha um pouco mais de intimidade. Fiz questão de apresentá-la ao aniversariante que não poupou elogios a minha acompanhante e ainda complementei:
- Namorada sim, seu Julian, e minha futura esposa e mãe dos meus filhos no que depender de mim. - Falei, deixando-a surpresa e quase roxa de vergonha.
- Faz bem, meu amigo, fico feliz por você, aliás, vocês.
Sua linda esposa Luíza logo se aproximou, curiosa com a morena que ousou rivalizar com ela em beleza, mas logo as duas se tornaram quase melhores amigas, tamanha foi a sintonia entre elas. Tudo aumentou ainda mais quando Anne descobriu que Luíza também era mineira só de ouvi-la falar algumas palavras, algo que sequer eu imaginava. Em certo momento, saíram as duas para o banheiro, deixando-me com o seu Julian:
- Se Deus fez algo melhor e pior que mulher, guardou para ele próprio, Marcos.
- Pior!? - Perguntei, curioso.
- Ah sim! Elas quando querem transformam nossa vida num inferno, meu caro... - Disse e deu uma gostosa risada, concluindo: - Mas não vou entrar em detalhes para não atrapalhar suas intenções matrimoniais.
Voltamos a conversar diversos assuntos e, pouco depois, senti um braço enlaçar o meu. Quando me virei em sua direção, imaginando ser a Anne, deparo-me com Regina, um antigo caso. Gelei no ato:
- Rê, por favor. - Pedi puxando meu braço do dela.
- Oi pra você também, Marcos. - Ela rebateu surpresa: - O que é isso? Parece que não me conhece.
- Não é isso, Rê, é que eu estou namorando, e sério, muito sério, e não quero causar uma má impressão para minha namorada que já deve estar voltando a qualquer momento.
- Você não vai mesmo largar a Márcia para ficar comigo, né? - Ela falou em alto e bom som, e sem qualquer receio da presença do seu Julian.
- Já terminei com a Márcia há algum tempo...
- E não me procurou? - Ela perguntou, já mudando seu tom de voz.
- Desculpa, mas me apaixonei por outra, aliás, paixão é pouco, acho que estou amando essa mulher e vou me casar com ela. É questão de tempo e deu convencê-la disso. - Falei e sorri timidamente.
Regina fechou a cara e saiu pela minha direita. Voltei a olhar para o seu Julian que sorria, cúmplice de um segredo ouvido há pouco, confirmando ainda quando fez um movimento de zíper nos próprios lábios. Eu, curioso, ainda olhei em direção da Regina uma última vez, quando senti outra mão correr por minhas costas até alcançar meu braço, vendo, logo em seguida, Annemarye se colocar ao meu lado, com olhos semicerrados, indicando que havia visto alguma coisa. Ela não me cobrou nada, pois Luíza emendou a conversar com ela, mas eu vi em seus olhos que seria cobrado. Essa noite não parava de me testar.
Depois de um tempo, voltamos a passear, afinal o aniversariante e sua esposa, precisavam dar atenção aos demais convidados e ela não perdeu tempo:
- Quem era a biscate?
- O que? Quem? - Perguntei e a olhei que me encarou séria, pronta para me enfrentar, então resolvi confessar: - É uma antiga ficante. Da época da Márcia…
- Da época da Márcia? - Ela me perguntou, surpresa: - Você chifrava a Márcia, Marcos? Ah, que coisa feia…
- Não. Não é isso. É que…
Eu tentava encontrar as palavras e ela me encarava cada vez mais séria e curiosa, eu diria até mesmo brava por eu ter feito o que eu não sabia como justificar que havia feito:
- Ah, Anne, foram umas duas, três vezes no máximo…
- Ó… - Ela me interrompeu e já saiu em sua própria defesa, praticamente me ameaçando: - Comigo isso não rola, hein!? Se você pisar na bola comigo, meto o pé em você.
- O que é isso, caipirinha!? Você acha que eu faria isso com você?
- Você acabou de falar que fez isso com ela. Por que não faria comigo? - Falou e levantou os ombrinhos, inconformada, mas emendou de uma forma que me gelou de imediato: - Ou faço melhor, igual a Duda fez com o Felipe só para você aprender a não me sacanear mais.
- Como é que é!? Você tá brincando, né?
- Pisa na bola comigo, Marcos, pisa pra você ver! - Ela respondeu e sorriu enigmática: - Achei o Jonas tão “classudo”...
Acabei rindo de toda a situação e ela me acompanhou. Aproveitei para abraçá-la de frente, quase colando meus lábios nos dela e depois disse baixinho em seu ouvido:
- Você é a mulher da minha vida. Eu nunca irei te decepcionar.
Ela não disse nada, apenas encostou sua cabeça na minha. Pouco depois, quando nos separamos e voltávamos a caminhar, dois amigos da época de faculdade me cumprimentaram e, após apresenta-la a eles, conversamos um pouco. Pouco depois, ela me disse que iria cumprimentar minha mãe que estava próxima, pedindo licença e saindo:
- Cara, o Quinho tá de quatro pela morena. - Falou Tiago, um dos meus amigos.
- Qual é, Tiago!? - Retruquei, sorrindo.
- Fala que não tá!? Fala! - Ele insistiu, fazendo Breno rir alto.
- Mas até eu ficava. - Emendou o próprio Breno.
- Que mulher é essa, meu amigo... Ela tem irmã? - Tiago insistiu e acabamos os três rindo de uma cara besta que ele fez em seguida.
Não tive como não olhá-la enquanto se afastava. Eu estava realmente de quatro por ela. Infelizmente, deixa-la ir foi o meu primeiro erro! Eu nunca deveria tê-la deixado ir. Nunca! Voltei a conversar com eles e depois encontrei Salivar, um encarregado de uma das empresas de nosso grupo que estava intermediando uma grande negociação com um outro grupo, dizendo que os diretores daquela empresa estavam no salão e poderia ser uma ótima oportunidade para concluirmos informalmente a negociação. Acabei deixando-me levar pela empolgação e alegria de tê-la naquele ambiente e fui trabalhar. Como fui burro! Mal os cumprimentei e vi que a noite perderia seu brilho:
- Marcos, nosso grupo desistiu de investir no seu projeto neste momento. - Falou-me objetivamente.
- Mas estava tudo tão bem encaminhado. O que aconteceu para mudarem de ideia?
- É muito simples, meu caro. Não queremos ver o nome de nosso grupo envolvido com alguém acusado de uma tentativa de homicídio de uma ex-namorada para ficar com uma outra qualquer. Pior é que fica sendo preso e solto a todo o momento, com seu nome jogado em tudo que é jornal...
- Gente, o que é isso!?
- Já sabemos de tudo, Marcos... Está na mídia, na boca do povo. Não queremos esse tipo de publicidade vinculada as nossas empresas.
- Senhores, Marcos é inocente. Isso será provado em breve. Além do mais, se houvesse provas reais e contundentes contra ele, ele não estaria aqui agora, não é? - Salivar tentou intervir.
- Isso não importa, Salivar. A boca do povo é feroz e não queremos correr nenhum risco nesse momento. – Complementou o outro diretor que ouvia tudo até então em silêncio e emendou, dirigindo-se para o Marcos: - Torcemos para que você seja inocentado em breve, mas até lá, não há condições de fecharmos o negócio.
Ainda tentamos convencê-los do contrário por mais algum tempo, mas em vão. Nossos ânimos até se exaltaram quando um deles chegou a sugerir um tonalidade mais pejorativa para a “outra”. Salivar quase discutiu com um deles que praticamente o mandou calar a boca enquanto o outro reafirmava não querer negociar com um meliante. Nesse momento, eu já estava bravo e a ponto de explodir quando notei que eles se calaram e depois, olhando na direção do que os havia calado, vi uma Annemarye reticente, que me olhou sem saber se se aproximava ou não. Ela se aproximou, eu a apresentei a eles e, poucas palavras depois, eles saíram. Salivar, constrangido, pediu-nos licença e disse que tentaria novamente mais tarde. Acho que nem respondi.
Dizem que amor e ódio residem na mesma parte do cérebro, e deve ser verdade, pois, não sei porque até agora, eu a responsabilizei pelo fracasso daquela negociação e deixei isso bem claro no meu tom de voz. Foi o meu segundo erro naquela noite. Ela naturalmente ficou atônita, surpresa, eu diria até escandalizada e não aceitou obviamente qualquer culpa, mesmo porque eu não lhe expliquei nada naquele momento. Infelizmente, eu me fechei e ela, sentida e decepcionada, não se esforçou em tentar abrir uma brecha em minha couraça.
Por sorte meu pai chegou logo após para cumprimentá-la. Rasgou inúmeros elogios e isso a fez se sentir um pouco melhor, tanto que abriu um sorriso tímido e contido. Ele notou um clima ruim e tentou aliviá-lo com uma brincadeira, mas foi em vão. Eu não interagi e ela muito pouco, aliás, ela pediu licença para voltar à mesa da minha mãe. Meu pai decidiu acompanhá-la e achei melhor assim, pois não teria que me explicar para ninguém, eu nem queria para dizer a verdade.
Passei a beber mais do que deveria e conversar com outros amigos e conhecidos, praticamente a ignorando o resto da noite. Praticamente porque, vez ou outra, eu a buscava com meu olhar, afinal, ela é minha, e deveria estar onde eu pudesse vê-la. Acho que a bebida me fez pensar assim, porque ela não era de ninguém a não ser dela mesma e de quem ela se permitisse emprestar. Logo, um papo descontraído com amigos sobre futebol, regado a doses de whisky, me desligou dela momentaneamente.
Algum tempo depois, uma apresentação se iniciou e Luíza surpreendeu seu Julian com um número carnavalesco. Prefiro não dizer que ela estava linda, um verdadeiro tesão, vestida ou semivestida com um biquini alegórico, porque já tinha problemas demais. Cheguei a pensar em ir curtir um pouco com a Annemarye, mas para isso eu teria que lhe pedir desculpas antes. Eu sabia que devia isso a ela, pois ela não tinha feito nada para me prejudicar. Entretanto, ao vê-la dançando junto de Luíza e outras, um sentimento de incredulidade me tomou e os ciúmes me convenceram de que ela também tinha culpa, então as desculpas podiam esperar ou nem serem devidas. Mas que culpa? De quê? Maldito álcool, a culpa era dele!
À certa altura, um trenzinho surgiu do nada e moças, mulheres e homens começaram a brincar, pulando pelo salão. Eu a procurava com os olhos e a vi, feliz, sorridente, e foi num desses momentos em que nossos olhos se cruzaram e um imenso sorriso brotou em seu rosto para mim, que me fez sentir ainda mais triste e culpado por ter lhe imposta uma culpa que não era dela. Triste, me fechei em mim mesmo e desviei o olhar. Foi o meu terceiro erro da noite.
Não a vi mais. Por um bom tempo, eu a procurei com os olhos pelo salão e nada. Depois, fui perambular pelo salão a sua procura, mas nada de encontrá-la ainda. Fui então até a mesa da minha mãe e tomei um esporro homérico por ter discutido com a Annemarye sem qualquer razão. Minha mãe me xingou e depois meu pai completou o couro. Sim, couro e não coro, pois foi quase uma surra de cinta de língua a que tomei deles. Nana e Duda já corriam o salão há um tempo à procura dela e logo minha irmã caçula voltou desolada, contando que um garçom havia visto a morena alta de vestido cor de sangue sair triste pelo elevador de acesso ao salão. Meu coração quase saiu pela boca.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.