Ela respirou fundo, balançou suavemente sua cabeça, negando algo não sei se para mim ou para ela própria, e se levantou, assustando a mim e aos meus pais. Minha mãe já se preparava para se levantar, sendo contida por meu pai. Vimos a Annemarye se dirigir ao balcão do bar e se encostar em silêncio. O barman foi até ela e lhe perguntou algo, mas ela negou com a cabeça, olhando para o nada apenas. Após algum tempo calada, falou algo para ele que balançou afirmativamente a cabeça. Ela então veio em minha direção e disse:
- Levanta! Eu não me produzi toda para não dançar pelo menos uma música com o meu homem.
Capítulo 45 - Caminhos truncados
Eu a obedeci rapidamente. Nesse instante uma bonita música, romântica naturalmente, começou a tocar a pedido dela. Eu já a tinha ouvido, mas não me lembro o nome. Ali, de frente para ela, perguntei se poderia tocá-la, afinal meu pai havia me advertido que eu apanharia se fizesse isso. Ela só me olhou esboçando um sorriso contido e ainda levantou a sobrancelha, inclinando a cabeça e falando:
- Aproveita a chance, Marcos, antes que eu mude de ideia.
Tomei-a em meus braços, apertando-a firme pela cintura e segurando carinhosamente sua mão direita próxima ao meu peito e assim, ainda que timidamente, começamos a dançar lentamente pra lá e pra cá. Ela recostou sua cabeça na minha de uma forma que eu não conseguia vê-la, mas senti-la ali comigo já era uma grande vitória! Olhei para meus pais e eles nos olhavam, emocionados. Acho que cheguei a ver uma lágrima no rosto da minha mãe, ou talvez fosse só a iluminação, mas fato é que ela parecia estar adorando ser a espectadora daquele romance, igual ao dos livros que tanto curtia ler.
A música acabou mais rápido do que eu gostaria, mas eu já estava feliz por tê-la novamente comigo. Pelo menos era o que eu pensava:
- Quer voltar pra recepção? Essas festas costumam ir até bem tarde...
- Não, não tô afim não!
- Vamos pra casa, então? Estou morrendo de fome. A gente pode fazer um lanche antes de dormir.
- Eu não vou, Marcos. Vou dormir por aqui mesmo hoje.
- Mas por que? Você não me perdoou?
- Claro que sim! Sentir mágoa de alguém é algo que faz mais mal para quem sente do que para quem é o alvo da ira e eu não quero sentir mágoa alguma, muito menos de você.
- Mas então?
- Perdoar não significa se submeter. Eu ainda estou bastante confusa com tudo o que aconteceu e prefiro ficar sozinha, para pensar um pouco mais. Ainda estou brava com você e não quero correr o risco de brigarmos novamente.
- Eu juro que te deixo em paz. Nem encosto em você. Ó! - Disse e levantei os dois braços, sorrindo para tentar convencê-la.
- Eu não vou e não insista ou vamos brigar agora mesmo. Aliás, aproveita também para pensar um pouco. A solidão costuma ser uma boa conselheira...
- Poxa, Anne.
Fiz um bico e uma cara de “pidão”,.mas ambos foram ignorados por ela que, por sua vez, pegou-me pela mão e me conduziu até a mesa de meus pais que já se levantaram para nos receber de braços abertos:
- Eu sabia que vocês iam se entender. - Comemorou minha mãe.
- É, né, Annemarye!? - Falou meu pai após analisar o semblante dela e não concluir o mesmo.
- Eu o perdoei, mas ainda há questões que iremos conversar posteriormente. - Ela respondeu para ele.
- Mas está tudo bem, né? - Minha mãe insistiu.
- Ela já me perdoou, mãe, mas disse que vai dormir aqui hoje porque ainda está brava comigo e quer evitar o risco de uma discussão. - Respondi, consternado.
- Como é que é? Mas isso não tem cabimento, Annemarye. Balthazar, fala alguma coisa, homem! - Falou minha mãe, incrédula com nossa tranquilidade.
Meu pai a olhou por um momento e a abraçou forte, apertado, terminando com um beijo em sua face, antes de falar:
- Durma bem, minha querida. Descanse bastante e reflita com calma. Sei que tomará a melhor decisão, aliás, acho que já tomou.
- Balthazar!? - Resmungou minha mãe e se voltou para ela: - Se você não quiser dormir com o Marcos, tudo bem, eu entendo, mas volte para casa. Eu mando preparar o quarto de hóspedes para você.
- Deixa a menina em paz, Gegê! Ela é adulta e só quer pensar em paz, sozinha e em silêncio. Eu entendo perfeitamente isso e respeito. - Meu pai retrucou e depois se voltou para Annemarye novamente: - Quer que eu te mande alguma coisa de casa?
Ela apenas negou com a cabeça, exibindo um sorriso constrangido. Mesmo que a contragosto despedimo-nos todos dela. Eu fui o último e, sinceramente, não queria soltá-la:
- Vem comigo. Eu juro que te deixo em paz, durmo até em outro quarto se você quiser.
- Hoje não. - Respondeu baixinho e se voltou para minha mãe: - Dona Gegê, eu quero que a senhora leve suas joias. Não vou ficar com elas aqui.
Minha mãe concordou e ela as retirou, entregando-as para ela e para meu pai. Não queríamos sair dali e ela tomou a decisão de se afastar em direção ao elevador. Foi impossível não notar que ela secou uma lágrima de sua face quando nos olhou uma última vez antes de sumir de nossas vistas. Voltei com meus pais e um segurança se encarregou de levar o meu carro. Ainda assim, eu passaria a pior noite da minha vida.
[...]
Decidi conversar com Marcos porque não achava justo comigo, depois de tudo o que vivi e sonhei, terminar assim, sem ao menos uma explicação. Ele fez o que pode e explicou tudo o que havia passado naquela noite, mas ainda assim eu me senti injustiçada pela forma como ele me tratou. Logo eu que o pegaria no colo para fazê-lo se sentir melhor.
Resolvi seguir um ensinamento de meu pai que dizia que “perdoar não significa continuar ou se submeter, significa dar uma chance a você mesma de viver em paz”. Eu precisava e queria viver em paz, mas se iríamos continuar seriam “outros quinhentos”.
Ainda assim, em sinal de paz, o convidei para uma dança e olha que eu queria ter dançado muito com ele naquela noite. Eu queria me divertir, namorar, me exibir, fazê-lo se orgulhar de mim, mas, enfim… Uma dança comigo, ele teve, para ter o gostinho do que perdeu. “Que vingança besta!”, pensei comigo mesma.
Não voltei mesmo para a casa da dona Gegê porque eu queria mergulhar em meu silêncio e pensar muito a respeito de tudo o que se passou, além de avaliar o que ainda eu poderia passar ao lado dele. Em minha suíte, tirei meu vestido e meias, e, nua em pelo, deitei-me para divagar. Minha divagação não durou cinco minutos e o cansaço ou estresse me venceu. Apaguei.
No dia seguinte, acordei aos pés da cama, sinal de que o sono não foi tranquilo e muito menos revigorante. Uma olhada no espelho me mostrou que a maquiagem daquele salão era espetacular: ainda estava intacta e escondia as olheiras que certamente eu tinha, além dos demais sinais da noite mal dormida. Vesti-me novamente e desci para o restaurante do hotel para um merecido café. Os poucos hóspedes me olhavam como se eu fosse um ET, mas vestida num vestido longo de gala, talvez estivessem certos: “eterna tonta!”, pensei comigo e sorri sozinha. Tomando meu café e comendo alguns pãezinhos de queijo tomei uma decisão que eu sabia que não iria agradar a todos, mas, naquele momento, eu liguei o botão do “foda-se!”
Fiz meu “check out” e chamei um carro de aplicativo, pedindo que me levasse a um shopping não muito longe dali, onde comprei um vestido comum. Vesti-me no próprio banheiro do shopping e pensei em devolver o vestido de gala, mas minha consciência me convenceu do contrário: “Duda te deu, é seu!”.
Do shopping fui até o aeroporto onde aguardaria a ponte aérea para voltar a São Paulo, cuja passagem, comprada por celular ainda no hotel, já me garantia o retorno para casa. Lá na sala de embarque, enquanto esperava meu voo, comecei a conversar comigo mesma como se quisesse me convencer que o que eu estava para fazer era o correto para mim:
- Eles que me desculpem, mas o Marcos precisa aprender a agir como um homem. O que ele fez comigo não foi nada correto…
O nervosismo fazia com que eu esfregasse minhas mãos insistentemente:
- Mas e se ele não se importar? E se ele não vier atrás de mim?
Eu parecia uma louca falando sozinha:
- Então ele nunca te quis e não te merece mesmo. Foda-se ele!
Algumas crianças próximas me encaravam, suspeitando que eu fosse uma louca, mas um sorriso meu serviu para desarmá-las, ao ponto da menor delas vir caminhando em minha direção e se apoiar no meu joelho, fazendo uma mãe desesperada sair correndo logo atrás:
- Desculpa, moça, desculpa.
- Fica tranquila. Não há nada com o que se preocupar, não é, mocinha? - Falei para a menininha que me encarava curiosa.
Mas no fundo havia e eu estava muito preocupada. O voo foi rápido, como deveria, mas, mal pus os pés em São Paulo, meu telefone começou a tocar, aliás, tocar não, ele urrava incessantemente, alternando entre os rostos do Marcos e da dona Eugênia. Desta vez, preferi atender o telefonema do Marcos:
- Oi, Anne. Onde você está? Estou na porta do hotel e a recepcionista me disse que você fez o “check out”. A gente se desencontrou? Você está indo pra casa?
- Oi, Marcos. Não, eu… - Ficava difícil encontrar as palavras para justificar o que eu havia feito, mas tinha que ser honesta: - Voltei para São Paulo.
- Anne, nem brinca com isso! - Falou, mas logo meu silêncio o convenceu de que eu falava a verdade: - Por que? Poxa, por favor, não faz isso com a gente.
- Eu poderia ter usado essa frase com você ontem…
- Eu sei. Pelo amor de Deus, eu sei que errei, mas me dá uma chance. Você não sabe como eu estou me sentindo mal pelo que te fiz ontem.
- Marcos, a gente não está terminando, eu acho... É que eu tenho que cuidar da minha vida. Tenho que trabalhar, eu sou empregada, lembra? E como o doutor Gregório assumiu a sua defesa, vim para cá.
- Mas foi sem se despedir? Minha mãe vai ficar uma arara...
- Eu sei. Vou ligar para ela daqui a pouco. Eu preferi fazer assim para não ter aquele chororô de despedida. Não gosto disso.
- Eu vou aí te ver. Posso, né?
- Claro que pode, sô. Só me avisa quando.
- Tá bom. Olha, eu sei que você ainda está decepcionada comigo e com toda a razão, mas eu juro que vou fazer de tudo para consertar o que eu quebrei. Só me dá uma chance, ok?
- Vou pensar no seu caso…
- Anneeee…
- O que foi?
- Nem brinca, viu!? Eu te amo, caipirinha, e só de estar longe de você já estou com um aperto no peito.
Conversamos mais um pouco, sempre com ele tentando alguma intimidade, mas, sei lá, acho que eu tinha ficado mais decepcionada do que imaginava. Acho que aquela ideia de “príncipe encantado” havia se quebrado como um vaso e seria muito difícil consertar e, mesmo se conseguíssemos colar os cacos, não seria o mesmo vaso. Acabamos nos despedindo naquele dia sem que eu dissesse que o amava, mas não foi por maldade, foi esquecimento mesmo. Pelos menos, eu acho…
Dona Gegê não demorou cinco minutos para me ligar e me malhar no telefone. Como um “João Bobo”, eu aceitei as pancadas, mas me levantei de todas elas, ficando pronta para a próxima. Quando ela se cansou de falar, o que não é nada fácil de se alcançar, dei minha única tacada:
- Amo a senhora demais da conta, dona Gegê. Pode me xingar à vontade que não tô nem aí!
- Ah, se você tivesse aqui, eu te dava umas chineladas nessa bundona…
- Uai, mas se eu tivesse aí, não teria motivo para a senhora ficar brava.
- Você me entendeu, Annemarye, não tenta me enrolar! - Disse, riu e continuou: - Ah, filha, vocês vão ficar bem. Tinha que ver como ele tá abatido pela merda que fez…
- É, eu imagino, mas também não tá sendo fácil pra mim dona Gegê, meu “príncipe encantado” perdeu um tantão do encanto.
- Não diga isso! Aliás, você está errada se pensa dessa maneira. Esse negócio de perfeição só existe em romance, Anne. Na vida, temos que encontrar um parceiro que enfrente os problemas conosco. O Marcos já havia encontrado a dele, só não havia se dado conta; você também, acho que só precisa vê-lo com novos olhos.
- Ai, dona Gegê, a senhora tá dando nó na minha cabeça…
- Não o veja como um homem perfeito, Anne. Isso não existe. - Ela me interrompeu e continuou: - Veja o Marcos como o candidato ideal a ser aperfeiçoado por você. Simples assim… Ele é uma bolinha de barro com a qual você fará um lindo vaso.
Fiquei em silêncio e comecei a rir no telefone feito uma boba. Ela perguntou:
- O que foi, filha?
- Dona Gegê!? Danada a senhora, viu! - Falei assim que me controlei.
Conversamos mais um “tantim di nada” e então desligamos. Mais tranquila, quase dormi bem nessa noite. Acho que eu também estava com saudade do meu cafofo e claro do Bacon e do Torresmo que fizeram um festão a seu jeito para mim a noite toda. Quase não dormi, mas a culpa disso, certamente, não era deles. “Assim que se faz, Marcos, não jogando a culpa nos outros”, resmunguei comigo mesma.
Os dias foram passando e eu cada vez mais focada em mim, só em mim, no meu trabalho, nos meus estudos. Aquele “nós” parecia ficar cada vez mais distante e acho que nossa distância só não aumentou ainda mais porque o Marcos fazia questão de me ligar três vezes por dia, de manhã, tarde e noite, às vezes até mais. Apesar disso, mesmo com tudo que eu vinha fazendo e conquistando profissionalmente, não conseguia me convencer de que fazia a coisa certa. Para mim, alguma coisa não estava certa! Cheguei ao cúmulo de pedir demissão para poder voltar para o interior e Liliandra, após se entreolhar surpresa com seus sócios, negou veementemente meu pedido durante uma reunião:
- Não! Não concordo.
- Eu não quero mais trabalhar aqui. Errei de carreira. Vou voltar para o interior e…
- E fazer o quê? - Ela me interrompeu: - Virar uma dona de casa frustrada? Esquentar a barriga no fogão e esfriar na pia? Não concordo e não vou te demitir.
- Tá bom. Então, eu me demito.
- Eu não concordo! - Insistiu novamente, sem dar chance para os demais falarem qualquer coisa.
- E você vai fazer o quê? Me obrigar a trabalhar aqui como uma escrava?
- Se for necessário… Eu te amarro na perna da minha mesa até você colocar sua cabeça de volta no lugar, doutora Annemarye Costa Brasil Bravo!
Eu e seus sócios nos encaramos surpresos, porque, pela primeira vez desde que eu a conheci, usou meu nome completo:
- Bem… - Começou a falar o doutor Gregório, ainda encarando a Liliandra: - Acho que, então, estamos de acordo. A Annemarye continua, não é!?
- Gente… Pelo amor de Deus! Eu não quero ficar aqui. Preciso sair, dar um rumo na minha vida, fazer algo diferente, sei lá… - Pedi, quase choramingando.
- Tira férias, caramba! - Liliandra voltou a falar.
- Férias de novo!? Eu não quero ficar parada! Preciso fazer algo novo ou vou enlouquecer. - Insisti.
- Tá bom, então. Você vai viajar para nós e realizar um trabalho que deve levar um bom tempo e tudo isso fora de São Paulo. O que acha? - Disse o doutor George.
Eu a encarei furiosa por não ter concordado com minha demissão, mas curiosa com a nova proposta. Ele continuou:
- Lembra daquela fusão ou incorporação que quase fomos contratados para fazer dias atrás? Então, ela vai acontecer. - Me encarou agora de uma forma séria, mas sem ser descortês continuou: - A questão é: você está em condições de assumir essa empreitada?
- Eu estou bem, doutor George. Só cansada do mesmismo. Preciso de algo que me desafie, me ocupe a mente, entende?
- Entendo… Então, você vai cuidar disso para a gente. Vou deslocar um grupo para você gerenciar a operação. Eu já até tinha escolhido uns nomes para te propor… - Disse e começou a fuçar em alguns papéis à sua frente: - Aqui! Zé Menor do financeiro, Balão…
- Quem é Balão? - Perguntei baixinho para a Liliandra que balançou negativamente a cabeça para ele, sem sequer me olhar.
- É Bolão, George, Bolão! - Ela o corrigiu.
- Ah tá, Bolão também do financeiro… Denise e Marcinha do jurídico, e Pâmela para secretariar todo o trabalho.
- Seis pessoas!? Então, a coisa é grande mesmo?
- Empresas do ramo da mineração. - Ele falou, me empurrando a folha com o nome dos escolhidos por ele: - Se quiser trocar algum, me fala depois. Como te disse antes, você é quem irá conduzir os estudos para definirmos se será uma fusão ou uma incorporação. Quero que nos envie relatórios quinzenais dos trabalhos e o relatório final deve ficar pronto em, no máximo, três meses. Acha que dá conta?
- Eu não tenho muitos dados ainda para falar algo sobre prazo, são muitas as variáveis, mas três meses é um tempo bem considerável. - Concordei.
- Então, ótimo! Estamos conversados. Assim que você confirmar a equipe, eu envio as ordens de serviço e você já pode se reunir com eles para definir a metodologia do trabalho. - Continuou.
- Eu concordo com todos eles, doutor George, me dou bem com todos. - Falei.
- Ótimo! Resolvo a formação da equipe ainda hoje. - Falou e me encarou com uma seriedade que me assustou agora: - Ah, e só para não te deixar mais nervosa ainda, se fizer um bom trabalho, você será promovida.
- Mas eu já sou associada! Vocês é que nunca quiseram dar baixa na minha CTPS e formalizar o contrato de associação autônoma. - Falei.
- É. Nós sabemos. - Ele falou.
Eu o encarei por alguns segundos em silêncio e depois aos demais que agora exibiam um sorriso contido, de canto de boca:
- Mas não tem um cargo superior ao de associado. - Falei.
- Não mesmo? - Falou o doutor Gregório: - Pensa bem, menina!
- Uai! Só tem o de vocês. - Falei e eles me encararam com um sorriso mais cínico ainda e eu arregalei os olhos: - Tão de brincadeira, né!?
- Não, “Jéssica Tatu”. A gente já vinha conversando há tempos e você é uma das mais qualificadas e a mais inspirada do escritório, parece um pé de boi para trabalhar. Então, faça um bom trabalho, que sabemos que irá fazer, e vamos te tornar sócia do escritório. - Abriu um imenso sorriso para mim ao ver minha cara de espanto: - E me agradece. Fui eu que sugeri seu nome.
- Foi nada! - Doutor George resmungou.
- Fui eu, sim! - Ela insistiu.
- Não foi!
- Na verdade, fui eu que sugeri seu nome. - Disse o doutor Gregório, encarando-os sem ser contrariado.
Terminamos a reunião e eles saíram após me darem um abraço cada, deixando-me só. Comecei a sorrir feito uma boba, olhando para o símbolo do escritório na parede da sala de reuniões e imaginando qual letra de meus sobrenomes eu utilizaria e onde eu a enfiaria naquele símbolo.
Fui para casa pisando em nuvens. Liguei e contei a novidade para meus pais que viram seu sonho de me levar de volta para sua cidade ficar ainda mais distante, mas naturalmente vibraram com meu provável crescimento profissional.
Minha vida profissional ia de vento em popa. Eu sabia que a promoção já era minha, pois eu faria aquele trabalho com o maior esmero e rapidez possíveis. Só faltava acertar a minha pessoal e, nesse momento, me peguei pensando novamente no Marcos. “Poxa! Que saco de homem complicado”, lamentei.
[...]
- Fiquei sabendo que a Annemarye já voltou, pai.
- E ficou sabendo como, Guto? De onde você tirou isso?
- Dei umas gorjetas para uma moça que trabalha no escritório dela e ela me avisou que a Annemarye já tá trabalhando lá desde segunda.
- Ora, ora, ora, que curioso… - Falei enquanto tomava meu whisky: - Se não me engano, ela havia me dito que ficaria mais uns dias no Rio de Janeiro. O que será que aconteceu?
- Isso! Acho que aconteceu. - Guto falou, esfregando as mãos tamanha sua satisfação no que iria contar em seguida: - Quer saber da melhor? Parece que o namorico dela não anda bem das pernas.
- Explica direito isso aí, Gutão.
- Não sei direito, aliás, ninguém sabe, mas minha informante me disse que ela tem trabalhado como um robô e anda bem triste, conversando só o básico e somente com quem é extremamente necessário. Tá correndo um buchicho lá que ela brigou com o namorado e ela tá bem pra baixo.
- Opa, cara, essa informação vale ouro! Se ela estiver desestabilizada, pode ser a hora perfeita de colocarmos nosso plano em prática, Guto. - Vibrei: - Cadê a merda do meu celular? Preciso ligar pro Erick agora.
Saí procurando meu celular e só fui encontrá-lo tempos depois, escondido debaixo de uma almofada. Renata chegava na sala nesse momento, com os cabelos envoltos por uma toalha e cheirando a sabonete. Eu estava tão ansioso e excitado com a possibilidade de derrubarmos a potranca mineira que cheguei a cogitar dar umazinha com ela, mas me contive. Liguei para o Erick no mesmo instante porque precisávamos aproveitar a oportunidade:
- Erick, meu querido, onde você está?
- Chegando no haras, pai, por quê?
- Tenho novidade sobre a sua Annemarye.
- Novidades!? Que novidades?
Resumi tudo o que o Guto havia me contado e disse que precisávamos aproveitar a oportunidade para dar o bote para cima da “da roça”. Poderia ser o momento ideal para botarmos o plano em andamento. Entretanto, estranhamente, ele não parecia assim tão convencido:
- Pai, eu concordo com o senhor, mas estou bastante ocupado aqui nos próximos dias. Acho que vamos ter que esperar um pouco.
- Como é que é? Tá louco, Erick!? É agora ou nunca, cara. Temos que executar o plano. Depois você volta praí e, se a domarmos direitinho, talvez você até leva a potranca mineira junto.
- Sei não, pai…
Renata me olhava do canto do sofá e sua calma me deu um estalo. “Será que o Erick desistiu e ela está sabendo de algo?”. Fui para cima dele:
- Sabe sim! Qual é a tua, cara? Afinou, amarelou? É da tua mulher que estamos falando. Tá na hora de você assumir suas responsabilidades e partir pra cima.
- Vamos fazer assim, vou encaminhar algumas coisas aqui e amanhã vou para São Paulo. Daí nos reunimos e conversamos, pode ser?
- Tô te estranhando, Erick, mas tudo bem, vou te esperar.
Despedimo-nos e Renata continuava na dela, olhando para o nada com cara de paisagem, mas estranhamente tranquila:
- Cê tá sabendo de alguma coisa, né, Renata? - Perguntei, aproximando-me dela.
- Eu!? Sabendo de quê?
- Cê acha que me engana... - Peguei-a pelo queixo e a fiz me encarar: - Não me desafia ou mando tudo o que eu tenho pra um certo senhor Paulo. Tenho material para ele se matar na punheta se ele curtir ver uma puta das boas em ação.
Ela desviou o olhar, mas não se abateu com meu comentário, o que reforçou ainda mais minha desconfiança contra ela e o Erick. Guto nos observava em silêncio e vi que, naquele momento, ele era o único com quem eu poderia contar de verdade:
- Vamos tomar um chope, Guto. - Convidei-o para podermos conversar sem espiões por perto.
Fomos até um bar que eu conhecia bem e sabia que poderíamos conversar sem medo de sermos interrompidos. Sentamo-nos em uma mesa de canto, mais retirada das demais e fui objetivo:
- É o seguinte, acho que o Erick tá fraquejando e talvez a Renata esteja por trás disso. Talvez a gente tenha que adaptar o plano para a gente abater a potranca. Daí se ele quiser participar, beleza, a gente deixa, senão a gente aproveita sozinho, no máximo colocando o Guimba na jogada. Aliás, acho que vou colocar ele de qualquer jeito: é um pau a mais para amansarmos a fera!
- Por mim tá beleza, pai. O que o senhor tá pensando em fazer?
- Eu já disse para a Annemarye que queria me reunir com ela para explicar o mal entendido desse suposto relacionamento entre eu e a Renata. Tô pensando em marcar com ela num lugar mais reservado, talvez no apartamento, alegando que a Renata também estará presente, mas isso eu ainda vou analisar. Daí ofereço uma bebida ou um café “batizado” para ela. Você ficará escondido no quarto e quando ela tiver bebido, a gente age.
- Joia! Então, o senhor vai tirar a Renata da jogada?
- Então, isso eu não decidi ainda. Preciso me certificar se tem dedo dela nessa mudança repentina do Erick. Já não sei se ela é tão confiável assim…
- Entendi. - Guto respondeu e depois de virar uma caneca de chope e pedir outra, continuou: - Mas e aí? Como vai ser?
- Vou esperar o Erick até amanhã. Se ele não vier para cá, vou marcar com a Anne e vamos executar o plano. - Bebi uma bela golada e completei meu raciocínio: - Até amanhã eu decido sobre a Renatinha também. Se eu desconfiar dela, dou um jeito de despachá-la do apartamento.
OS NOMES UTILIZADOS NESTE CONTO E OS FATOS MENCIONADOS SÃO TOTALMENTE FICTÍCIOS E EVENTUAIS SEMELHANÇAS COM A VIDA REAL É MERA COINCIDÊNCIA.
FICA PROIBIDA A CÓPIA, REPRODUÇÃO E/OU EXIBIÇÃO FORA DO “CASA DOS CONTOS” SEM A EXPRESSA PERMISSÃO DO AUTOR, SOB AS PENAS DA LEI.