Era uma dessas tardes ensolaradas, com um calor que me fazia ter vontade de tirar toda a roupa e mergulhar no primeiro chafariz que encontrasse em uma praça.
Embora eu preferisse estar em casa, sentado confortavelmente em minha sala, com o ar condicionado ligado no máximo, era necessário resolver alguns assuntos no centro antigo da cidade.
Moro em uma cidade grande, com todas as facilidades mas também com suas mazelas. Pessoas sem teto, usuários de drogas, batedores de carteiras, reflexo de uma sociedade que prioriza o mecanismo urbano em vez de seus habitantes.
Meu emprego me permite ter uma vida confortável, embora meu salário esteja aquém do que eu mereça, em minha opinião. Mas eu poderia aproveitar melhor meus dias se não precisasse trabalhar tanto. Porém, as contas não são pagas com o lazer, e sim com a labuta diária.
Não bastasse o sol escaldante e o suor que pingava de minhas axilas, tive uma visão que me deixou estarrecido, me deu a sensação de um calor maior ainda. Na quadra seguinte, andando vagarosamente, vindo em minha direção, vi uma mulher, certamente uma freira, totalmente coberta, dos pés à cabeça. Estranhamente, trajava uma veste de cor púrpura , bem escura. Na cabeça, uma daquelas toucas rígidas, e um véu também púrpura. Algo que eu nunca havia visto antes, embora não fosse incomum ver religiosas com suas vestes pretas ou muçulmanas com seus hijabs.
Quando chegou mais perto, pude observar melhor. Emoldurada pela touca, vi a face de uma belíssima jovem, de cerca de vinte anos de idade. Não pude deixar de sentir pena dela, porque considero algo inacreditável que uma moça jovem e bonita não tenha a oportunidade de apreciar os prazeres da vida. Não sou contra religião alguma, mas tenho minhas restrições quanto a certos exageros ou fanatismos que envolvem algumas crenças.
Claro, as pessoas têm seus motivos para decidir se tornar padres ou freiras, pastores ou pastoras, monges ou monjas. Algumas o fazem por imposição familiar. Outras, por vocação. E algumas, que conheci, por decepção com a sociedade ou com o amor.
Enquanto eu divagava, a moça chegou bem perto de mim e me fitou firmemente. Acho que não descrevi bem a cena: ela ficou quase encostada em mim, e seu rosto quase tocou o meu!
Ela era tão linda, que cheguei a sentir uma espécie de tontura. Seu hálito perfumado entorpecia meus sentidos. E aqueles olhos verdes...quase me perdi dentro deles. Como se um mar profundo estivesse me puxando para dentro de suas águas.
Então ela falou, com uma voz macia, que me deixou ainda mais perdido e confuso:
- Desculpe, o senhor pode me ajudar?
Aquele “Senhor” me fez despertar de súbito. Era óbvio que eu, passando dos quarenta, estava meio que delirando com aquela visão maravilhosa. Mesmo com toda aquela vestimenta cobrindo seu corpo. Eu deveria ter o dobro da idade dela, e me recompus com uma certa dificuldade.
- Hã...sim, claro. Claro que posso ajudar. O que a senhorita precisa?
Eu já estava disposto a fazer tudo o que ela pedisse, dar tudo o que ela quisesse, tamanha a atração que eu estava sentindo.
- O senhor poderia me acompanhar? Estou sozinha e me disseram que esta parte da cidade é meio perigosa.
Era verdade, bem perto dali havia uma “Cracolândia”, e algum coitado poderia tentar assaltá-la em seu desespero químico.
Ela enlaçou seu braço no meu. Senti sua mão macia, e um arrepio percorreu meu corpo. Mas eu não devia, nem podia, sentir nada disso. Ela era uma religiosa. Só que não conseguia controlar essas sensações.
- O calor me deixou um pouco enfraquecida, desculpe se me apoio no seu braço.
- Não é nada, moça. Vou acompanhá-la até onde precisar.
Eu já estava para dizer que a acompanharia até o fim do mundo. Cruzaria o inferno por ela. Mas era uma situação inusitada. Por que eu estaria pensando essas coisas?
Talvez houvesse uma razão. Eu estava solteiro, havia me separado há algum tempo de minha última namorada. Não havia dado certo. Os objetivos dela eram diferentes dos meus, a relação era morna, nem ela nem eu estávamos satisfeitos, e foi acabando até que ambos simplesmente concordamos em parar por ali. Não chegamos a morar juntos, talvez por isso mesmo. Algo que acontece todos os dias, com muita gente. Há alguns milhões de pessoas em minha cidade, centenas de milhões no país. E não é fácil encontrar a pessoa certa.
Ela me despertou de meu devaneio.
- O senhor parece preocupado. Se eu estiver atrapalhando...
- Não, de jeito nenhum! Nem pense em soltar meu braço. Vou até onde você for.
- Obrigada. É difícil encontrar pessoas como o senhor, dispostas a ajudar.
- Não precisa me chamar de “senhor”, pode ser “você” mesmo. Sei que sou mais velho que você, mas eu me sentiria melhor se não fosse tão formal.
Ela sorriu.
- Então está bem. Você está sendo muito gentil, ajudando uma mulher desconhecida, vestida de maneira esquisita.
- Eu não diria “esquisita”. Diria...diferente. Nunca vi um traje como esse. É de algum convento aqui perto?
- Convento? Não... não sou uma freira, se é o que estava pensando.
- Se não é uma freira, por que esse traje? Desculpe a minha curiosidade.
- Estas vestimentas pertencem a uma Tradição muito, muito antiga, que não guarda relação alguma com as religiões que você conhece. Mas peço desculpas... estou inferindo coisas que podem não ser verdadeiras.
- Não se preocupe. Eu realmente desconheço alguma Ordem monástica que tenha esse tipo de traje.
- Não sou monja também. Uma Ordem monástica requer a abdicação da vida humana comum para se viver isolado do resto do mundo. Não é o que faço.
Ela apertou o meu braço um pouco mais.
- O que foi? Se estiver cansada, podemos nos sentar em algum lugar.
- Não... eu estava apenas pensando se deveria estar falando sobre este assunto.
- E qual seria o problema em falar sobre conventos e mosteiros?
- É uma outra realidade. Você não precisa se envolver com essas coisas, pode alterar a sua vida.
- Agora fiquei confuso. Estamos apenas conversando. Não há nada de mal nisso.
- Não, não há nada de mal. Pelo contrário. Mas você não iria querer deixar de viver como está vivendo, deixar as coisas que conhece, seu dia a dia na cidade, seu trabalho.
- Mas então você vive fora deste mundo. É como se fosse em um convento ou mosteiro.
- Eu não disse isso.
- Então, o que você quis dizer?
- Eu quis dizer que vivo em outra realidade. Diferente da sua.
Pensei em meu relacionamento anterior. Objetivos diferentes, planos divergentes. Mas isto certamente não era a mesma coisa. Algo nessa moça me atraía de forma muito intensa. E não era, obviamente, algo puramente físico, porque o corpo dela não estava à vista. Ou talvez fosse uma atração em todos os sentidos. Porque o toque dela em meu braço me dava uma sensação indescritível. E aquele olhar, como duas esmeraldas cintilando...
- Você está daquele jeito de novo. Parece preocupado.
- Não é preocupação. Eu estava divagando. Pensando em algo que passou...
- Ah. Mas o que passou já se foi. O que está por vir é incerto. O que temos é o agora. E neste momento eu sinto algo muito bom vindo de você. É bom estar aqui, caminhando ao seu lado.
- Eu sinto o mesmo...desculpe, não sei o seu nome.
- Também não sei o seu. Eu me chamo Alethea.
- Curioso. Alethea significa “verdade”, “realidade”, mas não sei nada sobre você. Meu nome é Roberto, estou encantado em conhecê-la.
- Estou feliz por nosso encontro. Mas ainda não nos conhecemos,não verdadeiramente.
- Tem razão. Mas se você não é freira nem monja, eu gostaria de conhecê-la melhor.
- Você não tem noção do que está pedindo.
- Quanto mistério... mas onde estamos indo, afinal? Estamos caminhando por esta rua há algum tempo.
- Meu destino, neste momento, é logo à frente, mais algumas quadras. Mas se quiser, pode me deixar aqui e seguir seu caminho, acho que estarei bem. Você deve ter seu trabalho, seus afazeres, sua vida, e eu interrompi o que você estava fazendo.
- Nem pense nisso. Afinal, esta parte da cidade pode ser perigosa. Você mesma disse isso.
Coloquei minha mão sobre a dela. Foi como se uma leve descarga elétrica percorresse meus dedos e se espalhasse por meu corpo inteiro.
Ela sorriu.
- Você não tem nada para fazer mesmo ? Não quero incomodar.
- Acabei de desmarcar todos os meus compromissos. Quero acompanhá-la aonde for. Só estarei tranquilo quando você estiver em sua casa.
- Ah, mas meu lar é muito longe daqui.
- Então, estarei tranquilo quando você estiver no lugar onde quer chegar, jovem misteriosa.
Alethea sorriu novamente, e seguimos por mais algumas quadras.
Quando chegamos em uma viela estreita, deserta, sem saída, ela soltou meu braço e segurou em minha mão. A sensação foi a mesma, aquela eletricidade que não feria, na verdade dava a impressão de algo muito agradável.
A viela terminava em um muro muito antigo, de tijolos, todo grafitado e pichado, como boa parte das paredes e muros de minha cidade. A moça me agradeceu.
- Muito obrigada por me acompanhar, Roberto. Apreciei muito estar com você.
- Alethea... eu falei sério quando disse que queria conhecer você melhor.
- E eu falei sério quando disse que você não tinha noção do que estava me pedindo.
- Você não quer me conhecer melhor? Vou aonde for preciso.
Ela me olhou firmemente nos olhos. Senti aquela tontura de novo.
Então, Alethea fez algo que eu jamais imaginaria. Começou a tirar sua roupa. Assustado, olhei ao redor. Mas não havia ninguém à vista, a rua era bem estreita e totalmente deserta. Nenhum carro, ninguém. À nossa frente, apenas um muro.
Ela tirou o traje, depois a touca, e seus cabelos dourados caíram sobre seus ombros. Uma outra surpresa: sem o traje, pude ver um colar dourado, pulseiras e tornozeleiras também douradas. Fora isso, estava totalmente nua, seus seios perfeitos e bucetinha sem pelos, expostos para mim. E ela não demonstrava estar envergonhada.
Pegou as roupas, enrolou-as e as jogou no chão, junto ao muro. Tive uma surpresa ainda maior: ela tocou em um tijolo, pressionando-o, depois em mais dois, e uma porta secreta foi se abrindo.
- Como eu disse...você não tem noção do que me pediu. Ainda quer vir comigo?
- Claro que quero. Você é o meu destino.
Não sei por que falei aquilo, mas o resto de minha vida estaria ligado àquelas palavras.
CONTINUA