CAPÍTULO VIII
- Há quanto tempo? - perguntei.
- Pouco... Mas conversamos no hotel, é mais reservado, - disse.
Ele segurava a maçaneta da porta acostumado a ditar as regras, conduzir as coisas conforme o seu julgamento.
- Ian, - falei. - Eu não vou a lugar nenhum. Depois disso?
Ele sacodiu a cabeça e entreabriu os lábios, apertava as pálpebras dos olhos como se tivesse miopia, puro teatro.
- Você é o gay mais estranho que conheço.
- Conhece muitos? Pelo seu novo emprego, imagino que sim. Aliás, eu nem sei mais, quem é você mesmo? Ianzão?
- Porra, - estourou. - Qualquer outro gay no mundo adoraria ter...
- Vai, se autoelogia, você é mestre nisso, se exibe.
Ele fechou as mãos e os olhos, limpou o rosto com as palmas das mãos, voltou a relaxar os ombros, ensaiou um riso frouxo de professor paciente e disse:
- Por que isso é importante? - dramatizou. - São fotos. Vídeos. Como em uma atuação. Sei lá, um modelo... Pronto, são ensaios fotográficos.
- Pornográficos você quer dizer, - respondi.
- Que seja! Por que isso importa tanto?
Eu recriminava-o muito mais por não ter me contado de imediato como eu faria se fosse o contrário, a ele e a Felipe, contaria no mesmo instante. Ian escondeu! Uma azia explodindo no meu estomago, acidificou ainda mais minhas palavras.
- Um ator pornô moderno, - sorri cruel. - Um acompanhante via aplicativo. Prostitutuinho.
Ele fechou mais uma vez os punhos e avançou me segurando pela gola da camisa. O empurrei de igual para igual. Ele largou, vi os ossos do rosto aparecerem, a ruga em cima da testa. Ian penteou os cabelos com a mão, apertou a minha com força.
- Não é você que quer sempre ser o adulto? Porra! Vamos conversar caralho! - ele deu um passo adiante.
Virou-se para me olhar enquanto ainda segurava a minha mão. Eu desejei por uns instantes que tudo fosse simples assim, uma coisa sem importância. Mas minha raiva subiu para a cabeça, senti meu rosto ferver.
Os passos da minha mãe no corredor e o peso da mão dela sobre a porta destravando a maçaneta, eu me virei largando a mão de Ian, ele permaneceu onde estava com os olhos em mim.
- O que está acontecendo? Estavam brigando? - ela perguntou com voz de sono.
- Não, não tem ninguém brigando aqui, - Ian respondeu. - Eu e o Joca, estamos planejando fazer uma coisa especial hoje, agora na verdade... Antes que eu vá embora.
- Embora como? - disse mamãe. - Eu sabia que depois desse carrão, essas roupas bacanas, logo, logo você escapava.
Ela sorria como se falasse comigo, tinha toda a intimidade de uma mãe, e Ian aproveitara-se disso.
- Joca, - ele disse. - Vem logo. Estou te esperando no carro.
Ele apertou o meu ombro. Eu o olhei mas Ian virara-se rápido e saiu passando por minha mãe. Ela o seguiu elogiando o corte da roupa e o nosso talento para passar pela sala sem sermos notados.
Eu fui para o banheiro e ainda com a toalha na cintura passei pela sala minha mãe já havia ido para a cama. Os faróis do carro de Ian acessos iluminavam parte da entrada da casa. Voltei ao quarto.
- Ele que se foda! - gritei.
Mas mesmo assim a raiva ainda estava me apertando o peito e o juízo. Queria bater nele para descontar isso, sabendo que jamais conseguiria ferir aquele rosto, aquele corpo. Eu ainda aguardei mais tempo dentro de casa sem querer ir até a porta.
Escrevi e reescrevi mensagens para ele no zap:
"Agora não temos nada para conversar Ian, vá embora, por favor" - hesitei em clicar na setinha mas no fim deslizei o polegar.
Cai na cama ainda com o cabelo molhado. O ronco do carro dele estourou na rua. Em seguida um sereno começou a cair. Eu vesti meu pijama e desliguei o celular. Não havia o que chorar. A situação não era trágica assim, mas me corroía.
Quando o sono não veio, levantei-me ainda com a madrugada. Levei meu cobertor e um travesseiro para a sala. Nem a televisão com os três canais de streamings foram capazes de sono.
Eu segurei o botão na lateral do celular mas antes mesmo de a tela acender, com o final de um episódio de Euphoria série da HBO na tevê, o dia abria-se entrando pela casa, a voz de Felipe veio junto da porta.
Olhei para o celular nas minhas mãos pensando que vinha dele, mas era mesmo na porta, o Felipe que me chamava. Saltei do sofá indo direto para o portão. Ele estava com a camisa do pijama e uma calça moletom.
- Ah ainda bem que...
Nem o deixei terminar de falar e dei-lhe um soco fraco no rosto. Felipe cambaleou para trás com a mão na face esquerda.
- Você tinha que ter me contado pessoalmente cara, - falei já arrependido da agressão.
Ele ergueu-se rápido e disparou um tabefe no meu, ardeu na mesma hora.
- Veado acorda! Enfiou o celular no cú foi? Desde as três e meia da manhã que estou na emergência de regulação. Ian sofreu um acidente na BR...