CAPÍTULO IX
Eu estava como um pino de panela de pressão, girando, um zumbido no ouvido, o suor pelos cantos do meu rosto, uma fraqueza nos joelhos, respirava fundo para não cair para frente, e vomitar nos pés.
Ian morrer aos dezoito anos? Suava frio ao pensar nisso.
- Tá certo Hildinha, - dizia Felipe com o celular na orelha. - Jack, me deixa no posto da Federal. O marido de Hilda vai me pegar lá.
- E ele? - disse o irmão de Felipe.
Jackson dirigia o chevrolet trajando apenas uma cueca e os óculos de armação preto como os pelos no corpo. Os cabelos para cima e a voz de sono. Os irmãos tinham a mesma altura, Jackson mais forte e peludo nos ombros, coxas e peito.
Felipe permaneceu na casa de dona Janete que tivera uma queda de pressão após a confusão com o filho, por isso foi o primeiro a saber do acidente. A notícia por pouco não a leva também para uma UTI junto ao filho.
Eu e o Felipe íamos para o hospital em seu lugar enquanto Luana ficaria com ela em casa.
- Vou para o hospital, - eu respondi.
Jackson concertou-se no banco, nos encaramos pelo retrovisor, ele sorriu inclinou-se sobre o volante:
- Que foi? Eu estava dormindo.
Tentando descontrair a situação ao mesmo tempo explicar aquela cueca de tecido de algodão em evidência por causa dos pelos.
- Você vai ficar com ele, Jack - disse Felipe. - Pelo menos até eu resolver o negócio com o carro...
- Impossível Lipe! - ele reclamou enquanto trocava de marcha. - Olha meu estado?
- Paciência quer dormir nu...
Felipe assumira um posição de liderança em toda a questão, ele acionara o esposo de Hilda, policial rodoviário federal, ele ligou para Luana, e veio conferir se eu estava com o Ian dentro do carro.
Felipe saiu do chevrolet e tirou o moletom entregando-o para Jackson pela janela, enquanto eu passava para o banco da frente.
- Vai apertar, - ele resmungou. - Preciso mesmo ficar lá?
- Não, - eu disse.
- Sim, - Felipe cortou. - Você caladinho, não apita nada. Se cuidem.
Ele disse me olhando acusador, o calor no lugar do tapa até ardeu, desviei para o lado.
Jackson balançou a cabeça, girou a chave na ignição e voltou a fazê-lo tomar vida em um estrondo macio.
O vento frio entrava pelas janelas. Jack se inclinou com o braço direto por cima das minhas coxas, e mantinha o volante com o outro, moveu a alavanca da porta ao meu lado, os vidros para cima trouxeram o silêncio que o vento antes cortava.
Em outra situação eu acharia constrangedor.
- Viu as fotos do carro? - ele disse. - Acho que dessa o cara não sai vivo.
Como um letreiro na testa de um ônibus, na minha passava o tempo todo "Ian pode morrer e por minha culpa", o peso desse pensamento descia pelo corpo desarmando tudo.
- Ele é forte, jovem, - falei engasgando. - Vai resistir.
Jackson dirigiu com habilidade sem perder o foco e com o relógio no painel indicando os oitenta a cem, diminuía quando outros veículos embicavam pelos lados.
Ele permaneceu no veículo enquanto eu descia para entrar na emergência.
Uma pessoa em cima de uma maca era levada para fora, e uma ambulância esperava do lado de fora com as portas abertas. Eu engoli em seco, o peso daquele lugar contrastava com as cores de paz.
- Ian Fontele, dezoito anos... - eu disse a moça.
- É parente? - ela perguntou. - Identidade, por favor.
Eu a entreguei a mulher que soltou um riso de deboche.
- O senhor veio com mais alguém? Menores não podem entrar na ala de espera do centro cirúrgico.
O "centro cirúrgico" que ela disse tão facilmente me socou o estomago.
Eu respirei fundo, agradeci brusco e no caminho para o carro arrependi-me pois a funcionária não tinha culpa em nada. Jack inclinara o banco do carro e com o braço para cima atrás da cabeça, cochilava. Bati no vidro, ele dormia, coçou a barriga.
O estacionamento era também a divisão por onde as ambulâncias chegavam e saiam, uma aproximou-se e passou por nós, as luzes despertaram o Jackson que ergueu-se.
- Eles não me deixam entrar, - falei quando baixou o vidro. - Acho que tem alguma lei que impe...
- Espera, - ele cortou.
As bochechas de Jackson ficaram rubras, ele catou os óculos de cima do painel do carro, abriu a porta e saiu. Vestia apenas o casaco do irmão justo nos braços estourando nos ombros e peito. Jack caminhou em direção a emergência.
- Mas onde você... - tentei dizer.
Os pelos nas pernas embora densos não constituíam calças e enquanto caminhava de cabeça erguida como se vestisse o último lançamento de terno e blazer para entrar em um fórum. A moça o encarou dos pés a cabeça.
- Eu sou Jackson, aqui, está... - deu-se conta do ridículo. - Meu registro da ordem ficou no carro, mas pela lei a senhora...
As duas portas abriram-se ao nosso lado e os guardas pediram para que todos abrissem caminho, antes mesmo de a maca embalada com um papel filme apontar, reconheci o chumaço de cabelos.
- Ian, - gritei avançando para eles. - Para onde o estão levando?
No tumulto um dos seguranças me puxou por baixo dos braços, Jackson entrou no meio. Uma das mulheres de jaleco e com uma prancheta na mão, controlou a situação.
Eu me aproximei dela vendo Ian ser erguido pelos maqueiros para dentro da ambulância com tubos na boca e nos braços dele.
- São parentes? - ela perguntou.
- Sim, quer dizer, ele é - Jack respondeu por mim. - Mas tem dezessete não querem liberar.
A mulher suspirou fez um gesto com a mão e a acompanhamos para fora. A recepcionista ainda estava dizendo "nem se fosse o ministro do supremo, de cueca só, nu, pelado, é cada coisa", eu só me atentava a maca com Ian.
Jackson segurou pelo meu antebraço e aproximou-se do meu ouvido, fecharam a ambulância e seguiram. Jack me empurrou para fora.
- A plantonista vai permitir que você acompanhe, - ele disse. - Eu vou seguindo com o carro e aviso ao Felipe e dona Janete.
Eles pararam a ambulância do lado de fora do hospital e abriram as portas do fundo.
Eu subi e me sentei ao lado de Ian estendido na maca todo equipado. A mulher de jaleco me ajudou a travar o cinto em volta da minha cintura. Ela segurou o meu joelho.
- O caso é sério, ele teve uma fratura na cabeça, por isso vou permitir que venha, será bom que alguém que ele conheça venha junto, converse com ele por favor - pediu. - Não podemos ceda-lo, não aqui, a voz de alguém conhecido vai acalmá-lo.
Hesitei por um momento depois de nossa discussão se minha voz não teria o efeito oposto ao esperado pela médica.
Eu segurei a mão de Ian entre as minhas, havia uma agulha e um esparadrapo por cima, senti ele mover os dedos. A palma da mão morna, a mulher olhava para a prancheta.
- Ian, sou eu João, Joca, - falei vacilante. - Cara, logo, logo, saímos dessa...
A reação foi imediata os dedos dele envolveram a minha mão, vimos o peito dele relaxar em uma respiração mais lenta. A mulher ergueu o polegar para mim enquanto consultava um equipamento com números piscando a esquerda.
- Continua, tá indo bem... - ela incentivou.
- Você não vai acreditar em quem está tomando conta de dona Janete, a Luana... e o Felipe está agilizando tudo para que você saia dessa, o quanto antes, Hildinha também, todos nós estamos com você...